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ÍNDICE

OBEJETIVOS PEDAGÓGICOS .............................................................03

CAPÍTULO I – ENTRE O MITO E A FILOSOFIA......................................04

PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO I..................................................11

CAPÍTULO II – O NASCIMENTO DA FILOSOFIA...................................14

PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO II................................................20

CAPÍTULO III – OS FILÓSOFOS PRÉ- SOCRÁTICOS ..............................22

PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO III...............................................29

CAPÍTULO IV SOCRATES E A INTERROGAÇÃO FILOSÓFICA ................31

PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO IV...............................................41

CAPÍTULO V PLATÃO E A DOUTRINA DAS IDEIAS..............................43

PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO V ...............................................52

CAPÍTULO VI AS IDEIAS DE ARISTÓTELES...........................................55

PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO VI...............................................63

CAPÍTULO VII FILOSOFIA MEDIEVAL .................................................67

PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO VII..............................................75

CAÍTULO VIII FILOSOFIA ÁRABE-ISLÂMICA E JUDAICA.......................77

PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO VIII.............................................90

BIBLIOGRAFIA...................................................................................91

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OBJETIVOS PEDAGOGICOS
Este material em forma de apostila apresenta a Filosofia como um conhecimento que possibilita o desenvolvimento
de uma forma própria de pensamento. A Filosofia pode ser considerada como conteúdo produzido pelos filósofos ao
longo do tempo, mas também como o exercício do pensamento que busca o entendimento das coisas, das pessoas e
do meio em que vivem. Portanto, um pensar histórico, crítico e criativo, é aquele que discute os problemas da vida à
luz da História da Filosofia.

No decorrer desta apostila são desenvolvidos vínculos interdisciplinares. É a filosofia buscando na Ciência, na
História, na Arte e na Literatura, entre tantas outras possibilidades, apoio para refletir sobre o problema estudado,
assimilando-o na complexidade da sociedade contemporânea.

Propõe-se o estudo da Filosofia por meio da leitura dos textos; de atividades investigativas; de pesquisas e debates,
que orientam e organizam o estudo da Filosofia.

As atividades têm por objetivo a leitura dos textos, a assimilação e entendimento dos conceitos da tradição
filosófica. Os Exercícios são importantes porque acrescentam informações, fixam e aprofundam o conteúdo
estudado.

Constantemente é proposto um ponto de partida, podendo surgir ou não novos problemas e novas questões a
serem analisadas.

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CAPÍTULO I

ENTRE O MITO E A FILOSOFIA


Problema inicial: A filosofia nasceu realizando uma transformação gradual sobre os antigos mitos
gregos ou nasceu por uma ruptura radical com os mitos?

Mas, o que é um mito?


Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das
plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos
instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc).

A palavra mito vem do grego , e deriva de dois verbos: do verbo (contar, narrar, falar

alguma coisa para os outros) e do verbo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os
gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira
determinada narrativa, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada,
portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador. Essa autoridade vem do fato de que ele ou
testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem testemunhou os
acontecimentos narrados.
Quem narra o mito? O poeta, por exemplo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta
é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem
de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra – o mito – é
sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável.

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Portanto, os mitos existem porque o homem possui um anseio natural pelo conhecimento. A nossa
racionalidade, ou seja, o mundo ativo de pensar, analisar, refletir, criar, e assim modificar a realidade, nos
coloca numa condição de querer entender as coisas, compreender os fenômenos que nos cercam. Ao
conjunto de vários mitos de uma determinada cultura ou povo nós chamamos de mitologia. Assim, temos a
mitologia grega, a mitologia egípcia, a mitologia celta, a mitologia dos povos orientais e, inclusive, as
mitologias das tribos indígenas que ajudaram a formar a cultura brasileira. Tomemos alguns exemplos de
narrativa mítica:

O mito indígena de origem do guaraná


O guaraná é a semente do fruto que vem do guaranazeiro, planta considerada sagrada pela tribo dos índios
Maués da Amazônia. Para explicar o seu surgimento, contam os Maués que, há muito tempo, vivia um casal
que não conseguia ter filhos. Como eles queriam muito uma criancinha, rezaram para que Tupã, o deus
supremo, lhes fizesse a vontade. Tupã olhou nos corações do índio e da índia e viu que eles eram bons e
honestos. Assim, resolveu atender o desejo do casal e lhes deu de presente um menino. O indiozinho cresceu
forte e bonito, trazendo muitas alegrias a seus pais e à toda a tribo. Porém, o deus da escuridão, chamado
Jurupari (você já reparou que há sempre um malvado que vem estragar a alegria dos outros nas histórias de
todos os povos?), começou a ter inveja do menino, exatamente porque ele trazia felicidade e muita paz à
todos. A inveja cresceu e cresceu, até que Jurupari resolveu acabar com aquilo de vez: aproveitou um
momento de distração da criança e, transformando-se em cobra, mordeu o menino e matou-o com seu
veneno.
Todos ficaram desesperados com a notícia da morte do indiozinho. Mas, de repente, trovões estrondosos se
ouviram nos céus. A mãe da criança morta percebeu que o trovão era a
voz de Tupã, dizendo: “Mulher! Planta na terra os olhos de teu filho tão
injustamente assassinado. Não posso fazer a criança voltar à vida, mas
farei nascer dos olhos dela uma fruta maravilhosa, que muitos prazeres
trará ao teu povo”’
Assim a índia fez. Plantou os olhos do filho e, pouco depois, viu brotar
da terra uma planta que deu um fruto negro, com um aro ao redor,
como se fossem... olhos! Assim surgiu o guaraná, um fruto da Floresta Amazônica que é usado para dar
energia a quem o bebe.

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O mito grego de origem do amor
Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de
Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou na porta.
Ora, Recurso, embriagado com o néctar – pois o vinho ainda não havia – penetrou o jardim de Zeus e, pesado,
adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao
seu lado e de pronto concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado
em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por
ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre
pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar,
sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza
da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom,
e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio
de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem
mortal, e no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à
natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece,
assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis com efeito o que se dá.

Vemos, portanto, que o mito narra a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações sexuais
entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem
do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias (origem do cosmos), antropogonias (origem do ser
humano) e theogonias (origem de deus ou dos deuses).

A palavra Gonia vem de duas palavras gregas: do verbo (engendrar, produzir, gerar, fazer

nascer e crescer) e do substantivo (nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie). Gonia,


portanto, quer dizer: geração, nascimento a partir da concepção sexual e do parto. Cosmos, por sua vez,
quer dizer mundo ordenado e organizado. Assim, a cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e a
organização do mundo, a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas.

Theogonia é uma palavra composta de Gonia e , que, em


grego, significa: as coisas divinas, os seres divinos, os deuses. A
theogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses, a partir de seus pais
e antepassados.
Outro aspecto muito importante é que os mitos não precisavam ser comprovados, pois se acreditava
que eram mensagens transmitidas pelos próprios deuses.

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A filosofia, ao nascer, é uma cosmologia, uma explicação racional sobre a origem do mundo e sobre as
causas das transformações e repetições das coisas; para isso, ela nasce de uma transformação gradual dos
mitos ou de uma ruptura radical com os mitos? Continua ou rompe com a cosmogonia, a antropogonia e a
theogonia? Duas foram as respostas dadas pelos estudiosos:
1) A primeira delas foi dada nos fins do século XIX e começo do XX, quando reinava um grande otimismo
sobre os poderes científicos e capacidades técnicas do homem. Dizia-se, então, que a filosofia nasceu por
uma ruptura radical com os mitos, sendo a primeira explicação científica da realidade produzida pelo
Ocidente.
2) A segunda resposta foi dada a partir de meados do século XX, quando os estudos dos antropólogos e
dos historiadores mostraram a importância dos mitos na organização social e cultural das sociedades e como
os mitos estão profundamente entranhados nos modos de pensar e de sentir de uma sociedade. Por isso,
dizia-se que, como qualquer outro povo, os gregos acreditavam em seus mitos e que a filosofia nasceu,
vagarosa e gradualmente, do interior dos próprios mitos, como uma racionalização deles.
Atualmente, consideram-se as duas respostas exageradas e afirma-se que a filosofia, percebendo as
contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-
as numa outra coisa, numa explicação inteiramente nova e diferente.
Quais as diferenças entre filosofia e mito? Podemos as três mais importantes:

1. O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e
fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal como existe no presente. A filosofia, ao
contrário, preocupa-se em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na
totalidade do tempo), as coisas são como são.
2. O mito narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas
sobrenaturais e personalizadas, enquanto a filosofia, ao contrário, explica a produção natural das coisas por
elementos e causas naturais e impessoais. O mito falava em Urano, Ponto e Gaia; a filosofia fala em céu, mar
e terra. O mito narra a origem dos seres celestes (os astros), terrestres (plantas, animais, homens) e marinhos
pelos casamentos de Gaia com Urano e Ponto. A filosofia explica o surgimento desses seres por composição,
combinação e separação dos quatro elementos – úmido, seco, quente e frio ou água, terra, fogo e ar.
3. O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque esses
eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no mito vinham da
autoridade religiosa do narrador. A filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e coisas
incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da
explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.

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Os mitos cumpriam uma função social moralizante de tal forma que essas narrativas ocupavam o
imaginário dos cidadãos da Pólis grega (cidade-Estado) direcionando suas condutas. Na Atenas do século V
a.C. existia também o espaço para as comédias que satirizavam os poderosos e personagens célebres, e as
tragédias que narravam as aventuras e prodígios dos heróis, bem como seus fracassos. Havia festivais em
que os poetas e escritores competiam elegendo as melhores peças e textos. Estes festivais eram muito
importantes na vida da “pólis” grega, era por meio destes eventos sociais que as narrativas míticas se
difundiam.

O mito hoje
Na modernidade, podemos pensar filosoficamente outros conceitos para o mito. Um dos modos de
entender o mito é pensá-lo como fantasmagoria, isto é, aquilo que a sociedade imagina de si mesma a partir
de uma aparência que acredita ser a realidade. Por exemplo: é mítica a ideia de progresso, porque é uma
ideia que nos move e alimenta nossa ação, mas, na realidade, não se concretiza. A sociedade moderna não
progride no sentido que tudo o que é novo é absorvido para a manutenção e ampliação das estruturas do
sistema capitalista. O progresso apresenta-se como um mito porque alimenta o nosso imaginário.
Todo o conhecimento científico é socialmente construído, de tal maneira que o rigor da ciência tem
limites inultrapassáveis e sua pretensa objetividade não implica em neutralidade, daí surge a ideia de que a
ciência leva ao progresso e que o progresso e a história são de alguma forma, lineares, podendo ser
considerado uma espécie de mito moderno da cientificidade. Quando, ao procurarmos analisar a situação
presente nas ciências no seu conjunto, olhamos para o passado, a primeira imagem é talvez a de que os
progressos científicos dos últimos 30 anos são de uma ordem espetacular que os séculos que nos
precederam não se aproximam em complexidade. Então, juntamente com Jean-Jacques Rousseau (1712 -
1778) perguntamos: os progressos das ciências e das artes contribuirão para purificar ou para corromper os
nossos costumes? Há uma relação entre ciência e virtude? Há uma razão de peso para substituirmos o
conhecimento vulgar pelo conhecimento científico?

Mitos modernos
Hoje, independentemente da religião que professemos muitos de nós não acreditam nos mitos e em suas
histórias. A ciência deu luz à maioria de nossas inquietações. Então, por que dizermos que os super-heróis
são mitos modernos? O que eles têm a nos dizer?
Abaixo apresentamos duas citações retiradas do livro O poder do mito, de Joseph Campbell:
• “Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos”.

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• “Contamos histórias para tentarmos entrar em acordo com o mundo, para harmonizarmos nossas vidas com
a realidade”.
Diante dessas afirmações, em um primeiro momento podemos realmente dizer que os mitos são apenas
uma forma de descrever o mundo que nos rodeia, mas percebemos que o papel deles (como de qualquer
história) é muito maior: é tornar esse mundo parte de nós.
Os super-heróis nos tornam parte desse todo. Muito mais do que imaginamos…
Há alguns anos, os jornais noticiaram que uma mãe entrou numa espécie de lagoa, sem saber nadar, para
salvar o filho que estava se afogando. Se esquecermos por um instante do fator biológico de preservação da
espécie, essa mulher ultrapassou seus limites para salvar um bem maior que a própria vida dela. Ela foi
ovacionada como uma heroína. Muitos foram os casos de pessoas que extrapolaram seus limites objetivando
o bem do outro, normalmente aos que fazem isso denominamos heróis.
O que diferenciaria essa mulher do Superman? Claro, os super-poderes! Seria muito mais fácil se ela
tivesse a habilidade de voar do homem de aço. Ela apenas voaria por cima do pequeno lago e resgataria a
criança num ato quase cinematográfico. Seria dramático, certamente, mas ela continuaria sendo
considerada uma heroína, mesmo não tendo lá muito trabalho no resgate? Não seria mais ou menos como
puxar a mão do filho quando, ao atravessar a rua, ele se adianta sem perceber um carro que está se
aproximando?
Por conta desses questionamentos, alguns consideram a expressão “super-herói” uma grande
contradição. Ser “herói” e “super” ao mesmo tempo não teria nenhum nexo. Uma saída é irmos para o
contraponto pensando em “super-vilões” que, normalmente tem super-poderes e os utiliza para o que
habituamos chamar de mal. Então, tanto os heróis quanto os super-heróis estão ligados pela sua essência,
que é fazer o bem.

Superman e o ser herói.


Superman foi o primeiro grande super-herói de outros que tentaram imitá-lo, com ou sem sucesso. Foi
criado por dois estudantes Jerry Siegel e Joe Shuster e sua primeira aparição foi em junho de 1938 na revista
Action Comics. A origem clássica do Superman narra que para salvar a vida de seu filho da destruição total
do planeta Kripton, o cientista Jor-EL lança-o dentro de uma pequena aeronave que cai na Terra, mais
especificamente em uma cidadezinha do interior dos Estados Unidos chamada Smallville. A criança é adotada
por John e Marta Kent e recebe o nome de Clark Kent. Com o passar dos anos, Clark descobre sua origem e
percebe que é diferente dos outros habitantes do nosso planeta.
Mais tarde vai trabalhar em Metrópolis, como jornalista no Planeta Diário. Lá conhece Lois Lane, Jimi
Olsem e Perry Whait.

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Assim, os super-heróis nos tornam parte do mundo muito mais do que imaginamos. São nossas
personificações melhoradas que anseiam pelas mesmas coisas, seja
entender que grandes poderes trazem grandes responsabilidades ou ser o
homem mais poderoso do mundo e apenas querer ser aceito. Assim, ele
conquista a confiança e a credibilidade dos outros, mais ou menos como
gostaria.
Há que se lembrar que o Super-Homem é um ser dotado de poderes,
ilimitados, porém vive uma vida simples como repórter de um jornal, e
acaba até passando por humilhações. Além de seu modelo de justiça e bondade, podemos identificar nele a
vontade do trabalhador de, um dia, descobrir que tem poderes e que, por trás daquela vida simples, existe
um herói que salvará o planeta.
Outra importante característica dos heróis, tanto dos gregos quanto dos atuais, é que a vida deles, tal
como a nossa, não é tranquila e perfeita. Eles também tem dilemas, problemas e em meio a tudo isso ainda
conseguem realizar grandes feitos.

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PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO I
I) O mito grego é uma narrativa sobre a origem das coisas, fundamentando a ordem do mundo segundo
as leis, relações e feitos dos deuses. Sobre o mito, assinale a alternativa INCORRETA.
A) A genealogia é o modo pelo qual o mito narra a geração dos deuses, das coisas, das qualidades, por
outros seres que são seus pais ou antepassados.
B) O mito narra acontecimentos na terra como consequência de alianças e rivalidades entre deuses, a
exemplo da Guerra de Troia.
C) O mito narra a origem das coisas no mundo encontrando recompensas e castigos que os deuses dão aos
que os obedecem, ou desobedecem, a exemplo do mito de Prometeu.
D) Os mitos são cosmologias e teologias, na medida que explicam o surgimento das coisas e dos deuses.
E) Os mitos são cosmogonias e teogonias, na medida que explicam o surgimento das coisas e dos deuses.

II) Leia a fábula de La Fontaine, uma possível explicação para a expressão ”o amor é cego”.
No amor tudo é mistério: suas flechas e sua aljava, sua chama e sua infância eterna. Mas por que o amor
é cego? Aconteceu que num certo dia o Amor e a Loucura brincavam juntos. Aquele ainda não era cego.
Surgiu entre eles um desentendimento qualquer. Pretendeu então o Amor que se reunisse para tratar do
assunto o conselho dos deuses. Mas a Loucura, impaciente, deu-lhe uma pancada tão violenta que lhe
privou da visão. Vênus, mãe e mulher, pôs-se a clamar por vingança, aos gritos. Diante de Júpiter, de
Nêmesis – a deusa da vingança – e de todos os juízos do inferno, Vênus exigiu que aquele crime fosse
reparado. Seu filho não podia ficar cego. Depois de estudar detalhadamente o caso, a sentença do
supremo tribunal celeste consistiu em declarar a loucura a servir de guia ao Amor.

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Fonte: LA FONTAINE, Jean de. O amor e a loucura. In: Os melhores contos de loucura. Flávio Moreira da
Costa (Org.). Rio de Janeiro: Ediouro, 2007
A fábula traz uma explicação oriunda dos deuses para uma realidade humana. Esse tipo de explicação
classifica-se como.
A) ESTETICA
B) POETICA
C) FILOSOFICA
D) MITOLOGICA
E) CRITICA
III) No início do século XX, estudiosos esforçaram-se em mostrar a continuidade, na Grécia Antiga, entre
mito e filosofia, opondo-se a teses anteriores, que advogavam a descontinuidade entre ambos.
A continuidade entre mito e filosofia, no entanto, não foi entendida univocamente. Alguns estudiosos,
como Cornford e Jaeger, consideraram que as perguntas acerca da origem do mundo e das coisas haviam
sido respondidas pelos mitos e pela filosofia nascente, dado que os primeiros filósofos haviam suprimido
os aspectos antropomórficos e fantásticos dos mitos.
Ainda no século XX, Vernant, mesmo aceitando certa continuidade entre mito e filosofia, criticou seus
predecessores, ao rejeitar a ideia de que a filosofia apenas afirmava, de outra maneira, o mesmo que o
mito. Assim, a discussão sobre a especificidade da filosofia em relação ao mito foi retomada.
Considerando o breve histórico acima, concernente à relação entre o mito e a filosofia nascente, assinale
a opção que expressa, de forma mais adequada, essa relação na Grécia Antiga.
A) O mito é a expressão mais acabada da religiosidade arcaica, e a filosofia corresponde ao advento da
razão liberada da religiosidade.
B) O mito é uma narrativa em que a origem do mundo é apresentada imaginativamente, e a filosofia
caracteriza-se como explicação racional que retoma questões presentes no mito.
C) O mito fundamenta-se no rito, é infantil, pré-lógico e irracional, e a filosofia, também fundamentada no
rito, corresponde ao surgimento da razão na Grécia Antiga.
D) O mito descreve nascimentos sucessivos, incluída a origem do ser, e a filosofia descreve a origem do ser
a partir do dilema insuperável entre caos e medida.

IV) Comparando-se mito e filosofia, é correto afirmar o seguinte:


A) A autoridade do mito depende da confiança inspirada pelo narrador, ao passo que a autoridade da
filosofia repousa na razão humana, sendo independente da pessoa do filósofo.

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B) Tanto o mito quanto a filosofia se ocupam da explicação de realidades passadas a partir da interação
entre forças naturais personalizadas, criando um discurso que se aproxima do da história e se opõe ao
da ciência.
C) Enquanto a função do mito é fornecer uma explicação parcial da realidade, limitando-se ao universo da
cultura grega, a filosofia tem um caráter universal, buscando respostas para as inquietações de todos os
homens.
D) Mito e filosofia dedicam-se à busca pelas verdades absolutas e são, em essência, faces distintas do
mesmo processo de conhecimento que culminou com o desenvolvimento do pensamento científico.
E) A filosofia é a negação do mito, pois não aceita contradições ou fabulações, admitindo apenas
explicações que possam ser comprovadas pela observação direta ou pela experiência.

V) . Quem mediava a comunicação entre homens e deuses da mitologia grega?


A) Os padres
B) OS próprios homens
C) Os Sacerdotes
D) Os deuses
E) Os videntes

VI) O mito baseava-se:


A) Nas punições dos deuses
B) No aspecto sobrenatural
C) Nas experiências dos sacerdotes
D) Em outros mitos antigos que foram adaptados com a realidades dos gregos
E) No aspecto natural

VII) Qual é o objetivo do mito?


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VIII) Os mitos cumpriam uma função social moralizante de tal forma que essas narrativas ocupavam o
imaginário dos cidadãos da Pólis grega (cidade-Estado) direcionando suas condutas. Na Atenas do século
V a.C. existia também o espaço para as comédias que satirizavam os poderosos e personagens célebres,
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e as tragédias que narravam as aventuras e prodígios dos heróis, bem como seus fracassos. Cite um
exemplo onde o mito cumpre um papel social importante para sociedade.
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CAPÍTULO II
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
O que tornou possível o surgimento da filosofia aos arredores da Grécia no final do século VII e no início do
século VI antes de Cristo? Quais as condições materiais, isto é, econômicas, sociais, políticas e históricas que
permitiram o surgimento da filosofia? Podemos apontar como principais condições históricas:

As Viagens Marítima
Que permitiram aos povos descobrir que os locais que os mitos diziam ser habitados por deuses, titãs e
heróis eram, na verdade, habitados por outros seres humanos e as regiões dos mares que os mitos diziam
ser habitadas por monstros e seres fabulosos não possuíam nem monstros nem seres fabulosos. As viagens
produziram o desencantamento ou a desmistificação do mundo, que passou, assim, a exigir uma explicação
sobre a origem, uma explicação que o mito já não podia oferecer.

A Invenção do Calendário
Que é uma forma de calcular o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os fatos importantes
que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade de abstração nova ou uma percepção do tempo como
algo natural e não como um poder divino incompreensível.

A Invenção da Moeda
Que permitiu uma forma de troca que não se realiza através das coisas concretas ou
dos objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma

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troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova
capacidade de abstração e de generalização.

O Surgimento da Vida Urbana


Com predomínio do comércio e do artesanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca,
e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos
foram criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar
pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue (as
linhagens constituídas pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às
artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a filosofia poderia surgir.

A Invenção da Escrita Alfabética


Que como a do calendário e a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e de
generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas — como, por
exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses — supõe que não se represente uma
imagem da coisa que está sendo dita, mas a ideia dela, o que dela se pensa e se transcreve.

A Invenção da Política
Que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da filosofia:
1. A ideia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma o
que é melhor para si e como ela definirá as suas relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade

— da — servirá de modelo para a filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do


mundo como mundo racional.
2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso,
diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, o poeta-vidente, que recebia das deusas ligadas à
memória (a deusa Mnemosyne, mãe das Musas que guiavam o poeta) uma iluminação misteriosa ou uma
revelação sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses a que eles deveriam obedecer.

