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Da prosódia literária à prosódia musical.

por Pablo Sotuyo Blanco

Tópicos

0. Introdução

1. A Prosódia gramatical e as suas regras

2. Elementos de conversão texto-música

2.1 Ênfases silábicas

2.2 Ênfases sintáticas

2.3 Ênfases semânticas

2.4 Ênfase global

3. Síntese final

Trabalho apresentado no Semestre 2000.1

Disciplina Seminários em Composição VI

Prof. Jamary Oliveira


0. Introdução

Os textos literários (tanto em verso quanto em prosa) quando inseridos no meio musical
assumem formas diversas. Entre a fala livre e o canto mais complexo (sejam uma ou múltiplas
vozes) nos diferentes níveis de inserção do texto em música, tanto as estruturas gramaticais,
quanto às palavras, sílabas, etc., nem sempre conservam as características que os estruturaram no
âmbito literário e que lhe são próprias. Isso compromete, às vezes, a inteligibilidade do referido
texto (caso este fato interesse ao compositor no resultado musical final) fazendo com que o texto
não seja compreendido plenamente, comprometendo assim a mensagem semântica.
Em relação às questões métricas, tanto quanto às rítmicas ou às melódicas do texto
literário em música, existe uma série de fatores a levar em consideração na hora de musicar cada
parágrafo, verso, palavra, sílaba e até cada fonema. Em termos gerais, o uso da oitava central do
registro vocal próprio a cada voz, ajuda muito na compreensão do texto literário. O respeito à
prosódia e a proepia do mesmo texto, colabora no mesmo sentido.
É em função da prosódia e da proepia literária que o texto pode adquirir funções de tipo
estruturador métrico e/ou formal (total ou parcial) da peça musical. A mecânica proposta neste
trabalho coloca o texto literário como ponto de partida da possível estruturação da composição
em função das ênfases textuais em vários níveis hierárquicos. Tendo sido expostos já elementos
críticos à "legislação" prosódica existente no Brasil1 assim como um estudo da estruturação das
palavras nos seus elementos silábicos (com as suas particularidades fonéticas) e sua
funcionalidade sonora2 , centraremos o nosso trabalho nos elementos prosódicos literários e como
é que eles podem estruturar o discurso musical. Como ferramenta de "translação", utilizaremos
os signos para indicar os eventos enfatizados, e para os eventos não enfatizados3 .
Partindo do nível silábico, e incluindo aos poucos a carga sintática e semântica dos versos
e das estrofes, iremos construindo os diferentes níveis hierárquicos como uma possibilidade de
estruturação composicional.

1
Exposição realizada pelo nosso colega Luciano Caroso.
2
Exposição feita pelo nosso colega Ângelo de Castro.
3
Estes signos pertencem à tradição prosódica greco-latina, e ainda são utilizados nos tratados de versificação. O seu
uso no âmbito musical estende-se aos trabalhos de Leonard Meyer assim como os de Lerdahl e Jakendoff, mas no
presente trabalho os utilizaremos segundo o exposto, sem levar em consideração outros aspectos conceituais
potencialmente embutidos neles.
1. A Prosódia gramatical e as suas regras 4

Segundo as regras da Prosódia 5 , existem basicamente três tipos de palavras: as oxítonas,


as paroxítonas e as proparoxítonas. As palavras oxítonas têm o apoio fonético na última sílaba;
as paroxítonas o têm na penúltima, e as proparoxítonas o apresentam na antepenúltima sílaba.

Exemplo 1 - Tipos prosódicos de palavras

Oxítonas:6
Gás Obus (bús) Gibraltar (tár) Enfatizar (zár)
Dor Mister (tér) Pecador (dór) Composicional (nál)
Pró Nobel (bél) Invadir (dír) Estruturador (dór)

Paroxítonas:
Âmbar (âm) Impresso (pré) Canivete (vé) Algaravia (ví-a)
Grácil (grá) Ciclope (cló) Desmanchado (chá) Quiromancia (cí-a)
Cânon (câ) Libido (bí) Escola (có) Universidade (dá)

Proparoxítonas:
Ávido Arquétipo Informático Paralelepípedo
Álibi Catástrofe Alcoólatra Característica
Cérbero Parâmetro Espetáculo Dodecafônico

Temos também a existência de palavras que tem dupla prosódia.


