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30 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA FRUSTRACOES DO SENADO Deputado Aliomar Baleciro I Numa reptiblica federativa © presidencial notoriamente inspirada na Constituigao dos Estados Unidos, como é a brasileira, exerce nosso Senado Federal o papel compativel com a légica do regime? Nos paises fiéis ao sistema bicameral, a evohicdo histérica se processou no sentido de a Camara baixa eclipsar a Camara alta. O exemplo tipico provém da prépria Inglaterra, a primeira a apresentar Parlamento formado de duas Cimaras ¢ também a primeira em ye a Casa dos Comuns aniquilow gradual- mente quase téda a influéncia politica dos Lordes, amputando-thes a competéncia finan- ira. Em diferentes proporgées, isso vem ocorrendo por todo o mundo, exceto nos Es- tados Unidos, Constitui regra nas nagdes parlamentaristas. « Analisando-se, porém, a historia norte- americana ou visitando-se o pais, cédo se chega i conclusio de que, na realidade poli- tica e em contraste com os demais Estados modernos, 0 Senado dos Estados Unidos se mantém incomparavelmente mais efetivo, no comando da grande repitblica, do que a Casa dos Representantes. Hi motives histérivos para que assim acontega e, parece-nos, isso explica que 0 re- gime presidencial sé tenha colhido bons fru- tos nos Estados Unidos, em contraste com todos os paises americanos que tentam imita- Io c insistem em conserviilo, a despeito do cortéjo de revolugies, golpes de estado, dita- duras © estados de sitio que The servem de caricatura em téda a América Latina SETEMBRO — 1964 3 Essa reflexdo aconsela um estudo comparativo entre 0 modo de funcio- namento do presidencialismo nos Estados Unidos ¢ nas outras replicas do continente. I Os construtores do regime politico resultante da Convengio de Filadélfia desejavam institucionalizar um sistema de govérno que lhes garantisse as li- berdades britanicas, segundo a doutrina do Século XVII, notadamente a de Locke, senéo dos antecessores que pregavam 0 govérno pelo consentimento e 0 direito de resisténcia aos tiranos, até mesmo pelo assassinio do déspota Queriam cobrir-se contra os abusos ¢ exagdes de George TIT para com os colonos americanos e, por outro lado, temiam as intrigas das facgdes os excessos dos demagogos. A propria palavra “democracia” Ihes era suspeita como sindnimo de demagogia ou, pelo menos, de govérno direto, enquanto “repiibliew” seria 0 representativo Embebidos da leitura dos clissieos gregos e latinos, sabiam que as mas- sas abrem 0 caminho aos tiranos pela mio de pretensos “defensores do povo”. As notas que Madison ¢ outros preservaram acerca dos debates secretos da Convengio de Filadélfia registram ésses designios dos “Fathers”, Alguns intérpretes da histéria constitucional americana, como o professor MacLaughlin, pretendem que oy redatores da Carte de 1787 criaram algo de original opondo o pensamento filosofico do Século XVII A pratica viciosa do fim do Século XVII e, portanto, nao transplantaram para as 13 colénias li- bertas as instituigdes britinicas daquele tempo. Sem divida, um regime federal republicano com wm presidente, baseado na igualdade de classes na superioridade da lei, sujeitos os governantes a revisio judicial, era uma novidade. Sob ésse ponto de vista os descendentes dos colonos remontaram ao compact dos pioneiros. Mas © arcabougo institucional da Convengio de Filadélfia deixa trans- parecer aquela transplantagao ¢ adaptagio do aparélho do govémo inglés, que, com seus muitos defeitos, era o mais livre e eficaz daqueles tempos Nao s6 porque estavam habituados ao regime britinico do Século XVIH, mas porque nao havia nada melhor a copiar nem a institucionalizar, os estadistas de 1787 traduziram em térmos republicanos, numa Constit igo. escrita ¢ tremendamente rigida, a estrutura monarquica da Gra-Bretanha com um rei 32 _REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA parcial ¢ imperteitamente Iimitado por um Parlamento, no seio do qual os Lordes ainda eram, de fato, mais poderosos do que os Comuns, até porque, naquele tempo, dispunham da maquina eleitoral tésca para eleger a Camara baixa, Era conhecida dos lideres da Convengio de Filadélfia a obra entio recente (1771) de Lolme sobre a Constituigio britanica, tal como funcionava no Século XVIII. Dai a sedugio da tese de H. Summer Maine, que explica o presidente todo-poderoso dos Estados Unidos como uma cépia fiel do rei da Gri-Bretanha, tal como éle existia, reinava @ governava no ultimo quarto do Século XVII, isto & George II com suas arbitrariedades, sua gula de poder pessoal, sua adesio as tendéncias absolutistas de Lord Bute, seu preceptor e seu primeiro presidente do Conselho de Ministros. Nao foi Summer Maine, aliés, 0 tinico, a sustentur essa hipétese de que os americanos, importando as instituigées e republicanizando-as, transformaram os Lordes em Senadores, os Comuns em Representatives on Deputados ¢ colocaram no Executive um George III eletivo e temporario. Entao, no sistema bicameral, 0 Senado foi construido com mais férga do que a Camara, até porque, a falta duma nobreza tradicional como a dos Lardes, os Senadores foram considerados embaixadores dos Estados-membros, que os elegiam por suas Assembléias Legislativas até a emenda 17. Se ox Lordes, no Séenlo XVIII, escolhiam os Comuns gragas ao dominio da maquina eleitoral, era. mais pritico dar aos Senadores 0 contréle dos Ministros, que, na Inglaterra, aquele tempo, ainda nfo estava inteiramente entregue & Camara baixa. George III — repita-se — reinava e governava. E 0 arranjo era tanto mais racional quanto, ao tempo da Convengao de Filadélfia, os Estados-membros se mostravam profundamente desconfiados contra a eregio de um Govérno Federal poderoso, que teria por base um Congresso ¢ um Presidente. Natural, pois, que éste Ultimo, na politica interna © externa, sofresse 0 contrdle dos Senadores «que representavam os. Estados- membros e nio propriamente 2 populagio nacional. Até hoje, em caso de vage, os governadores dos Estados americanos nomeiam os senadores interinos. Assim, na coordenagio dos checks and balances, 0 Senado americano recebeu a parte do ledo, principalmente pelas seguintes atribuigées: a) a de julgar os casos de impeachment de quaisquer autoridades civis, inclusive magistrados (art. 1°, segao 3.4; art. 2, segao 4.*);

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