Agora, com a , isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada cidadão de emitir em
público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal
modo que surge o discurso político como a palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e
deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não
fazer alguma coisa. A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão
racional, valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou a palavra
filosófica.

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3. A política estimula um pensamento e um discurso que não procuram ser formulados por seitas
secretas dos iniciados em mistérios sagrados, mas que, ao contrário, procuram ser públicos, ensinados,
transmitidos, comunicados e discutidos. É fundamental para a filosofia um pensamento que todos podem
comunicar e transmitir.

Racionalização do Mito
Num primeiro momento a filosofia racionalizou o mito, em seguida despojou-se das figuras alegóricas que
representavam a origem das coisas adentrando no campo da Physis, substituindo gradualmente as
divindades que representavam os elementos da natureza separando a mesma de sua roupagem mítica,
tornando-a objeto de discussão racional: assim, a cosmologia não modifica somente a
linguagem, mas muda de conteúdo. Em vez de descrever os nascimentos sucessivos,
definiu os princípios primeiros, constitutivos do ser. Esta forma de raciocinar, de
linguagem e de retórica transcende o campo da política e se torna o instrumento para
pensar todos os elementos constitutivos da realidade tal qual ela se apresenta aos
gregos.
Os primeiros físicos não precisaram criar novos elementos para explicar os fenômenos da natureza, eles já
existiam nos mitos, eram representações metafóricas para a Gênese (a origem). Contudo, a cosmologia foi
despojando a natureza de suas fundamentações místicas e tornando ela própria o objeto da especulação
racional, alterando desta forma não só a linguagem utilizada, como também sua estrutura constitutiva.
As narrativas históricas são modificadas para sistemas racionais de exposição dos elementos integrantes da
realidade.
A separação do conceito de natureza da ideia de divindade é condição para o pensamento racional.
Separando o real em vários níveis e multiplicando conceitos, a filosofia ganha objetividade na medida em
que, por meio dela, se distingue com maior precisão as noções de homem, de natureza, de sagrado, de
cultura, entre outras tantas que são problematizadas pelo intelecto humano. A filosofia se organiza como
pensamento racional juntamente com o processo de formação da Pólis, constituída por uma política
concentrada na Ágora, isto é, na vivência do espaço público de reunião, de debate e deliberação por parte
dos cidadãos. As questões existenciais da Filosofia narradas nos Mitos.
A partir da explicação de determinados mitos é possível compreender de maneira mais clara como eles
auxiliavam na formação cultural da Grécia Antiga. Com isso, podemos sintetizar que os mitos foram
essenciais no processo de educação do homem grego. Ou seja, toda a construção grega posterior envolvendo
a literatura, a política, o direito e mesmo a filosofia tem, em grande parte, influência do legado mitológico
deixado por estas narrativas que atravessaram tantos séculos.

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Outro aspecto foi bastante importante para a influência dos mitos na educação grega: o registro de suas
histórias. Os mitos, conforme já foi dito, são registros orais que passam de geração em geração. Contudo,
em dado momento, passaram a representar tanta força na formação do caráter grego que as principais
histórias começaram a ser registradas. Os responsáveis por esses registros foram os grandes poetas gregos.
Entre eles temos Homero, que para muitos estudiosos pode ser considerado, ao lado de Hesíodo, o
verdadeiro fundador da educação grega.
Homero foi um lendário poeta que teria vivido na Grécia Antiga no século VIII a. C. Escreveu duas das
principais obras da antiguidade: Ilíada e Odisséia, que mostravam grande preocupação com a formação ética
e espiritual do homem, descrevendo as mais diversas situações passadas na vida, e sempre enfatizando um
modo de viver baseado nas virtudes do ser humano, usando os mitos como forma de educar o povo.
A primeira grande obra escrita por Homero foi Ilíada, que trata de um modelo de vida dentro de um estado
de guerra, mas sempre tendo em vista a busca pela excelência, que os gregos chamavam de Areté.
A questão existencial em Aquiles é uma das questões mais importantes dentre as histórias narradas por
Homero. Esta história permite-nos compreender melhor a ideia de destino para os gregos, com a questão
da responsabilidade de cada pessoa perante o seu próprio destino. Se Aquiles não fosse à guerra, iria viver
eternamente, mas não faria nada de grandioso em sua vida. Se fosse à guerra, morreria, mas seria lembrado
eternamente como um herói. Aquiles enfrenta suas dúvidas e vai à Guerra de Troia, ou seja, ele prefere uma
vida mais breve, mas repleta de heroísmo e feitos extraordinários a uma vida longa e sem realizações. Para
os gregos isso simbolizava duas coisas:

1. A imortalidade: para os gregos a imortalidade é muito maior que uma ideia de viver
“eternamente” ou “viver para sempre”. É imortal o homem lembrado eternamente por seus feitos em vida.
Ou seja, Aquiles, ainda que morto, tornou-se eterno por suas façanhas na Guerra de Tróia. A imortalidade
está ligada àquilo que realizo de grande, e não à duração da existência.

2. A questão do destino: Aquiles já tinha seu futuro decretado, mas a forma de como
tudo isso se desenrolaria dependeria de sua escolha: lutar ou não. Ou seja, os deuses determinam as
condições da existência de cada um, mas não o final, não aquilo que eu faço com a vida que recebi. Os deuses
não obrigaram Aquiles a lutar. Foi o herói quem escolheu. Ou seja, por mais que eu tenha nascido rico ou
pobre, brasileiro ou italiano, com essas ou aquelas características, eu tenho a possibilidade e a
responsabilidade de com isso fazer a trajetória mais heróica possível.
Já a Odisséia é uma história de Homero que se passa durante o período em que Odisseu, um grande guerreiro
grego, vai para a Guerra de Troia e dura até sua volta para casa. Esse tempo em que esteve fora durou cerca
de vinte anos e a história narra as aventuras de retorno do herói ao lar.

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O que impediu o retorno ao seu lar logo depois do fim da guerra foi a arrogância diante de Posêidon. Odisseu
acredita não precisar mais dos deuses para conduzir a sua vida. Por causa disso, Posêidon, o deus do mar,
atrasou por 10 anos a chegada de Odisseu a Ítaca, sua terra natal, como punição a este desrespeito. Foi
somente depois de superar a soberba que Odisseu pôde rever sua esposa e seu filho, já adulto.
Quando venceu a soberba, Odisseu foi capaz de entender que o homem é apenas parte do cosmos e que
precisa cultivar humildade e respeito diante das forças maiores da natureza, que na obra foram
representadas pela figura de Posêidon.
Com a Ilíada e a Odisséia vemos que os heróis já nascem predestinados a grandes feitos, atos heroicos e
vitórias grandiosas. Podemos dizer que cada um nasce destinado a ser um herói em sua existência. Homero
destaca essa atitude existencial, de forma que é preciso viver, enfrentar as dificuldades por meio das
virtudes, como a coragem e a humildade.
Mas apesar de toda essa capacidade já nascer com o indivíduo, cabem às suas escolhas e atitudes a
realização de seu destino. Uma pessoa pode nascer com o potencial de ser um grande músico, ou seja, desde
o início pode ter facilidade em aprender a tocar um instrumento ou a identificar as notas musicais quando
ouve uma melodia. Porém, se não estudar e praticar, nunca será capaz de tocar músicas mais complexas ou
fazer composições, por exemplo. Essa pessoa é um grande músico em potencial, porém precisa se tornar de
fato um grande músico. Isso se mostra de forma tão evidente que muitas vezes encontramos pessoas que
não possuem tanto talento natural para aquilo que fazem, mas que devido ao seu esforço, acabam por ser
melhores do que aqueles que possuem talento, mas não o desenvolvem.

Do mito ao logos
Os mitos gregos antigos encontraram na origem dos deuses a explicação para o princípio do cosmo e da
vida humana. Por exemplo, neles a criação dos seres humanos é contada como obra dos titãs, deuses
nascidos no início dos tempos.
O titã Epimeteu os teria feito a partir do barro. Seu irmão Prometeu, por compaixão, teria roubado o fogo
do Olimpo, a morada dos deuses, e dado vida à nova criação, originando a espécie humana.
A Filosofia não deixou de lidar com preocupações semelhantes, mas passou a elaborar respostas diferentes
sobre a origem das coisas e dos seres, pois se orienta por um princípio bastante diferente daquele adotado
pela narrativa mítica. O discurso filosófico dispensa explicações fantásticas e sobrenaturais porque é guiado
inteiramente pelo logos.
Logos é um termo traduzido frequentemente pelo vocábulo razão. Contudo, o logos filosófico possuía um
alcance bem maior, significando a razão, como ordenação coerente da realidade; a linguagem, como meio
de expressão dessa racionalidade; e, finalmente, o próprio pensamento, doravante erguido não mais sobre
a base de mera autoridade, mas fundamentado em argumentação, portanto, passível de ser questionado.

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Independentemente do modo como cada filósofo procurou estruturar sua própria explicação, o fato
essencial e distinto é que, pela primeira vez na história do pensamento humano, o discurso acerca de nossas
próprias origens e também acerca do funcionamento da natureza se orientava por um critério, a princípio,
comum a todos. É a imposição dessa racionalidade, inerente ao discurso filosófico, que marca propriamente
a distinção entre o discurso da tradição mítica e essa nova maneira de encadeamento das ideias, à qual se
deu o nome Filosofia.
Dessa forma, a postura filosófica exigirá que o filósofo dê todas as explicações e demonstrações para que
outros seres humanos, igualmente dotados de racionalidade, possam avaliar a importância e a validade da
resposta apresentada. Enquanto os poetas e os sacerdotes antigos diziam anunciar a verdade trazida a eles
pelos deuses e pelas musas, o filósofo necessita explicar racionalmente aquilo que considera a verdade. Em
resumo, na passagem do mito à Filosofia, marca-se também uma transformação na concepção da função do
ser humano de mero transmissor da verdade para aquele que ativamente a elabora ou desvela.

A narrativa mítica: um universo distante


Quando estudamos o pensamento mítico, a Filosofia e a culturas gregas, é preciso considerar que há uma
enorme diferença em relação à nossa maneira contemporânea de pensar. Devemos nos lembrar que a
religião grega, assim como a Filosofia, era pagã e não considerava as ideias de criação, revelação e de um
Deus pessoal, absolutamente essenciais para a tradição judaico-cristã. Os mitos gregos foram elaborados
sem a ideia de uma verdade revelada por um criador único do Universo e de tudo mais, fazendo-os a partir
do nada. Da mesma forma, a Filosofia clássica, ainda quando se utiliza de termos como deus ou demiurgo,
não se assemelha ao modo judaico-cristã de conceber o mundo. Aquilo que, em geral, entendemos
corriqueiramente por divindade não estava presente na narrativa mítica nem na Filosofia antiga.
É necessário termos isso sempre bem claro para que não acabemos por impor ao mundo grego antigo
elementos de compreensão próprios da nossa cultura ocidental. Assim, quem já nasceu no interior de uma
cultura judaico-cristã, como é o caso de muitos de nós, precisa se esforçar para compreender o paganismo
antigo.

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PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO II
I) O que tornou possível o surgimento da filosofia aos arredores da Grécia no final do século VII e no início
do século VI antes de Cristo? Quais as condições materiais, isto é, econômicas, sociais, políticas e históricas
que permitiram o surgimento da filosofia? Podemos apontar como principais condições históricas exceto
a) O surgimento da Mitologia Grega
b) A Invenção do Calendário
c) A Invenção da Moeda
d) O Surgimento da Vida Urbana
e) A Invenção da Política

II) O ser humano, desde sua origem, em sua existência cotidiana, faz afirmações, nega, deseja, recusa e
aprova coisas e pessoas, elaborando juízos de fato e de valor por meio dos quais procura orientar seu
comportamento teórico e prático. Entretanto, houve um momento em sua evolução histórico-social em
que o ser humano começa a conferir um caráter filosófico às suas indagações e perplexidades,
questionando racionalmente suas crenças, valores e escolhas.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a filosofia:
A) é algo inerente ao ser humano desde sua origem e que, por meio da elaboração dos sentimentos, das
percepções e dos anseios humanos, procura consolidar nossas crenças e opiniões.
B) existe desde que existe o ser humano, não havendo um local ou uma época específica para seu
nascimento, o que nos autoriza a afirmar que mesmo a mentalidade mítica é também filosófica e exige o
trabalho da razão.
C) inicia sua investigação quando aceitamos os dogmas e as certezas cotidianas que nos são impostos pela
tradição e pela sociedade, visando educar o ser humano como cidadão.
D) surge quando o ser humano começa a exigir provas e justificações racionais que validam ou invalidam
suas crenças, seus valores e suas práticas, em detrimento da verdade revelada pela codificação mítica.

III) O surgimento da filosofia entre os gregos (Séc. VII a.C.) é marcado por um crescente processo de
racionalização da vida na cidade, em que o ser humano abandona a verdade revelada pela codificação
mítica e passa a exigir uma explicação racional para a compreensão do mundo humano e do mundo
natural.
Dentre os legados da filosofia grega para o Ocidente, destaca-se:
A) a concepção política expressa em A República, de Platão, segundo a qual os mais fortes devem governar
sob um regime político oligárquico
B) a criação de instituições universitárias como a Academia, de Platão, e o Liceu, de Aristóteles.

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D) a filosofia, tal como surgiu na Grécia, deixou-nos como legado a recusa de uma fé inabalável na razão
humana e a crença de que sempre devemos acreditar nos sentimentos.
E) a recusa em apresentar explicações preestabelecidas mediante a exigência de que, para cada fato, ação
ou discurso, seja encontrado um fundamento racional.

IV) A atividade intelectual que se instalou na Grécia a partir do séc. VI a.C. está substancialmente
ancorada num exercício especulativo-racional. De fato, “[…] não é mais uma atividade mítica (porquanto
o mito ainda lhe serve), mas filosófica; e isso quer dizer uma atividade regrada a partir de um
comportamento epistêmico de tipo próprio: empírico e racional”.
SPINELLI, Miguel. Filósofos Pré-socráticos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 32.

Sobre a passagem da atividade mítica para a filosófica, na Grécia, assinale a alternativa correta.
A) A mentalidade pré-filosófica grega é expressão típica de um intelecto primitivo, próprio de sociedades
selvagens.
B) A filosofia racionalizou o mito, mantendo-o como base da sua especulação teórica e adotando a sua
metodologia.
C) A narrativa mítico-religiosa representa um meio importante de difusão e manutenção de um saber
prático fundamental para a vida cotidiana.
D) A Ilíada e a Odisseia de Homero são expressões culturais típicas de uma mentalidade filosófica
elaborada, crítica e radical, baseada no logos.

V) Explique como os gregos antigos enxergavam a ideia de “imortalidade”


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VI) Explique como os gregos antigos enxergavam a ideia de “destino”


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VII) Algumas condições materiais, econômicas, sociais, políticas e históricas foram de vital importância
para o surgimento da filosofia sendo assim podemos apontar como uma das principais condições
históricas a Invenção da escrita alfabética. Explique como tal acontecimento foi de vital importância para
o surgimento da Filosofia.
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CAPÍTULO III
OS FILÓSOFOS PRÉ- SOCRÁTICOS
A denominação: “filósofos pré-socráticos”
É basicamente cronológica e designa os primeiros filósofos, que viveram antes de Sócrates (470-399 a.C),
chegando alguns dos últimos a ser seu contemporâneo. Sócrates é tomado como um marco não só devido
a sua influência e importância, mas também por introduzir uma nova problemática na discussão filosófica.
A leitura, interpretação e discussão da filosofia dos pré-socráticos envolve para nós uma grande dificuldade.
Em alguns casos é possível até que não tenha havido obra escrita, já que a tradição filosófica grega em seus
primórdios valorizava mais a linguagem falada do que a escrita.
A filosofia era vista essencialmente como discussão, debate, e não como texto escrito.
São duas as principais fontes de que dispomos para o conhecimento dos filósofos pré-socráticos: a
doxografia e os fragmentos.
A doxografia consiste em sínteses do pensamento desses filósofos e comentários a eles.
Os fragmentos são citações de passagens dos próprios filósofos pré-socráticos encontradas também em
obras posteriores.
A diferença principal entre ambos é a seguinte: enquanto o fragmento nos dá as próprias palavras do
pensador, a doxografia apresenta seu pensamento nas palavras de outro.
A obra Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres é uma das principais fontes para conhecer o pensamento dos
pré-socráticos, costuma dividi-los em duas grandes correntes, a escola jônica e a escola italiana.
A filosofia era vista essencialmente como discussão, debate, e não como texto escrito.
São duas as principais fontes de que dispomos para o conhecimento dos filósofos pré-socráticos: a
doxografia e os fragmentos.
A doxografia consiste em sínteses do pensamento desses filósofos e comentários a eles.
Os fragmentos são citações de passagens dos próprios filósofos pré-socráticos encontradas também em
obras posteriores.
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A diferença principal entre ambos é a seguinte: enquanto o fragmento nos dá as próprias palavras do
pensador, a doxografia apresenta seu pensamento nas palavras de outro.
A obra Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres é uma das principais fontes para conhecer o pensamento dos
pré-socráticos, costuma dividi-los em duas grandes correntes, a escola jônica e a escola italiana.
Escola jônica: caracteriza-se, sobretudo pelo interesse pela physis, pelas teorias sobre a natureza.
Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo. Suas duas características principais são: em primeiro
lugar, seu modo de explicar a realidade natural a partir dela mesma, sem nenhuma referencia a sobrenatural
ou ao misterioso, formulando a doutrina da água como elemento primordial; e, em segundo lugar, o caráter
crítico de sua doutrina.
Anaximandro: foi o principal discípulo e sucessor de Tales. Destacou-se por introduzir uma noção nova, que
não se confunde com nenhum dos elementos tradicionais, e que pode ser considerada um esforço na direção
de uma explicação mais abstrata ou genérica do real.
Anaxímenes: provavelmente discípulo de Anaximandro, adotou por sua vez o ar (pneuma) como arque, na
tentativa de encontrar um elemento de caráter invisível e incorpóreo, uma explicação abstrata da realidade
física.
Xenófanes: considerado um precursor do pensamento dos eleatas e talvez mestre de Parmênides. Defendeu
a idéia de um deus único que, segundo alguns, se identifica com a própria natureza. Adota como elemento
primordial a terra, de onde se origina todas as coisas.
Pitágoras e o Pitagorismo: representa uma transição do pensamento jônico para o das escolas italianas, mas
também representa a permanência de elementos míticos e religiosos no pensamento filosófico.
A escola pitagórica constitui uma longa tradição na antiguidade, subsistindo durante praticamente dez
séculos. Os pitagóricos tiveram grande importância, portanto, no desenvolvimento da matemática grega,
sobretudo na geometria. A teoria da harmonia musical reflete também concepção pitagórica de que há uma
proporção ideal em todo o universo que se reflete na concepção da escola musical.
Segunda fase do pensamento pré-socrático: caracteriza-se, sobretudo por pensadores que, que tendo
sofrido influencia de seus predecessores, muitas vezes de mais de uma tendência, desenvolveram suas
teorias a partir de tais influencias.
Anaxágoras: sofreu a influencia dos milesianos como Anaxímenes e possivelmente também dos
pitagóricos. Concebeu a realidade como composta de uma multiplicidade infinita de elementos a eu
denomina-se dehomeomerias.
Empédocles: é conhecido principalmente por sua doutrina dos 4 elementos (fogo, água, terra e ar).
Procura sintetizar a doutrina de pensadores anteriores sobre elementos primordiais, bem como superar a
oposição entre a concepção monista eleata de unidade do real e as concepções pluralistas e mobilistas.

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Parmênides e os Eléatas: são adversários dos mobilistas, defendendo uma posição que podemos
caracterizar como monista, ou seja, a doutrina da existência de uma realidade única. O primeiro
argumento contra o mobilismo consiste em caracterizar o movimento apenas como aparente como um
aspecto superficial das coisas.
Em seu poema, o mais extenso dos textos dos pré-socráticos que chegaram até nós, Parmênides afirma
que “aquilo que é não pode não ser”, formulando assim uma versão inicial da lei da identidade, um
princípio lógico-metafísico que consiste em caracterizar a realidade em seu sentido mais profundo como
algo de imutável.
É difícil avaliar a controvérsia entre mobilistas e monistas. A primeira valoriza a pluralidade do real, a
contribuição de nossa experiência concreta para o conhecimento dessa realidade, a oposição e o conflito
entre os elementos dessa realidade que constatamos a partir dessa experiência, os quais, longe de ser algo
problemático, caracterizam a própria natureza dessa realidade. A segunda busca aquilo que é único,
permanente, estável, eterno, perfeito; o que não se dá de imediato a nossos sentidos, só se revelando a
nosso pensamento após uma longa experiência de reflexão.
Primeiramente, os pré-socráticos, também chamados naturalistas ou filósofos da physis (natureza –
entendendo-se este termo não em seu sentido corriqueiro, mas como realidade primeira, originária e
fundamental, ou o que é primário, fundamental e persistente, em oposição ao que é secundário, derivado e
transitório), tinham como escopo especulativo o problema cosmológico, ou cosmo-ontológico, e buscavam
o princípio (ou arché) das coisas.
Posteriormente, com a questão do princípio fundamental único entrando em crise, surge a sofística, e o
foco muda do cosmo para o ser humano e o problema moral.
Os principais filósofos pré-socráticos (e suas escolas) foram:
• Escola Jônica: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso.
• Escola Itálica: Pitágoras de Samos, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento.
• Escola Eleata: Xenófanes, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia.
• Escola da Pluralidade: Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena e Demócrito de Abdera.
Além de todas as escolas, há alguns conceitos que são presentes em toda manifestação da filosofia dos
présocráticos, pois são conceitos que podemos considerar como sendo o ponto de partida e o de chegada
das investigações desses ilustres pensadores. Os conceitos são: physis, cosmos, arché e logos.

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Physis
Physis, segundo os filósofos pré-socráticos, é a matéria que é fundamento eterno de todas as coisas
e confere unidade e permanência ao Universo, o qual, na sua aparência é múltiplo, mutável e transitório. A
palavra grega Physis pode ser traduzida por natureza, mas seu significado é mais amplo. Refere-se também
à realidade, não aquela pronta e acabada, mas a que se encontra em
movimento e em transformação, que nasce e se desenvolve, o fundo eterno,
perene, imortal e imperecível de onde tudo brota e para onde tudo retorna.
A Physis significa, portanto, a natureza das coisas, sua essência, aquilo
que determina que a árvore, por exemplo, seja do jeito que é e não outra coisa
qualquer. A Physis é sempre algo que está no próprio mundo: a água, o fogo, a terra etc. É um termo tão
importante que fez com que os pré-socráticos, em geral, fossem só
conhecidos posteriormente como “os filósofos da physis”, ou simplesmente físicos, justamente por
tentarem encontrar a verdade na própria natureza.
É importante aqui dissipar qualquer dúvida, pois este conceito pode causar confusão: physis de fato
designa a natureza física, a matéria. Porém, os filósofos pré-socráticos não tinham como finalidade maior
estudar a natureza em geral, ou seja, como se formam as chuvas, como funciona um vulcão, como a planta
desenvolve e assim por diante, por isso os tornaria muito próximos de um cientista de nossos tempos, por
exemplo. É certo que eles observavam esses fenômenos citados, mas o objetivo não era entendê-los, mas
a partir da observação da natureza tentar identificar a natureza em sua realidade, ou seja, a parte essencial
que compõe todas as coisas. Em síntese: ainda que a physis possa ser identificada como natureza em geral,
o que os pré-socráticos queriam é encontrar “a natureza” de cada coisa, ou seja, aquilo que define o eu é
aquela coisa.
Por fim, o fantástico é que essa “natureza da coisa” era sempre algo físico, material, presente no
mundo concreto, diferente das alegorias míticas.