Palavras de dupla prosódia:
Hieroglifo ou hieróglifo Acrobata ou acróbata
Ortoepia ou ortoépia Oceania ou Oceânia
Projetil ou projétil Soror ou sóror

4
Para o presente trabalho utilizaremos as regras gramaticais apresentadas pelo Prof. Dilson Catarino, na página web
Gramática da Língua Portuguesa. < http://www.option-line.com/members/dilson/gramatica.htm>
5
Parte da fonética que estuda a correta emissão das palavras, quanto à posição da sílaba tônica, segundo as normas
cultas da língua. Não discutiremos aqui o conceito de "normas cultas", pois trabalho semelhante foi realizado por
Luciano Caroso.
6
Como fica exposto, o monossílabo tônico inclui-se entre as palavras oxítonas. Infelizmente não existe classificação
para o monossílabo átono, o que levaria a pensar que não se considera como palavra ou, só existe no contexto, pois
se considerado isoladamente, todo monossílabo átono, vira tônico.
2. Elementos de conversão texto-música
Partindo então destes princípios, e reconhecendo que na música o compositor enfatiza
certos eventos em detrimento de outros, criando assim contrastes e "claro-escuros" que fazem
com que o texto literário decorra na composição, podemos estabelecer um paralelo básico entre
prosódia gramatical e musical em função das ênfases sonoras, da forma seguinte7 :

Exemplo 2 - Relação da prosódia gramatical e musical

Palavras oxítonas:
a) monossílabos tônicos -
b) de duas sílabas -
c) de três sílabas -
d) de mais de três sílabas -

Palavras paroxítonas:
e) de duas sílabas -
f) de três sílabas -
g) de mais de três sílabas -

Palavras proparoxítonas:
h) de três sílabas -
i) de quatro sílabas -
j) de mais de quatro sílabas -

evento enfatizado
(ponto de ênfase)

Essa sucessão de eventos enfatizados e não-enfatizados (ou antes, de sílabas tônicas e

átonas), num primeiro nível de observação tipo "superficial" pode, segundo uma organização

mais ou menos constante, gerar uma seqüência rítmica. Para detectá-la, é necessário fazer a

escanção dos versos ou das frases, nas suas partes constituintes.

A visa de exemplo, vemos como a simples repetição de palavras de um mesmo tipo,

geraria logicamente padrões rítmicos periódicos:

7
Deixamos de lado a resolução métrica e das durações pois, como veremos nos exemplos, podem mudar mas sem
mudar o ponto de ênfase.
Exemplo 3a - Geração de uma seqüência de ênfases

Guar- da- chu- va Guar- da- chu- va Guar- da- chu- va Guar- da-chu- va

O que poderia ser escrito, entre tantas outras formas, da seguinte maneira:

Exemplo 3b - Geração de um padrão rítmico

Guar-da-chu-va Guar-da-chu-va Guar-da-chu-va Guar-da-chu-va


: : : : : : : : : : : : : : : :

Mas na maior parte dos casos o compositor lida com textos mais complexos do que a
repetição de uma palavra. Tanto prosas quanto poesias são utilizadas normalmente em música.
Entre a isorritmia do exemplo 3b e outras configurações mais complexas (melismáticas livres,
heterofônicas ou mesmo polirrítmicas, por exemplo), dever-se-ia manter a ênfase nas sílabas e/ou
nas palavras ou frases que contém os eventos indicados. Para poder determinar os diferentes
níveis hierárquicos propostos, a partir do texto, aceitaremos in latu sensu a ordem hierárquica
dos elementos gramaticais tipo 1)Sujeito 2)Verbo 3)Predicado, pois em termos gerais, sem um
Sujeito não existe ação (Verbo), e muito menos o quê dizer do acontecido (Predicado).
Tendo à vista o nosso objetivo, uma primeira leitura mensuradora do texto em detalhe,
faz-se necessária para poder estabelecer a estrutura primária que o próprio texto apresenta, e
como isso vai ser manejado em termos de ênfase ou ausência de ênfase. Tomaremos como
exemplo de aplicação, o mesmo poema Cetáceo de Pedro Kilkerry8 estudado fonética e
silabicamente pelo nosso colega Ângelo de Castro.

