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A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA:

UM PALIMPSESTO

PAIVA, Ricardo A.

Rua Professor Carvalho, 3175/304


Joaquim Távora – Fortaleza-Ce
CEP 60120-340
paiva_ricardo@yahoo.com.br

RESUMO
O presente artigo pretende comparar as abordagens acerca da arquitetura moderna brasileira dos autores
Yves Bruand e Hugo Segawa, contidas nos livros “Arquitetura Contemporânea no Brasil” e “Arquiteturas no
Brasil (1900-1990)”, respectivamente, ratificando a tendência e a necessidade de revisão das versões
tradicionais no campo da historiografia da arquitetura. Para tanto, foram elencados fatos presentes nas duas
obras, a fim de revelar a visão analítica de ambos sobre o desenvolvimento das manifestações arquitetônicas
no Brasil, sobretudo na primeira metade do século XX. Embora a abordagem dos autores adquira
posicionamentos na maioria das vezes antagônicos, foram escolhidos eventos comuns às duas obras, a
saber: o processo de urbanização e o urbanismo, o historicismo arquitetônico e a arquitetura moderna no
Brasil. A metodologia utilizada pressupõe que o embate entre visões antitéticas acerca do mesmo objeto,
portanto com base no dissenso, contribui didaticamente para estabelecer critérios de análise mais
aprofundados sobre as rupturas e permanências no desenvolvimento da arquitetura brasileira.

Palavras-chave: Arquitetura moderna brasileira, Historiografia, Yves Bruand e Hugo Segawa

1. INTRODUÇÃO
A compreensão da escrita da história da arquitetura moderna brasileira através da analogia
ao palimpsesto - a escrita feita em pergaminho antigo raspado - adquire relevância neste
trabalho, uma vez que pretende comparar as abordagens dos autores Yves Bruand e Hugo
Segawa, em “Arquitetura Contemporânea no Brasil” e “Arquiteturas no Brasil (1900-1990)”,
respectivamente, verificando como as diferenças entre as abordagens contribuem para o
processo de revisão da historiografia da arquitetura moderna brasileira.

As obras constituem publicações imprescindíveis acerca do quadro geral da arquitetura e


urbanismo modernos no Brasil ante o estreito panorama de referências historiográficas
sobre um tema tão abrangente. Apesar dos esforços recentes 1 empreendidos por
pesquisadores de diversos lugares do país, que redundaram em significativa contribuição
para o entendimento do processo de introdução e desenvolvimento da arquitetura moderna
em todo o Brasil, é importante destacar que tais contribuições historiográficas se limitam a

1
Uma das iniciativas mais relevantes pode ser atribuída ao Seminário DOCOMOMO Brasil, além de suas versões regionais.
estudos da produção arquitetônica de arquitetos em contextos específicos - o que
evidentemente não deixa de ser relevante – não possuindo um caráter mais amplo de
manual.

Embora a abordagem de cada um dos autores conduza a posicionamentos seletivos, na


maioria das vezes antagônicas, foram escolhidos eventos comuns às duas obras, a saber:
(i) o processo de urbanização e o urbanismo, (ii) o historicismo arquitetônico e (iii) a
arquitetura moderna brasileira.

A visão predominantemente diversa dos autores pode ser considerada em função da


proximidade no tempo de ambos frente ao objeto. A abordagem de Segawa, posterior a de
Bruand, foi condicionada e privilegiada pelo maior distanciamento no tempo em relação ao
objeto e pela crítica ao modernismo suscitadas pelo debate contemporâneo empreendido
pelo pós-modernismo.

Esta reformulação que conduziu a processos de revisão historiográfica pode ser


compreendida pelo que ocorreu na matriz da História como disciplina, uma vez que houve o
deslocamento dos temas heróicos e oficiais e de recortes cronológicos estritos em direção a
questões que valorizam o universo do cotidiano, além de uma maior ênfase na flexibilidade
e permeabilidade entre tempos históricos.

Peter Burke (1992) identifica estas mudanças na historiografia como tendo base nos
princípios da Nova História, herdeira da École des Annales, cuja importância foi capital para
promover a pluridisciplinariedade e a conseqüente união das ciências sociais.
Diferentemente da história dita “tradicional” que priorizava a narração de grandes fatos,
como as questões oficiais e políticas; a “Nova” se baseia em fontes diversas, entre elas, a
história oral. Ao passo que a “tradicional” se interessava pelos documentos oficiais, a Nova
História tem uma dimensão sociológica mais ampla, revelada através do desenvolvimento
da história social, a “tradicional” se importava sobremaneira com o individuo histórico.

“Os historiadores tradicionais pensam na história como essencialmente uma


narrativa dos acontecimentos, enquanto a Nova História está mais
preocupada com a análise das estruturas” (BURKE, 1992:12).

Tais aportes se justificam neste artigo porque ao que tudo indica, Bruand se enquadra no
paradigma tradicional de abordagem historiográfica, principalmente no que se refere ao
tempo, pois o considera linear, cumulativo e irreversível. Em contrapartida, Segawa, por
deixar explícito no seu trabalho a ênfase nos processos, na “análise das estruturas”, se
situa dentro de uma visão historiográfica de filiação mais contemporânea 2 .

A revisão da historiografia da arquitetura, seja internacional ou nacional, não foi fruto


exclusivo e direto destas mudanças na História Geral, foi endossada também pelo debate
em torno do pós-modernismo no território da arquitetura e do urbanismo, que resultaram em
críticas ao modernismo.

