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A ordem econômica
mundial: considerações
sobre a formação de blocos
econômicos e o Mercosul
THE WORLD ECONOMIC ORDER:
CONSIDERATIONS ON THE CONSTITUTION
OF ECONOMIC BLOCKS AND MERCOSUL
Resumo O presente artigo tem como principal objetivo analisar o Mercado Comum
do Sul (Mercosul) no contexto da formação de blocos econômicos, como um estágio
no processo de constituição de uma economia mundial integrada, identificando suas REGINA CÉLIA
origens, antecedentes e resultados. Verificou-se que o Mercosul faz parte de um pro- FARIA SIMÕES
cesso de integração econômica criado a partir da assinatura do Tratado de Assunção, Universidade Metodista de
em 26 de março de 1991. Ainda se pode constatar que a zona de livre comércio é uma Piracicaba (UNIMEP)
realidade e que a união aduaneira, que nasceu com a entrada em vigor da Tarifa Ex- rcsimoes@unimep.br
terna Comum (TEC), em 1.º de janeiro de 1995, continuará a ser aperfeiçoada ao lon-
go dos próximos anos. O trabalho conclui que, após dez anos de existência, o Mer- CRISTIANO MORINI
cosul defronta-se com os desafios concretos de uma etapa de consolidação da união Universidade Metodista de
aduaneira em direção ao Mercado Comum. Piracicaba (UNIMEP)
cmorini@unimep.br
Palavras-chave MERCOSUL – INTEGRAÇÃO ECONÔMICA INTERNACIONAL – CO-
MÉRCIO INTERNACIONAL.
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U
INTRODUÇÃO
ma das características da era contemporânea é o
agrupamento de países em blocos econômicos no
contexto da estratégia das grandes potências e das
empresas multinacionais de darem início a um
novo ciclo expansionista internacional.1
A constituição dos blocos econômicos aten-
de também à estratégia de países periféricos que
buscam atrair capitais externos, dos quais carecem,
para promover o crescimento de suas economias debilitadas há décadas,
como é o caso do Brasil e da Argentina com o Mercado Comum do Sul
(Mercosul).
Nesse sentido, o Mercosul é considerado um processo de inte-
gração econômica,2 denominado Mercado Comum, cuja fase atual é a
União Aduaneira Imperfeita, por ainda existir lista de exceções às
isenções tarifárias de importação e por haver indefinições temporais na
aplicação da Tarifa Externa Comum (TEC).
A aproximação Brasil-Argentina está na origem da formação do
Mercosul. A integração entre os dois países foi impulsionada por três fa-
tos principais: 1. a superação das divergências geopolíticas bilaterais; 2. o
retorno ao regime democrático, com o fim do período de exceção; e 3.
a crise do sistema econômico internacional.
Um dos primeiros passos para o que depois se transformaria no
Mercosul foi a assinatura da Declaração de Iguaçu, firmada em 30 de no-
vembro de 1985 pelos presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín. A decla-
ração tinha por objetivo retomar os níveis de comércio bilateral observa-
dos na década anterior, que crescia a uma taxa geométrica de 19% ao
ano.3 Buscava, ainda, acelerar a integração dos dois países em diversas áreas
(técnica, econômica, financeira, comercial, entre outras) e estabelecia as
bases para a cooperação no campo do uso pacífico da energia nuclear.
Em 20 de julho de 1986, foi assinada a Ata de Integração Brasileiro-
Argentina, que estabeleceu os princípios fundamentais do Programa de
Integração e Cooperação Econômica (PICE). O objetivo do PICE foi pro-
piciar a formação de um espaço econômico comum por meio da abertura
seletiva dos mercados brasileiro e argentino e estimular a complementa-
ção econômica de setores específicos das economias dos dois países.4
O processo de integração evoluiu, em 1988, com a assinatura do
Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, cuja meta era
constituir, no prazo máximo de dez anos, um espaço econômico comum
por meio da liberalização integral do comércio recíproco.