8
(1885 - 1917) Nascido em Santo Antônio de Jesus, na Bahia, filho de irlandês e baiana, Pedro Militão Kilkerry
formou-se em Direito pela Faculdade da Bahia. Pobre e boêmio, morreu tuberculoso, em Salvador, sem ter qualquer
livro publicado. Esquecida em meio à multidão de poetas simbolistas recolhidos por Andrade Muricy, no seu
gigantesco Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, a obra de Kilkerry foi recuperada e publicada pelo poeta
Augusto de Campos no volume ReVisão de Kilkerry (1970). Graças ao trabalho de garimpagem poética de Campos,
a poesia sintética e repleta de imagens fortes e desconcertantes de Kilkerry vem sendo percebida como uma das
grandes forças do simbolismo brasileiro. (Segundo Raimundo Braga Martins. Pedro Kilkerry In: Jornal de Poesia
< http://www.secrel.com.br/jpoesia/pk.html > 5 de maio de 2000).
2.1 Ênfases silábicas

Considerando cada sílaba como uma unidade potencialmente possuidora de ênfase,


identificamos no poema a seguinte seqüência9 .

Exemplo 4 - Seqüência de ênfases silábicas e de agrupamento dos eventos.

Fu-ma. É co-bre o ze-ni-te. E, cha-go-sos do flan-co, Bru-nin-do ao sol bru-ni-da a pe-le a-ti-jo-la-da.
-- U -- -- U U U -- U U U -- U U -- U
U -- U U -- U -- U U -- U U U U -- U
Fu-ga e pó, são cor-céis de an-ca na a-tro-pe-la-da.
Ti-ne em co-bre o ze-ni-te e o ven-to ar-que-ja e o o-ce-a-no
-- U U -- -- U -- U -- U U U U U -- U
-- U U -- U U U -- U U U -- U U -- U U U U U -- U
E te-sos no ho-ri-zon-te, a mu-da ca-val-ga-da.
Lon-go en-fro-ca-se a vez e vez e ar-ru-fa,
U -- U U U U -- U U -- U U U -- U
-- U U -- U U U -- U -- U U -- U
Co-a-lha be-ben-do o a-zul um lon-go vô-o bran-co.
Co-mo se a a-sa que o ro-ce ao côn-ca-vo de um pa-no.
U -- U U -- U UU -- U -- U -- U -- U
-- U -- U -- U U U -- U U -- U U U U -- U

Quan-do e quan-do es-ba-go-a ao lon-ge u-ma en-fi-a-da


E na ver-de i-ro-ni-a on-du-lo-sa de es -pe-lho
-- U U -- U U U -- U U -- U -- U U U -- U
De bar-cos em be-tu-me in-do as pro-as de ar-ran-co. U U -- U U U -- U U U -- U U U -- U
Ú-mi-da rai-va i-ri-an-do a pe-dra-ri-a. Bu-fa
U -- U U U -- U -- U U -- U U U -- U
Per-to u-ma jan-ga em-ba-la um ma-ru-jo no ban-co -- U U -- U U U -- U U U U -- U -- U
O ce-tá-ceo a es-cor-rer d' á-gua ou do sol ver-me-lho.
-- U -- U -- U U -- U U U -- U U -- U
U U -- U U U U -- -- U U U -- U -- U

9
Não consideramos aqui as sinalefas nem outros recursos da separação silábica, pois embora não mudasse a
seqüência de ênfases, mudaria o número máximo de eventos possíveis a serem utilizados na música.
Partindo da separação silábica, e levando em consideração os agrupamentos de eventos
que sobresaliem as ênfases como inícios de cada um deles, geraram-se as seqüências seguintes,
onde cada linha numérica representa uma estrofe, estando as barras duplas separando os versos.
Os números entre parênteses indicam os agrupamentos gerados pelo acréscimo de um evento
(ausente no texto mas eventualmente presente na música) enfatizado no inicio dos versos
"acéfalos". Os números entre colchetes representam a opção de não acrescentar nenhum evento,
mas fazer a ligação com os versos seguintes, nos casos onde os signos de pontuação o
permitam10 .