2. A VISÃO MÍTICA DE BRUAND


A obra de Yves Bruand, arquivista paleógrafo francês graduado em Chartres, constitui
publicação de uma tese de doutorado defendida em 1971 na Universidade de Paris e
publicada em português dez anos mais tarde (BRUAND, 1981). Certamente, em seu âmbito
factual, a tarefa exaustiva e sistemática ali apresentada por Bruand em “Arquitetura

2
Conforme o próprio autor admite, trata-se de “uma postura que se avizinha às tendências da fragmentação ‘regulamentada’ do
conhecimento, como que uma reação às grandes leituras totalizantes” (SEGAWA: 1997:13)
Contemporânea no Brasil” ainda não foi ultrapassada pela literatura que trata da arquitetura
moderna brasileira.

No entanto, a interpretação de Bruand se sustenta nos próprios princípios canônicos que


construíram as bases do movimento moderno no Brasil, entre eles, a “constatação de que a
arquitetura brasileira só conhecera dois períodos de atividade criadora” (BRUAND, 1981:7).
Ele se refere à arte luso-brasileira dos séculos XVII e XVIII e ao modernismo. Este ponto de
vista legitimou os preceitos que nortearam o modernismo no Brasil.

Embora Bruand admita que sua análise das obras não se restringiu apenas aos seus
valores intrínsecos e estéticos, ampliando a leitura para um enfoque evolutivo na busca de
seus significados históricos (BRUAND, 1981), percebe-se que tais relações obedecem a
um método linear. Esta indicação de abordagem positivista, na qual as produções
arquitetônicas e urbanísticas funcionam como meros reflexos de um determinismo
ambiental, histórico e político-econômico podem ser percebidos na maneira como o autor
discorre sobre estas questões na introdução da obra, que ele denomina “O Meio Brasileiro e
sua Influência sobre a Arquitetura”. O capítulo não considera que estas condicionantes
interagem dialeticamente com o desenvolvimento arquitetônico e urbanístico. Os subitens
são indicações que qualificam através de uma classificação simplista os elementos que
definem a identidade das condições do país, (“relevo, clima, vegetação, ou mesmo
mentalidade brasileira e tradições culturais”), tão ao gosto do olhar estrangeiro, de quem
documenta uma cultura periférica e exótica.

Apesar de considerar que “o título da obra não comporta limites cronológicos rigidamente
definidos” (BRUAND, 1981:8), as indicações dos capítulos e suas derivações obedecem a
uma delimitação rigorosa nos recortes temporais. O autor se propõe a analisar as obras
construídas no território brasileiro de 1900 a 1969. Embora o recorte temporal seja
genérico, compreendido entre 1900 e 1969, há uma sucessão linear na abordagem dos
fatos e acontecimentos.

O título da obra não inclui o termo moderno, impreciso na interpretação do autor,


substituindo-o pelo termo contemporâneo, que para ele é mais abrangente e apropriado.

“... o adjetivo ‘moderno’ (...) de modo algum conveniente, pois contém


apenas uma noção de tempo aplicável ao conjunto da produção de uma
época e não unicamente uma de suas partes; substituir sua acepção
cronológica por um elemento de valor é um contra-senso, hoje infelizmente
muito comum” (BRUAND, 1981:8).

Bruand se interessa por uma produção oficial e erudita, excluindo toda e qualquer
manifestação de natureza pragmática e popular, além do fato de que “sua investigação está
centrada nos talentos individuais da arquitetura brasileira e nas condições propícias ao
desenvolvimento do movimento moderno” (TINEM, 2002:38). O recorte espacial se
restringe à arquitetura e ao urbanismo das cidades mais desenvolvidas, como o Rio de
Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e, finalmente, Brasília. O autor dedica ainda um
pequeno espaço para os desdobramentos do modernismo em Salvador e Recife. Estas
últimas, coincidentemente, são justamente as que carregam uma herança colonial
relevante, período histórico que Bruand exalta. Por conta disto, descarta a diversidade da
produção arquitetônica no Brasil, característica presente desde o processo de colonização.

Carneiro et alli (1984:35) sintetiza e critica a metodologia utilizada por Bruand ao afirmar
que:
“... a história é vista como um encadeamento de fatos e admite-se que a
realidade pode ser reconstruída através da colagem de informações
levantadas em fontes primárias. Com este proceder, Bruand não privilegia
uma dinâmica das relações; aborda a produção dos grandes talentos
individuais, a arquitetura erudita, e estabelece uma cronologia que se
prende, basicamente, à evolução formal desta produção”.

As referências de Bruand são múltiplas, o que para Tinem (2002) constitui seu principal
mérito e também sua maior debilidade, uma vez que não discute “as contradições contidas
nos textos consultados”.

3. A (RE)VISÃO DE SEGAWA
O livro “Arquiteturas no Brasil (1900-1990)” de Hugo Segawa, arquiteto, professor Doutor
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, teve sua gênese
relacionada a um compêndio sobre a arquitetura brasileira do século XX, encomendado
pela Universidade Autônoma Metropolitana do México como parte de uma série de
monografias sobre a arquitetura latino-americana (SEGAWA, 1997:14). A edição brasileira
de 1997 foi precedida também por uma publicação ligada à Revista Projeto, denominada
“Arquiteturas no Brasil (1900-1980)”, que consistia numa coletânea de artigos, incluindo de
outros autores, que sintetizavam a geografia da arquitetura brasileira até então.

O título da obra, por si só, já contém um dos principais pontos valorizados por Segawa,
trata-se da diversidade, sugerida pela variação do substantivo “Arquiteturas”, que é
empregado no plural. O autor estabelece como ponto de partida a diversidade da produção
da arquitetura brasileira, inclusive moderna. O objetivo do autor é:

“(...) estudar os processos da constituição da nossa arquitetura moderna em


matrizes diversas, caracterizando modernidades distintas, que intitulam os
capítulos. Nesse sentido, não privilegiei arquitetos, (...) tampouco obras,
mas a inserção de arquitetos e obras no debate cultural e arquitetônico num
certo recorte da história” (SEGAWA, 1997:15).