Cosmologia
Os pré-socráticos buscavam, além de falar sobre a origem das coisas, mostrar que a Physis
(natureza) passava por constantes mudanças e que essas eram provocadas por alguma coisa que tentavam
conhecer. Por causa das viagens marítimas, da invenção do calendário, da invenção da moeda, do
surgimento das Polis, da invenção da escrita e da política, os gregos passaram a perceber que nada ocorria
por acaso e que não existia a interferência de deuses relatados no período mitológico.
A cosmologia surgiu como a parte da filosofia que estuda a estrutura, a evolução e a composição do
universo, sendo a primeira expressão filosófica apresentada no período pré-socrático ou cosmológico. Suas
principais características são: a substituição das narrativas de origem e transformação da natureza através
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de mitos e divindades por explicações racionais que identificam as causas de tais alterações, defendendo a
criação do mundo a partir de um princípio natural e que a natureza cria seres mortais a partir de sua
imortalidade.
No período em que a cosmologia prevaleceu, as pessoas acreditavam que a natureza somente
poderia ser conhecida através do pensamento, ou seja, existia a necessidade de pensar para se chegar ao
princípio de todas as coisas que forma, a partir de sua imutabilidade, seres sensíveis a transformações,
regenerações, mutações capazes de realizar modificações quanto à qualidade e quantidade. Tal mudança
dá significado a tais modificações, além de significar movimentação e locomoção.
O cosmos (ou ordem) é, portanto, a ideia do todo, mas não de um “todo” qualquer: é a ideia de um
“todo” perfeitamente harmônico. Cosmos, então, é a ordem, é a harmonia natural que existe no mundo. E
é pelo fato de o mundo ser harmônico e ordenado que os pré-socráticos acreditavam que tudo pode ser
explicado a partir de princípios (Arché) e da própria natureza (Physis) deste mundo. E observa-se que é da
procura dessa ordem natural que o período dos pré-socráticos na filosofia ficou conhecido como período
cosmológico.

Arché
Para os filósofos pré-socráticos, a arché (origem, princípio), seria um princípio que deveria estar
presente em todos os momentos da existência de todas as coisas; no início, no desenvolvimento e no fim
de tudo. Princípio pelo qual tudo vem a ser. A arché se mantém constante mesmo com a mudança das
coisas. Pensemos o seguinte: primeiro temos a semente, e depois temos a planta, porém, ambos são o
mesmo ser, ainda que visivelmente modificados. Isso indica que há um princípio por trás dessas mudanças
que explica a transformação da semente em planta, pois é nesse princípio que estaria a razão de como a
planta subsiste e existe. A arché é a unidade originária que se mantém sempre idêntica,
independentemente das mudanças das coisas. A água pode ser líquida, sólida, gasosa, porém, há uma
unidade que se mantém intacta nessas mudanças: essa unidade originária é a arché.
Os filósofos pré-socráticos preocupavam-se em explicar a origem da natureza a partir de um
elemento específico, ao qual chamamos arché. Assim, para cada um deles, o Universo teria surgido a partir
de uma arché, ou seja, a partir de elemento primordial. Conforme o quadro abaixo, podemos identificar
qual era a arché do Universo segundo cada filósofo da natureza:
• Tales de Mileto: Água
• Anaxímenes: O ar
• Anaximandro: O indeterminado
• Heráclito: O fogo
• Pitágoras: O número

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• Xenófanes: A terra
• Parmênides: O ser
• Zenão: O ser (seguindo os passos de seu mestre Parmênides)
• Demócrito: O átomo
• Empédocles: defendeu a existência de quatro elementos primordiais: terra, ar, água e fogo, movidos
e misturados de diferentes maneiras, em função de dois princípios universais maiores: o amor e o ódio.

Logos
Por fim, o último conceito importante é o logos, que não possui uma tradução próxima em português, pois
logos retrata várias palavras, como discurso, razão, estudo. Em síntese, o logos seria o próprio discurso
racional, a tentativa de explicar as coisas a partir da própria racionalidade humana, e não mediante a
autoridade religiosa de um sacerdote ou livro sagrado. De fato, o logos é o discurso de todos os pré-
socráticos e será a forma de se discursar filosoficamente em toda a história. Os três conceitos anteriores
trazidos certamente contribuem para se entender a diferença dos pré-socráticos para o pensamento
mítico, contudo, é com o logos que podemos afirmar categoricamente: a filosofia nasceu!

Sofistas
Para entender os princípios e pensamentos dos filósofos pré-socráticos é necessário entender também os
chamados sofistas. Os sofistas se compunham de grupos de mestres que viajavam de cidade em cidade
realizando aparições públicas (discursos) para atrair estudantes, de quem cobravam taxas para oferecer-
lhes educação. O foco central de seus ensinamentos concentrava-se no logos ou discurso, com foco em
estratégias de argumentação. Os mestres sofistas alegavam que podiam "melhorar" seus discípulos, ou,
em outras palavras, que a "virtude" seria passível de ser ensinada. Diversos sofistas questionaram a
propalada sabedoria recebida pelos deuses e a supremacia da cultura grega (uma ideia absoluta à época).
Argumentavam, por exemplo, que as práticas culturais existiam em função de convenções ou "nomos", e
que a moralidade ou imoralidade de um ato não poderia ser julgada fora do contexto cultural em que
aquele ocorreu. Tal posição questionadora levou-os a serem perseguidos, inclusive, por aqueles que se
diziam amar a sabedoria: os filósofos gregos.
A conhecida frase "o homem é a medida de todas as coisas" surgiu dos ensinamentos sofistas. Uma das
mais famosas doutrinas sofistas é a teoria do contra-argumento. Eles ensinavam que todo e qualquer
argumento poderia ser contraposto por outro argumento, e que a efetividade de um dado argumento
residiria na verossimilhança (aparência de verdadeiro, mas não necessariamente verdadeiro) perante uma
dada platéia.
Os Sofistas foram os primeiros advogados do mundo, ao cobrar de seus clientes para efetuar suas defesas,
dada sua alta capacidade de argumentação. São também considerados por muitos os guardiões da
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democracia na antiguidade, na medida em aceitavam a relatividade da verdade. Hoje, a aceitação do
"ponto de vista alheio" é a pedra fundamental da democracia moderna.
O termo sofista significa “grande mestre ou sábio”, algo como “super sábios”. Para alguns estudiosos, as
lições dos sofistas tinham como principal objetivo o desenvolvimento do poder de argumentação, a
habilidade retórica, além do conhecimento de pensamentos diferentes, muitas vezes contrários. O
problema é que com o passar do tempo, na própria história da filosofia, o termo sofista ganhou um sentido
pejorativo, passando a significar “enganador” ou “impostor”, devido, sobretudo, às críticas de Platão.
Desde então, sofisma tornou-se sinônimo de manipulação, enganação, ilusão, falsidade. Entretanto,
abordagens mais recentes sobre a atuação dos sofistas procuram mostrar que o relativismo de suas teses
se fundamenta em uma concepção flexível sobre os homens, a sociedade e a compreensão do real. Para os
sofistas, as opiniões humanas são infindáveis e não podem ser reduzidas a uma única verdade. Assim, em
concordância com os sofistas, não existiriam verdades absolutas ou valores inegociáveis.

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PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO III
I) Este conceito que também e conhecido como a (ordem) é, portanto, a ideia do todo, mas não de um
“todo” qualquer: é a ideia de um “todo” perfeitamente harmônico. Cosmos, então, é a ordem, é a
harmonia natural que existe no mundo. E é pelo fato de o mundo ser harmônico e ordenado que os pré-
socráticos acreditavam que tudo pode ser explicado a partir de princípios (Arché) e da própria natureza
(Physis) deste mundo. E observa-se que é da procura dessa ordem natural que o período dos pré-
socráticos na filosofia ficou conhecido como período?
A) Arché
B) Cosmológico.
C) Physis
D) Praxediz
E) Milenar

II) Aponte o nome do primeiro filosofo


A) Socráticos
B) Aristóteles
C) Tales Mileto
D) Platão
E) Pitágoras

III) Os principais filósofos pré-socráticos (e suas escolas) foram: EXCETO


A) Escola Jônica: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso.
B) Escola Itálica: Pitágoras de Samos, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento. Escola Eleata: Xenófanes,
Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia.
C) Escola da Pluralidade: Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena e Demócrito de Abdera.
D) Escola de Atenas: Tales de Mileto, Heráclito de Éfeso Ulisses, Heitor, Leonidas Aquiles

IV) Os pré-socráticos, também chamados____________ ou____________ (natureza – entendendo-se


este termo não em seu sentido corriqueiro, mas como realidade primeira, originária e fundamental, ou o
que é primário, fundamental e persistente, em oposição ao que é secundário, derivado e transitório),
tinham como escopo especulativo o problema cosmológico, ou cosmo-ontológico, e buscavam o
princípio (ou arché) das coisas.
A) naturalistas ou filósofos da physis.
B) atenistas ou filósofos da polis
C) platonistas ou filósofos da physis
D) cosmolistas ou filósofos da praxes
E) cretenses ou filósofos da physis

V) Os primeiros filósofos são classificados como:

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A) pré Socrátes
B) pré Aristóteles
C) pré Tales
D) pré Platão
E) pré Pitágoras

V) Explique o conceito filosófico Physis .


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VI) Explique o conceito filosófico de Arché.


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CAPÍTULO IV
SÓCRATES E A INTERROGAÇÃO FILOSÓFICA
Sócrates
Sócrates era grego de origem ateniense como era de se esperar ( “Atenas” o berço das mentes
pensantes gregas) nasceu em Atenas, provavelmente no ano de 470 a.C. e tornou-se um dos principais
pensadores da Grécia Antiga. Podemos afirmar que Sócrates fundou o que conhecemos hoje por filosofia
ocidental. Foi influenciado pelo conhecimento de outro importante filósofo grego: Anaxágoras. Seus
primeiros estudos e pensamentos discorrem sobre a essência da natureza da alma
humana.
Sócrates era considerado pelos seus contemporâneos um dos homens mais
sábios e inteligentes. Em seus pensamentos, demonstra uma necessidade grande de
levar o conhecimento para os cidadãos gregos. Seu método de transmissão de
conhecimentos e sabedoria era o diálogo. Através da palavra, o filósofo tentava levar o
conhecimento sobre as coisas do mundo e do ser humano.
Sócrates criticou muitos aspectos da cultura grega, afirmando que muitas tradições, crenças
religiosas e costumes não ajudavam no desenvolvimento intelectual dos cidadãos gregos.
Em função de suas ideias inovadoras para a sociedade, começa a atrair a atenção de muitos jovens
atenienses. Suas qualidades de orador e sua inteligência também colaboraram para o aumento de sua
popularidade. Temendo algum tipo de mudança na sociedade, a elite mais conservadora de Atenas começa
a encarar Sócrates como um inimigo público e um agitador em potencial. Foi preso, acusado de pretender
subverter a ordem social, corromper a juventude e provocar mudanças na religião grega. Em sua cela, foi
condenado a suicidar-se tomando um veneno chamado cicuta, em 399 a.C.
Método de Sócrates
É a parte polêmica. Insistindo no perpétuo fluxo das coisas e na variabilidade extrema das impressões
sensitivas determinadas pelos indivíduos que de contínuo se transformam, concluíram os sofistas pela
impossibilidade absoluta e objetiva do saber. Sócrates restabelece-lhe a possibilidade, determinando o
verdadeiro objeto da ciência.
O objeto da ciência não é o sensível, o particular, o indivíduo que passa; é o inteligível, é o conceito
que se exprime pela definição. Este conceito ou ideia geral obtém-se por um processo dialético por ele
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chamado indução e que consiste em comparar vários indivíduos da mesma espécie, eliminar-lhes as
diferenças individuais, as qualidades mutáveis e reter-lhes o elemento comum, estável, permanente, a
natureza, a essência da coisa. Por onde se vê que a indução socrática não tem o caráter demonstrativo do
moderno processo lógico, que vai do fenômeno à lei, mas é um meio de generalização, que remonta do
indivíduo à noção universal.

Um crítico radical
Quase todo mundo já ouviu algo sobre Sócrates. Embora não tenha nos deixado nenhum texto
escrito e muitas dúvidas ainda existiam acerca de sua trajetória, ele é quase unanimente lembrado como o
modelo exemplar de figura filosófica. Tudo o que sabemos sobre Sócrates vem de testemunhos de outros
filósofos, e o principal deles é o seu discípulo Platão.
A postura de Sócrates é caracterizada pela interrogação radical. Frequentemente ele é retratado
como alguém desprovido de riquezas materiais, que perambulava pelas ruas de Atenas interrogando as
pessoas, sobretudo os jovens, sobre verdades tidas como inquestionáveis.
Esse modo de fazer Filosofia custou caro a Sócrates. Seu hábito de pôr em questão temas
importantes foi responsável por sua condenação à morte. As pessoas poderosas da Atenas preferiram
sentenciar um homem inocente a assumir a fragilidade de suas próprias verdades.
1. E você, como lida com as verdades estabelecidas, sobretudo aquelas que nos foram transmitidas por
figuras de autoridade como nossos pais, professores e orientadores religiosos?
2. Qual é seu comportamento diante de um acontecimento injusto?

A passagem para o humanismo


No capítulo anterior, você conheceu o pensamento mítico existente na Grécia antiga e o que
pensaram os primeiros filósofos. Vimos que a narrativa repleta de deuses e heróis constitui uma cosmogonia
e uma teogonia, quer dizer, uma narração do surgimento de Universo e da origem e genealogia dos deuses
e dos seres humanos. O aparecimento dos primeiros pensadores preocupados com a investigação da physis
marcou a passagem da cosmogonia para a cosmologia, isto é, uma explicação racional, baseada na natureza.
Dessa forma, podemos perceber de que maneira a Filosofia nascente se afastou da narrativa mítica
tradicional. O que passaremos a investigar, a partir deste capítulo, diz respeito a uma mudança que ocorreu
no interior do próprio pensamento filosófico.
As investigações sobre physis darão lugar a preocupações éticas e humanísticas. Isso ocorrerá
inicialmente com os sofistas, mestres na arte retórica e na argumentação persuasiva, que se dedicarão a
formar jovens atenienses bem-nascidos para a atividade política, mas também com Sócrates, que, por seu
32
turno, fará franca oposição aos sofistas. Em vez de se arriscar a falar e entender de tudo, como eles faziam,
ele se tornará célebre pela frase “Só sei que nada sei”.
Esse talvez seja o maior de todos os saberes, pois quem ciente da própria ignorância está em vantagem no
conhecimento do verdadeiro. Quem pensa tudo saber, na verdade, é ignorante da própria ignorância. Daí
se falar que esse não saber socrático é como uma “ douta ignorância”.

A democracia ateniense
A Grécia antiga não foi apenas o berço da Filosofia ocidental, mas também da democracia. Filosofia e
democracia guardam uma relação muito próxima, mas não necessariamente de complementaridade.
Grandes nomes da Filosofia clássica grega foram contrários á forma democrática de condução e exercício
do poder político. Antes de entendermos propriamente os motivos dessa oposição, vejamos melhor as
características da democracia ateniense, baseada em três pilares fundamentais
Em primeiro lugar, a democracia em Atenas pressupunha a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
Em segundo lugar, a garantia do direito de todos os cidadãos de se manifestarem nas assembleias,
realizadas na ágora. Em terceiro, a igualdade de acesso de todos os cidadãos aos cargos públicos. Trata-se,
respectivamente, dos conceitos de isonomia (igualdade perante a lei), isegoria (igualdade de direito á fala
nas assembleias) e isocracia (igualdade de acesso aos cargos políticos). Dessa forma, os cidadãos
atenienses contavam com igualdade jurídica, política e de função pública. Contudo, nem todos eram
cidadãos. Os estrangeiros, os escravos e as mulheres estavam excluídos da cidadania e, portanto, não
participavam plenamente da vida política da cidade. Isto quer dizer que a democracia inventada e
praticada em Atenas- e é sempre a esse berço que temos de nos referir quando retomamos ás origens do
que entendemos por democracia- guardava suas contradições.
Em comparação com a visão que hoje temos de um sistema democrático, a democracia ateniense era
excludente e limitada, mas estabeleceu o modelo de participação política igualitária entre os cidadãos. De
certa forma, o pensamento moderno e contemporâneo acerca da democracia encontra nos gregos sua
base, realizando, contudo, a mudança fundamental de ampliação do que se entende por cidadãos e
cidadania. Outra diferença entre a democracia praticada pelos antigos e aquela empreendida pelos
modernos diz respeito à forma efetiva de participação. Na Grécia havia uma democracia direta porque
todos os cidadãos podiam representar a si mesmos nas assembleias. Já na democracia moderna, vigora a
ideia de representação. No Brasil, por exemplo, a Constituição de 1988 permite a participação direta de
seus cidadãos nos plebiscitos e os projetos de iniciativa popular. Em todos os outros casos, vigora o
modelo representativo.

A participação política e a argumentação racional


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Em Atenas, cada cidadão podia expor de forma pública e direta suas opiniões. As deliberações apenas
eram tomadas depois de longa discussão. Por meio do discurso racional e da argumentação, procurava-se
convencer a assembleia de que uma ideia era mais importante e adequada que as demais para o bem da
cidade.
A participação pública dos cidadãos e o necessário uso da palavra na ágora permitiram e estimularam
o desenvolvimento da argumentação e da retórica.
Para o cidadão, era importante não apenas ter o direito assegurado á palavra, mas, sobretudo, ter a
capacidade de saber empregá-la. Dessa forma, o poder de convencimento e o de persuasão eram elementos
fundamentais da vida democrática. Nesse cenário, a argumentação ocupava um lugar central: os cidadãos e
os jovens (futuros cidadãos) eram estimulados a utilizar a razão em seus discursos públicos.
Era preciso ser eficaz no trabalho de convencimento dos demais cidadãos, e a via privilegiada para
isso era encandeamento de razões. As pessoas podiam mudar de opinião ou formar seu juízo de acordo com
aquele que tivesse o melhor poder de convencimento. É esse palco que a Filosofia passou a se dedicar
também à educação do cidadão.

A sofistica e a Filosofia
Com os sofistas e, principalmente, com Sócrates, a reflexão filosófica novos temas, como a política a
ética e o conhecimento.
Poucos fragmentos restaram das obras dos sofistas, o que dificulta o estudo de seus trabalhos. Outra
dificuldade é que praticamente todos os relatos que restaram sobre eles foram escritos por seus inimigos,
tais como Xenofonte Aristóteles e Platão, o qual se dedicou, entre outros, entre outros, diálogos a duas
figuras importantes da sofistica: Górgias (c 485-380 a.C) e Protágoras (c. 480-410 a.C). Nos textos platônicos,
os sofistas sempre aparecem de forma negativa, associados à dissimulação, à demagogia e à mentira.
Frequente são ridicularizados.
Por muito tempo essa visão negativa prevaleceu. O termo foi usado de maneira pejorativa para
designar aqueles que não tinham compromisso com a verdade. Contudo, como vimos, no ambiente
democrático onde os rumos da cidade eram decididos com base em boa argumentação, a arte sofistica era
muito importante.

A visão de Platão sobre os sofistas


A imagem que Platão nos deixou de Sócrates e, com ele, do próprio modelo do que seria o filósofo,
coloca os sofistas numa posição antagônica em relação à Filosofia. Entretanto, e a bem da verdade, é preciso
dizer que para os cidadãos de Atenas essa distinção entre a Filosofia e a sofistica não era clara. Do ponto de
vista deles, Sócrates se confundia com os sofistas. Muitos o procuravam com os mesmos objetivos que os
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levariam a Górgias, por exemplo: aprender a se utilizar do discurso para fins políticos. Talvez isso explique a
insistente diferenciação e oposição entre o filósofo e o sofista operada por Platão. Naquele momento de
consolidação da figura do filósofo, era preciso delimitar o campo da Filosofia em relação às duas principais
práticas discursivas presentes em Atenas: a retorica e a poesia. Ademais, Platão não era simpático ao modelo
democrático, e os sofistas estavam de certa forma, a serviço da democracia. Eles preparavam os jovens
atenienses para a vida pública, para o exercício da política democrática.
Se pudéssemos separar razões filosóficas de razões “pessoais” para indicar os motivos que levaram
Platão a se opor ao regime democrático, poderíamos apontar alguns eventos significativos. Ele presenciou o
julgamento e a condenação de Sócrates na Atenas democrática, evento por ele considerado profundamente
injusto. Do ponto de vista filosófico, Platão acreditava que a política deveria ser exercida por aqueles que
conhecessem a verdadeira realidade, isto é, o filósofo. Ele considerava para prejudicial para a cidade ser
governada por demagogos e políticos que ignoravam o conhecimento efetivo das coisas

As figuras de Sócrates
Como já estudamos no capítulo anterior Sócrates não foi o primeiro filosofo. Esse lugar honroso
pertence a Tales de Mileto, que o precedeu em mais um de um século. Contudo, muitos consideram Sócrates
o “pai da Filosofia”. O curioso é que muito pouco se sabe acerca do que efetivamente Sócrates pensou.
Quem foi Sócrates? Qual era a sua visão acerca da Filosofia? De certa maneira, essas perguntas ainda
permanecem para os estudiosos, pois o Filósofo nada escreveu. A Filosofia é um ambiente de alta produção
de textos de forma que chega a ser paradoxal (incoerente) que sua figura mais popular e emblemática nada
tenha deixado de sua própria autoria. Essa característica de Sócrates se explica em parte por ele inserido
numa forte tradição de elaboração e transmissão oral do pensamento. Contudo, há também fortes indícios
de que não escreve tenha sido uma opção deliberada: parte da verdade, talvez a mais substancial, seria
acessível apenas por meio do diálogo socrático.
As principais fontes para conhecermos Sócrates provêm, assim, de textos escritos por outros
pensadores, como é o caso de Xenofonte (c. 430-355 a.C), seu discípulo, e do dramaturgo Aristófanes (c.
448-380 a.C), um ácido crítico. A figura que ele descreveu foi, em geral, a de um Sócrates risível e em nada
diferente dos sofistas que circulavam por Atenas. Já o testemunho de Platão a respeito de Sócrates foi o
mais extenso. Outro testemunho significativo para entendermos Sócrates vem de Aristóteles. Trata-se,
contudo de um testemunho indireto, pois Sócrates já havia morrido quando Aristóteles chegou à Academia
de Platão.