Exemplo 5 - Seqüência de agrupamentos de eventos


a) ligando versos:

2 1 4 4 3 2 // 3 1 2 2 6 2 // (2) 5 3 4 3 2 // (2) 3 4 2 2 2 2 //
3 4 3 2 4 [3] // 4 2 3 4 2 // 2 2 3 4 3 [3] // 3 2 3 5 2 //
3 4 4 3 5 2 // 3 4 2 3 2 // 2 2 4 3 5 2 //
(3) 4 4 4 2 // 3 4 5 2 [4] // 5 1 4 2 2

b) não ligando versos:

2 1 4 4 3 2 // 3 1 2 2 6 2 // (2) 5 3 4 3 2 // (2) 3 4 2 2 2 2 //
3 4 3 2 4 2 // (2) 4 2 3 4 2 // 2 2 3 4 3 2 // (2) 3 2 3 5 2 //
3 4 4 3 5 2 // 3 4 2 3 2 // 2 2 4 3 5 2 //
(3) 4 4 4 2 // 3 4 5 2 2 // (3) 5 1 4 2 2

Em ambas opções, observa-se o predomínio dos agrupamentos tipo binários (2 e 4) sobre

os ternários (3 e 6), ao tempo que alguns agrupamentos de 5 surgem pela falta de uso de certos

recursos de escanção poética (como a sinalefa, por exemplo), conscientemente deixados de lado

para evitar a perca de unidades silábicas.

2.2 Ênfases sintáticas

Indo um passo além na procura de uma estrutura formal de ênfases, observaremos agora
qual seria a estrutura de ênfases em cada segmento de verso levando em consideração os signos

10
Ambos números são claramente excluíntes. Da escolha depende o resultado final, embora os dois sejam possíveis.
de pontuação presentes em cada verso, assim como uma hierarquia sintática do tipo Substantivo-
Verbo-Complementos. Isto permitiria determinar os pontos de ênfase em cada verso, levando
então em consideração a hierarquia aceita na Introdução deste trabalho 11 , como pontos
estruturais para onde tudo gravita.. Posteriormente faria-se o mesmo com cada estrofe,
hierarquizando os elementos semânticos12 , para finalmente faze-lo com o poema por inteiro,
enquanto seqüência das quatro estrofes que o constituem e das idéias e imagens contidas nele.

Exemplo 6 - Seqüências de ênfases sintáticas


Ex.6.a - Por segmento de verso
Fuma. É cobre o zenite. E, chagosos do flanco
-- UU -- U -- 321 [2]
Fuga e pó, são corcéis de anca na atropelada.
U -- U -- U -- (2) 221 [2]
E tesos no horizonte, a muda cavalgada.
U -- U -- (2) 21 [3]
Coalha bebendo o azul um longo vôo branco.
U U -- U -- U (3) 22 [4]

Quando e quando esbagoa ao longe uma enfiada


U U -- U -- (3) 21
De barcos em betume indo as proas de arranco.
-- U U -- U 32 [3]
Perto uma janga embala um marujo no banco
U -- U -- U (2) 22 [3]
Brunindo ao sol brunida a pele atijolada.
U -- U -- U (2) 22 [4]

Tine em cobre o zenite e o vento arqueja e o oceano


U U -- -- U -- (3) 121 [2]
Longo enfroca-se a vez e vez e arrufa,
U -- U U -- (2) 31 [2]
Como se a asa que o roce ao côncavo de um pano.
U -- U U -- (2) 31 [2]