A interlocução com as outras disciplinas - que define o quadro referencial e revela o


contexto no qual a arquitetura e o urbanismo se desenvolvem - não acontece segmentada
na estrutura da obra. As questões de ordem mais geral, ligadas à história, à economia ou à
sociologia se inserem dentro da narrativa sem ocupar um destaque primordial,
característica esta que confirma certa autonomia da disciplina Arquitetura. Aliás, esta
tendência se iniciou com base nas criticas às visões totalizantes no trato das questões
urbanas e arquitetônicas, repletas de elucubrações sociais, políticas e econômicas.
Segundo Ruth Verde Zein, na virada da década de 1980, uma nova atitude crítica passou “a
reivindicar a arquitetura como disciplina do conhecimento, com sua autonomia relativa,
embora evidentemente inserida no mundo” (ZEIN, 2001:19).

Nos objetivos pretendidos por Segawa, as obras e os protagonistas da arquitetura são


preteridos pela idéia de processo, ou melhor, processos, que se relacionam, de um lado,
com o significado diversificado que ele atribui ao moderno, que se desdobra nos termos
modernismo e modernidade; e por outro lado, com os recortes temporais flexíveis adotados
pelo autor. Sendo assim:

“(...) modernidade e modernismos são, em Segawa, resultantes de


processos paralelos. Modernidade e modernismo se justapõem, no tempo.
A ‘modernidade pragmática’ começa durante a ‘programática’, a
‘modernidade corrente’ durante a ‘pragmática’, formas de modernidade a
que refere-se o autor” (MARQUES e NASLAVSKY, 2003).

A obra de Segawa, para garantir objetividade do seu caráter histórico ao tratar do


desenvolvimento da arquitetura brasileira no século XX, valoriza a postura crítica. O autor
recusa uma visão totalizante, unívoca e triunfal. A eleição dos recortes temporais é
resultante da diversidade de caminhos, pois:
“(...) opera não com produtos, mas com processos, qualificados em alguns
temas que, se bem sejam organizados a partir de certa contigüidade
temporal, não são meramente seqüências, mas se superpõem
parcialmente, deixando claro que, em cada momento, muitas e diferentes
tendências buscam caminhos distintos, divergentes ou convergentes,
algumas vezes apenas paralelos” (ZEIN, 2003).

As escolhas de Segawa com relação ao recorte espacial são qualitativas e não


quantitativas (ele não tem intenção de tratar de todas as obras e personagens), pois
contempla a disfusão da arquitetura moderna em outros lugares do Brasil. A opção de
restringir as suas amostras e priorizar o processo, permitir caracterizar o livro como obra
aberta, passível de acréscimo, ou mesmo de instigar outras interpretações, sejam
complementares ou não.

As referências bibliográficas de que Segawa se vale são distintas enquanto enfoques e


semelhantes enquanto temas. Segundo ele, trata-se dos escassos manuais da história da
arquitetura moderna. Entre as principais referências 3 , a obra de Yves Bruand é destacada
pela sua insuperável realização.

No entanto, a obra não está isenta de críticas. Para Borges (2004) a interpretação genérica
acerca dos temas “acarretou em algumas abordagens mais superficiais, incorrendo
também em algumas insuficiências discursivas e conceituais nas diversas modernidades e
na ausência de um maior rigor metodológico”.

4. O EMBATE ENTRE AS ABORDAGENS: EVENTOS EM COMUM.

EVENTO 1: O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E O URBANISMO

BRUAND: Do caos à Apoteose.

Bruand dedica um capítulo inteiro ao estudo do desenvolvimento das cidades no Brasil na


passagem do século XIX para o século XX, definindo como marco final a construção de
Brasília. Bruand enfatiza mais os aspectos do urbanismo - e menos o processo de
urbanização -, principalmente no que se refere ao vínculo com a arquitetura, ao deixar claro
que pretende:

“(...) examinar as relações entre o urbanismo e a arquitetura no Brasil de


nossa época, procurando estabelecer até que ponto um condicionou a
outras ou vice-versa e os fenômenos de base serão vistos em função de sua
ligação com o objeto que se tem em vista” (BRUAND, 1981:323).

O autor resgata algumas reminiscências históricas que constituem heranças do período


colonial e do século XIX para embasar sua interpretação ao discorrer sobre as cidades. O
estudo se bifurca na análise do “arranjo das cidades antigas”, selecionando São Paulo, Rio

3
« Quatro Séculos de Arquitetura » (1965) de Paulo Santos ; « Arquitetura Brasileira »(1979) de Carlos Lemos; “Modern Architecture In
Brazil” (1956) de Henrique Mindlin; “Arquitetura Moderna Brasileira (1982) de Silva Fischer e Marlene Acayaba; entre os mais relevantes.
de Janeiro e Salvador, em função das suas respectivas relevâncias históricas; e na “criação
de novas cidades”, analisando Belo Horizonte, Goiânia e Brasília.

Em ambas as análises, a urbanização foi orientada pela supremacia dos interesses


privados, autorizadas pelo Estado, em detrimento dos coletivos. Segundo o autor, as
intervenções na cidade existente foram conduzidas pela necessidade das elites
legitimarem sua condição econômica, política e social.

No que se refere às influências, tanto nas cidades antigas, como nas novas, Bruand
considera a preponderância das influências européias, mais precisamente as francesas,
representadas pelas experiências de Haussmann em Paris. Desta forma, nega a influência
americana na fisionomia das cidades brasileiras.