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O Triplo Filtro de Sócrates

O dialogo socrático

Nos diálogos escritos por Platão, Sócrates preocupava-se em deixar que seu interlocutor desenvolvesse seu
raciocínio, sua argumentação. O ponto de partida era sempre a pergunta pela definição de algo. Diante da
afirmação de que uma pessoa corajosa, ele perguntava: “o que é coragem”? Se seu interlocutor dissesse
admirar pessoas justas, teria de responder a questão: “o que é a justiça? ” O próprio filósofo evitava oferecer
uma resposta para as suas questões. Ele se colocava na posição de um indutor para que seu interlocutor
percorresse o árduo caminho rumo ao conhecimento. O próprio Sócrates afirmava desconhecer os assuntos
sobre os quais debatia, deixando unicamente a seu interlocutor a tarefa, frequentemente inglória, de
produzir o saber. Diz-se inglória porque terminam sem conclusão. Isto é, o diálogo não se encerra com uma
resposta efetiva para a pergunta que conduziu toda a conversa, mas, ao contrário, termina num impasse ou
no reconhecimento, por parte dos interlocutores, de que eles ignoravam o significado dos temas mais
importantes da vida pública.
Praticamente, na exposição polêmica e didática destas ideias, Sócrates adotava sempre o diálogo, que
revestia uma dúplice forma, conforme se tratava de um adversário a refutar ou de um discípulo a instruir.
No primeiro caso, assumia humildemente a atitude de quem aprende e ia multiplicando as perguntas até
colher o adversário presunçoso em evidente contradição e constrangê-lo à confissão humilhante de sua
ignorância. É a ironia socrática. No segundo caso, tratando-se de um discípulo (e era muitas vezes o próprio
adversário vencido), multiplicava ainda mais as perguntas, dirigindo-as agora a fim de obter, por indução dos
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casos particulares e concretos, um conceito, uma definição geral do objeto em questão. A este processo
pedagógico, em memória da profissão materna, Sócrates denominava maiêutica ou engenhosa obstetrícia
do espírito, que facilitava a parturição das ideias.

“Só sei que nada sei”

Há certa estrutura comum aos diálogos socráticos. Como vimos, diante de uma pessoa que afirma
saber sobre o assunto que está em discussão, Sócrates assume a postura de alguém que não sabe. Por meio
da interrogação, o filosofo revela a verdade: seu interlocutor também ignora o que está sendo discutido.
Contudo, diferentemente de Sócrates, o interlocutor ignora que ignora, ele não sabe que não sabe.
A postura do filosofo, ao assumir desde o início que não tem resposta, mas apenas perguntas, revela
o significado do que ele teria respondido ao oráculo. Na Grécia, era costume a consulta aos oráculos para
que uma verdade fosse revelada ou um futuro conhecido. Quando, por meio da sacerdotisa, a divindade do
oráculo de Apolo foi questionada acerca de quem seria o homem mais sábio de Atenas, sua resposta foi:
Sócrates.
Ao saber do acontecido, Sócrates disse: “Só sei que nada sei”. Ora, ao saber que era ignorante da
verdade e que, por isso, teria que buscá-la, Sócrates estava à frente de seus interlocutores. Não tinha a
mesma postura dos sofistas, pois, ao reconhecer sua ignorância, não se considerava um professor (mestre).
O filosofo não era alguém que detinha a verdade, mas aquele que, por amar a sabedoria, buscava a verdade
por meio da interrogação. Essa postura era chamada de dialética socrática.

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A ironia socrática
Interrogar o interlocutor e revelar a ele sua própria ignorância define a ironia contida no método
socrático. Socrático. Sócrates assumia a posição de alguém que confia nas capacidades de seu interlocutor,
parecendo acreditar que suas perguntas terão respostas esclarecedoras. Ele chega até assumir as teses de
seu interlocutor, como se partilhasse daquelas opiniões. O resultado, contudo, sempre se revela o mesmo:
o não saber.

A maiêutica
Para definir a maiêutica em sua atividade filosófica, Sócrates estabeleceu uma analogia com o oficio
de sua mãe que era parteira. Ela auxiliava as gestantes e seus bebês no momento do nascimento, dando à
luz crianças. Sócrates dizia também exerce essa atividade, pois cabia a ele tarefa de auxiliar as pessoas a
partir suas próprias ideias, dar à luz um conhecimento, fazer o saber de seu interlocutor se revela.
No diálogo Teeteto, escrito por Platão, Sócrates faz um relato de sua habilidade. Ocupando a função
de parteiro, o filosofo não é o responsável pela geração do conhecimento, mas apenas um auxiliar nessa
importante tarefa. Aliás, se lhe fosse pedido para gerar o conhecimento por conta própria, Sócrates diria ser
impotente para tal função. Assim como a parteira não gera bebês enquanto assiste às gestantes, Sócrates,
também não produz conhecimento. Desse modo, Sócrates exercia uma ação de parteiro da alma, ajudando
a extrair dela os saberes.

Doutrinas Filosóficas
A introspecção é o característico da filosofia de Sócrates. Exprime-se no famoso lema conhece-te a ti
mesmo – isto é, torna-te consciente de tua ignorância – como sendo o ápice da sabedoria, que é o desejo da
ciência mediante a virtude. E alcançava em Sócrates intensidade e profundidade tais, que se concretizava,
se personificava na voz interior divina do gênio ou demônio.
Como é sabido, Sócrates não deixou nada escrito. As notícias que temos de sua vida e de seu
pensamento, devemos especialmente aos seus dois discípulos Xenofonte e Platão, de feições intelectuais
muito diferentes. Xenofonte, autor de Anábase, em seus Ditos Memoráveis, legou-nos de preferência o
aspecto prático e moral da doutrina do mestre. Xenofonte, de estilo simples e harmonioso, mas sem
profundidade, não obstante a sua devoção para com o mestre e a exatidão das notícias, não entendeu o
pensamento filosófico de Sócrates, sendo mais um homem de ação do que um pensador. Platão, pelo
contrário, foi o filósofo que nos deu um retrato histórico quase preciso de Sócrates; nem sempre é fácil
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discernir o fundo socrático das especulações acrescentadas por Platão. Seja como for, cabe-lhe a glória e o
privilégio de ter sido o grande historiador do pensamento de Sócrates, bem como o seu autêntico biógrafo.
Com efeito, pode-se dizer que Sócrates é o protagonista de todas as obras platônicas, embora Platão
conhecesse Sócrates já com mais de sessenta anos de idade.

"Conhece-te a ti mesmo"
O lema em que Sócrates cifra toda a sua vida de sábio. O perfeito conhecimento do homem é o objetivo de
todas as suas especulações e a moral, o centro para o qual convergem todas as partes da filosofia. A
psicologia serve-lhe de preâmbulo, a teodicéia de estímulo à virtude e de natural complemento da ética.
Em psicologia, Sócrates professa a espiritualidade e imortalidade da alma, distinguindo as duas ordens de
conhecimento, sensitivo e intelectual, mas não define o livre arbítrio, identificando a vontade com a
inteligência.
Em teodicéia, estabelece a existência de Deus: a) com o argumento teológico, formulando
claramente o princípio: tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma inteligência; b) com o argumento
da causa eficiente: se o homem é inteligente, também inteligente deve ser a causa que o produziu; c) com o
argumento moral: a lei natural supõe um ser superior ao homem, um legislador, que a promulgou e
sancionou. Deus não só existe, mas é também providência, governa o mundo com sabedoria e o homem
pode propiciá-lo com sacrifícios e orações.
Moral. É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates ensina o bem pensar para o bem viver. O meio
único de alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim supremo do homem, é a prática da virtude. A
virtude é adquirida com a sabedoria ou, antes, com ela se identifica.
Esta doutrina, uma das mais características da moral socrática, é
consequência natural do erro psicológico de não distinguir a vontade
da inteligência. Conclusão: grandeza moral e penetração especulativa,
virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. "Se músico é o que
sabe música, pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a
justiça".
Sócrates reconhece também, acima das leis mutáveis e
escritas, a existência de uma lei natural – independentemente do
arbítrio humano, universal, fonte primordial de todo o direito positivo, expressão da vontade divina
promulgada pela voz interna da consciência.
Sublime nos lineamentos gerais de sua ética, Sócrates, em prática, sugere quase sempre a utilidade como
motivo e estímulo da virtude. Vejamos agora algumas frases atribuídas a Sócrates:

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- A vida que não passamos em revista não vale a pena viver.
- A palavra é o fio de ouro do pensamento.
- Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância.
- É melhor fazer pouco e bem, do que muito e mal.
- Alcançar o sucesso pelos próprios méritos. Vitoriosos os que assim procedem.
- A ociosidade envelhece, não o trabalho.
- O início da sabedoria é a admissão da própria ignorância.
- Chamo de preguiçoso o homem que podia estar melhor empregado.
- Há sabedoria em não crer saber aquilo que tu não sabes.
- Não penses mal dos que procedem mal; pense somente que estão equivocados.
- O amor é filho de dois deuses, a carência e a astúcia.
- Todo juiz deve ouvir cortesmente, responder sabiamente, ponderar prudentemente e decidir
imparcialmente.
- Sob a direção de um forte general, não haverá jamais soldados fracos.
- Todo o meu saber consiste em saber que nada sei.

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PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO IV
I) Sócrates é tradicionalmente considerado um marco divisório da filosofia grega. Os filósofos que o
antecederam são chamados de pré-socráticos. Seu método, que parte do pressuposto “só sei que nada
sei”, é a maiêutica que tem como objetivo:
I – “dar luz a ideias novas, buscando o conceito”.
II – partir da ironia, reconhecendo a ignorância até chegar ao conhecimento.
III – encontrar as contradições das ideias para chegar ao conhecimento.
IV – trazer as ideias do céu a terra.
Assinale:
a) Se apenas I e II estiverem corretas.
b) Se apenas I e III estiverem corretas.
c) Se apenas II, III e IV estiverem corretas.
d) Se III e IV estiverem corretas.
e) Se I e IV estiverem corretas.

II) . O método argumentativo de Sócrates (469 – 399 a.C.) consistia em dois momentos distintos: a ironia
e a maiêutica. Sobre a ironia socrática, pode-se afirmar que:
I – Torna o interlocutor um mestre na argumentação sofística.
II – Leva o interlocutor à consciência de que seu saber era baseado em reflexões, cujo conteúdo era repleto
de conceitos vagos e imprecisos.
III – tinha um caráter purificador, à medida que levava o interlocutor confessar suas próprias contradições e
ignorâncias.
IV – tinha um sentido depreciativo e sarcástico da posição do interlocutor.
Assinale:
a) se apenas a afirmação III é correta.
b) Se as afirmações I e IV são corretas.
c) Se apenas a afirmação IV é correta.
d) Se as afirmações II e III são corretas.
II) Apesar de Sócrates não ter deixado suas ideias registradas por escrito, algumas frases filosóficas muito
importantes foram atribuídas a ele. Uma dessas frases é “Conhece-te a ti mesmo”. A partir de seus
conhecimentos, EXPLIQUE em que consistia o método socrático de aquisição da verdade:
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IV) Relacione o trabalho de uma parteira com a maiêutica conduzida por Sócrates.
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V) Por que Sócrates é considerado um marco na História da Filosofia?


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VI) Explique a dialética socrática.


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CAPÍTULO V
PLATÃO E A DOUTRINA DAS IDEIAS

Mestres e discípulos
Todos os grandes filósofos tiveram mestres, e a maioria deles reconheceu a influência recebida, mas
isso os impediu de terem suas próprias ideias.
Os mestres são, portanto, mediadores do saber, ou seja, intermediários entre o discípulo e o conhecimento,
como são seus professores.
Platão foi discípulo de Sócrates e registrou presença marcante de seu mestre na maioria dos diálogos que
escreveu. Contudo, Platão não teria sido um dos maiores filósofos que o mundo conheceu se houvesse se
restringido a repetir as ideias de Sócrates. Por isso, ele desenvolveu uma Filosofia que abordou áreas capitais
de seu tempo, como política, a ética, a teoria do conhecimento. Sobre Platão já se disse que toda Filosofia
ocidental que o sucedeu não passou de notas de rodapé ao seu pensamento. Exageros á parte, trata-se do
reconhecimento da grandeza desse pensador grego.
1. Em sua opinião, reconhecer a importância daqueles que participaram de nossa formação é um obstáculo à
produção de ideias próprias?
2. Leia o trecho a seguir e responda á questão.
(...)Merleau-Ponty, numa bela passagem da Fenomenologia da percepção, escreve que o bom professor não
é aquele que diz “ faça como eu” e sim “ faça comigo”; como o professor de natação que não ensina a nadar
na areia, com gestos abstratos, mas lança-se n’agua com o aluno e deixa-o convive com ela, ser acolhido e
repelido por ela para que, com ela (e não com ele), aprenda a nadar. A docência formadora, creio, é a que
diz “ faça comigo”para que, ao fim e ao cabo, ali onde havia um professor e um aluno, haja dois professores.
(Chaui, 1988, p.29)
Segundo o texto, o papel do professor é conduzir seu aluno ao conhecimento. No transcorrer do
aprendizado, o aprendiz deixa de ser conduzido para também se tornar condutor. Você concorda com esse
ponto de vista?

A descoberta do suprassensível
Neste capítulo vamos conhecer as principais características da obra de Platão, um dos grandes
representantes da Filosofia clássica grega. Há várias maneiras de abordar a obra platônica ao longo do

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tempo. Podem –se enfatizar aspectos éticos-políticos, o papel da religião (o orfismo) em seu pensamento ou
sua contribuição para a teoria do conhecimento. Aqui daremos ênfase aos temas clássicos da sua doutrina
das ideias, o papel do filósofo na cidade e sua crítica aos poetas.
Ao compararmos, de forma geral, a filosofia de Platão com o que já estudamos até agora, acabamos
por destacar sua descoberta do suprassensível. Se os primeiros filósofos eram investigadores da physis e do
domínio do sensível, se Sócrates e a sofística trouxeram a reflexão filosófica para as questões ético-políticas
humanísticas, Platão se destaca por ter proposto a investigação de uma realidade para além do domínio do
sensível. Essa foi realmente uma mudança radical, até revolucionária, e que motivou alguns estudiosos a
chamar essa descoberta de “segunda navegação”. Trata-se de uma alusão, feita pelo próprio Platão, à
imagem dos navegantes. Quando a força dos ventos já não é suficiente para mover o navio, é preciso recorrer
à força dos braços dos seus remadores.
Platão levou ao limite as reflexões dos que o antecederam e a solução inédita que ele ofereceu foi
exatamente sua doutrina de ideias. Esse será o tema que mais longamente exploraremos neste capítulo.

Entre Sócrates e Platão


Nascidos em Atenas em uma família aristocrática, Platão estava destinado a participar da política
local. Ele precisava, portanto, encontrar um mestre que lhe ensinasse retórica, a arte da argumentação, e o
iniciasse nos assuntos políticos da cidade. Nesse aspecto, o jovem Platão não se diferenciava dos demais
jovens atenienses da mesma condição social.
Embora os sofistas fossem os principais responsáveis por esse magistério, Platão procurou Sócrates,
que já se encontrava em idade avançada. Esse fato reforça a ideia de que para os atenienses da época a
atitude socrática e a sofistica eram iguais. O interesse inicial do aprendiz pela formação política logo se
transformou em genuíno entusiasmo pelos ensinamentos filosóficos, levando- o a destacar em seus escritos
que Sócrates era muito diferente dos sofistas.
Segundo Platão, Sócrates era um verdadeiro filósofo, e por isso, se tornou o personagem central da
maioria dos seus diálogos. Boa parte do esforço dele nesses textos é justamente diferenciar Sócrates,
opondo o que ele considerava o verdadeiro filósofo daquele que apenas apresentava como tal, falsamente.
Entretanto, como seu principal seguidor, Platão não se contentou em registrar as ideias do mestre. Ele
elaborou uma imagem idealizada, identificando sua postura como que seria a atitude filosófica ideal. Por
esse motivo, inclusive, não se pode considerar que o chamado Sócrates histórico tenha vivido exatamente
conforme a figura proposta de Platão.

Sócrates histórico ou platônico?


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É possível observar, pela evolução dos diálogos de Platão, uma diferença entre os chamados diálogos
da juventude e os diálogos da maturidade. Embora não haja uma datação precisa da ordem cronológica dos
diálogos platônicos, sabemos que textos como Apologia de Sócrates e Críton correspondem aos primeiros
anos do filósofo e que A república e O banquete são escritos posteriores.
Nos diálogos de juventude, a pergunta O que é desemboca em um não saber, na incapacidade de
definir um conceito. Por isso são conhecidos como aporéticos. Neles aparece com mais evidência a postura
questionadora de Sócrates, que interroga, examina e refuta especialistas com os quais se defronta pelas ruas
de Atenas. Já nos diálogos da maturidade são apresentadas teses e ideias, isto é, conclusões e afirmações
filosóficas claras. As perguntas que motivam os diálogos são respondidas.
Essa diferença é nítida em A república. O diálogo, dividido em dez livros, tem como tema central a
justiça na cidade ideal. O primeiro livro apresenta e discute três definições de justiça sem chegar a uma
resposta acabada. Parte dos intérpretes de Platão sugere ser importante esse momento para compreender
a diferença entre o método socrático e o método platônico, pois o livro 1revelaria o esgotamento da aporia
e o método de Platão se revelaria nos textos seguintes. A esse respeito, a estudiosa Maria Helena da Rocha
Pereira afirma, em notas ao texto de Platão:
Temos, portanto, uma galeria de figuras, das quais umas são ativas, outras, simples ouvintes.
Quase todas são conhecidas. Em primeiro plano, Sócrates, sem dúvida a pessoa central da discussão
dialética. Embora não vamos renovar a questão da historicidade deste seu retrato, podemos recordar, à
passagem, a hipótese de F.M. Conford, seguida por outros, de que é neste diálogo que se desenha a
bifurcação entre o método Sócrates e o de Platão: no livro 1 evidencia-se a falência daquele; a continuação
mostra os novos caminhos, segundo os quais não é cada um a organizar a sua busca do bem, mas a ordem
social é que há de tirar de cada um o melhor.

A academia de Platão
Quando Platão tinha por volta de 40 anos de idade, ele fundou uma escola de ensino de Filosofia
chamada Academia, que tinha esse nome por ser localizada nos arredores de Atenas em um parque que, de
acordo com a mitologia, pertence ao herói Academos. O ensino era dividido em exotérico e esotérico. O
pensamento exotérico era direcionado ao público externo, que se dirigia à Academia para aprender Filosofia.
O pensamento esotérico era dedicado aos iniciados. Platão teve a oportunidade de se desenvolver,
aprimorar e difundir suas próprias ideias, resultado de sua busca incessante pela verdade e pelo
conhecimento da verdadeira realidade.
O aluno que mais se destacou na Academia permaneceu lá por 20 anos e se tornou um dos filósofos mais
conhecidos do mundo: Aristóteles.

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Até o começo da Idade Moderna, poucos diálogos de Platão eram conhecidos, a saber: Fédon, Fedro
e Timeu. Isso se deu porque o acesso aos textos da Antiguidade clássica foi precário na Idade Média. Já no
século XIX, os pensadores tiveram acesso à quase totalidade dos diálogos platônicos, prevalecendo uma
interpretação sistemática do pensamento do filósofo. A partir daí a filosofia de Platão passou a ser encarada
como um sistema de ideias acabadas. Essa leitura, obviamente, não contemplava a chamada doutrina não
escrita do filósofo.
Os diálogos escritos de Platão correspondem a apenas uma parte do que era efetivamente ensinado
na Academia. Platão dizia que as pessoas não familiarizadas com a Filosofia ficariam escandalizadas se
tivessem acesso ao pensamento esotérico. Na famosa Carta VII, que por muito tempo fio considerado um
texto espúrio, mas que atualmente é reconhecida como autêntica, Platão indica que o essencial de sua
doutrina foi repassado a seus discípulos oralmente. Essa informação é relevante porque parte da
interpretação que se desenvolve acerca de Platão do século XX procurou enfatizar esses ensinamentos orais,
acessíveis por textos escritos por seus discípulos. A tese é a de que a verdadeira doutrina platônica só pode
ser adequadamente compreendida à luz dos ensinamentos não escritos (Giovanni, autor de Para uma nova
interpretação de Platão, é defensor dessa tese).

A doutrina das ideais


A Filosofia conheceu um impasse logo após seu nascimento. Os pré-socráticos Parmênides e Heráclito
defendiam teses opostas sobre o ser e privilegiavam aspectos distintos da realidade em suas formulações.
Parmênides insistia que o ser era único, imutável, imóvel e que não aceitava variação, mas recusava que o
não ser e todas as derivações, como o movimento e a mudança, pudessem, de fato, existir. Já Heráclito
privilegiou o aspecto da realidade em que predominam o movimento, a mudança e a multiplicidade, além
de enfatizar o não ser das coisas, ou a capacidade de as coisas se transformarem, virem a ser.
Diante das teses contrárias dos pré-socráticos, Platão reconheceu que Heráclito acertou ao afirmar que
existia multiplicidade no mundo, pois, afinal, nossas sensações ou nossos sentidos realmente mostram
variedade. Contudo, Heráclito não podia ter ficado restrito ao domínio das sensações. Platão também
admitiu que Parmênides acertara em sua constatação, já que a multiplicidade percebida por nossos sentidos
deve estar relacionada a um aspecto da realidade imutável e único. Se ambos parecem ter razão,
dependendo do ponto de vista enfatizado, como solucionar esse problema?
Para superar essa oposição, Platão afirmou que existem dois planos de realidade: o mundo sensível
e o mundo inteligível. O primeiro mundo nos é acessível por nossos sentidos. Chegamos ao segundo por
meio de conhecimento racional, utilizando o método dialético, ou seja, seu acesso se dá apenas pela
Filosofia.

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Assim, no mundo sensível, por exemplo, percebemos uma multiplicidade de peixes de diferentes
cores e tamanhos. Entretanto, somente no mundo inteligível, o das ideias, encontramos, por meio da razão,
o ser peixe, a ideia de peixe: unitária, perfeita e imutável. Para Platão, portanto, o mundo sensível e o mundo
inteligível não possuem o mesmo valor e a mesma importância. O primeiro é cópia do segundo, e o segundo
é superior ao primeiro.