E na verde ironia, ondulosa de espelho


U -- U -- (2) 21 [2]
Úmida raiva iriando a pedraria. Bufa
U -- U -- -- (2) 211
O cetáceo a escorrer d' água ou do sol vermelho.
-- U -- -- U 212

11
Isto é, Sujeito, Verbo, Predicado.
12
O que claramente vai depender dos contextos utilizados por Kilkerry, assim como da intenção e interpretação do
poema pelo compositor.
Quanto aos segmentos de verso se refere, observa-se na seqüência dos agrupamentos de
eventos, o natural desaparecimento dos grupos de 5. Estabelecendo agora as seqüências
numéricas dos agrupamentos, as duas opções se apresentam da forma seguinte:

Ex.6.a.' - Por segmento de verso (sem ligar os versos)


3 2 1 // (2) 2 2 1 // (2) 2 1 // (3) 2 2 //
(3) 2 1 // 3 2 // (2) 2 2 // (2) 2 2 //
(3) 1 2 1 // (2) 3 1 // (2) 3 1 //
(2) 2 1 // (2) 2 1 1 // 2 12

Ex.6.a.'' - Por segmento de verso (ligando os versos)


3 2 1 [2] // 2 2 1 [2] // 2 1 [3] // 2 2 [4] //
21 // 3 2 [3] // 2 2 [3] // 2 2 [4] //
1 2 1 [2] // 3 1 [2] // 3 1 [2] //
2 1[2] // 2 1 1 // 2 1 2

No Exemplo 6.a' observa-se ainda um predomínio dos agrupamentos binários, sobre os


ternários, junto com um aumento dos eventos enfatizados ausentes no texto e potencialmente
presentes na música. Tudo isso acompanhado agora do surgimento de agrupamentos unitários no
final da maior parte dos versos. Por sua vez, o Exemplo 6.a'', a ligação dos versos gerou um certo
equilíbrio entre os agrupamentos binários e os ternários.

Continuando com o nosso "roteiro", estudamos o que acontece nos versos como
unidades, unicamente divididos pela presença de pontos dentro deles. Em termos gerais, no caso
de não optar pela ligação dos versos13
Segundo mostra o Exemplo 6.b, os versos mostram mais uma vez, um predomínio dos
agrupamentos de ênfases do tipo binário, sobre os ternários. Destacam-se três versos que contém
mais de um agrupamento. Estando eles colocados em pontos chaves do poema, a relação de
"apresentação-expansão-retrogradação" estabelecida entre eles é clara e evidente (1+2 … 1+2+1
… 2+1).

13
Os asteriscos depois dos colchetes indicam as ligações de versos a serem musicadas com muito cuidado, em
função da existência de pontos que claramente separam os versos. Repetimos aqui que os elementos prosódicos ou
de ênfase propriamente musicais não deveriam contradizer aqueles que surgem do texto, mas apoiá-los.
Ex.6.b - Por verso:
Fuma. É cobre o zenite. E, chagosos do flanco
-- -- U 1+2 [3]
Fuga e pó, são corcéis de anca na atropelada.
U -- U (2) 2 [3]*
E tesos no horizonte, a muda cavalgada.
U -- (2) 2 [2]*
Coalha bebendo o azul um longo vôo branco.

U -- (2) 1 [3]*

Quando e quando esbagoa ao longe uma enfiada


U U -- (2) 2
De barcos em betume indo as proas de arranco.
-- U U 3
Perto uma janga embala um marujo no banco
-- U U 3
Brunindo ao sol brunida a pele atijolada.
-- U U 3 [4]*

Tine em cobre o zenite e o vento arqueja e o oceano


U -- -- U -- (2) 1+2+1
Longo enfroca-se a vez e vez e arrufa,
-- U 2
Como se a asa que o roce ao côncavo de um pano.
-- U 2

E na verde ironia, ondulosa de es pelho


-- U 2
Úmida raiva iriando a pedraria. Bufa
-- U -- 2+1
O cetáceo a escorrer d' água ou do sol vermelho.
-- U U 3
2.3 Ênfases semánticas