A conclusão que ele retira da análise do arranjo das cidades antigas é que, malgrado suas
especificidades, estas cidades são representações do urbanismo caótico, que ele atribui ao
individualismo anárquico e às heranças culturais. As cidades novas por ele analisadas são
qualificadas sob a ótica da sua produção arquitetônica, consoante a sua visão: o
menosprezo ao ecletismo da nova capital das Minas Gerais; a indiferença ao Art Déco de
Goiânia; e a celebração da arquitetura moderna em Brasília. Bruand, acertadamente,
adverte sobre as contradições entre o modelo de cidades propostos e sua execução,
denunciando a perda de qualidade na ocasião das realizações, fato recorrente no
desenvolvimento urbano no Brasil.

A narrativa sobre as novas cidades é conduzida com o intuito de demonstrar uma evolução
no pensamento e nas realizações urbanísticas no Brasil. Tal processo se inicia em Belo
Horizonte, ícone da cidade liberal de influência estrangeira, passando por Goiânia, que
embora introduza melhoramentos, representou apenas uma transição em direção ao triunfo
que viria a ser Brasília. As qualidades de Goiânia são identificadas apenas quando
prenunciam alguns princípios aplicados em Brasília, que para o autor é a “apoteose do
urbanismo brasileiro”, pois a considera a expressão máxima do potencial criativo e
progressista da arquitetura e do urbanismo no Brasil.

Do ponto de vista descritivo o enfoque sobre Brasília é rico em informações, no entanto,


Bruand, equivocadamente, tenta justificar as contradições sócio-espaciais da cidade com
base numa análise formal, considerando-a essencialmente como obra de arte,
superestimando, assim, seus “valores estéticos intrínsecos”. Este pressuposto fica evidente
no seu discurso ao defender o modelo de “cidade fechada”. Suas palavras são
contundentes:

Pode-se imaginar a catástrofe que teria resultado de um plano flexível, onde


se teria tentado integrar toda uma população miserável incapaz de curvar-se
perante às normas urbanas de uma metrópole digna do século XX
(BRUAND, 1981:364).

Bruand parece se isentar da problemática que justifica o “o urbanismo caótico”, que são na
verdade, a relação dialética entre modernização paradoxal e o processo de urbanização
desigual.

SEGAWA: Cidades como “Cenários da Modernidade”

Segawa explica que os temas sobre o urbanismo e cidades têm um lugar privilegiado nos
três primeiros capítulos, para depois se diluírem no trabalho (SEGAWA: 1997:15). O autor
esclarece que as questões relativas às cidades, pela complexidade que lhe são
particulares, foram tratadas na relação que mantém com o tema modernidade, matriz que
ele utiliza para discorrer sobre o desenvolvimento arquitetônico e urbanístico.

Neste sentido, justifica as importantes transformações por que passou as cidades


brasileiras na virada do século XX apoiada na busca de modernidade. A consideração das
cidades como “cenários da modernidade” foi condicionada, para o autor, pela inserção do
Brasil no processo de mundialização da economia capitalista, representado pelos fluxos
criados pela exportação de produtos agrícolas e consumo de produtos industrializados
importados. Este fenômeno foi responsável por transformações qualitativas e quantitativas
em várias cidades brasileiras, que Segawa mesmo de forma genérica, contempla.

O título empregado por ele, “O Brasil em Urbanização”, revela suas preocupações


prioritárias com o processo de urbanização em detrimento do urbanismo, apesar de
reconhecer sua importância, pois se tratava da

“(...) apropriação de um repertório ideologizado de intervenção nas


estruturas urbanas – o urbanismo como disciplina, tal como se codificava na
Europa -, instrumento modernizador por excelência, uma tentativa de
equiparação da cidade brasileira aos patamares europeus ou a procura de
uma tênue modernidade à brasileira” (SEGAWA, 1997:15).

As “formas de modernização” urbana no Brasil são exemplificadas na obra através de


alguns aspectos, tais como: (i) a negação das estruturas existentes (coloniais), com a
transferência em 1896 da capital do Estado de Minas Gerais da colonial Ouro Preto para
Belo Horizonte, além das subtrações feitas em cidades coloniais por novas estruturas; (ii) o
processo de adaptação das cidades existentes aos de modelos europeus
(“haussmanisation” e cidades-jardins), que incluía também a dimensão estética como signo
de civilidade e modernidade; (iii) a necessidade de saneamento físico e social da cidade
(sanitarismo e salubrismo) e (iv) em síntese, os intuitos civilizatórios materializados nas
intervenções na cidade que Segawa contextualiza com a dinâmica da passagem de uma
mentalidade agrária e rural para uma industrial e urbana. De forma pulverizada ao longo
dos capítulos, Segawa admite a influência americana, principalmente no modelo de centro
de cidade vertical, sob o mito do emblemático arranha-céu americano.

Brasília ocupa um lugar modesto na obra de Segawa (parte final do capítulo “Afirmação de
uma Escola”), para ele a materialização da maturidade da arquitetura moderna brasileira.
Segawa se limita a descrever os antecedentes e os fatores que nortearam sua construção,
para no final lançar sua posição sobre as contradições da cidade ideal e a real, ao
reconhecer que Brasília sofreu o mesmo processo de conurbação e metropolização comum
às outras importantes cidades do Brasil. De modo semelhante, enxerga as particularidades
que maximizam seus problemas, caracterizadas pelo fato de possuir um setor planejado e
de ser tombada pela Unesco. (SEGAWA, 1997:127).

EVENTO 2: O HISTORICISMO NO BRASIL


BRUAND: O Período de “Trevas” da Arquitetura Brasileira.

