You are on page 1of 4

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

O
presente artigo relata a realização aluno cego. Os professores, por sua vez,
Marcos Michel de Souza de um trabalho envolvendo uma juntamente com os livros didáticos do
Instituto de Física de São Carlos, tecnologia para o ensino da eletro- ensino médio, têm restringido o acesso des-
Universidade de São Paulo, São Carlos, dinâmica para o aluno cego. ta população escolar a estes conteúdos, já
SP, Brasil Sem dúvida alguma a eletrodinâmica que, quase sempre, em sua apresentação
E-mail: marcosmichel@ursa.ifsc. é de suma importância em nossa vida coti- fazem uso de recursos visuais. Muitas vezes
usp.br diana, e seu conhecimento se mostra indis- ocorre algo ainda mais complicador: os
pensável para qualquer cidadão que queira professores estão mais preocupados com
Maria da Piedade Resende da Costa estar inserido em nossa sociedade tão cheia os cálculos matemáticos do que com os
Departamento de Educação Especial, de novas tecnologias, que a todo o momen- conceitos físicos envolvidos e sua aplicação
Universidade Federal de São Carlos, to evoluem obrigando o ensino a evoluir na vida cotidiana dos alunos.
São Carlos, SP, Brasil também. Outra situação igualmente agravante
E-mail: piedade@ufscar.br Fenômenos e tecnologias envolvendo que a vivência nos tem mostrado ocorrer
a eletrodinâmica se com freqüência, não
Nelson Studart mostram presentes em O objeto de estudo da somente com o aluno
Departamento de Física, Universidade todas as casas das mais eletrodinâmica são as cargas cego, mas também
Federal de São Carlos, São Carlos, SP, variadas classes sociais elétricas em movimento, e é com o aluno vidente,
Brasil e contextos culturais. através da eletrodinâmica que é o aluno meramente
E-mail: studart@df.ufscar.br Podemos citar como podemos explicar o reprodutor de forma
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
exemplo os aparelhos funcionamento dos circuitos e mecânica dos conteú-
eletroeletrônicos, as dos componentes elétricos dos. Trata-se de um
lâmpadas incandescen- aluno que somente
tes, os televisores, os computadores, os for- reproduz nas avaliações conceitos e fór-
nos de microondas, e tantos outros mais. mulas ditas em aula pelo professor, sem de
O objeto de estudo da eletrodinâmica fato ter entendido esses conteúdos. Acredi-
são as cargas elétricas em movimento, e é tamos que, por um lado, o aluno é o menos
através da eletrodinâmica que podemos culpado por esta situação. Por outro lado,
explicar o funcionamento dos circuitos e o ambiente escolar, em geral, desfavorece
dos componentes elétricos, tais como resis- o aprendizado com aulas que não priori-
tores, capacitores, pilhas e baterias, entre zam uma educação voltada à vida cotidia-
outros [1]. na.
Conceitos e termos da eletrodinâmica Pode ser citado como exemplo o fato
fazem parte do senso comum e estão pre- de que alunos, ao final do ensino médio,
sentes no vocabulário de todos. Quem conseguem, quando muito, lembrar-se de
nunca emendou fios, observou os pólos da cálculos envolvidos na solução de um
A eletrodinâmica é de suma importância para
sociedade atual e seu estudo pode ajudar a
bateria, ou não prestou atenção na problema envolvendo um circuito simples
inserir estudantes cegos nela. O objetivo deste voltagem de sua residência? É função do com resistência, mas não se lembram de
estudo é analisar a eficácia de um material ins- professor fazer a transposição desse uso de componentes resistivos, como em
trucional criado especificamente para o ensino conhecimento do senso comum para um lâmpadas incandescentes e chuveiros.
de eletrodinâmica para deficientes visuais. O conhecimento científico. Aproximar a ciência da vida cotidiana torna
material foi aplicado em um estudante de en- Mesmo com sua enorme importância a aprendizagem significativa para o aluno
sino médio cego, aluno de uma escola pública. no mundo moderno e a relevância do seu e estimula a sua aprendizagem. Uma aula
Os fenômenos e conceitos físicos envolvidos fo-
conhecimento para a inserção na sociedade de resistência elétrica torna-se muito mais
ram divididos em três sessões de aprendizagens.
O material instrucional produzido mostou-se
atual cheia de tecnologias cada vez mais motivadora se o professor abordar, por
eficaz na compreensão dos conceitos básicos avançadas, a eletrodinâmica tem seu con- exemplo, sua utilização em instrumentos
bem como das leis de um circuito elétrico sim- teúdo bastante abstrato, o que dificulta o de um salão de beleza, tais como toucas
ples. ensino e o aprendizado, em especial, do térmicas e “chapinhas” de alisamento