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Esse tratado previa a eliminação de todos ma de Las Leñas, assinado em junho de 1992,
os obstáculos tarifários e não-tarifários ao comér- aborda os interesses comerciais necessários para
cio de bens e serviços. Em 6 de julho de 1990, que o Tratado de Assunção se complete e o Mer-
Brasil e Argentina firmaram a Ata de Buenos Ai- cado Comum torne-se realidade. Prevê não ape-
res, mediante a qual fixaram a data de 31 de de- nas a criação de uma zona de livre comércio, mas
zembro de 1994 para a conformação definitiva de uma união aduaneira.5
um Mercado Comum entre os dois países. Em Com a assinatura do Protocolo de Ouro
agosto de 1990, Paraguai e Uruguai foram convi- Preto, em dezembro de 1994, o Mercosul passa a
dados a incorporar-se ao processo integracionis- contar com uma estrutura institucional definitiva
ta, tendo em vista a densidade dos laços econô- para a negociação do aprofundamento da integra-
micos e políticos que os unem ao Brasil e à Ar- ção. Além disso, o Protocolo de Ouro Preto es-
gentina. Em consequência, foi assinado, em 26 de tabelece a personalidade jurídica do Mercosul,
março de 1991, o Tratado de Assunção para que, a partir de então, poderá negociar como blo-
Constituição do Mercado Comum do Sul (Mer- co acordos internacionais.
cosul). A partir de 1.º de janeiro de 1995 termina o
O Tratado de Assunção, ato fundacional do período de transição, iniciando a nova fase de
Mercosul, constitui junto com o Protocolo de consolidação da união aduaneira imperfeita, que
Brasília, de 1991, e o Protocolo de Ouro Preto, se estenderá até 31 de dezembro de 2005.
de 1994, os principais instrumentos jurídicos do Este artigo aborda o Mercosul no contexto
processo de integração. da formação de blocos econômicos, como um es-
O Tratado de Assunção define-se, na reali- tágio no processo de constituição de uma econo-
dade, como um acordo-quadro, na medida em mia mundial integrada, identificando suas ori-
que não se esgota em si mesmo, mas é continua- gens, antecedentes e resultados, tratando, portan-
mente complementado por instrumentos adicio- to, do estágio per si (enquanto integração do
nais e negociado pelos quatro Estados membros Mercosul em si), e não menciona a constituição
em função do avanço da integração. O Tratado de uma economia mundial integrada por deli-
estabelece, fundamentalmente, as condições para mitação de foco do objeto de estudo de caráter
se alcançar, até 31 de dezembro de 1994, a Zona científico.
de Livre Comércio entre os quatro países, etapa
anterior ao Mercado Comum. ORIGEM DOS BLOCOS ECONÔMICOS
Nesse sentido, determina, entre outros ob- A globalização da economia e da sociedade
jetivos: baseada na expansão sem precedentes do capita-
• o estabelecimento de um programa de libera- lismo e comandada pelo crescente domínio das
lização comercial, que consiste de reduções corporações transnacionais está levando ao de-
tarifárias progressivas, lineares e automáticas senvolvimento de uma nova ordem mundial.
acompanhadas da eliminação das barreiras Essa nova ordem tem como características prin-
não-tarifárias; cipais o fim da Guerra Fria, o incremento da
• a coordenação de políticas macroeconômicas; guerra comercial entre empresas e países e a for-
• o estabelecimento de listas de exceções ao mação de blocos econômicos regionais.
programa de liberalização para produtos con- Preocupados com as conseqüências das
siderados sensíveis; guerras comerciais, os grandes empresários euro-
• a constituição de um regime geral de origem e peus e norte-americanos estão procurando criar
de um sistema de solução de controvérsias. um cenário mundial mais previsível, no qual a
O Protocolo de Brasília, assinado em 17 de concorrência possa ser controlada e medida.
dezembro de 1991, estabelece o sistema de solu-
ção de controvérsias do Mercosul. O Cronogra- 5 ALMEIDA, 1998, p. 121.