O autor usa como contraponto da arquitetura moderna no Brasil a produção arquitetônica


historicista vigente ainda no início do século XX. É importante destacar que o preconceito
de Bruand com relação às manifestações historicistas aparece de forma explícita na obra,
comprovado pelo próprio título: “De um ecletismo sem originalidade à afirmação
internacional da nova arquitetura brasileira (1900-1945)”. Este contraste que evidencia a
trajetória entre os momentos descritos no título acaba por superestimar a arquitetura
moderna.
Devido à análise demasiadamente descritiva e classificatória dos “Estilos Históricos”, a
narrativa torna-se cansativa. Bruand organiza as obras e os protagonistas em blocos
definidos pelos lugares (se restringe exclusivamente ao Rio de Janeiro e São Paulo), além
de compartimentá-los em função dos movimentos formais, são eles: “os estilos
classizantes”, “os estilos medievais e pitorescos”, “o art nouveau” e o “estilo neocolonial”.

As suas impressões negativas em relação ao historicismo foram contaminadas pela visão


moderna que queria exorcizar a hegemonia do ecletismo arquitetônico. A abordagem do
autor chega a ser passional, pois desqualifica as obras e inclusive os autores. Segundo ele,
o ecletismo de forma geral deixou muito a desejar, pois:

“(...) não é só difícil citar um único ponto de vista estético, como também
parece que os arquitetos e construtores rivalizavam-se numa incrível
competição de feiúra. São bem variadas as razões deste fracasso total. Uma
das causas principais era, com certeza, a falta de gosto e, na maioria dos
casos, a falta de conhecimentos arqueológicos dos responsáveis. (...) Os
arquitetos, então, tinham de criar suas próprias soluções – o que
evidentemente era catastrófico quando se tratava de profissionais
medíocres, que não se destacavam pelo seu talento natural” (BRUAND,
1981:42-43).
A visão de Bruand em relação ao neocolonial é muito lúcida, pois enxerga os seus “prós e
contras”, atitude que não se manifesta na análise dos outros movimentos historicistas. As
contradições contidas no movimento são vistas através do seu apelo estético e da visão
nostálgica, da impossibilidade de atender aos novos programas e da ausência de fidelidade
e respeito formal à diversidade regional que conformava o vocabulário colonial. Em
contrapartida, o início do conhecimento sobre a arquitetura colonial, a conseqüente
valorização do patrimônio existente e sua conservação serviram de lastro para desenvolver
um espírito de identidade na assimilação do modernismo. O autor considera que o
neocolonial foi o elo que deu consistência ao modernismo, construindo, assim, suas bases
na tradição colonial, alertando que:

“(...) a arquitetura neocolonial foi o símbolo de uma tomada de consciência


nacional, que a seguir iria se desenvolver e dar um caráter particular às
realizações brasileiras. (...) O estilo neocolonial constituiu-se uma transição
necessária entre o ecletismo de caráter histórico, do qual era parte
intrínseca, e o advento de um racionalismo moderno” (BRUAND: 1981:58).
SEGAWA: A Modernidade Contraditória do Historicismo

Ao contrário de Bruand, Segawa não atribui ao historicismo arquitetônico a condição de


contraponto ao modernismo, pois considera que a pluralidade de manifestações do
historicismo tinha em comum a ânsia de modernidade, comprovada pelo próprio título do
capítulo: “Do anticolonial ao neocolonial: a busca de alguma modernidade (1880-1926)”.
Esta trajetória percorrida por Segawa para explicar as contradições do historicismo se inicia
com a análise do ecletismo, que precedido pelo neoclássico inaugurou uma ruptura com a
produção barroca do período colonial, que por sua vez pretendia implementar um processo
civilizatório mimético como forma de se contrapor à barbárie, supostamente identificada
com o período colonial. Para o autor, o fim desta trajetória “em busca de alguma
modernidade” se insinua na modernidade pretendida pelo discurso contido no neocolonial,
que sintetizava novos valores ligados simultaneamente à tradição e ao progresso.

Embora perceba o caráter paradoxal da modernidade que se construía com base nos
valores estilísticos hegemônicos da Europa, Segawa lança uma luz sobre as contribuições
destes movimentos no incremento de uma série de avanços técnicos e espaciais,
imprescindíveis para a assimilação dos preceitos do racionalismo.

O autor argumenta que o dilema da modernidade na virada do século XX pode ser


compreendido com base na visão da época de Ribeiro de Freitas, que dividiru esta
produção em três correntes: “o grupo histórico”, fiel aos estilos clássicos; “o grupo eclético”,
aberto às escolhas dos estilos do passado e o “grupo moderno”, livre na utilização dos
materiais e descomprometidos com as formas do passado.

Segawa considera a Estação Mairinque do arquiteto Victor Dubugras uma obra


emblemática para demonstrar a introdução de processos mais racionais na construção,
indício de uma modernidade precoce, signo de uma “estética da racionalidade”. O uso do
concreto armado na obra foi visto como sendo uma grande inovação, pois rompeu com os
excessos formais do ecletismo, comprovados pelas fontes que o autor utiliza.

“A bela composição do Sr. Dubugras tem (...) o grande mérito (...) de


convencer da possibilidade de fazer bela uma obra de cimento armado os
descrentes da estética do novo sistema de construção, os que acreditam
que o único meio de tornar atraente uma obra executada com esse material
é esconder a natural rigidez geométrica das formas que decorrem da
construção mesma, fazendo-a desaparecer sob sucessivas camadas de
emboço e reboco” (PUJOL JUNIOR, 1908 apud. SEGAWA, 1997:34).
De forma análoga, Segawa compartilha com Bruand a importância do neocolonial no
desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira, uma vez que o mesmo trazia em sua
essência a valorização do passado e da identidade.

A modernidade do neocolonial se expressava de maneira antagônica, marcada


formalmente pelo tradicionalismo da linguagem, ao mesmo tempo em que expressava
certas inovações espaciais e estruturais. Neste sentido, o neocolonial é colocado em
posição semelhante ao sistema “beaux-arts”, cuja produção arquitetônica se legitimava
ainda nos estilos do passado. Segundo Segawa, “o neocolonial, na prática concreta,
afigurou-se como uma variação do ecletismo no que busca eleger um ‘estilo’ mais
adequado para o fim que se tinha em vista” (SEGAWA, 1997:38).