10 Ensino de eletrodinâmica para o aluno cego Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008


capilar. sucesso o material, um deficiente com visão alunos videntes como com alunos cegos.
A descrição desta situação não atende subnormal também poderia fazer uso do Muitas vezes não é possível ao professor
o que prescreve os Parâmetros Curriculares mesmo sem maiores dificuldades. É dedicar uma maior atenção aos deficientes
Nacionais – PCN+ [2]. Isto nos leva a inferir evidente que pequenas adaptações devem visuais, e a falta de tempo para preparar as
que o professor provavelmente necessite de ser feitas, como um bom contraste de cor, aulas faz com que utilize somente a lousa
uma revisão na sua formação [3, 4]. ao se lidar com alunos com baixa visão. como recurso didático. Nessa escola os alu-
Esta preocupante situação nos levou a Outra consideração importante a ser nos com deficiência visual freqüentavam
pensar neste estudo. Necessitávamos criar feita é sobre a desvinculação existente entre as aulas em uma classe regular no período
um material instrucional capaz de a cegueira e a capacidade intelectual do da manhã. No período da tarde, no entanto,
proporcionar o ensino de eletrodinâmica em indivíduo. Devemos ressaltar o fato de que os alunos deficientes visuais freqüentavam
uma sala de aula inclusiva, ou seja, um a inteligência do portador de deficiência a sala de recursos, onde tinham à sua
mesmo material que desse suporte ao visual não é afetada pela perda de visão, disposição materiais e equipamentos espe-
ensino de alunos cegos e alunos videntes. salvo os casos raros em que há uma asso- cíficos e facilitadores da aprendizagem. A
Para isso, julgamos prioritário provar sua ciação genética entre a cegueira e a subnor- sala conta com máquina de datilografia do
eficácia na aprendizagem dos conceitos malidade intelectual sistema Braille, Soro-
básicos da eletrodinâmica e sua importância (doença de Sach) [8]. Acreditamos que a falta de ban (espécie de ábaco
no cotidiano por parte dos alunos que não Ainda sobre a inteli- aparatos didáticos e maior usado por orientais
vêem. gência do deficiente vi- investimento na formação do para fazer cálculos,
Ao tratar o ensino de física para defi- sual, Telford e Sawrey professor para lidar com alunos construído para o defi-
cientes visuais, Camargo [5] afirma que: [8] afirmam que “à deficientes visuais são as ciente visual, podendo
“é preciso criar ou adaptar equipamentos medida que a cegueira principais variáveis até mesmo substituir
que emitam sons ou possam ser tocados e é geneticamente inde- responsáveis para o uma calculadora), sis-
manipulados. Isto é necessário para que o pendente da mentali- desempenho acadêmico do tematizador de voz, e
aluno consiga observar o fenômeno físico dade defeituosa ou de aluno deficiente visual não ser lupa eletrônica, entre
a ser estudado. Em segundo lugar, o pro- uma lesão cerebral, a igual ao do aluno vidente outros. Freqüente-
fessor deve evitar o uso de gestos, figuras e capacidade intelectual mente durante o pe-
fórmulas que somente podem ser vistos. básica do cego é comparável a de toda ríodo da tarde anotavam o conteúdo
Isso significa que o professor deve usar população em geral”. A partir desse dado, abordado na aula no período da manhã e
materiais de apoio em Braille, gráficos em o que esperar do desempenho acadêmico que os alunos videntes haviam copiado
relevo, calculadora falante e, quando pre- desses alunos, em particular, na disciplina diretamente da lousa. A Secretaria Estadual