Incluiremos agora, por cima das ênfases na sintaxe, os elementos semânticos e como eles
estabelecem uma nova categoria hierárquica de ênfases.
Tomando o poema em suas unidades estróficas, e levando em consideração a carga
semântica que cada um deles apresenta em relação ao tema descrito, isto é "Cetáceo", o Exemplo
7a mostra como ficam estabelecidas as ênfases neste nível:

Exemplo 7a - Ênfases por estrofe:

Fuma. É cobre o zenite. E, chagosos do flanco

Fuga e pó, são corcéis de anca na atropelada. __

E tesos no horizonte, a muda cavalgada.

Coalha bebendo o azul um longo vôo branco.

Quando e quando esbagoa ao longe uma enfiada

De barcos em betume indo as proas de arranco.

Perto uma janga embala um marujo no banco U

Brunindo ao sol brunida a pele atijolada.

Tine em cobre o zenite e o vento arqueja e o oceano

Longo enfroca-se a vez e vez e arrufa, U

Como se a asa que o roce ao côncavo de um pano.

E na verde ironia, ondulosa de es pelho

Úmida raiva iriando a pedraria. Bufa __

O cetáceo a escorrer d' água ou do sol vermelho.

Claramente as imagens que fazem parte do poema, vão descendo desde as nuvens,
passando pelas aves, os barcos - uma janga -, o vento, o oceano, até chegar ao cetáceo que dá
nome ao poema.
A estrutura de ênfases próprio deste nível semântico maior (o das idéias ou imagens
embutidas no poema), seguirá a seqüência do Exemplo 7.b:

Ex.7.b - Por idéias nas estrofes:


Fuma.
-- 1 [2]
É cobre o zenite.
U -- (2) 1 [3]
E, chagosos do flanco Fuga e pó, são corcéis de anca na atropelada.
U U -- U (3) 2 [3]
E tesos no horizonte, a muda cavalgada.
U -- (2) 1 [2]
Coalha bebendo o azul um longo vôo branco.
U -- (2) 1 [3]
Quando e quando esbagoa ao longe uma enfiada De barcos em betume indo as proas de arranco.
U U -- U U (3) 3
Perto uma janga embala um marujo no banco
-- U U 3
Brunindo ao sol brunida a pele atijolada.
-- U U 3 [4]
Tine em cobre o zenite
U -- (2) 1
e o vento arqueja
-- U 2
e o oceano Longo enfroca-se a vez e vez e arrufa,
-- U U 3
Como se a asa que o roce ao côncavo de um pano.
-- U U 3
E na verde ironia, ondulosa de es pelho
-- U 2
Úmida raiva iriando a pedraria.
-- U 2 [3]
Bufa O cetáceo a escorrer d' água ou do sol vermelho.
U -- U U (2) 3

Mais uma vez estamos perante agrupamentos de um, dois e três elementos, cada um deles

iniciados pela correspondente ênfase. O equilíbrio entre estes agrupamentos aparece mais
estabilizado agora, o que confere a rica construção literária do poema, assim como a qualidade

do poeta Kilkerry.

2.4 Ênfase global

Observando a totalidade do poema, desde o ponto de vista das hierarquias das ênfases em
cada estrofe (já apresentadas no Ex.7.a) temos que, mesmo que o movimento do imaginário seja
descendente, ele não é direto, pois a seqüência superior de ênfases fuma - barcos - vento -
cetáceo (segundo surge da interpretação das imagens contidas nas estrofes) estabelece um ir e vir
em ziguezague, entre o elemento ar e o elemento água, do tipo que mostra o Exemplo 8.a e que
se relaciona também com o clima geral descrito no próprio poema.