O autor admite que os princípios que nortearam o neocolonial eram legítimos,


principalmente o debate sobre a questão da nacionalidade, ressaltando que:

“Independente do referencial de ‘modernidade’ que adotavam, o principal


aporte da postura neocolonial foi a introdução do contraponto regionalista –
a busca e uma arquitetura identificadora da nacionalidade – como fator de
renovação” (SEGAWA, 1997:39).

EVENTO 3: ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL


BRUAND: O Moderno “Oficial”

A epopéia da arquitetura moderna brasileira é apresentada em Bruand através de recortes


temporais bastante definidos e subseqüentes. Inicialmente trata dos antecedentes que
configuraram a introdução dos preceitos modernos no Brasil. O capítulo “As Premissas da
Renovação (1922-1935)” explica a gênese da arquitetura moderna com base na Influência
da Semana de Arte Moderna, do papel pioneiro de Warchavchick, do começo da arquitetura
moderna no Rio de Janeiro com a reforma da Escola Nacional de Belas Artes empreendida
por Lúcio Costa e do Movimento no Recife, ligado ao arquiteto Luis Nunes.
Em um segundo momento, trata do marco que inaugura o desenvolvimento da arquitetura
moderna no Brasil. O capítulo “A Transformação Decisiva (1936-1944)” apresenta o
processo que envolve a contribuição de Le Corbusier ao projeto do Ministério de Educação
e Saúde e a influência que exerceu nos arquitetos brasileiros, principalmente no que se
refere à metodologia de projeto. Bruand destaca paralelamente alguns personagens
importantes que vão dar continuidade à tendência racionalista de vertente corbuseana, com
ênfase na “revelação de Oscar Niemeyer”.

Finalmente, percorre um longo caminho na descrição da “maturidade da nova arquitetura


brasileira”, considerando a contribuição teórica de Lúcio Costa ligada à questão da tradição
como elemento fundamental que caracterizava a arquitetura moderna brasileira e a tornou
internacionalmente reconhecida; o triunfo da plástica com a trajetória de Oscar Niemeyer
até a construção de Brasília; a continuidade racionalista na obras de outros arquitetos como
Reidy e Rino Levi; e por último, a corrente orgânica e o Brutalismo Paulista à margem do
racionalismo, com ênfase na obra de Artigas.

Nesta trajetória, Bruand demonstra grande fôlego ao oferecer, em quantidade e qualidade,


informações valiosas e detalhadas dos “criadores e criaturas” que protagonizaram,
segundo ele, a nova arquitetura, demonstrando a sua incontestável contribuição à
historiografia da arquitetura moderna brasileira. Apesar do alcance da obra, fica evidente a
sintonia da visão do autor com a mistificação em torno da arquitetura moderna no Brasil.

Bruand coloca à margem toda e qualquer produção arquitetônica que transita fora do
circuito do modernismo, cujo mérito é marcado pela atitude transgressora com que os
arquitetos brasileiros digerem os princípios normativos do racionalismo europeu. Outro
traço característico é o formalismo, uma vez que “o predomínio do afetivo, do irracional e do
místico, explicaria, para Bruand o caráter formalista da arquitetura brasileira dirigida a um
público francamente impressionável” (TINEM, 2002:41).

Apesar de admitir a influência americana no desenvolvimento arquitetônico em algumas


obras modernas em São Paulo, esta se revelava de forma residual, pois Bruand evidencia
repetidas vezes a influência hegemônica de Le Corbusier. Embora esta influência tenha
sido decisiva para o modernismo, não teve alcance numa produção com pretensões
modernizantes de caráter mais pragmático, que Bruand ignora, confirma Nelci Tinem:

“A negação da influência norte-americana lhe impede de ver arquiteturas


que insistem em temas como a integração da natureza, a expressão de
materiais brutos ou a empatia com o lugar – como as de Oswaldo Bratke,
Rino Levi, o primeiro Artigas e mesmo Niemeyer, entre outros -, sem falar da
chamada arquitetura do mercado que, ainda que não tivesse sido
reconhecida internacionalmente, constituía o maior volume de construções
e delineava o perfil das cidades brasileiras” (TINEM, 2002:40).
A questão da diversidade da arquitetura moderna no Brasil é contemplada em Bruand no
que ela converge para caracterização de uma unidade de características e princípios. Esta
síntese aparece na conclusão da obra, onde ele mapeia as “características gerais e
especificidade da nova arquitetura brasileira”, seriam elas: “1 - a arquitetura do concreto
armado, 2 – arquitetura artesanal, 3 – arquitetura racionalista, 4 – arquitetura simbólica, 5 –
monumentalidade, 6 – plasticidade, 7 – simplicidade, 8 - leveza, 9 – riqueza decorativa”
(BRUAND, 1981: 376-377).

As limitações da obra de Bruand se situam numa “leitura triunfalista e apologética da


arquitetura moderna do Brasil” (SEGAWA, 1997:15), visíveis na conclusão da obra, pois
considera a arquitetura “contemporânea” representada por duas fases diametralmente
opostas: o historicismo e o modernismo. O segundo momento eclodiu com o:

“(...) triunfo de uma arquitetura nova, fruto do racionalismo internacional e da


influência preponderante de Le Corbusier, mas tendo adquirido
imediatamente uma real autonomia e se imposto como tal aos olhos de todo
mundo” (BRUAND, 1981:377).
SEGAWA: As Várias Modernidades Arquitetônicas.