ciso, tocar nas mãos dos alunos para apre- física? Neves et al. [9] mostraram que as da Educação mantém somente uma peda-
sentar-lhes alguma explicação”. concepções alternativas sobre conceitos goga especializada em deficiência visual na
Iniciamos por fazer algumas consi- físicos apresentam padrões de respostas sala de recursos. Não há professores de
derações e observações sobre a deficiência análogos àqueles de pessoas que não sofrem disciplinas específicas como física, química,
visual, sobre a escola inclusiva, bem como de deficiência visual. Camargo [10] tem português, geografia para atender os
o ambiente onde se deu o procedimento e desenvolvido pesquisas importantes sobre deficientes visuais. Para atenuar tal situação
também seu público alvo. o ensino de física e a deficiência visual cons- a escola contou com o apoio de bolsistas de
tituindo-se em importante marco no estu- uma Universidade pública existente no
Deficiência visual e ensino de do desta área no Brasil. município que, no período da tarde, eram
física Acreditamos que a falta de artefatos tutores desses alunos na sala de recursos.
Deficientes visuais congênitos, ou seja, didáticos (materiais instrucionais Foi nessa sala de recursos que desen-
os cegos, são pessoas com deficiência visual facilitadores do aprendizado) e maior volvemos o presente estudo. Escolhemos
desde seu nascimento, investimento na for- essa sala por ser um ambiente propício para
e com perda total de Devemos afirmar a mação do professor o ensino e pela familiaridade do aluno com
visão. O MEC definiu desvinculação entre a cegueira para lidar com alunos esse ambiente (o aluno que participou da
no documento Propos- e a capacidade intelectual do deficientes visuais são experimentação freqüentava a referida
ta Curricular para indivíduo; a inteligência do aspectos relevantes na escola há dez anos, ou seja, desde a pri-
Deficientes Visuais a ce- portador de deficiência visual avaliação do desem- meira série).
gueira como “ausência não é afetada pela perda de penho acadêmico do Neste trabalho descrevemos um
total de visão ou acui- visão aluno deficiente visual material instrucional de apoio para o ensi-
dade visual não exce- comparado ao aluno no dos conceitos básicos de eletrodinâmica
dente a 6/60 pelos optótipos de Snellen (0,1) vidente. para alunos com deficiência visual, assim
[fileiras de letras ou figuras com tamanhos como a utilização desse material e a ava-
cada vez menores] no melhor olho após a Contexto no qual o procedimento liação de sua eficácia.
melhor correção óptica e campo visual foi desenvolvido
igual ou menor a 20 graus no maior O local escolhido foi uma escola esta- Material instrucional
meridiano do melhor olho” [6, p. 15]. Para dual em um município do interior do
Rocha [7], a cegueira, ou simplesmente a estado de São Paulo. A escola mantém uma Foram desenvolvidos aparatos para uso
amaurose, pressupõe completa perda de sala de recursos para deficientes visuais, em três sessões de ensino-aprendizagem
visão. A visão é nula, isto é, nem a percep- outrora chamada de “sala especial”. Trata- na sala de recursos para um aluno cego
ção luminosa está aparente”. Como o pro- se de uma sala de aula inclusiva, onde os conforme descrito a seguir.
cedimento de ensino relatado no presente alunos com deficiência visual assistem às
(a) Primeira sessão
trabalho foi aplicado em um cego, supomos aulas juntamente com os demais alunos, e
que se esse fosse capaz de utilizar com o professor “tem que saber” lidar tanto com Simulação da atração e a repulsão entre

Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008 Ensino de eletrodinâmica para o aluno cego 11


as cargas: para a confecção deste material colado um pedaço de feltro e no outro lado um circuito com resistências em série e em
foram utilizadas placas de material maior foram construídas duas barreiras, paralelo.
emborrachado (EVA), (medindo 0,5 cm de isto é, saliências de alturas diferentes (3,5 e Experimentos reais com alunos cegos:
espessura) e esferas de isopor de 3,5 cm de 5 cm respectivamente) feitas também de material composto de uma placa de
diâmetro. As esferas de isopor foram EVA. Entre as duas saliências foi colocado madeira (medindo 30 cm × 30 cm), duas
colocadas no centro de um quadrado feito um pedaço de feltro de aproximadamente resistências de 970 Ω e 100 Ω, um suporte
de EVA medindo 6,5 cm × 6,5 cm. Em outro 3 cm × 2 cm. Sobre esta canaleta foram para quatro pilhas do tipo AA, conectores,
quadrado de EVA, de mesmas dimensões, colocadas as esferas metálicas. Essas esferas e duas chaves simples, e um alarme sono-
um círculo de 3,5 cm foi introduzido no identificam, para o aluno cego, os elétrons ro que variava a intensidade do som de
seu centro. Este material serviu para livres de um condutor e a canaleta repre- acordo com a voltagem por ele sentida (ver
ilustrar a repulsão de cargas iguais e a senta o fio condutor. A resistência elétrica Fig. 5).
atração de cargas diferentes através da é simbolizada pelo pedaço de feltro que Pode-se notar pela descrição do
analogia com as formas geométricas dos alegoricamente dificulta a passagem dos material usado que houve sempre uma
objetos. Assim como as cargas, as peças elétrons. A dupla barreira representa a dife- grande preocupação em se desenvolver um
iguais não se encaixavam, enquanto que rença de potencial produzida pela bateria, material de baixo custo e fácil confecção
as peças diferentes se encaixavam perfei- sendo que uma saliência simboliza o cátodo para que qualquer professor pudesse
tamente (ver Fig. 1). e a outra, o ânodo. O pedaço de feltro entre
Representação de um sólido condutor: as saliências representa a resistência interna
foram utilizadas 12 esferas de isopor da bateria (ver Fig. 2).
medindo 3,5 cm de diâmetro, e 20 palitos Representação gráfica do vidente para
de madeira com 10 cm de comprimento e um circuito elétrico: um retângulo de pape-
esferas metálicas de 1 cm de diâmetro. As lão (medindo 32 cm × 20 cm), barbante e
esferas de isopor foram transpassadas pelos palitos. O barbante foi colado no papelão
palitos e arranjadas de modo a formar dois de modo a ficar idêntico ao retângulo for-
cubos compartilhando uma mesma face, mado pela canaleta do material citado aci-
ou seja, unidos por um dos lados. Este ma. Os palitos foram dispostos no local cor-
material serviu para mostrar a rede respondente à bateria e à resistência e arran-
cristalina de um sólido condutor onde os jados de modo a ficar idênticos aos símbolos
elétrons livres eram representados pelas gráficos que representam a bateria e a resis-
esferas metálicas que eram seguradas pelo tência. Esta parte foi essencial para a apren-
aluno deficiente visual enquanto este dizagem, pois o aluno cego pôde entrar em Figura 3 - Material utilizado para ensinar
mantinha as mãos dentro do cubo. contato com os símbolos utilizados pelos conceitos de resistência em série e em
videntes graças ao alto relevo produzido paralelo.
(b) Segunda sessão
pelo barbante e pelos palitos (ver topo da
Ilustração para o ensino dos conceitos Fig. 1).
de corrente elétrica, potencial elétrico e
resistência: na confecção do material foram (c) Terceira sessão
utilizadas placas de material emborrachado Ilustração de resistências em série e em
(EVA), (medindo 0,5 cm de espessura), paralelo: foram utilizadas novamente pla-
esferas metálicas de 0,5 cm de diâmetro, e cas de material emborrachado (EVA). Foi
pedaços de feltro de 3 cm × 5 cm (valores feito o mesmo sistema de “canaletas”
aproximados). Foram cortadas duas placas utilizado anteriormente, desta vez em uma
de EVA medindo 13 cm × 29,5 cm. Numa placa com 30 cm × 30 cm, utilizando o
delas foi feita uma canaleta de 1 cm de mesmo material que representava a bateria
Figura 4 - Material utilizado para ensinar
largura na forma de um retângulo com os e colando pedaços de feltro para representar
os conceitos de corrente elétrica, potencial
cantos arredondados deixando 3 cm de duas resistências em série e duas resistências
elétrico e resistências em série e em para-
margem. Em um dos lados maiores do em paralelo (ver Figs. 3 e 4). Através deste
lelo.
retângulo formado pela “caneleta” foi material foi explicado o que ocorre com a
intensidade da corrente e a voltagem em