A alegoria da caverna
O que é realidade? O que percebemos pelos sentidos é a verdade, o real? A razão pode dizer algo
sobre o mundo que os sentidos não são capazes de alcançar? A Filosofia nascente prometia trazer à luz, por
meio do logos, certezas e verdades que escapariam a nossos sentidos. Para investigar a origem do cosmos,
filósofos pré-socráticos não recorreram à experiência dos sentidos, mas à razão. Platão também investigou
racionalmente a realidade, porém a explicou por meio de uma alegoria, que consta da obra A república.
Nela é contada a história de pessoas que, desde a infância, viviam encarceradas em uma caverna. As
pernas acorrentadas as impediam de fugir e o pescoço preso as forçava a olhar apenas para uma parede.
Como estavam de costas para a entrada, de onde provinha toda a luz, esses seres humanos só conseguiam
ver as sombras do que acontecia do lado de fora.
Certo dia, um dos prisioneiros conseguiu se libertar. Ao virar a cabeça, percebeu que todos estavam
olhando para a parede no fundo da caverna e tudo o que viam nela eram projeções. Ele concluiu então que
homens pensavam observar a realidade, mas viam apenas as sombras de objetos iluminados por uma
fogueira.
O prisioneiro liberto dos grilhões saiu da caverna e a luz do sol ofuscou seus olhos. Era seu primeiro contato
com a realidade verdadeira. Essa situação lhe causou dor e ele quis voltar ao antigo ambiente, familiar e livre
dos sofrimentos que essa realidade provocava. Mas aos poucos seus olhos conseguiram se habituar a luz e
o homem se acostumou ao mundo externo.
O conhecimento da realidade e o contato com o que sustenta essa realidade impôs ao antigo
prisioneiro uma responsabilidade: contar aos outros tudo o que ele vira e agora sabia. Ao voltar para a
caverna, entretanto, suas novidades pareciam, aos outros prisioneiros, fruto de um devaneio. Revoltados
com a insistência do homem em relatar o que sabia sobre a realidade fora da caverna, os cativos acabaram
por matá-lo.

Interpretando a alegoria
Qual é o significado dessa história? Quem são os prisioneiros da caverna?

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Primeiro trata-se de uma alegoria sobre o próprio ser humano. Eles são, pois, aqueles que não
conhecem a Filosofia. Segundo, não é fácil sair da caverna. As pessoas dentro dela estão acorrentadas e
habituadas a ver as sombras na parede como se estas fossem a própria realidade. Terceiro, aquele que
contemplou a verdadeira realidade, o filósofo, tem o dever ético de transmiti-la. Quarto, a novidade
transmitida pelo filósofo não e aceita sem resistência.
Nessa alegoria Platão faz célebre distinção entre o mundo sensível, onde nos encontramos, e o
mundo inteligível ou das formas, lugar das coisas absolutamente verdadeiras e do supremo bem: o mundo
das ideias. Ela ilustra o caminho que o filósofo precisa percorrer para se libertar do mundo sensível. É um
caminho de dor e sofrimento. O final do percurso, no entanto, lhe revelará a realidade inteligível e o
verdadeiro bem, ou seja, a ideia superior em relação à qual todas as demais ideias se remetem. É sobre isso
que estudaremos a seguir.

O conhecimento do bem
Assim como há dois mundos distintos, também existem dois modos diferentes de conhece-los, mas
penas um deles pode ser propriamente chamado de conhecimento. No mundo sensível, conhecemos as
coisas por meio dos sentidos do corpo, que nos fornecem apenas uma imitação ou cópia da realidade. Em
termos filosóficos, uma mimese. Se as impressões são apenas uma imagem das coisas, então as opiniões
constituídas sobre impressões também fornecem um conhecimento não verdadeiro.
No mundo inteligível, ao contrário, não conhecemos nada pelos sentidos, apenas pelo raciocínio e pela
intuição intelectual. O conhecimento do mundo inteligível é superior ao do mundo sensível e não podemos
vislumbrá-lo pelos olhos do corpo, somente pelos olhos da alma.
Os olhos da alma, contudo, também precisam de luz, de um Sol, que seja capaz de iluminar todo o
restante da realidade. Essa luz, esse conhecimento máximo, só pode ser o bem, ideia superior no mundo
inteligível, ideias das ideias. De acordo com a alegoria de Platão, algumas pessoas desejam sair da caverna
para comtemplar as ideias verdadeiras. Mas como podemos conhecer essa realidade se desde sempre
conhecemos o mundo pelos nossos sentidos? Como explicar esse desejo de conhecer a verdade se, desde
que nascemos, aprendemos a confiar em opiniões prontas que sempre nos desviam do conhecimento
verdadeiro?
Para Platão, conhecer é lembrar. A alma, antes de encarnar em um corpo, conheceu ideias, mas, na
passagem para o corpo, ela se esquece do que já contemplou. Por meio do mito de Er, Platão expõe sua
teoria da reminiscência, segundo a qual as almas, antes da encarnação, escolhem a vida terão. Aquelas que
escolhem uma vida de prazeres, riquezas e honras bebem uma grande quantidade das águas do rio do
esquecimento. Já aquelas que escolhem a sabedoria quase não bebem dessa água. Por isso, ao nascer, essas

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pessoas guardam o forte desejo de contemplar novamente o que conheceram um dia: a verdade. Portanto,
a verdade não será uma novidade, mas uma lembrança. Conhecer é lembrar porque é reconhecer a realidade
verdadeira com a qual já entramos em contato antes de estarmos presos ao nosso corpo.

O demiurgo
Em A república, a ideia das ideias, a mais perfeita entre todas as ideias, que ocupava, no mundo,
inteligível, o lugar que o Sol ocupava no mundo sensível, era a ideia do bem. Entretanto, no diálogo Timeu,
o tema é a origem do cosmos, e a ideia do bem já não era um conceito suficiente para explicar se o mundo
existiu desde sempre ou só veio a existir a partir de certo momento. Platão precisou de outro conceito para
resolver essa questão.
Para explicar a origem do cosmos, Platão elaborou a noção de demiurgo, entendido como a
inteligência artífice bondosa do Universo ou, ainda, o verdadeiro deus platônico. O papel do demiurgo não
foi criar, mas ordenar a matéria e o cosmos que se encontravam desarmônicos e possibilitar que houvesse
alma nos corpos sensíveis inteligentes.
O deus platônico, assim, não pode ser confundido com o deus das principais religiões monoteístas. O
demiurgo não é o criador de todas as coisas do Universo nem mesmo da própria matéria, que já existia antes
de sua intervenção. Vejamos uma passagem do Timeu que ilustra essa explicação:
Timeu: Bem, estabeleçamos agora a causa de o construtor haver construído o vir a ser e o universo.
Ele era bom e aquele que é bom jamais se mostra malevolente com coisa alguma; e sendo desprovido de
malevolência, ele desejou que tudo fosse o mais semelhante possível a ele (...). Assim ele tomou tudo o que
era visível e constatando que não se encontrava um repouso, mas em movimento discordante e
desordenado, trouxe- o de um estado desordenado a um ordenado, considerando a ordem em todos os
aspectos melhor do que a desordem(...). Com base nesse raciocínio, ele instalou a inteligência na alma e esta
no corpo à medida que construía assim o universo, de modo que a obra que produzia fosse tão sumamente
bela e sumamente boa quanto sua natureza o permitisse. Assim, conforme esse nosso discurso provável, é
forçoso que declaremos que este universo ordenado verdadeiramente veio a ser como um ser vivo dotado
de alma e de inteligência por força da providência divina. ( Platão, 2010b, p 179-180, grifo do autor)

O rei- filósofo ou o filósofo-rei


No decorrer da vida de Platão, dois eventos marcaram decisivamente suas concepções políticas: a
condenação de Sócrates à morte e as experiências na região de Siracusa. No primeiro caso, Platão constatou
as injustiças que a Atenas democrática poderia cometer contra o mais sábio de seus cidadãos. No segundo

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aso, ele próprio sofreu as consequências da tirania e da violência ao tentar pôr em prática sua concepção de
política.
Depois de presenciar o julgamento que obrigou o homem mais sábio de seu tempo a beber um cálice
de cicuta (um tipo de veneno), Platão formulou a ideia de que o governo de um Estado só poderia ser
exercido por um rei que também fosse filósofo, pois, por conhecer o bem, o rei-filósofo seria capaz de
governar com justiça. Afinal, só ele, o filósofo, conhece o que seja verdadeiramente a justiça.
Em viagens que fez a Siracusa, ele viu uma oportunidade de transformar o rei local em filósofo. No
entanto, Platão não foi bem-sucedido. Como não conseguiu convencer o rei de suas ideias, ele foi
aprisionado e quase chegou a ser vendido como escravo. Platão concluiu então que a política e a vida pública
ofereciam riscos, sobretudo ao filósofo. Na maioria das vezes, as pessoas não são receptivas ao que ele tem
para contar. Para superar essa resistência, a Filosofia exige uma reorganização radical da cidade e a criação
de uma nova Paideia, capaz de preparar as pessoas desde a infância para formar uma cidade perfeita e justa.
O intuito da obra A república contribuir para essa formação.
Contudo, diante da impossibilidade de transformar um rei em filósofo, Platão propôs transformar um
filósofo em rei. E foi exatamente esse o intento de todos os procedimentos pedagógicos destinados à
educação dos futuros guardiões da cidade na república platônica. Aqui aquela especulação sobre a
verdadeira realidade e a ideia do bem parece ganhar seu contorno preciso.
Quando Platão procura descrever a dialética e a condição sui generis do filósofo (nos livros V, VII E
VII de A república), ele o faz no bojo da tese de que o governo da cidade ideal deve ficar a cargo do filósofo.
Então é preciso, em primeiro lugar, saber quem é o filósofo. O filósofo, como vimos, é aquele que pratica a
dialética da saída do mundo sensível para o mundo inteligível e o retorno ao mundo sensível. Qual é então
a diferença entre o filósofo e os governantes comuns? O filósofo conhece a realidade e as virtudes
necessárias para a boa condução da cidade. Nessa articulação entre a política e a mais aparentemente
abstrata especulação filosófica parece se encontrar o segredo da preocupação platônica: é temerária a
cidade que é governada por aquele que ignora o que sejam as virtudes próprias à boa condução da justiça
na cidade.

A condenação dos artistas


Na cidade perfeita imaginada por Platão, nem todos os grupos encontrariam espaço para conviver
livremente: os artistas não seriam aceitos. Mas o que o filósofo via de tão condenável neles?
Hesíodo e Homero eram marcos da tradição oral que passou de geração a geração. Eles não eram
apenas os dois pilares da cultura grega, mas também tinham uma função pedagógica importante, pois seus
poemas formaram todos os cidadãos que habitavam as cidades da Grécia. Esses poetas eram verdadeira

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autoridade para os gregos. Na cidade platônica ideal, no entanto, a leitura dos poemas de Hesíodo e Homero
devia ser excluída da educação dos jovens guardiões.
Isso porque Platão dizia que esses poetas contavam mentiras sem nenhuma nobreza. Além disso,
tinham narrativas que não contribuíam para o enriquecimento moral dos futuros governantes da cidade. De
acordo com ele, um filósofo pode utilizar alegorias e histórias para expressar suas ideias, seus pensamentos
e seus raciocínios, sem que a Filosofia o afaste da verdade, ao passo que a poesia leva uma pessoa a mentir
sem nenhuma utilidade.
Para explicar a posição sobre a arte, Platão fez uma comparação entre a função dos artesãos e a dos
artistas. A cadeira fabricada pelo carpinteiro é uma cópia da ideia de cadeira, existente no mundo inteligível,
mas tem uma função bem definida, pois é útil para todas as pessoas. O mesmo não ocorre com o trabalho
do pintor, por exemplo, que, ao retratar uma cadeira num quadro, também faz uma cópia, mas não é de
uma ideia nem possui uma função útil.
Se as cadeiras que percebemos pelos sentidos já são cópias, então os artistas copiam cópias, gerando
cópias degradadas de outras cópias.
Platão formula o conceito de simulacro, ou seja, uma simulação ou reprodução de uma cópia. Ele é
utilizado especialmente para definir a criação artística, pois a obra de arte imita o mundo sensível, que já é
uma imitação, ou mimese, do mundo inteligível. Portanto, o simulacro é a imitação da imitação. Para Platão,
em sua cidade ideal projetada, se a criação não tinha função, então os artistas deveriam ser expulsos dela.

Frases de Platão
"O belo é o esplendor da verdade".

"O que mais vale não é viver, mas viver bem".

"Vencer a si próprio é a maior de todas as vitórias".

"Praticar injustiças é pior que sofrê-las".

"A harmonia se consegue através da virtude".

"Teme a velhice, pois ela nunca vem só".

"A educação deve possibitar ao corpo e à alma toda a perfeição e a beleza que podem ter".

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PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO V
I) A parte central da filosofia de Platão é a teoria das formas, ou o mundo das ideias. Ideias ou formas são
arquétipos imutáveis. De acordo com Platão só essas ideias ou formas são constantes e reais. Platão divide
o mundo em duas partes:
A) O mundo físico, onde tudo é constante e real, e o mundo das ideias em que vivemos, onde o fluxo é
constante e a realidade é relativa.
B) O mundo das ideias, onde tudo é constante e real, e o mundo físico em que vivemos, onde o fluxo é
constante e a realidade é relativa
C) O mundo das ideias, onde tudo é inconstante e o mundo físico em que vivemos, onde o fluxo é
inconstante e a realidade é absoluta
D) O mundo físico, onde tudo é inconstante e real, e o mundo dos sentidos em que vivemos, onde o fluxo
é constante e a realidade é relativa
E) O mundo dos sentidos, onde tudo é constante e real, e o mundo físico em que vivemos, onde o fluxo é
constante e a realidade é relativa

II) Segundo Platão, a melhor forma de governo é a aristocracia por mérito. Platão divide o Estado Ideal em
três classes: a classe dos ________________ , a classe dos____________________e a classe dos
_________________ . Os _______________ são encarregados de governar o país.
A) comerciantes militares filósofos-reis filósofos-reis
B) mestres sacerdotes comerciantes militares-reis
C) comerciantes militares filósofos-reis sacerdotes
D) comerciantes militares sacerdotes filósofos-reis
E) comerciantes militares cardeais mestres sarcedotes

III) (UFPE). Em qual diálogo está o Mito da Caverna?

A) Protágoras.
B) Menón.
C) Neméia
D) República

IV) (UDESC)
Texto

52
– Considera pois – continuei – o que aconteceria se eles fossem soltos das cadeias e curados da sua
ignorância, a ver se, regressados à sua natureza, as coisas se passavam deste modo. Logo que alguém
soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a
luz, a fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas sombras via
outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao
passo que agora estava mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objetos mais reais? E se
ainda, mostrando-lhe cada um desses objetos que passavam, o forçassem com perguntas a dizer o que
era? Não te parece que ele se veria em dificuldade e suporia que os objetos vistos outrora eram mais
reais do que os que agora lhe mostravam?
(PLATÃO. A República. 7. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993. p. 318-319.)
O texto é parte do livro VII da República, obra na qual Platão desenvolve o célebre Mito da Caverna. Sobre
o Mito da Caverna, é correto afirmar.
I A caverna iluminada pelo Sol, cuja luz se projeta dentro dela, corresponde ao mundo inteligível, o do
conhecimento do verdadeiro ser.
II Explicita como Platão concebe e estrutura o conhecimento.
III Manifesta a forma como Platão pensa a política, na medida em que, ao voltar à caverna, aquele que
contemplou o bem quer libertar da contemplação das sombras os antigos companheiros.
IV Apresenta uma concepção de conhecimento estruturada unicamente em fatores circunstanciais e
relativistas.
Assinale a alternativa correta.
A) Somente as afirmativas II e III são corretas.
B) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
C) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas
D) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
E) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.

V) (UEG 2013)
A expressão “Tudo o que é bom, belo e justo anda junto” foi escrita por um dos grandes filósofos da
humanidade.

Ela resume muito de sua perspectiva filosófica, sendo uma das bases da escola de pensamento
conhecida como

A) cartesianismo, estabelecida por Descartes, no qual se acredita que a essência precede a existência.
B) Pré socrático , que tem no imperador romano Marco Aurélio um de seus grandes nomes, que pregava a
serenidade diante das tragédias.

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C) existencialismo, que tem em Sartre um de seus grandes nomes, para o qual a existência precede a
essência.
D) platonismo, estabelecida por Platão, no qual se entendia o mundo físico como uma imitação imperfeita
do mundo ideal.

VI) De acordo com Platão, quais são os meios de conhecer a realidade?


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VII) O Mito da Caverna narrado por Platão no livro VII do Republica é, talvez, uma das mais poderosas
metáforas imaginadas pela filosofia, em qualquer tempo, para descrever a situação geral em que se
encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras a nossa frente e
tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500 anos
atrás, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões pelos tempos a fora. Explique de forma clara como o
Mito da Caverna de Platão pode ser aplicado no dia a dia.
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CAPÍTULO VI
AS IDEIAS DE ARISTÓTELES

Discípulo e crítico
As contribuições de Platão e de Aristóteles foram decisivas para o pensamento ocidental. Quase toda
a Filosofia posterior faz referência a esses filósofos, ainda que seja para criticá-los. Por suas reflexões
profundas e pelos campos do conhecimento que exploraram, Platão e Aristóteles podem ser considerados
os fundadores do pensamento ocidental.
Entretanto, assim como Platão não se restringiu a reproduzir as ideias de Sócrates e desenvolveu seu
próprio pensamento; Aristóteles, por sua vez, não repetiu Platão e se opôs a pontos importantes das ideias
do mestre.
A principal crítica de Aristóteles a Platão foi dirigida contra a doutrina das ideias, que seria incapaz
de explicar o motivo de haver de uma mesma ideia no mundo. Por exemplo, há apenas uma ideia de peixe,
mas porque existe vários peixes? Como se passa de uma única ideia para múltiplos seres? Ao dividir a
realidade em dois mundos, o sensível e o inteligível, Platão teria eliminado o vínculo entre eles.

Vida e obra de Aristóteles


Aristóteles chegou a Atenas com aproximadamente 18 anos de idade e logo circulou entre os meios
platônicos. Foi aluno da Academia durante 20 anos e desligou-se dela após a morte do mestre por não com
a orientação que os novos dirigentes primeiro Espêsusipo (c. 407-338 a. C.) e depois Xenócrates (c.396-314
a. C.), ambos sucessores de Platão deram ao ensino da Academia.
Aristóteles viveu há mais de 2 mil anos, mas sua Filosofia continua a ser intensamente discutida e
debatida. Durante a Escolástica medieval (período da Filosofia medieval Cristã que vai aproximadamente
do Século XI ao XV, ele era chamado “O filosofo”, o que revela sua autoridade e sua influência decisiva
nesse período da História da Filosofia. Aristóteles desenvolveu pesquisas sobre praticamente todas as
áreas do conhecimento, inclusive num campo que hoje chamaríamos de ciências naturais, investigações
que não foram prestigiadas pela Academia de Platão.
Aristóteles foi o primeiro filósofo na História da Filosofia a tentar sistematizar todo conhecimento
que havia sido produzido antes dele. Por muitos, ele é considerado o primeiro historiador da Filosofia. A

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afirmação merece, contudo, algumas considerações. Embora possamos encontrar comentários nos textos
aristotélicos aos filósofos pré-socráticos, a Sócrates, aos sofistas e a Platão, esse procedimento e realizado
tendo sempre como pano de fundo a Filosofia do próprio Aristóteles. Isso significa que não podemos nos
dirigir a ele em busca de um comentário isento a respeito do pensamento que o precedeu. Sempre está
em jogo um certo exercício de comparação entre seu próprio pensamento e o daqueles que o
antecederam.

A delimitação das ciências


Aristóteles organizou e hierarquizou as ciências em três tipos: as teóricas ou teoréticas, consideradas
ciências superiores; as práticas; e, por fim, as poéticas, inferiores as outras duas. Vejamos do que se ocupa
cada uma dessas ciências.
As ciências teóricas ou teoréticas produzem um saber universal, valido em qualquer situação, é
necessário, isto é, não pode ser de outro modo. Essas ciências estão voltadas para a contemplação da
verdade. O sábio que dedica a elas encontra um fim em si mesmo, pois o resultado de sua investigação não
gera nenhum objeto exterior, como uma construção ou uma escultura, mas benéfica sua própria alma. Elas
estão divididas em Metafisica, Matemática e Física, que inclui a psicologia ou ciência da alma. As principais
obras teoréticas escritas por Aristóteles são Física, De anima e Metafisica ( o título dessa última obra não
foi dado por Aristóteles, mas por um organizador de sua obra).
As ciências práticas produzem um conhecimento particular, que varia conforme as circunstâncias, e
possível, isto é, que não envolve necessidade. Elas estão voltadas para o bem moral dos indivíduos, gerando
um conhecimento que será aproveitado sábio, não para sua contemplação, mas para sua orientar suas
ações. As ciências práticas são construídas por Economia, Ética e Política. Essas duas últimas são
indissociáveis, pois a Ética orienta uma ação política e a Política precisa ser fundamentada pela Ética.
Destacam-se nesse quesito obras como Ética a Nicômaco e Econômicos (apesar de a autoria dessa última
não ser comprovada).
As ciências poéticas, inferiores às demais, não geram um conhecimento voltado ao próprio sábio,
pois fundam uma atividade que envolve a fabricação de algo exterior a ele. Visam produzir uma obra, como
afrescos, músicas e até mesmo uma palestra. As principais obras de Aristóteles sobre essas ciências são
Poética e Retorica.
Para Aristóteles, tudo o que existe é feito de uma causa e ela é a responsável por esse algo ser
necessariamente de um jeito e não de outro. De acordo com Aristóteles conhecer algo é conhecer pela
causa. Dessa forma, a Explicação de algo ou o seu conhecimento deve sempre dizer porque algo é
necessariamente de terminado modo. Sem esse tipo de explicação não pode haver propriamente

56
conhecimento. Daí se constata o caráter rigoroso da explicação científica: ela não apenas sabe que “algo é
isto”, mas é capaz de explicar por que algo é necessariamente isto.

A Lógica
Aristóteles e considerado fundador da lógica clássica. Isso não significa que os filósofos que o
antecederam fossem ilógicos ou que tenham elaborado seu pensamento desrespeitando as regras que
posteriormente ele sistematizou como concernentes à lógica. Aristóteles é assim considerado porque se
ocupou especificamente das regras e condições do pensamento racional. O conjunto de suas obras lógicas
ganhou o nome de Órganon.
A lógica tem importância decisiva para a formulação de raciocínios e argumentos válidos. Argumento é o
conjunto formado pelas premissas e sua conclusão. O exame da relação de causa e consequência entre
premissas e conclusão é o que define se um argumento é válido ou não. Um argumento, portanto, não
pode ser considerado verdadeiro ou falso, mas sim válido ou inválido. Apenas as partes de um argumento
podem ser verdadeiras ou falsas.
Um argumento é válido quando a conclusão se segue necessariamente de suas premissas. O argumento é
estruturado de tal forma que, se aceitarmos suas premissas, não podemos recusar sua conclusão, pois a
recusa da conclusão que se segue necessariamente de suas premissas equivaleria a rejeitar as regras do
pensamento racional. Quando há conclusão válida com base em duas premissas, o nome dessa forma
lógica é silogismo.
Por estabelecer as regras do raciocínio correto, a lógica serve de orientação para as demais ciências. Na
classificação das ciências de Aristóteles, ela constitui uma espécie de conhecimento prévio que serve para
orientar o próprio conhecimento científico. Dessa forma, o estudo da lógica antecede o de todas as
ciências porque ele é fundamental para que as investigações cientificas cheguem a bom termo.
A lógica aristotélica perdurou sem contestação praticamente até o século XIX, quando outras
concepções sobre a lógica surgiram na Filosofia.