Segawa decompõe na sua obra a modernização da arquitetura brasileira em processos


distintos e simultâneos no tempo que se relacionam com diferentes idéias de modernidade
arquitetônoca. Segundo Ruth Verde Zein:

“Segawa organiza nos capítulos não um processo linear, ufanista e


excessivamente coerente, (...) para desvelar um panorama plural para o
qual concorrem diferentes interpretações do que poderia ser “modernidade”
no campo arquitetônico. Qualifica assim (e os termos são indicações, e não
etiquetas) ‘Alguma Modernidade’, que incluiria desde o debate neocolonial
aos primórdios de um certo racionalismo construtivo; um ‘Modernismo
programático’ , proselitista, de fontes formais centro-européias, que tem em
Warchavchik seu epígono; uma ‘Modernidade Pragmática, menos
preocupada com os manifestos e sim com a efetiva modernização da
construção, (...) para então qualificar uma ‘Modernidade Corrente’, índex
que Segawa dá à “arquitetura moderna brasileira”.”(ZEIN, 2003). (Grifos no
original).
No capítulo “Modernismo Programático (1917-1932)”, o autor destaca, como o próprio título
revela, a vertente moderna de caráter erudito e teórico, que encontra seus primeiros ecos
nas manifestações de vanguarda de matriz literária na América Latina influenciada pelas
correntes européias. O autor divide o modernismo no campo artístico em geral em duas
fases, a primeira (1917-1924) gira em torno da Semana de Arte Moderna no Brasil e a
segunda (1924-1929) de caráter mais consciente e nacionalista. Segawa destaca a
inserção isolada e pontual de Warchavchik e Rino Levi no panorama do modernismo no
Brasil, através das suas publicações que preconizavam os princípios do racionalismo
europeu. Tanto a contribuição teórica como prática destes arquitetos ficaram limitadas a um
universo muito restrito de atuação, posto que o estilo moderno (que assumiu diversas
denominações na época) não passava de mais uma moda, confirmada por certo apelo
estilístico. Contrário a esta tendência estilística de penetração do racionalismo europeu,
Segawa destaca a vertente conteudista e social de Carlos da Silva Prado, cujo pensamento
de matriz marxista criticava a produção arquitetônica do período.

De modo diverso, a “Modernidade Pragmática (1922-1943)” se desenvolve “à margem do


modernismo engajado”. A modernidade desta vertente da arquitetura não se sustentava em
nenhum pressuposto teórico ou conteúdo programático específicos, pelo contrário, se valia
de influências múltiplas e contraditórias – o repertório clássico de composição decorativa
associado ao uso de materiais modernos – que se manifestavam de forma diversa nas
tendências art déco, nos exemplares de influências perretianas e no “monumental clássico”
de matriz facista. É inédita esta preocupação de Segawa em abarcar manifestações
consideradas até pouco tempo marginais e que a historiografia da arquitetura moderna
omitiu e desprezou. A concessão deste espaço no livro corrobora para compreender a
paisagem urbana que resultou de uma arquitetura que se consolidava na interseção entre o
popular e o erudito e que obteve ampla aceitação no público leigo.
Para Segawa, a “Modernidade Corrente (1929-1945)” surgiu como fruto da reforma da
Escola Nacional de Belas Artes e posteriormente com o projeto do Ministério de Educação,
que por seu turno inaugurou uma resposta criativa para o dilema da modernidade
arquitetônica, viável graças às pretensões modernizantes do Brasil pós-trinta. O autor
coloca as “Razões da Nova Arquitetura”, artigo escrito por Lúcio Costa, como o marco das
idéias que iriam conduzir o desenvolvimento e reconhecimento internacional da arquitetura
moderna brasileira, endossados pela Exposição “Brazil Buids” e a repercussão do Pavilhão
do Brasil na Feira de Nova York em 1938. Devido às características peculiares da nova
arquitetura, sobretudo os seus aspectos formais, criaram-se condições favoráveis para a
afirmação de uma escola, objeto de estudo do capítulo subsequente.

O capítulo “A Afirmação de uma Escola” se refere ao desenvolvimento da arquitetura


moderna brasileira dentro de uma nova geografia arquitetônica no segundo pós-guerra,
marcada pela situação hegemônica dos Estados Unidos, beneficiado “pela imigração dos
notáveis europeus como Gropius, Mies e Breuer” (SEGAWA, 1997:104) e pelo surgimento
de variações regionais do “international style”. Neste sentido, Segawa destaca que a
afirmação da escola, no caso a carioca, partiu dos rótulos atribuídos à arquitetura moderna
brasileira: “Brazilian School”, “First National Style”, “Neobarroco”, “The New sensualism”,
entre outros. O autor reconhece ainda que este desenvolvimento acontece num “quadro de
conflitos ideológicos”..

“A arquitetura moderna brasileira, mesmo informada de um conteúdo


internacionalista, corresponde a um esforço de transfiguração de
concepções, adquirindo cores próprias sem se apoiar numa tradição local
imediata, (...), mas buscando no passado referências de identidade – um
desafio próprio daqueles que buscavam a criação e originalidade inerentes à
contemporaneidade, mesmo enfrentando e carregando as marcas das
incoerências políticas e sociais bem como o peso das divergências
ideológicas de um país à margem”.(SEGAWA, 2002:112).
Finalmente, o autor destaca Brasília como o coroamento do modernismo, conferindo-lhe a
posição de marco.