Figura 1 - Material utilizado para imitar


a atração e a repulsão entre as cargas e Figura 2 - Material utilizado para ensinar Figura 5 - Material instrucional utilizado
para representar símbolos de circuitos os conceitos de corrente elétrica, potencial para realizar experimentos reais com alu-
reais com fio, resistência e bateria. elétrico e resistência. nos cegos.

12 Ensino de eletrodinâmica para o aluno cego Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008


reproduzi-los sem maiores dificuldades. se encaixam) e cargas de sinais diferentes verificou experimentalmente esses
Optamos por materiais alternativos como são atraídas (peças de formas diferentes conceitos em um circuito exatamente
materiais emborrachados tipo EVA, esferas se encaixam perfeitamente). Nessa sessão igual, (até mesmo no tamanho) ao ma-
metálicas (popularmente conhecidas como também foi abordado o conceito de terial instrucional. O circuito foi cons-
“bolinhas de rolimã”), fio condutor de condutor e isolante, utilizando-se um truído na tábua de madeira colocando-se
cobre, isopor, pilhas, pedaços de feltro, etc. cubo feito de varetas com pequenas esferas resistências em série e em paralelo. Foram
O objetivo foi sempre encontrar materiais de isopor em cada um dos vértices, que colocados conectores entre as resistências
com nuances de texturas atrativas ao aluno representavam a estrutura atômica. Pe- para que o aluno pudesse medir a volta-
cego com o menor custo possível. O feltro, quenas esferas de metal eram introduzidas gem usando um alarme sonoro (substi-
isopor e as placas de EVA se mostraram no cubo com as mãos para simbolizar os tuto do multímetro, já que se trabalhou
muito eficazes. Materiais como madeira se elétrons livres, característica básica de um com um cego). Foram colocadas duas cha-
mostraram de difícil manejo e custo um material condutor. ves de modo a fechar o circuito com as
pouco mais elevado. b) Segunda sessão resistências ligadas apenas em série, ape-
Foi aplicado o material representativo nas em paralelo, ou com ambas conec-
Procedimento do movimento das cargas em um circuito tadas. O aluno cego pôde verificar com
Participante: um aluno do ensino mé- elétrico. O fio condutor foi representado por absoluto sucesso que a voltagem era a
dio com perda total ou congênita da visão. uma espécie de canaleta construída na placa mesma quando as resistências eram
Local: o experimento foi realizado na de EVA. Os elétrons eram simbolizados por ligadas em paralelo e as voltagens eram
sala de recursos para deficientes visuais de pequenas bolinhas de metal deslocando-se diferentes quando colocadas em série. O
uma escola estadual de um município do nas canaletas; a resistência, por um pedaço aluno conseguiu realizar o experimento
interior do estado de São Paulo. de feltro colado na canaleta que dificultava com grande perspicácia.
Situação: o experimento educacional a passagem dos elétrons; a bateria, uma
teve a relação de um para um, o experi- dupla barreira (saliências com alturas Considerações finais
mentador e participante, ou seja, professor/ diferentes) usando a analogia com o po- O material instrucional produzido
aluno. tencial gravitacional. Nesta metáfora, a proporcionou ao aluno maior envolvi-
O tema Eletrodinâmica foi discutido corrente foi definida como o número de mento, motivação e interesse pelo assunto
em três sessões de ensino-aprendizagem. bolinhas que passam em um determinado abordado nas sessões de aprendizagem.
Na primeira, o conceito de carga e os efeitos ponto do fio em um dado tempo. Nesta Esse interesse foi evidenciado pelo número
de atração e repulsão entre elas foram sessão de aprendiza- de perguntas e o tem-
introduzidos. Na segunda, os temas abor- gem foram mostra- Comprovou-se ao final deste po despendido pelo
dados foram as cargas elétricas em movi- dos, através de bar- experimento educacional como aluno manuseando os
mento (corrente elétrica), resistência, e po- bantes e varetas cola- o aluno cego pôde aprender artefatos mesmo após
tencial elétrico com simulação de das em um pedaço de conteúdos básicos de o término da sessão.
experiências de eletricidade. Na terceira cartolina, os sinais eletrodinâmica ensinados no Uma avaliação mais
sessão, foi realizada a parte prática, onde o gráficos que os viden- ensino médio sem que a bem fundamentada do
aluno cego entrou em contato com um tes usam para repre- ausência se visão se tornasse uso da tecnologia edu-
experimento real de eletricidade através do sentar a resistência e a um empecilho à aprendizagem cacional proposta nes-
circuito montado com sinais sonoros que bateria num circuito. te trabalho requer
variavam a intensidade do som de acordo Por último nesta sessão foi feito um mo- mais pesquisas no ensino de física para
com a voltagem. Foi nesta sessão de apren- delo em EVA do circuito real que o aluno deficientes visuais. No presente caso, foi
dizagem que se verificou se houve aquisição conheceria em seguida. O modelo era do possível verificar que o aluno cego
por parte do aluno dos conceitos expla- mesmo tamanho e tinha a mesma dispo- adquiriu os conceitos básicos da eletro-
nados. sição das resistências que o circuito real. dinâmica discutidos no ensino médio, sem
a) Primeira sessão c) Terceira sessão que a ausência de visão se tornasse um
Nesta sessão foram discutidos os con- Nesta sessão de aprendizagem o aluno empecilho à aprendizagem. Podemos con-
ceitos de carga elétrica através de duas foi capaz de verificar experimentalmente cluir, ao final desta experiência educacio-
peças com diferentes encaixes. As peças os conceitos anteriormente discutidos. O nal, que os artefatos produzidos mos-
só se encaixavam quando possuíam circuito simbólico de EVA, utilizado na traram-se eficazes na compreensão dos
diferentes formas. Através dessa analogia segunda sessão, foi revisitado. Uma vez conceitos básicos bem como das leis de um
foi explicado que cargas de mesmo sinal que o aluno cego já havia dominado os circuito elétrico simples.
são repelidas (peças de mesma forma não principais conceitos da eletrodinâmica ele Marcos M. de Sousa é bolsista do CNPq.