A Filosofia Primeira
A Filosofia Primeira, também chamada muitas vezes por Aristóteles de Teologia (guardada a ressalva de
que teologia aqui não tem sentido que a ela damos contemporaneamente), diferenciando-se da chamada
Filosofia Segunda, ou Física.
A Filosofia Primeira chegou até nós como o nome de Metafísica, apesar de essa palavra não ter sido usada
por Aristóteles. O título Metafísica foi atribuído pelo organizador de suas obras, por volta do século Ia.C. ,

57
ao dispor o conjunto de textos mais especulativos de Aristóteles depois daqueles que tratavam da Física.
Por essa forma de compreensão, a Metafísica não poderia ser classificada como um saber específico e
autônomo, como uma ciência. Em uma interpretação mais rigorosa, contudo, podemos encontrar outro
sentido para a expressão Metafísica. De acordo com esse outro ponto de vista, ela é a ciência que trata do
suprassensível, daquilo que está além do sensível. Assim, a Metafísica se opõe à Física porque trata de
realidades superiores às da Física. Essa interpretação mais rigorosa da Metafísica é a mais corrente e nela
pensamos quando tratamos da metafísica de Aristóteles. Ademais, ela se apoia completamente na
natureza dos conteúdos de que trata a obra Metafísica de Aristóteles.

O conhecimento superior
Aristóteles abre o Livro I da Metafísica com a célebre passagem:
Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer uma prova disso é o prazer das sensações,
pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais(...)
(Aristóteles, 1973b, p. 211)

A busca pelo conhecimento encontra-se na própria natureza humana, desde o nascimento, mesmo que se
manifeste em seu grau mais rudimentar. Prova disso é o conhecimento por meio das sensações ou dos
sentidos, entre os quais se destaca o da visão. É o chamado conhecimento por empiria ou saber empírico,
que não pode ser ensinado porque é adquirido imediata e concretamente quando percebemos as coisas
sensíveis. Também há um saber que vem da técnica. O técnico é aquele que tem conhecimento dos meios
para chegar a um fim.
Como ensina o historiador da Filosofia Julián Marías, apesar de o saber técnico ser superior ao saber
empírico, ambos são necessários em nossa vida:

(...)Portanto, a téchne (técnica) é superior à empeiria (empiria); mas esta também é necessária, por
exemplo, para curar, porque o médico não tem de curar o homem, e sim Sócrates, e o homem apenas de
modo mediato (Marías,2004, p.69)

O conhecimento metafísico é menos necessário em nossa vida cotidiana, mas nenhum outro lhe é
superior. A metafísica é o conhecimento pelas causas; e, como vimos, o conhecimento é científico quando
ele nos dá os princípios e as causas das coisas.

A definição de Metafísica
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o objeto investigado pela Metafísica é muito diferente do objeto conhecido pelo saber empírico ou pelo
saber técnico.
O saber empírico nos faz conhecer as coisas particulares, como Sócrates, o Oráculo de Delfos e a caneta
esferográfica; o saber técnico nos faz conhecer as diversas técnicas, como os procedimentos médicos e a
engenharia de construir templos. O que o saber metafísico, então, nos permite conhecer? Segundo
Aristóteles, a Metafísica estuda o ser enquanto ser. Não considera o ser de modo particular como fazem as
demais ciências – por exemplo, ao investigar Sócrates, os procedimentos médicos etc. - , mas busca o que
é universal, o que envolve tanto Sócrates quanto os procedimentos médicos, tanto o Oráculo de Delfos
quanto a arte de construir templos.
Segundo Aristóteles, a Metafísica trata das causas primeiras, que são as quatro seguintes:
 a causa material, que é a matéria de que é feita alguma coisa. Em uma escultura, por exemplo, a
causa material pode ser o bronze ou o mármore;
 a causa formal, que é a forma ou a essência das coisas. No exemplo da escultura, é a forma ou a
aparência que possibilita que a reconheçamos como uma escultura (e não como um poste, por
exemplo);
 a causa eficiente, que é o agente que produz a coisa. Uma escultura é produzida por um artista;
 a causa final, que é a razão ou a finalidade das coisas. A finalidade da escultura é o prazer estético.
A Metafísica também se ocupa da substância. A substância responde pelos significados do ser. Mas
o que é a substancia? Trata-se de uma questão complexa no pensamento aristotélico. Aristóteles
recusa-se a entender a substância como sendo a forma platônica.
Aristóteles apresenta três gêneros de substâncias:
 as substâncias sensíveis, que nascem, morrem e, por isso, passam por todo tipo de mudança;
 as substâncias sensíveis e incorruptíveis, que passam por nenhum tipo de mudança, como os
planetas e as estrelas;
 a substância suprassensível, que é superior às outras duas: o primeiro motor Imóvel, o deus
aristotélico, causa de todo o movimento, mas sendo mesmo imóvel. (Ele precisa ser imóvel porque
se ele também se movesse precisaria haver uma causa para esse movimento, o que levaria a uma
espécie de regressão ao infinito)
Assim como o demiurgo de Platão, o deus aristotélico não é um deus criador. Não criou o Universo,
nem gerou o movimento dos corpos. Ao contrário, o deus de Aristóteles exerce uma atração sobre
o Universo, motivando sua existência, e sobre os corpos, gerando seu movimento, ou seja, atrai
tudo para si como objeto de amor. Não é, portanto, causa eficiente do mundo e do movimento do

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mundo, mas causa final. O deus aristotélico não cria o mundo do nada por um ato de vontade. Ele é
causa eficiente do mundo, como indicamos ser a artista causa eficiente de sua escultura.

Em busca da felicidade
A felicidade foi um tema investigado por Aristóteles em suas reflexões éticas. As principais obras que
chegaram até nós a esse respeito fomos três tratados de Ética: Grande ética, ética a Eudemo e,
principalmente, Ética a Nicômaco.
O nome desse último foi uma homenagem de Aristóteles a seu filho de mesmo nome. Nicômaco também
foi o nome do pai de Aristóteles, que morreu quando o filósofo era bem jovem e ainda não havia se
tornado discípulo de Platão. Apesar de não ter acompanhado a vida adulta de Aristóteles, acredita-se que
seu pai Nicômaco, o tenha introduzido nos assuntos de seu ofício, a medicina, o que pode justificar os
interesses científicos do filósofo.
De acordo com a divisão de Aristóteles, a ética e a Filosofia política fazem parte das ciências práticas, ou
seja, as que não têm fim em si mesmas, mas estão subordinadas e dizem respeito a uma atividade prática.
E os seres humanos, em suas atividades práticas, visam a um bem. Segundo Aristóteles:
Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em
mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas
tendem. Mas observa-se entre os fins uma certa diferença: alguns são atividades, outros são produtos
distintos das atividades que os produzem. Onde existem fins distintos das ações, são eles por natureza
mais excelentes de que estas (Aristóteles, 1973, p.249)
Para Aristóteles, está equivocado quem acredita que o prazer, a honra ou a acumulação de riquezas sejam
o bem almejado pelos indivíduos. Também não se trata da ideia do bem, como entendia Platão. Todos
esses fins são exteriores e transcendentes ao ser humano, pois encontram sua origem fora de nós. O
prestígio que alguém recebe em uma comunidade, por exemplo, não se origina no próprio indivíduo,
apesar de ser sentido somente por ele o prazer de ser prestigiado.
O bem visado pelos seres humanos, que encontra fundamento em nós mesmos, só pode ser s felicidade. O
prazer, a honra e a riqueza não são a felicidade. Os dois primeiros dependem muito mais daquilo ou
daqueles que nos dão esses bens do que de nós mesmos, e a última jamais pode ser um meio para
alcançar a felicidade:
Quanto à vida consagrada ao ganho, é uma vida forçada, e a riqueza não é evidentemente o bem que
procuramos: é algo de útil, nada mais, e ambicionado no interesse de outra coisa
(ARISTÓTELES, 1973B, P .252)

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Onde, então, a felicidade deve ser buscada? Naquilo o que é o próprio do ser humano. Não pode ser o
simples ato de viver, porque isso é comum a todo ser vivo. Ela também não está na sensação, que é
comum a todos os animais. Assim, o que e próprio ao indivíduo é ser racional. Dessa forma, a felicidade é
uma virtude da alma e pode ser alcançada porque está em nós mesmos a condição de realizá-la, isto é, a
racionalidade. Por esse viés, Aristóteles se aproximou das concepções de Platão: a alma virtuosa é o único
meio de nos conduzir à felicidade.
Entretanto, Aristóteles alerta que a felicidade, apesar de ser uma virtude da alma, depende de bens
exteriores e do acaso. Aquele que não possui as circunstâncias exteriores que surgem em seu auxílio não
pode ser feliz. Os meios exteriores não são capazes de trazer a felicidade, mas podem comprometê-la
decisivamente.

As ideias políticas
Assim como a Filosofia política de Platão, a Filosofia de Aristóteles está baseada na organização
sociopolítica da Grécia antiga, cujo modelo é a pólis. Na pólis grega, os anseios do indivíduo se identificam
com os do cidadão, e a identidade está marcada pela participação na vida pública.
A importância da pólis para a identidade do cidadão, no entanto, encontrou em Aristóteles seu
último momento histórico. No fim da vida do filósofo, a Grécia perdeu a independência para os
macedônios e, consequentemente, sua autonomia política. O principal motivador do enfraquecimento da
pólis grega foi justamente um ex-aluno de Aristóteles: Alexandre Magno.
O ser humano é um animal político e depende do Estado muito mais que da família ou da
comunidade.
De acordo com Aristóteles, sem o Estado, o indivíduo é capaz de realizar sua aptidão natural para
viver e se organizar em sociedade e recai em um egoísmo que mais o aproxima de um animal. Faz parte da
natureza do ser humano se organizar socialmente. A natureza do ser humano não conduz apenas ao
surgimento do Estado, mas afeta todas as relações humanas. Para o filósofo, nem todos têm direito de
participar da vida política da cidade: o direito de exercer a cidadania está reservado ao homem (e não à
mulher) e ao ser livre (e não ao escravo). Essa distinção seria o resultado da própria natureza do ser
humano:

O homem que, por natureza, não pertence a si mesmo, mas a um outro, é escravo por natureza: é uma
posse e um instrumento para agir separadamente e sob as ordens de seu senhor.
(...)

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A natureza ainda subordinou um dos dois animais ao outro. Em todas as espécies, o macho é
evidentemente superior à fêmea: a espécie humana não é exceção (Aristóteles, 2006ª, p. 11-13).
A cidadania grega tinha um aspecto pedagógico e formador. O cidadão grego esperava participar
efetivamente das deliberações da cidade; contudo, dela estavam excluídos os escravos e as mulheres. Essa
exclusão marcou profundamente a cidadania ateniense, e até um pensador como Aristóteles não foi capaz
de criticá-la. O filósofo acabou legitimando teoricamente uma realidade social excludente.

As formas de governo
Aristóteles distinguiu três formas justas de governo, definidas de acordo com a quantidade de governantes
que exercem o poder. Em um Estado, podem existir as seguintes formas de governo: de um só homem
(monarquia), de poucos homens (aristocracia) ou pela maioria dos homens (politeia).
No entanto, essas formas de governo podem se degenerar: quando o governante visa apenas a seu
interesse particular, a monarquia é chamada de tirania; quando os poucos que governam visam apenas aos
interesses dos ricos, temos uma oligarquia; e na politeia, quando os governantes servem unicamente ao
interesse dos pobres, temos uma democracia.
Todas essas formas de governo podem ser justas, desde que visem à felicidade geral. É exatamente o
critério da felicidade geral, isto é, de bem comum ou de interesse de toda a população, que é usado por
Aristóteles para medir o nível de degradação do cada governo.
As críticas que Aristóteles fez à democracia podem ser julgadas equivocadamente se não forem bem
compreendidas. O que Aristóteles chama de democracia não é, pura e simplesmente, o governo da
maioria, mas aquele que, injusta ou indevidamente, toma medidas apenas em benefício dos interesses dos
pobres. O filósofo não admite essa transformação porque a política deve visar ao bem comum e não
apenas ao interesse de um grupo, independentemente da quantidade de membros que esse grupo possua.
Para Aristóteles, o governo deve ter por objetivo o bem comum e deve ser exercido por um homem ou
vários homens de qualidades excepcionais. O bom governante, de acordo com ele, é aquele que governa
para todos, e não para uma minoria privilegiada socialmente nem para uma maioria marcada pela exclusão
e pela exploração.

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PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO VI
1) Qual é a obra na qual Aristóteles dedica-se a pensar sobre a felicidade?
a) Política
b) Poética
c) Ética a Nicômaco
d) Metafísica

2) Aristóteles diferenciava a ética da política?


a) Não. Para ele, constituíam a mesma coisa.
b) Sim. Colocou em âmbitos distintos.
c) O filósofo entendia que a política seria a ausência da ética.
d) nenhuma das respostas anteriores estão certas

3) Para Aristóteles, uma coisa é o que é devido à sua forma. Como, porém, o filósofo entende essa
expressão? Ele compreende a forma como a explicação da coisa, a causa de algo ser aquilo que é. Na
verdade, Aristóteles distingue a existência de quatro causas diferentes e complementares: A ponte
aquela que não condiz com nenhuma das 4 Causas Diferentes e complementares.
A) Causa material: de que a coisa é feita? São os tijolos, no exemplo.
B) Causa eficiente: o que fez a coisa? A construção.
C) Causa formal: o que lhe dá a forma? A própria casa.
D) Causa final: qual a sua finalidade? A intenção do construtor.
E) Causa Interior: qual a sua finalidade na construção

4). Discorra sobre a Filosofia de Aristóteles referente ao mundo da experiência.


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5) Do que se ocupa a lógica aristotélica?


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6) Explique a origem da palavra “metafisica”.


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7) Explique a delimitação das ciências estabelecidas por Aristóteles.


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8) Explique as principais formas de governo apresentadas por Aristóteles.


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CAPÍTULO VII
FILOSOFIA MEDIEVAL

A filosofia medieval é a filosofia da Europa Ocidental e do Oriente Médio no período medieval ou Idade
Média, e se estende da queda do Império Romano à Renascença. É respeitada pela redescoberta da cultura
antiga desenvolvida na Grécia e em Roma no período clássico, e também, pela formulação de problemas
teológicos e por integrar a doutrina sagrada com a aprendizagem secular.
Os principais problemas discutidos ao longo deste período foram as relações entre fé e razão, a existência
e a unidade de Deus, os objetos da teologia e da metafísica, e os problemas do conhecimento, dos
universais e da individuação.

Características da filosofia medieval


A era medieval foi menosprezada pelos humanistas da Renascença, que a viram como um ingênuo período
“Intermediário' entre a idade clássica da cultura grega e romana, e o “renascimento” ou Renascença da
cultura clássica. Embora este período de quase mil anos seja o período mais longo de desenvolvimento
filosófico na Europa e do Oriente Médio, é talvez o mais rico. Jorge Gracia
argumentou que em intensidade, sofisticação e realização, pode-se dizer,
com certeza, que o florescimento da filosofia no décimo terceiro século
rivaliza-se com a idade de ouro da filosofia grega no quarto século d.C.
A filosofia medieval é tipicamente teológica devido ao tema
profundamente discutido naquela época: fé versus razão. Avicenna e
Averroes apoiaram-se mais na razão enquanto Agostinho e Anselmo
acreditam na primazia da fé. A solução Agostiniana para o problema entre
fé e razão é a crença, e depois compreensão. Evidentemente encontramos
muita filosofia nos trabalhos de escritores medievais, os quais usaram ideias e técnicas lógicas dos filósofos
antigos para formular perguntas teológicas difíceis, incluindo tópicos da doutrina. Tomás de Aquino
procurou a harmonia entre fé e razão.

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Ele classificou a filosofia como ‘ancilla theologiae’, a escrava da teologia. De outro lado, ele também
diz que a teologia é um guia orientador para a filosofia. Afirmou que a filosofia e a teologia estão em
harmonia porque ambas foram criadas por Deus. Se alguma filosofia entra em conflito com a teologia,
então algum erro foi cometido, logo o filósofo deve voltar atrás e procurar o seu erro. Assim, admitirá que
exista uma relação recíproca entre filosofia e teologia.
Em geral, há três facetas que caracterizam o pensamento medieval: (1) o uso da lógica, da dialética e
da análise para descobrir a verdade – o princípio de argumentação racional ou ratio; (2) Respeito aos
“insights” dos antigos filósofos, em particular Aristóteles, e consideração à sua autoridade – princípio de
auctoritas; (3) a obrigação de conciliar os “insights” na filosofia com a transmissão teológica e a revelação –
princípio da concordia. Sendo o último o mais importante. Seguramente, nenhuma outra questão
preocupou os pensadores medievais mais do que a relação entre fé e razão.
A filosofia cristã comportou dois grandes períodos: a filosofia dos Padres da Igreja, ou Patrística, que
foi até o século VII, e a filosofia dos Doutores da Igreja, ou Escolástica, que foi até o século XIV.

Patrística: século II ao século VII


A Patrística se desenvolveu num ambiente altamente influenciado pela filosofia grega e dela se
valeu para esclarecer e defender o novo conteúdo da fé. O Neoplatonismo, contemporâneo da Patrística,
teve grande ascendência sobre os primeiros escritores cristãos. Encontramos, nessa época, duas
tendências opostas: de um lado, os padres da igreja oriental ou grega, que pretenderam harmonizar o
pensamento grego com a religião cristã, de outro, os padres da igreja ocidental ou latina, que combateram
a cultura pagã.
A filosofia foi utilizada para defender a religião cristã dos ataques dos seus adversários pagãos e
gnósticos (gnosticismo – ecletismo filosófico e religioso que gerou a heresia gnóstica: redução da criação e
redenção cristãs a fenômenos naturais), e para prestar ajuda na justificação dos dogmas (pontos
fundamentais e indiscutíveis de uma doutrina religiosa).
A Patrística não nos legou nenhum sistema filosófico cristão; a maioria das questões de que tratou
derivou de polêmicas doutrinárias e de tentativas de sua resolução. Até Santo Agostinho, a Patrística foi
ocasional e fragmentária.

Alguns representantes da Patrística:

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Os primeiros padres da Igreja escreveram em defesa (apologia) da nova religião e por isso foram
chamados de Apologistas. São Justino, padre apologista grego, foi considerado o fundador da Patrística;
viveu no século II e morreu mártir em Roma.
Entre os apologistas latinos, deve ser citado Tertuliano de Cartago que nasceu na metade do século
II e morreu em Roma, em 240.
Dos apologistas da igreja oriental devem ser lembrados Clemente (fins do
século II – início do III) e Orígenes (século III), o maior dos pensadores cristãos
anteriores a Agostinho.
As grandes discussões sobre os dogmas e a refutação das heresias foram
pouco a pouco, desenvolvendo a filosofia cristã, dando aos seus defensores a
estatura de filósofos à altura dos seus antecessores na antiguidade clássica como
Platão e Aristóteles.

Santo Agostinho
Aurélio Agostinho (em latim: Aurelius Augustinus), dito de Hipona, conhecido
como Santo Agostinho(Tagaste, 13 de novembro de 354 - Hipona, 28 de
agosto de 430), foi um bispo, escritor, teólogo, filósofo e é um Padre latino e
Doutor da Igreja Católica.
Agostinho é uma das figuras mais importantes no desenvolvimento
do cristianismo no Ocidente. Em seus primeiros anos, Agostinho foi
fortemente influenciado pelo maniqueísmo de Mani e pelo neoplatonismo
de Plotino, mas depois de tornar-se cristão (387), ele desenvolveu a sua
própria abordagem sobre filosofia e teologia e uma variedade de métodos e
perspectivas diferentes. Ele aprofundou o conceito de pecado original dos
padres anteriores e, quando o Império Romano do Ocidente começou a se desintegrar, desenvolveu o
conceito de Igreja como a cidade espiritual de Deus (em um livro de mesmo nome – A Cidade de Deus),
distinta da cidade material do homem. Seu pensamento influenciou profundamente a visão do homem
medieval. A igreja se identificou com o conceito de "Cidade de Deus" de Agostinho, e também a
comunidade que era devota do deus dos cristãos.
Na Igreja Católica, e na Igreja Anglicana, é considerado um santo, e um importante Doutor da
Igreja, além de patrono da ordem religiosa agostiniana. Muitos protestantes, especialmente os calvinistas,
o consideram como um dos pais teólogos da Reforma Protestante ensinando a salvação e a graça divina.

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Na Igreja Ortodoxa Oriental ele é louvado, e seu dia festivo é celebrado em 15 de junho, apesar de
uma minoria ser da opinião que ele é um herege, principalmente por causa de suas mensagens sobre o que
se tornou conhecido como a cláusula filioque (inserção na versão latina do credo niceno referindo-se à
procedência do Espírito Santo tanto do Pai quanto do Filho. Já na versão grega, a mais antiga e original, diz-
se apenas que o Espírito Santo procede do Pai). Entre os ortodoxos, Agostinho é chamado de "Agostinho
Abençoado", ou "Santo Agostinho, o Abençoado".

Algumas obras de Santo Agostinho:


- Da Doutrina Cristã (397-426)
- Confissões (397-398)
- A Cidade de Deus (413-426)
- Da Trindade (400-416)
- Retratações
- De Magistro
- Conhecendo a si mesmo

Frases e Pensamentos de Santo Agostinho:


"Se dois amigos pedirem para você julgar uma disputa, não aceite, pois você irá perder um amigo. Porém,
se dois estranhos pedirem a mesma coisa, aceite, pois você irá ganhar um amigo."
"Milagres não são contrários à natureza, mas apenas contrários ao que entendemos sobre a natureza."
"Certamente estamos na mesma categoria das bestas; toda ação da vida animal diz respeito a buscar o prazer
e evitar a dor."
"Se você acredita no que lhe agrada nos evangelhos e rejeita o que não gosta, não é nos evangelhos que
você crê, mas em você."
"Ter fé é acreditar nas coisas que você não vê; a recompensa por essa fé é ver aquilo em que você acredita."
"A pessoa que tem caridade no coração tem sempre qualquer coisa para dar."
"A confissão das más ações é o passo inicial para a prática de boas ações."
"A verdadeira medida do amor é não ter medida."
"Orgulho não é grandeza, mas inchaço. E o que está inchado parece grande, mas não é sadio."