Segawa destaca no capítulo “A Afirmação de uma Hegemonia”, o relato do quadro diverso


da arquitetura brasileira, que se dá através da fundação e autonomia de escolas de
arquitetura, reconhecimento dos cursos e publicações de revistas de arquitetura. Este
capítulo certamente é o mais heterogêneo na narrativa de Segawa, pois enfatiza como os
fluxos de informações e conhecimento, através do deslocamento dos “arquitetos
peregrinos, nômades e migrantes”, sejam nacionais ou internacionais, resultaram na
diversidade do panorama da arquitetura moderna brasileira. O autor trata também das
continuidades e rupturas entre a linha carioca e a paulista, que então adquire a posição de
protagonista, tendo como lastro o pensamento ideológico de Artigas, de onde surge o
discurso político e ideológico sobre a arquitetura. A “consolidação do modelo” se manifesta
no brutalismo paulista e seu esgarçamento com “a diluição do modelo”, sob a crítica de
Sérgio Ferro, ambos os momentos no contexto do regime militar. O capítulo contempla o
auge da arquitetura moderna brasileira e também o seu desmonte.

O panorama da arquitetura pós-Brasília na obra é posto de forma superficial e cautelosa


face à pouca distância histórica e explicado nos capítulos “Episódios de um Brasil Grande e
Moderno (1950-1980)” e “Desarticulação e Rearticulação (1980-1990)”. Como Segawa
amplia a sua análise no tempo além do recorte temporal de Bruand, isto o coloca em
condição mais favorável na análise do desenvolvimento da arquitetura moderna no Brasil.
Até o final da obra, Segawa demonstra habilidade no “mapeamento da diversidade”,
inclusive quando compila as condições de assimilação do debate pós-moderno e
“regionalista” na arquitetura contemporânea no Brasil. O avanço na escrita da história da
arquitetura moderna em Segawa é fruto das críticas que dirige aos mitos criados em torno
do modernismo. Devido à sua interpretação menos orientada, viciada e comprometida com
o modernismo, o autor preenche lacunas deixadas por Bruand, clareando certos pontos
escuros.

4. NOTA CONCLUSIVA
A importância desta discussão consiste nem tanto em julgar o quanto certas ou erradas
estão as abordagens dos autores, pelo contrário, pretende despertar como a partir delas se
pode evoluir na compreensão da arquitetura moderna brasileira, principalmente no que se
refere as suas conseqüências na arquitetura contemporânea.

A tensão entre as abordagens suscita outras questões, entre elas:

- novos critérios classificatórios de objetos a serem preservados pelo patrimônio histórico e


cultural, como a valorização da arquitetura eclética e os movimentos “protomodernos”;

- ampliação do debate acadêmico e pedagógico no quadro das disciplinas de teoria e


história da arquitetura, com base em múltiplas e divergentes referências bibliográficas;

- e, sobretudo, a desmistificação das visões unívocas, evitando o obscurecimento dos fatos


e abrindo espaço para releituras e interpretações que resgatem o sentido de continuidade
com a produção contemporânea.

Este quadro de revisão historiográfica marca um novo caminho no exercício da crítica da


prática profissional, confirma Bastos.

“O entendimento que existe uma história oficial da arquitetura moderna


brasileira, que se prestou ao propósito de afirmação da arquitetura moderna
no país, mas que criou mitos e cometeu injustiças. Daí a revalorização de
episódios da arquitetura moderna brasileira, que haviam sido
menosprezados pela história oficial por terem sido marginais aos discursos
crítico-ideológicos dominantes, levando a uma tendência de revisão
histórica. Ligada a esta noção, há uma valorização da diversidade de
caminhos” (BASTOS, 2003:255 e 256).
A diversidade de caminhos é necessária, porque urgente e comprometida com o estado de
coisas, para retificar e ratificar rupturas ou continuidades entre a arquitetura moderna e
contemporânea no Brasil. Segawa aponta um caminho ao concluir que “a atual contestação
à arquitetura moderna brasileira atinge seus mitos, não seus princípios” (SEGAWA,
1997:198). O caminho da diversidade contempla o acréscimo, posto que uma nova camada
do palimpsesto pode ser sempre escrita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASTOS, Maria Alice Junqueira. Pós-Brasília: Rumos da Arquitetura Brasileira. São


Paulo: Ed. Perspectiva, 2003.
BORGES, Marília Santana. Sobre a historiografia da arquitetura moderna brasileira:
os livros. In: I Encontro de História da Arte do IFCH/UNICAMP: Revisão Historiográfica - o
estado da questão, 2004, Campinas. Anais do I Encontro de História da Arte do
IFCH/UNICAMP: Revisão Historiográfica - o estado da questão, 2004.
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva,
1981.
BURKE, Peter. A Escrita da História - Novas Perspectivas. São Paulo: Editora Unesp,
1992.
CARNEIRO, Cláudia de Medeiros; BISSCHEROUX, Elsa; HENAO, Lygia Tupy Caldas;
RAMOS, Lucrécia Caldato de; VIVIANI, Luiz Carlos Pereira; MARTINS, Maria Cristina
Haddad; CENIQUEL, Mário; MARZOLA, Nádia. Arquitetura contemporânea no Brasil:
uma crítica a Yves Bruand. Sinopses. São Paulo, n.6, p.27-46, dez, 1984.
MARQUES, Sônia e NASLAVSKY, Guilah. Estilo ou causa? Como, quando e onde? Os
conceitos e limites da historiografia nacional sobre o movimento moderno. São
Paulo: Vitruvius, 2002.
Disponível http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp65.asp . Acesso em 15 abril
2003, 18:40.
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil (1900-1990). São Paulo: Edusp - Editora da
Universidade de São Paulo, 1997.
TINEM, Nelci. O alvo do olhar estrangeiro. O Brasil na historiografia da arquitetura
moderna. João Pessoa: Editora Manufatura, 2002.
ZEIN, Ruth Verde Zein. O lugar da Crítica. Ensaios Oportunos de Arquitetura. Porto
Alegre: Centro Universitário Ritter dos Reis, 2001.
____________________ Resenha Livro: Arquiteturas do Brasil (1900-1990). São
Paulo: Vitruvius, 2002. Disponível http://www.vitruvius.com.br/resenhas . Acesso em 15
abril 2004, 20:45.

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