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Procura-se criar regiões protegidas por a união entre as economias de dois ou mais paí-
meio da união entre vários países em que um gru- ses.6
po de empresas tem interesses comuns, dificul- Esses processos concentram-se, em um pri-
tando a entrada de produtos de empresas de ou- meiro momento, na diminuição ou mesmo na
tros países ou regiões. Pode-se encarar a forma- eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias
ção de blocos econômicos regionais de comércio que constrangem o comércio de bens entre esses
como uma tentativa de aumentar a segurança dos países. Uma etapa mais adiantada de integração
empresários que atuam no bloco contra a con- exigirá esforço adicional, podendo envolver a de-
corrência de empresas mais eficientes de outros finição de uma Tarifa Externa Comum (TEC), ou
países ou blocos. seja, uma tarifa a ser aplicada por todos os sócios
Embora a existência de interesses econômi- ao comércio de bens com terceiros mercados
cos seja fundamental para a integração de vários (países extra-zona).
países, é curioso o fato de que as empresas só Associado a esse exercício, impõe-se o es-
conseguem realizar essa integração com a tabelecimento de um Regime de Origem, meca-
interveniência estatal. A motivação do mercado nismo pelo qual se determina se um produto é
em busca de novas fontes de rentabilidade e o es- originário ou não da região. Avançando ainda
tímulo do governo para melhorar o bem-estar da mais, chegamos a arranjos avançados de integra-
população – com o aumento da renda e a geração ção que admitem a liberalização do comércio de
de novos empregos – propulsionam a integração serviços e a livre circulação dos fatores de produ-
para os fins desejados e planejados. ção (capital e trabalho) e exigem a coordenação
de políticas macroeconômicas e até mesmo a de
FORMAS DE CONSTITUIÇÃO políticas fiscais e cambiais. Em grau extremo, a
DE BLOCOS ECONÔMICOS integração econômica pode levar, inclusive, à
Os blocos econômicos foram criados com adoção de uma moeda única.
a finalidade de desenvolver o comércio de deter- As formas de integração baseiam-se, funda-
minada região. Para alcançar esse objetivo, elimi- mentalmente, na vontade dos Estados de obter,
nam as barreiras alfandegárias, o que diminui o através de sua adoção, vantagens econômicas que
custo dos produtos. Com isso, criam maior po- se definirão, entre outros aspectos, em termos
der de compra dentro do bloco, elevando o nível de:
de vida de suas populações. Como o mercado • aumento geral da produção, através de um me-
passa a ser disputado também por empresas de lhor aproveitamento de economias de escala;
outros países membros do bloco econômico, • aumento da produtividade, através da explora-
cresce a concorrência, o que gera a melhoria de ção de vantagens comparativas entre sócios de
qualidade e a redução de custos. Os blocos po- um mesmo bloco econômico;
dem funcionar como etapas para um mundo sem • estímulo à eficiência, através do aumento da
fronteiras. concorrência interna.
Quase todas as grandes economias mundiais De acordo com as teorias do comércio in-
(em termos de Produto Nacional Bruto) encon- ternacional, consideram-se cinco as situações
tram-se, de alguma forma, envolvidas em proces- clássicas de integração econômica: zona (ou área)
sos de integração econômica: Estados Unidos de preferências tarifárias, zona de livre comércio,
(NAFTA), Europa (União Européia e EFTA), união aduaneira, mercado comum e união econô-
América Latina (Pacto Andino e Mercosul), Ásia mica (também monetária).