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Escolástica: século IX ao século XVI
A Escolástica tem tanto um significado mais limitado, ao se referir às
disciplinas ministradas nas escolas medievais – o trívio: gramática, retórica e
dialética; e o quadrívio: aritmética, geometria, astronomia e música –, quanto
uma conotação mais ampla, ao se reportar à linha filosófica adotada pela igreja na
Idade Média. Esta modalidade de pensamento era essencialmente cristã e
procurava respostas que justificassem a fé na doutrina ensinada pelo clero,
guardião das verdades espirituais.

Esta escola filosófica vigora do princípio do século IX até o final do século XVI, que representou o
declínio da era medieval. A Escolástica é o resultado de estudos mais profundos da arte dialética, a
radicalização desta prática. No começo seus ensinamentos eram disseminados nas catedrais e monastérios
e, posteriormente, se estenderam às Universidades. Inclusive, foi na Escolástica, que as primeiras grandes
universidades européias foram fundadas, sendo a principal em Paris.
A filosofia da Antiguidade Clássica ganha então contornos judaico-cristãos, já esboçados a partir do
século V, quando se sentiu a urgência de mergulhar mais fundo em uma cultura espiritual que estava se
desenvolvendo rapidamente, para assim imprimir a estes princípios religiosos um caráter filosófico,
inserindo o Cristianismo no âmbito da Filosofia. Destas tentativas de racionalização do pensamento cristão
surgiram os dogmas católicos, os quais infiltraram na mentalidade clássica dos gregos conceitos como
“providência”, “revelação divina”, “Criação proveniente do nada”, entre outros.
Os escolásticos, em princípio, tentaram harmonizar ideais platônicos com fatores de natureza
espiritual, à luz do cristianismo vigente no Ocidente. Mesmo depois,
quando Aristóteles, discípulo de Platão, é contemplado ao ponto de se
tornar predominante no pensamento cristão através de Tomás de
Aquino, o neoplatonismo adotado pela Igreja continuou preservado.
Assim, a escolástica será permanentemente atravessada por dois
universos distintos – a fé herdada tanto da mentalidade platônica como
da razão aristotélica. Mas, há que se considerar a forte influência do
pensamento de Aristóteles na filosofia dos principais escolásticos, em
especial de Pedro Abelardo e Tomás de Aquino.
Agostinho, mais tradicional, clama por um predomínio da fé, em
detrimento da razão, ao passo que Tomás de Aquino acredita na
independência da esfera racional no momento de buscar as respostas mais apropriadas, embora não
rejeite a prioridade da fé com relação à razão.
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A Escolástica foi profundamente influenciada pela Bíblia Sagrada, pelos filósofos da Antiguidade e
também pelos Padres da Igreja, escritores do primeiro período do Cristianismo oficial, que detinham o
domínio da fé e da santidade.
Vários filósofos predominaram neste a que denominamos escolástica: Pedro Abelardo, Anselmo da
Cantuária, mas o principal de todos foi o italiano Tomás de Aquino, autor da Suma Teológica.

São Tomás de Aquino


Nascido em uma família de nobres, Tomás de Aquino fez os primeiros estudos no castelo de Monte
Cassino. Em Nápoles, para onde foi em 1239, estudou artes liberais,
ingressando, em seguida, na Ordem dos Dominicanos, em 1244. De
Nápoles, a caminho de Paris, em companhia do Geral da ordem foi
sequestrado por seus irmãos, inconformados com seu ingresso no
convento.
No ano seguinte, fiel à sua vocação religiosa, viajou a Paris, onde se
tornou discípulo de Alberto Magno, acompanhando-o a Colônia. Em 1252,
voltou a Paris, onde se formou em teologia e lecionou durante três anos.
Depois de voltar à Itália, foi nomeado professor na cúria pontifical de
Roma.
Ensina, durante anos, em várias cidades italianas. Uma década depois, retorna a Paris, onde leciona
até 1273. A seguir, parte para Nápoles, onde reestrutura o ensino superior. Em 1274, convocado pelo papa
Gregório X, viaja para participar do Concílio de Lyon. Adoece, contudo, durante a viagem, vindo a falecer
no mosteiro cisterciense de Fossanova, aos 49 anos de idade. Chamado de Doutor Angélico e de Príncipe
da Escolástica, Tomás de Aquino foi canonizado em 1323 e proclamado doutor da Igreja Católica em 1567.

Provas da existência de Deus


A primeira questão de que se ocupa Tomás de Aquino - na Suma Teológica, sua obra máxima - é a
das relações entre a ciência e a fé, a filosofia e a teologia. Fundada
na revelação, a teologia é a ciência suprema, da qual a filosofia é
serva ou auxiliar. À filosofia, procedendo de acordo com a razão,
cabe demonstrar a existência e a natureza de Deus.
Profundamente influenciado por Aristóteles, Tomás de
Aquino sustenta que nada está na inteligência que não tenha estado
antes nos sentidos, razão pela qual não podemos ter de Deus, imediatamente, uma idéia clara e distinta.
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Assim, para provar a existência de Deus, o filósofo procede a posteriori, partindo não da ideia de Deus,
mas dos efeitos por ele produzidos, formulando cinco argumentos, cinco vias:
1. O primeiro motor: o movimento existe e é uma evidência para os nossos sentidos; ora, tudo
o que se move é movido por outro motor; se esse motor, por sua vez, é movido, precisará de um motor que
o mova, e, assim, indefinidamente, o que é impossível, se não houver um primeiro motor imóvel, que move
sem ser movido, que é
Deus;
2. A causa eficiente: há uma série de causas eficientes, causas e efeitos, ao mesmo tempo; ora,
não é possível remontar indefinidamente na série das causas; logo, há uma causa primeira, não causada,
que é Deus;
3. O ser necessário: todos os seres que conhecemos são finitos e contingentes, pois não tem em
si próprios a razão de sua existência – são e deixam de ser; ora, se são todos contingentes, em determinado
tempo deixariam todos de ser e nada existiria, o que é absurdo; logo, os seres contingentes implicam o ser
necessário, ou Deus;

4. Os graus de perfeição: os seres finitos realizam todos determinados graus de perfeição, mas
nenhum é a perfeição absoluta; logo, há um ser sumamente perfeito, causa de todas as perfeições, que é
Deus;
5. A finalidade do ser: a ordem do mundo implica em que os seres tendam todos para um fim,
não em virtude de um acaso, mas da inteligência que os dirige; logo, há um ser inteligente que os dirige;
logo, há um ser inteligente que ordena a natureza e a encaminha para seu fim; esse ser inteligente é Deus.
Homem, alma e conhecimento
Para Tomás de Aquino, o homem é corpo e alma inteligente, incorpórea (ou imaterial), e se encontra, no
universo, entre os anjos e os animais. Princípio vital, a alma é o ato do corpo organizado que tem a vida em
potência.
Contestando o platonismo e a tese das ideias inatas, Tomás de Aquino observa que se a alma tivesse de
todas as coisas um conhecimento inato, não poderia esquecê-lo, e, sendo natural que esteja unida a um
corpo, não se explica porque seja o corpo a causa desse esquecimento.
Conhecer, para Tomás de Aquino, não é lembrar-se, como pretendia Platão, mas extrair, por meio do
intelecto agente, a forma universal que se acha contida nos objetos sensíveis e particulares. Do
conhecimento depende o apetite, ou o desejo, inclinação da alma pelo bem.
O homem, segundo Tomás de Aquino, só pode desejar o que conhece, razão pela qual há duas espécies de
apetites ou desejos: os sensíveis e os intelectuais. Os primeiros, relativos aos objetos sensíveis, produzem

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as paixões, cuja raiz é o amor. Quanto aos segundos, produzem a vontade, apetite da alma em relação a
um bem que lhe é apresentado pela inteligência como tal.
Seguindo Aristóteles, Tomás de Aquino diz que, para o homem, o bem supremo é a felicidade, que não
consiste na riqueza, nem nas honrarias, nem no poder, em nenhum bem criado, mas na contemplação do
absoluto, ou visão da essência divina, realizável somente na outra vida, e com a graça de Deus, pois excede
as forças humanas.

Pensamentos de São Tomás de Aquino


"Ninguém pode nesta vida ter satisfeitas as suas aspirações, porque nunca um bem criado sacia as
aspirações humanas de felicidade."
"A concórdia não é uniformidade de opiniões, mas concordância de vontades."
"Há homens cuja fraqueza de inteligência não lhes permitiu ir além das coisas corpóreas."
"Uma ofensa é tanto maior quanto maior é aquele contra quem é cometida."
"O crente transcende a verdade da sua própria inteligência."
"Aquele que crê adere ao dizer de alguém. Por isso o que parece ser o principal, e tendo de certo modo o
valor do fim, em todo o assentimento é a pessoa a cujo dizer se dá assentimento. Assim, o que se concorda
em crer apresenta-se como secundário."
"A paciência manifesta-se extraordinária de dois modos: quando alguém suporta grandes males
Pacientemente ou quando suporta aquilo que poderia ter evitado e não quis evitar."

74
PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO VII
01) (Uff 2012) A grande contribuição de Tomás de Aquino para a vida intelectual foi a de valorizar a
inteligência humana e sua capacidade de alcançar a verdade por meio da razão natural, inclusive a
respeito de certas questões da religião. Discorrendo sobre a “possibilidade de descobrir a verdade
divina”, ele diz que há duas modalidades de verdade acerca de Deus. A primeira refere-se a verdades da
revelação que a razão humana não consegue alcançar, por exemplo, entender como é possível Deus ser
uno e trino. A segunda modalidade é composta de verdades que a razão pode atingir, por exemplo, que
Deus existe. A partir dessa citação, indique a afirmativa que melhor expressa o pensamento de Tomás de
Aquino.
a) A fé é o único meio do ser humano chegar à verdade.
b) O ser humano só alcança o conhecimento graças à revelação da verdade que Deus lhe concede.
c) Mesmo limitada, a razão humana é capaz de alcançar certas verdades por seus meios naturais.
d) A Filosofia é capaz de alcançar todas as verdades acerca de Deus.
e) Deus é um ser absolutamente misterioso e o ser humano nada pode conhecer d’Ele.

02) Profundamente influenciado por Aristóteles, Tomás de Aquino sustenta que nada está na
inteligência que não tenha estado antes nos sentidos, razão pela qual não podemos ter de Deus,
imediatamente, uma idéia clara e distinta. Assim, para provar a existência de Deus, o filósofo procede a
posteriori, partindo não da ideia de Deus, mas dos efeitos por ele produzidos, formulando cinco
argumentos, cinco vias. Marque a opção que não corresponde a uma desta cinco vias
A) Causa eficiente
B) O ser necessário
C) Os graus de perfeição
D) A finalidade do ser
E) O ser dentro do ser

03) complete as lacunas com os termos adequados


Em geral, há três facetas que caracterizam o pensamento medieval: (1) o uso da _____, da ______ e
da_______ para descobrir a verdade – o princípio de argumentação _______ ou ratio; (2) Respeito aos
“______” dos antigos filósofos, em particular Aristóteles, e consideração à sua autoridade – princípio
de_________ (3) a obrigação de conciliar os “insights” na filosofia com a transmissão teológica e a
75
revelação – princípio da ________. Sendo o último o mais importante. Seguramente, nenhuma outra
questão preocupou os pensadores medievais mais do que a relação entre fé e razão.
A) Logica, dialética - analise racional/ insights teocracia / discórdia
B) Logica, dialética - analise racional/ insights auctoritas/ concordia
C) Logica, teológica - analise irracional/ insights auctoritas/ concordia
D) Logica, teológica - analise racional/ insights auctoritas/ concordia
E) Nenhuma das respostas acima

04) Para Santo Tómas de Aquino, um dos princípios do conhecimento humano era o princípio da causa
eficiente. Esse princípio da causa eficiente exigia que o ser contingente:
a) não exigisse causa alguma
b) fosse causado pelo intelecto humano
c) fosse causado pelo ser necessário
d) fosse causado por acidentes casuais
e) fosse causado pelo nada.
5) O que devemos entender por clericalização da sociedade da Idade Média?
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6) Escreva o que você entendeu sobre as cinco vias para demonstração da existência de Deus.
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CAPÍTULO VIII
Filosofia árabe- islâmica e judaica

 As religiões no período medieval


Atualmente, em situações em que pessoas com pontos de vista religiosos diferentes começam a debater
suas ideais de modo mais incisivo, é comum que alguém, para dar cabo da divergência, apele para uma
expressão que você já deve ter ouvido: “Religião não se discute”. De acordo com essa frase, a religião é um
assunto íntimo, privado e que diz respeito ao sentimento.
Os filósofos medievais, contudo, não encaravam o debate religioso dessa maneira. Pensadores que
professavam diferentes convicções religiosas buscaram meios de conciliar a fé e a razão, mostrando que
mesmo nossas escolhas e opiniões mais íntimas podem ser motivo de discussão.
A Filosofia cristã cumpriu um importante papel neste processo, mas não foi a única. No período medieval,
as três grandes religiões monoteístas- o cristianismo, o islamismo e o judaísmo – tiveram seus próprios
filósofos, que investigaram a força da razão para entender a verdade comunicada pela fé.

Razão e fé no pensamento medieval


Durante a Idade Média, havia vários centros de difusão do saber. Os filósofos cristãos não foram es únicos
a tentar conciliar a argumentação racional com os dogmas da religião. Os filósofos mulçumanos (islâmicos)
e os filósofos judeus também tentaram relacionar o conteúdo dos livros sagrados de suas religiões com os
princípios racionais herdados da Filosofia grega. Em todos esses casos, a herança greco- latina era
adaptada ás doutrinas cristã, islâmica e judaica. Embora seja esse o caráter geral do pensamento medieval,
perceberemos que alguns filósofos mulçumanos ou judeus deram mais autonomia à razão perante as suas
concepções religiosas que os filósofos cristãos.
Como os filósofos orientais, principalmente os mulçumanos, não haviam assumido cargos ou funções de
autoridade no interior de suas instituições religiosas, estavam mais livres para dizer que a Filosofia era
puramente racional e que não estava submetida a dogmas. Ao contrário, os filósofos cristãos, como Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino, normalmente eram padres da Igreja e, por isso, suas reflexões
filosóficas estavam, de certa forma, limitadas pelo dogma cristão.

77
Três religiões, três filosofias
As origens do judaísmo, cristianismo e do islamismo, assim como o registro dos respectivos textos
sagrados, ocorreram em épocas muito distantes umas das outras.
A Torá, principalmente fonte escrita da doutrina judaica, guarda ensinamentos que remontam ao século X
a.C. A Bíblia, utilizada pela maioria das igrejas cristãs, inclui a Torá e textos propriamente cristãos do século
I, como os ensinamentos de Jesus, relatos de sua vida e de seus apóstolos, cartas e profecias. A compilação
do Corão ou Alcorão, livro sagrado dos mulçumanos, data do século VII.
Essa diferença de temporalidade que acompanha as três religiões monoteístas mais difundidas sugere uma
diferença cultural que se apresentou na Idade Média. A Filosofia medieval é indissociável da apropriação
que os pensadores cristãos, mulçumanos e judaicos fizeram da tradição pagã. Essa leitura criativa começou
com o cristianismo e sua recuperação seletiva de Platão. O pensamento de Aristóteles se desenvolveu
primeiro entre os mulçumanos e os judeus e só depois teve lugar no pensamento filosófico cristão.
Há importantes semelhanças entre os temas discutidos pelos filósofos das diferentes doutrinas religiosas.
Todos eles procuravam conciliar as verdades da fé com as verdades demonstradas racionalmente. Os
temas mais tradicionais, como a existência de Deus, a criação do mundo, o livre arbítrio, a predestinação e
o problema do mal, parecem se repetir. A relação entre a fé e a razão passa por todos esses temas, mas
importância de cada um deles varia, assim como varia a perspectiva religiosa dos filósofos.

A denominação
Denominar a Filosofia desenvolvida pelos pensadores não cristãos na Idade Média é o primeiro problema
que precisamos enfrentar ao estudar as correntes judaica e árabe- islâmica. Alguns empregam o termo
Filosofia oriental, mas, nesse caso, essa designação não distingue o pensamento árabe do pensamento
judaico. Além disso, boa parte das filosofias islâmica e judaica se desenvolveu do lado oriental da Europa,
na Península Ibérica.
Existem também as expressões Filosofia árabe, como temos usado até agora, Filosofia islâmica e Filosofia
no islã. No entanto, todas essas denominações oferecem algum tipo de problema. A expressão “Filosofia
árabe” nos faz confundir a religião (islamismo) com a etnia (árabe), e muitos pensadores mulçumanos nem
sequer eram árabes (Avicena, por exemplo, era persa). “Filosofia no islã” parece preferível à “Filosofia
islâmica”, por causa do grau de autonomia que os filósofos mulçumanos guardaram em relação à sua
própria religião, mas essa expressão, assim como “Filosofia árabe”, não incorpora a vertente judaica da
Filosofia medieval.
Diante de tantos problemas de nomenclatura, preferimos adotar aqui as expressões “ Filosofia judaica” e”
Filosofia islâmica”, que, embora extensas contornam muitos dos obstáculos apontados. Em relação à
78
expressão “Filosofia árabe- islâmica”, o termo “árabe” indica a origem geográfica do conjunto desse
pensamento, pois foi na Península arábica que surgiu a cultura islâmica, apesar de na Idade Média o
islamismo já ter se difundido para outros territórios. Por sua vez, o termo “ islâmico conserva a perspectiva
religiosa de abordagem, pois a Filosofia árabe- islâmica ocorreu tanto no lado oriental quanto ocidental.

A Filosofia árabe-islâmica
A Hégira foi o episódio que marcou a fuga do profeta Maomé (570-632) de Meca para Medina,
localizadas na Arábia Saudita. Sua importância é tão grande que esse evento fundou o início do calendário
muçulmano. A fuga ocorreu no ano de 622 e foi motivada pelas perseguições sofridas pelo profeta.
Maomé teria recebido e divulgado os mandamentos de Deus para o povo do Islã, registrados pelos seus
seguidores no livro sagrado do islamismo, o Alcorão.
O islamismo mostrava-se inclinado para o expansionismo territorial e dois fatores contribuíram para esse
movimento. Primeiro, porque a maioria das terras conquistadas pelos muçulmanos era ocupada por povos
já subjugados, que insatisfeitos com a opressão anterior, rejeitavam o domínio de seus antigos
conquistadores e acabaram vendo os muçulmanos como povo libertador.
Segundo, porque o islamismo mantinha uma política de tolerância em relação às religiões cristã e
judaica. Inicialmente, os mulçumanos exigiam dos povos conquistados o pagamento de impostos, mas não
a conversão. A política de tolerância em relação ao “povo do livro”, como os muçulmanos se referiam aos
judeus e cristãos, seguidores da Bíblia, era justificada pela visão que os muçulmanos tinham de Moisés,
Jesus Cristo e Maomé. Para o islamismo, apesar de a verdade mais elevada ter sido revelada pelo profeta
do islã, havia uma continuidade, e não um conflito, entre os profetas Moisés, Jesus e Maomé.
Os muçulmanos partiram da Península Arábica e rapidamente ocuparam a Síria, a Pérsia, o Egito e
outros locais do norte da África. A partir do século VIII, mais precisamente em 711, a expansão
muçulmana se dirigiu para o Ocidente, principalmente para os territórios de Espanha e Portugal. A cidade
de Córdoba, na Espanha, tornou-se um grande centro irradiador do pensamento islâmico. A maior parte da
Península Ibérica foi recuperada pelos cristãos apenas no século XIII, restando aos muçulmanos somente o
domínio da cidade de Granada. Eles mantiveram a posse de território de 1238 até´1492. Desse período,
restou um importante patrimônio histórico da humanidade, e Alhambra de Granada.

Primeiros pensadores
O primeiro filosofo muçulmano foi AI-Kind (c.801-873), conhecido como O FILOSOFO dos Árabes.
Seus estudos abrangiam desde Astronomia e Física até Lógica e Metafísica. Outro importante filósofo
muçulmano foi AL-Farabi (c. 870-950), chamado entre os árabes de O Segundo Mestre (o primeiro seria
79
Aristóteles). Considerado um grande comentador de Aristóteles, os trabalhadores de AL-Farabi incluem
investigações sobre Música, Metafisica, Política e Ética. Esses dois filósofos precederam dois grandes
pensadores muçulmanos: Avicena e Averrois, que estudaremos a partir de agora.

Avicena
Avicena (980-1037) nasceu na Pérsia, na região onde atualmente se encontra o Uzbequistão, e
obteve maior destaque, em seu meio, como médico. Foi importante leitor das obras de Aristóteles, mas
também dominava como poucos as leis da sua região, e não via oposição entre Filosofia e as leis do islã.
Alguns dizem que com 10 anos de idade Avicena já havia decorado todo Alcorão.
São Tomás de Aquino fez inúmeras referências a Avicena, reconhecido como um dos filósofos que
difundiu o conhecimento de Aristóteles entre os cristãos medievais. Contudo, assim como muitos
pensadores, ele divulgou, uma visão neoplatonizante de Aristoteles.
Avicena dividiu a Filosofia entre especulativa e prática. A Filosofia especulativa está subdividida em
Filosofia Primeira dedicada à teologia e ao conhecimento de Deus, e Filosofia natural ou Física e
Matemática. A Filosofia prática se subdivide em Política, Economia e Ética.

Averróis
Averróis (980-1037) nascido em Córdoba, na Espanha, é o nome latino para Ibn Rushd, como era
chamado em árabe Descendente de uma importante família de médicos e juristas muçulmanos, ele
recebeu formação nos assuntos religiosos, jurídicos e em medicina. Seus trabalhos se destacam pelo tema
das relações entre a Filosofia e o Islamismo e pelos comentários que fez da obra de Aristóteles.
Segundo biógrafos do filósofo, o sultão Abu Yaqub (c.1110-1185) teria comentado com seu médico
e conselheiro Ibn Tufayl (c.1105-1185) sobre seu interesse no pensamento dos filósofos antigos, mas ficava
intrigado com as dificuldades que encontrava. O sultão recomendou a seu conselheiro encontrar alguém
capaz e interessado em realizar um trabalho de comentário e facilitação do pensamento antigo. Ibn Tufay
logo pensou em Averróis, considerado gênio e apto para realizar a tarefa real. Ele aceitou a empreitada e
se tornou um dos maiores renomados comentadores da obra aristotélica.
Considerado o filosofo mais importante do islamismo ocidental, Averróis influenciou a Filosofia
cristã não apenas por divulgar as ideias de Aristóteles, mas também por elaborar os princípios de um
pensamento que ficou conhecido posteriormente como averroísmo latino, desenvolvido a partir do século
XIII. Seu pensamento é considerado extremamente racional e, para alguns comentadores, trata-se de um
aristotelismo radical.