Exemplo 8.a - Movimento descendente indireto da direcionalidade do imaginário

Fuma Vento
Barcos
(oceano)
Cetáceo

Este movimento sugere a opção de "sublinhar" a terceira estrofe (embora não chegue ao
nível de ênfase diretamente), o que daria cabimento à macroestrutura do tipo ternária com
arremate (pense-se na imagem do compasso tipo "Valsa") ou às macroestruturas do tipo binárias
(com ou sem arremate), escolha final que dependerá do que o compositor queira ou necessite
enfatizar (se o ambiente impreciso do começo, onde o resto é apenas uma seqüência de detalhes
descritivos do quadro geral, ou um jogo descritivo, claramente dirigido à imagem do cetáceo e
aos claros e fortes sentimentos que o acompanham, qual técnica visual do "travelling"
cinematográfico).
Observando então a estrutura maior, no nível global, tomando cada estrofe como uma

unidade semântica, podemos ter as três leituras (binárias e ternária) das ênfases no poema

completo, segundo mostra o Exemplo 8.b:


Exemplo 8.b - Estrutura de ênfases semânticas globais:

(Ternária) (Binária) (Binária)


(simples) (com arremate)

Fuma. É cobre o zenite. E chagosos do flanco

Fuga e pó, são corcéis de anca na atropelada. __ __

E tesos no horizonte, a muda cavalgada.

Coalha bebendo o azul um longo vôo branco.


__
Quando e quando esbagoa ao longe uma enfiada

De barcos em betume indo as proas de arranco. U


Perto uma janga embala um marujo no banco

Brunindo ao sol brunida a pele atijolada. U

Tine em cobre o zenite e o vento arqueja e o oceano

Longo enfroca-se a vez e vez e arrufa, U


Como se a asa que o roce ao côncavo de um pano.

U
E na verde ironia, ondulosa de es pelho

Úmida raiva iriando a pedraria. Bufa

O cetáceo a escorrer d' água ou do sol vermelho.

3. Síntese final

Faremos agora o resumo sintético de todos os passos anteriores, na forma de árvores


binárias, para observar as estruturas de ênfases propostas, segundo os postulados iniciais.
Segundo se observam nos Exemplos 9a, 9b, 9c e 9d, cada estrofe apresenta um desenho
particular de estrutura. Mesmo assim, pode-se relacionar as estruturas das estrofes A e C, assim
como às das estrofes B e D, tanto desde o ponto de vista semântico quanto sintático.
Finalmente os Exemplos 10a, 10b e 10c, mostram as três possíveis formas de vincular as
estrofes, segundo foi exposto anteriormente.
Exemplo 9.a - Estrutura da primeira estrofe (Estrofe A)

Estrofe A

Fu-ma. É co-bre o ze-ni-te. E, cha-go-sos do flan-co Fu-ga e pó, são cor-céis de an-ca na a-tro-pe-la-da. E te -sos no ho-ri-zon-te, a mu-da ca-val-ga-da. Co-a-lha be-ben-do o a-zul um lon-go vô-o bran-co.
Exemplo 9.b - Estrutura da segunda estrofe (Estrofe B)

Estrofe B

Quan-do e quan-do es-ba-go-a ao lon-ge u-ma en-fi-a-da De bar-cos em be-tu -me in-do as pro-as de ar-ran-co. Per-to u-ma jan-ga em-ba-la um ma-ru-jo no ban-co Bru-nin-do ao sol bru-ni-da a pe-le a-ti-jo-la-da.
Exemplo 9.c - Estrutura da terceira estrofe (Estrofe C)

Estrofe C

Ti-ne em co-bre o ze-ni-te e o ven-to ar-que-ja e o o-ce-a-no Lon-go en-fro-ca-se a vez e vez e ar-ru-fa, C o-mo se a a-sa que o ro-ce ao côn-ca-vo de um pa-no.
Exemplo 9.d - Estrutura da quarta estrofe (Estrofe D)

Estrofe D

E na ver-de i-ro-ni-a, on-du-lo-sa de es-pe-lho Ú-mi-da rai-va i-ri-an-do a pe-dra-ri-a. Bu-fa O ce-tá-ceo a es-cor-rer d' á-gua ou do sol ver-me-lho.

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