Referências Ensino:As Abordagens do Processo (EPU, Horizonte, 1987).


São Paulo, 1986). [8] C. Telford e J.M. Sawrey, O Indivíduo
[1] GREF – Grupo de Reelaboração do Ensino [4] B. Charlot, Relação com o Saber, Formação Excepcional (Jorge Zahar Editores, Rio
de Física, Física 3 – Eletromagnetismo dos Professores e Globalização (Artmed, de Janeiro, 1974).
(EDUSP, São Paulo, 1991). Porto Alegre, 2005). [9] M.C.D. Neves, L.G. Costa, J. Casicava e
[2] Brasil, Secretaria da Educação Média e [5] Eder Pires de Camargo, Física na Escola 8 A. Campos, Revista Benjamin Constant,
Tecnológica. PCN+ Ensino Médio: Orien- (1), 30 (2007). 6, 14 (2000).
tações Educacionais Complementares aos [6] Brasil, Proposta Curricular para o Deficiente [10] Eder Pires de Camargo, Ensino de Física e
Parâmetros Curriculares Nacionais. Visual - 1ª Série (CENESP-PREMEN, Bra- Deficiência Visual, (Editora Plêiade, São
Ciências da Natureza, Matemáticas e suas sília, 1979), v. 1 Paulo, 2008). Uma lista de seus traba-
Tecnologias (MEC/SEMTEC, Brasília, [7] H. Rocha, Ensaio Sobre a Problemática da lhos encontra-se em www.dfq.feis.
2002). Cegueira: Prevenção - Recuperação unesp.br/dvfisica (acesso em setembro
[3] Marina da Graça Nicoletti Mizukami, Reabilitação (Fundação Hilton Rocha, Belo de 2008).

Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008 Ensino de eletrodinâmica para o aluno cego 13

You might also like