80
Averróis foi acusado de impiedade e condenado ao exilio em Lucena, uma pequena cidade próxima
a Córdoba. Muitas dúvidas ainda pairam sobre os reais motivos dessa acusação. Alguns atribuem a
perseguição que ele sofreu ao seu forte racionalismo. Outros, ao seu racionalismo e à recusa em participar
das guerras de expansão islâmicas. Além disso, Averróis era conhecido por suas criticas aos governantes e
à aristocracia de Al-Andaluz. O exilio pode ter sido motivado pela vingança dos setores que detinham o
poder.
A situação de Averróis foi assim comentada por José Silveira da costa:

Todos esses dados apontaram a atuação política e a oinclinação


nacionalista de Averróis como a verdadeira causa de sua condenação e desterro. A
acusação de heresia e impiedade teria sido mero pre – texto, muito bem explorado
por seus inimigos. (Costa, 1994, p.20)

Houve bastante apreço no Ocidente pelo filósofo Averróis, inclusive com manifestações públicas
contrárias à sua condenação. Poucos meses antes da execução de sua sentença, Averrois foi perdoado, o
que permitiu que ele retornasse à Corte.

As obras
Obras médicas, jurídicas, teológicas, filosóficas e astronômicas compõem o imenso corpus de
Averróis e mostram a amplitude de temas dominados pelo filósofo. O mais importante de sua obra foi
dedicado aos trabalhos de Aristóteles, cuja importância como interprete o destaca dentre os filósofos
muçulmanos.
Comentar as obras de Aristóteles não era uma novidade na História da Filosofia. No entanto, Averrois
pretendia realizar comentários os mais fiéis possíveis às ideias aristotélicas, superando tanto a interpretação
neoplatonizante de Avicena quanto as leituras comprometidas sobre. A política, de Aristóteles, pois não
teve acesso a essa obra.
De acordo com a classificação estabelecida pelos escolásticos cristãos, os comentários de Averróis
sobre Aristóteles são compostos por três leituras: menores, médios e maiores. Os comentários menores
eram constituídos por manuais de Filosofia muçulmana. Os comentários maiores eram os comentários
literais de Aristóteles, cuja importância foi decisiva para são Tomás de Aquino.

81
Comentário literal
Averróis dedicou um esforço tão grande à leitura das obras de Aristóteles que seu reconhecimento
como comentador dos textos aristotélicos e superar os prejuízos causados por uma série de traduções
indiretas dos textos originais, revelando com mais nitidez as diferenças entre as filosofias de Platão e de
Aristóteles. Outro obstáculo enfrentado pelo filósofo foram as interpretações religiosas, que buscavam
adequar o pensamento aristotélico às revelações divinas, e as interpretações empíricas, que minimizavam a
importância da Metafísica em Aristóteles.
Averrois realizou uma leitura eminente filosófica dos textos de Aristóteles, privilegiando a sabedoria
humana, representada pela Filosofia, como o ponto mais alto do conhecimento. Segundo seu ponto de vista,
a sabedoria divina era exterior à Filosofia e não podia concorrer com ela.
Diferente das interpretações neoplatizantes ou islâmicas, Averróis realizou um comentário literal das
obras e Aristóteles, que se caracteriza por ser uma explicação de texto linha a linha. O comentário literal não
discute as ideias do texto nem as desenvolve, mas apresenta, de modo didático, o pensamento do autor.
Apesar de ser uma leitura particular das obras de Aristóteles, o impacto dessa nova forma de comentar foi
tão grande que logo foi preferido o modelo proposto por Averróis aos compêndios escolásticos tradicionais.

Em defesa da Filosofia
Averróis precisou enfrentar um problema colocado pela Teologia muçulmana. Segundo ela, Deus é
onipotente e pode alterar continuamente os eventos observados no mundo físico de acordo com sua
vontade. Assim, não há garantias de que um evento (jogar uma maçã para o alto, por exemplo) será sempre
seguido por outra (a maçã desacelera, alcança o ponto mais alto e cai em direção ao chão). Se todos os
eventos físicos estão submetidos ao arbítrio de Deus, então há relação de causa e efeito entre eles, mas
mera coincidência. O mesmo evento (jogar a maçã para o alto) pode ser seguido por outro (a maçã continua
subindo indefinidamente).
A relação de causa e efeito, ou noção de causalidade, perde sentido comprometendo o próprio
conhecimento cientifico. Para combater esse ponto de vista da Teologia, Averróis escreveu uma obra
polêmica chamada Destruição da Destruição dos filósofos de Al-Ghazali. Nessa obra, Averróis criticou o
texto Destruição dos filósofos, do teólogo muçulmano Al-Ghazali (1058-111), no qual defendia que os
métodos racionais deviam ser abandonados, pois eram insuficientes para comprovar a verdade religiosa.
Segundo Al-Ghazali, o seguidor do islamismo devia abandonar a razão e se apegar somente a fé.
Para salvar a Filosofa e a Ciência dos ataques dos Teólogos, Averróis precisava defender o princípio
de causualidade, que havia ficado abalado pela interpretação que Deus age no mundo como bem entende,
82
tornando impossível saber se dois eventos conhecidos estão relacionados ou não. Para Averróis, negar que
a causalidade existe e afirmar que uma causa pode produzir qualquer tipo de efeito não era apenas uma
agressão à razão, mas também uma afronta a Deus, Cuja essência é ser a lei que tudo governa.
De acordo com Averróis, o Princípio de causalidade, ou seja, o princípio de que uma causa sempre
gera um efeito determinado, decorre da própria existência de Deus, que sempre cria tudo de acordo com
leis divinas. Portanto, podemos falar em causa e efeito justamente porque Deus é o criador do Universo e o
criou de acordo com leis divinas.

Interpretação sobre a alma


A interpretação de Averróis sobre a alma foi o que causou mais controvérsia e rejeição por parte dos filósofos
cristãos. De acordo com ele, tanto o corpo quanto a alma do ser humano são mortais, sendo imortal e eterno
apenas o entendimento comum a toda humanidade. Essa interpretação parte de uma possível leitura de
Aristóteles, mas contraria os dados da revelação que se encontram registrados nos textos bíblicos, o que
ajuda a explicar as grandes dificuldades que São Tomás de Aquino teve para introduzir o filósofo grego na
concepção cristã da Filosofia.
Segundo a leitura que Averróis fez de Aristóteles, há um entendimento comum a todos os seres humanos,
independe mente da formação que cada um tenha recebido. É o intelecto agente, que funciona como um
Sol que ilumina e possibilita o conhecimento. Há também um intelecto passivo e pessoal, que é particular a
cada ser humano. O intelecto passivo dá origem ao entendimento material ou potencial, aquele que cada
ser humano sabe que conhece. O intelecto passivo, portanto, diz respeito a indivíduos, não o ser humano
em geral.
De acordo com a leitura feita pelos contemporâneos de Averróis, apenas o intelecto agente é imortal. O
intelecto passivo, que é pessoal e se particulariza de acordo com cada ser humano, não sobreviveria à morte
física. Para o pensamento cristão, havia um momento ético fundamental na concepção de Averróis: se a
alma particular a cada ser humano não é imortal, então a ideia de liberdade e responsabilidade moral não
faria mais sentido, pois ninguém mais viveria de acordo com um julgamento divino. Se a alma é mortal, por
que tentar viver de acordo com os preceitos divinos?
A interpretação elaborada pelos filósofos cristãos sobre o pensamento de Averróis não é, evidentemente,
unânime. Segundo José Silveira da Costa, recorrendo aos estudos de Cruz Hernandes, o pensamento de
Averróis não havia sido bem compreendido na leitura latina, daí a necessidade de uma interpretação
alternativa. Nessa nova leitura, tanto o entendimento ou intelecto agente quanto o passivo seriam comuns
a toda espécie humana. Assim, ambos indicariam que o entendimento de todas as pessoas funciona do

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mesmo modo. O único entendimento individual seria aquele vinculado aos órgãos sensitivos e ao sistema
nervoso.

A religião e a Filosofia
A atividade filosófica exercida por Averróis era estritamente racional e marcada por sua autonomia e
independência em relação a qualquer outro saber, inclusive de caráter religioso. Por causa dessa postura, o
filósofo foi acusado de ateísmo e repetidamente perseguido em seu tempo. Duas características da Filosofia
exercida por Averróis devem ser destacadas: sua autonomia em relação à Teologia islâmica e sua concepção
elitista da atividade filosófica.
Averróis procurou não realizar uma interpretação islâmica de Aristóteles, mas preservar seu caráter
puramente racional. Ele ampliou essa perspectiva para o pensamento filosófico em geral, pois acreditava
que a investigação da verdade ficaria prejudicada caso precisasse se adequar aos dogmas da fé. Se a razão
é o bem mais precioso que Deus nos legou, então ela não pode ser cerceada. Ao contrário, seria do agrado
de Deus que as pessoas inteligentes fizessem uso pleno de sua razão, garantindo a cientificidade do
conhecimento atingido via racionalidade.
Além disso a Filosofia não ser exercida por qualquer um. De acordo com Averróis, a atividade filosófica devia
se restringir a um pequeno grupo de pessoas suficientemente capazes de exercer de forma plena as
faculdades racionais dadas por Deus: os sábios e os filósofos. A maioria da população, incapaz de exercer a
atividade filosófica, deveria se submeter aos dogmas e aos mandamentos religiosos para não se perder nem
agir de forma contrária à moral. Para Averróis, às pessoas ignorantes a Filosofia faria mais mal que bem.

A dupla verdade
Os teólogos muçulmanos viram na postura de Averróis um sinal de ateísmo e sentiram-se ameaçados com
suas possíveis consequências. Afinal, se a razão não devia se submeter aos princípios da fé, então o governo
da cidade não devia se submeter às autoridades religiosas. Defender a separação entre o poder da sociedade
civil e o poder religioso ameaçava enfraquecer a força dos grupos eclesiásticos.
A separação entre o saber racional e a revelação religiosa, contudo, não era vista por Averróis como um sinal
de desrespeito ou desobediência a Deus. Para Averróis, sincero devoto do islamismo, tanto a Filosofia
autêntica quanto a verdadeira Teologia professam a mesma verdade, mas por vias diferentes e que não
podem ser reduzidas uma a outra. A razão e a revelação podem alcançar a verdade, só que por caminhos
distintos. A verdade filosófica nem sempre coincide com a verdade teológica. Nesse caso, é preciso
interpretar o Alcorão alegoricamente.

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Segundo Averróis, a Filosofia e a religião devem ser exercidas separadamente e cumprir funções distintas. A
Filosofia é a busca racional da verdade científica pelo filósofo sem qualquer interdição da fé. Os pensadores
não necessitam das regras morais dadas pela religião, pois suas condutas estão garantidas pelo bom uso da
razão, e não precisam interpretar literalmente os dogmas religiosos. Diferente é a condição da maioria da
população, que necessita de mandamentos e deve se submeter à religião, pois não faria uso pleno da razão.

O averróismo
Os primeiros filósofos da escolástica cristã, como Santo Alberto Magno, mentor intelectual de São Tomás de
Aquino, entraram em contato com as obras de Aristóteles com base nas interpretações neoplatonizantes
feitas por Avicena. Essa leitura parecia mais adequada, do ponto de vista da fé cristã, que a leitura de
Aristóteles proposta por Averróis.
A interpretação das obras de Aristóteles, contudo, foi alterada no século XIII, São Tomás de Aquino
introduziu o pensamento de Averróis nas universidades medievais. Apesar de a aquisição ser inicialmente
moderada, pois uma boa parte da interpretação de Averróis não foi aceita pela doutrina cristã, a influência
logo cresceu. Inspirados pela concepção averroísta de separação entre a Filosofia e a Teologia, os professores
das faculdades de Artes e Filosofia da Universidade de Paris contestaram o papel dos teólogos dessa mesma
instituição, reivindicando independência intelectual e científica.
A influência do averroísmo caiu muito a partir do final o século XIV com o Renascimento. Os pensadores
renascentistas, movidos por um espírito antiaristotélico, se afastaram daquelas obras e daqueles pensadores
que estiveram marcados pela Filosofia de Aristóteles, como Averróis, que defendia o geocentrismo. Da
mesma forma que os filósofos mulçumanos foram os grandes responsáveis pela introdução de Aristóteles
na escolástica cristã, também foram rejeitados quando a escolástica foi duramente criticada durante o
Renascimento.

A Filosofia judaica
Assim como os pensadores cristãos e mulçumanos, os pensadores judeus tiveram de lidar com uma tradição
filosófica que ignorava totalmente os dogmas presentes nas três religiões monoteístas, como a noção de um
deus criador e inventor da realidade do mundo, ou seja, o monoteísmo. Era preciso conciliar o pensamento
antigo e o conteúdo do livro sagrado dos judeus.
Conciliar os dados da revelação religiosa e o pensamento filosófico ou elaborar uma reflexão sobre temas
fundamentais para a Filosofia medieval, como a eternidade ou a criação do mundo, era uma atividade
comum a todas as três filosofias.

85
Contudo, a Filosofia judaica baseava-se em uma tradição religiosa milenar, por isso foi necessário muito mais
tempo para os pensadores dessa filiação lidarem com os temas trazidos pela Filosofia.
Os filósofos judeus da Idade Média escreveram muitos de seus textos em árabe, que logo depois foram
trazidos ou vertidos para o hebraico. Havia uma cultura árabe, nesse sentido, comum, diante da qual
pensadores judeus se diferenciaram. Os principais pensadores da tradição judaica medieval foram Saadia
Gaon (882-942), Avicebron (c. 1021-1344), Maimônides (1135-1204) e Gersônides (1288-1344). Entre todos
os filósofos, daremos mais atenção ao pensamento de Moisés Maimônides, o mais conhecido e que mais
influência exerceu no pensamento filosófico.

Maimônides
Maimônides nasceu em Córdoba, mas logo se mudou para o Egito, onde exerceu sua atividade filosófica e a
de médico pessoal do sultão. Apesar de ter alcançado renome na medicina, atividade exercida por muitos
filósofos árabes, ignora-se como Maimônides aprendeu esse ofício, mas sabe-se que era um grande
conhecedor dos estudos de medicina de Hipócrates, Galeno e Aristóteles. Os estudos médicos despertaram
seu interesse pelo saber empírico, fazendo que não se dedicasse apenas às reflexões metafísicas.
A frase “ de Moisés a Moisés não surgiu outro como Moisés” acompanha praticamente todos os estudos
dedicados a Maimônides e marca a importância desse pensador entre os filósofos judeus. Trata-se de uma
comparação entre o líder bíblico Moisés, o grande profeta dos judeus, e o filósofo medieval Moisés
Maimônides, mostrando que nenhum outro os iguala em importância.

O guia dos perplexos


Maimônides publicou em 1185 o famoso Guia dos perplexos, sua obra filosófica mais importante. O texto
foi escrito em árabe e imediatamente traduzido para o hebraico e para o latim, o que permitiu ser conhecido
pelas três grandes tradições do pensamento medieval: as filosofias cristãs, árabe- islâmica e judaica. O livro
procurou harmonizar a fé religiosa e a razão filosófica, tal como ele interpretara de Aristóteles.
A obra foi dedicada aos seus discípulos que se mostravam perplexos diante das diferenças entre o que estava
escrito na Torá e o conteúdo da Filosofia aristotélica. Na Torá consta que o Universo foi criado por Deus a
partir do nada. Portanto, o Universo não é eterno, mas tem uma origem no tempo e um fim determinado.
Para Aristóteles, o Universo não foi criado nem será destruído, mas é eterno. O pensamento grego não
concebia a ideia de criação, apenas a de ordenação de um caos original por um artífice ou demiurgo.
A verdade religiosa e a verdade filosófica parecem entrar em conflito à primeira vista, mesmo para os
discípulos de Maimônides, mas o filósofo judeu afirma não haver oposição entre o pensamento filosófico e

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a fé religiosa. De acordo com ele, a Torá e os princípios do judaísmo não contrariam a Filosofia herdada do
mundo helênico. Como essa conciliação não é evidente, Maimônides precisava explicar sua tese.

Dois caminhos, uma verdade


Maimônides afirma que muitos dos erros que fazem a religião contradizer a Filosofia ou vice-versa
provêm de uma interpretação literal da Torá. Em seu Guia dos perplexos, ele defende que há um conteúdo
o culto e misterioso tanto nas leis da Torá quanto no que disseram os profetas, o que exige uma
interpretação alegórica ou metafórica dos textos. Apenas procedendo dessa maneira seria possível verificar
que as verdades da fé e as verdades da razão não se contradizem em seus aspectos básicos e fundamentais.
O procedimento sugerido por Maimônides exige uma dupla correção: uma que afeta a Torá e outra
que diz respeito á Filosofia. A noção de criação divina, por exemplo, pode ser interpretada literalmente.
Contudo, a atribuição a Deus de características humanas deve ser interpretada metafórica ou
alegoricamente, pois em uma leitura, essa passagem contraia imensamente a natureza perfeita e infinita de
Deus.
Por sua vez, os limites do pensamento racional devem ser respeitados pois a razão comete erros ao
se debruçar sobre aquilo que extrapola os limites do conhecimento humano. Por exemplo, quando tenta
esclarecer questões sobre a eternidade ou a criação do mundo. Para solucionar esse tipo de questão, as
respostas precisariam ser racionalmente válidas, mas o intelecto humano parece não ser capaz de solucionar
essas coisas porque elas não podem ser submetidas à experimentação. Dessa forma, é uma questão que,
por extrapolar os limites do pensamento racional, deve ser abandonada pela Filosofia.
A religião judaica e o pensamento racional se harmonizam, segundo Maimônides, porque ambos são
a expressão da verdade, mas alcançada por vias diferentes. A fé garante a verdade da Torá e a razão garante
a verdade da Filosofia. Ambas são verdadeiras, pois as duas se fazem uma apenas. A leitura que Maimônides
faz da Torá e a interpretação que realiza sobre o pensamento filosófico são assim resumidas pelo
comentador Rubén Luis Najmanovich:

(...) o verdadeiro sentido da palavra das Sagradas Escrituras é a Filosofia


verdadeira (...) O sentido da palavra da Bíblia e a Filosofia são coisas idênticas. A obra
de conciliá-las não consiste em levar a cabo sua identificação, apenas manifestar sua
identidade, velada pelo duplo erro de uma interpretação literal da palavra e de uma
limitação extra da pseudofilosofia e não da Filosofia verdadeira, (...). Há que
perseverar na fé, justamente por que o texto das Sagradas Escrituras é verdade

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mesma da Filosofia reduzida a seu conteúdo demonstrado (NAJMANOVICH, 2006, P
28).

Conciliar os dados da revelação e o pensamento filosófico, de acordo com Maimônides, não é o


mesmo que submeter a razão à fé nem a fé razão à razão. A religião e a Filosofia expressam uma mesma
verdade por caminhos diferentes. Para alguns comentadores, essa forma habilidosa de responder à questão
lança nova luz sobre um dos grandes problemas do pensamento medieval: a relação entre fé e razão.
Maimônides foi capaz de separar a religião e a Filosofia sem precisar negar a verdade de nenhuma delas.
A Torá é um livro de fé que orienta a doutrina dos judeus, enquanto a Filosofia expressa verdades da razão
que não contradizem os textos sagrados porque ambos expressam a verdade. Duas consequências
importantes podem ser extraídas dessa relação: o pensamento pagão, expressando verdades da razão, não
contraria a Torá; da mesma forma, os textos bíblicos, como acesso à fé em Deus, não limitam o pensamento
racional. O comentador do pensamento judaico Gérard Haddad aponta essa interpretação ousada:

Ora, Maimônides rompeu esse vínculo entre fé e razão, sem que se tenha avaliado, de imediato, o alcance
de tal atitude. A Bíblia deixou de ser um livro de astronomia, uma obra de física, um atlas geográfico, para se
tornar o livro sagrado do povo judeu, ou seja, o livro da fé em Deus. A longo prazo, esse corte epistemológico
teve consideráveis consequências, já que contribuiu para abrir o caminho da ciência moderna.
Uma espécie de prova desta afirmação foi fornecida há meio século pelo economista John Maynard Keynes;
tendo adquirido os manuscritos deixados por Isaac Newton – e, durante três séculos, guardados em um “baú
de Newton”- Keynes descobriu que, entre os livros de cabeceira do fundador da física moderna, encontra- se
precisamente ... o Guia dos perplexos. (Haddad 2003, p 72-73)

A existência de Deus e a Teologia negativa


A existência de Deus é demonstrável racionalmente, segundo Maimônides, que se vale de
argumentos aristotélicos. De acordo com ele, se as coisas se movimentam, mas não são a causa de seu
próprio movimento, então há uma causa desse movimento que não é movida por nada. Se os seres são
contingentes e não criam a si próprios, então existe um ser necessário e eterno que criou os seres
contingentes. Se todas as coisas foram criadas, então existe uma causa primeira de todas as coisas.
Adaptando o pensamento aristotélico, Maimônides conclui que existe um ser imóvel, necessário e primeiro,
isto é, Deus.
Maimônides se recusava a antropomorfizar os atributos de Deus por um motivo muito claro. Atribuir
a Deus características humanas é o mesmo que afirmar que Deus foi criado á imagem e semelhança do

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homem. A verdade, no entanto, é o inverso disso: o homem é que foi criado à imagem e semelhança de Deus.
Por essa razão, é preciso ler cuidadosamente as passagens da Torá que antropomorfizam Deus, como as que
citam seus olhos, dedos, costas etc. Todas essas passagens devem ser interpretadas alegoricamente.
Conforme Maimônides, dois pontos fundamentais devem ser levantados sobre a interpretação da
Torá. Em primeiro lugar, para entender o real sentido escondido nas alegorias, é preciso um sério trabalho
de leitura dos termos bíblicos, de sua ocorrência e de sua história. Assim, a expressão “ a imagem de Deus”
significaria, na verdade, o intelecto, e quanto os “ olhos” estariam mencionando a providência divina. A
existência e a condição incorpórea de Deus seriam entendidas apenas com esse esforço interpretativo.
Em segundo lugar, deve- se elaborar uma Teologia negativa. Determinar os atributos de Deus é o
mesmo que antropomorfizar Deus, mesmo se forem atributos como bondade e justiça. Por esse motivo, a
Teologia negativa resume- se a falar apenas o que Deus não é, de forma a não o limitar. Assim, Deus não é
material, não é corpóreo, não está restrito a nenhum atributo.

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PARA NÃO CONCLUIR O CAPÍTULO VIII
I) De que modo Maimônides combateu a noção de antropomorfização de Deus?
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II) AS filosofias cristã, árabe-islâmica e judaica enfrentaram questões muito semelhantes. No entanto, os
pensadores árabes e judeus se diferenciavam dos cristãos. Explique quais eram essas questões
semelhantes e o que diferenciava esses pensadores.
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BIBLIOGRAFIA
Apostila Colégio Aplicação 2009

Filosofia Histórias e Dilemas


Renato dos Santos Bento São Paulo 2015 ed FTD

Filosofia / vários autores. – Curitiba: SEED-PR, 2006. – 336 p. ISBN: 85-85380-33-0 1. Filosofia. 2. Ensino
médio. 3. Ensino de filosofia. 4. História da filosofia. 5. Mito. 6. Ética. 7. Filosofia política. 8. Teoria do
conhecimento. 9. Estética. 10. Filosofia da ciência. I. Folhas. II. Material de apoio pedagógico. III.
Material de apoio teórico. IV. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. V. Título

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