(APEC) e África (SADC). Os processos de inte- Zona de Preferências Tarifárias – A zona
gração econômica são conjuntos de medidas de de preferências tarifárias, etapa mais incipiente de
caráter econômico e comercial que têm por ob-
jetivo promover a aproximação e, eventualmente, 6 FLORÊNCIO & ARAÚJO, 1996, p. 61.
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O único exemplo de uma união econômica tuindo gradativamente (segundo calendário pró-
e monetária, ainda em processo de construção, é prio em cada país-membro) as moedas locais
a União Européia. Em 1992, com a assinatura do para fins de transações correntes, como compras
Tratado de Maastricht, foram definidos os pré-re- e pagamentos. Foi criado, igualmente, um Banco
quisitos para a entrada dos países-membros da Central Europeu, que está sediado na Alemanha.
CEE na nova UEM: déficit público máximo de 3% A formação de um bloco se dá de acordo
do PIB; inflação baixa e controlada; dívida pública com as conveniências dos países envolvidos e
de, no máximo, 60% do PIB; moeda estável den- em função de suas principais características. O
tro da banda de flutuação do Mecanismo Euro- Mercosul é uma união aduaneira, mas tem por
peu de Câmbio; e taxa de juro de longo prazo objetivo constituir um mercado comum. Sendo
controlada. Em janeiro de 1999 foi lançado o assim, podemos dizer que o Mercosul é um pro-
Euro (não disponível em espécie até dezembro jeto de construção de um mercado comum que
de 2001), moeda única reconhecida por 12 dos 15 se encontra na fase de união aduaneira. Por ou-
países membros da UE. tro lado, a União Européia é o projeto de cons-
A moeda foi usada apenas em transações trução de uma união econômica e monetária
bancárias até dezembro de 2001. Em 2002, pas- que se encontra em vias de ser efetivamente im-
sou a circular nos países que a adotaram, substi- plementada.
Gráfico I
Gráfico I
fases da integração econômica entre países
UNIÃO ADUANEIRA
Livre Comércio
Política Comercial Uniforme
MERCADO COMUM
Livre Comércio
Política Comercial Uniforme
Livre Movimento de Fatores de Procução
UNIÃO ECONÔMICA
Livre Comércio – Política Comercial Uniforme
Livre Movimento de Fatores de Procução
Harmonização de Algumas Políticas Econômicas
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O Estatuto foi visto como o primeiro pas- adoção de uma política comum em relação a ter-
so para a transnacionalização das empresas do ceiros países.
Mercosul. Fixou o prazo de 31 de dezembro de A coordenação de políticas macroeconômi-
1994 para a formação definitiva do mercado co- cas e setoriais de comércio exterior, agrícola, in-
mum entre o Brasil e a Argentina. Em agosto do dustrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de
mesmo ano, Paraguai e Uruguai juntaram-se ao serviços, alfandegária, de transportes e comunica-
processo, o que resultou na assinatura do Tratado ções e outras deve ser feita de modo a que elas se
de Assunção, para a constituição do Mercado acordem, a fim de assegurar condições adequadas
Comum do Sul (Mercosul). de convivência entre os Estados membros.
Tratado de Assunção – O Tratado de O Tratado de Assunção é visto como uma
Assunção é o instrumento jurídico fundamental quase carta constitucional, pois é flexível a ponto
do Mercosul, que comporta elementos tanto de de abrigar não apenas a situação inicial como si-
continuidade como de mudança em relação aos tuações e necessidades futuras no âmbito integra-
esforços integracionistas até então empreendidos cionista.
no continente. Por um lado, procura dar prosse- Para o período de transição entre o nasci-
guimento, no plano regional, aos trabalho da mento do mercado comum até 31 de dezembro de
ALALC (1960) e da ALADI (1980). No bilateral, 1994, estabeleceu-se que os Estados membros
busca aprofundar os princípios acordados entre adotassem um regime geral de origem, um sistema
Brasil e Argentina na Declaração de Iguaçu de solução de controvérsias e cláusulas de salva-
(1985), no Programa de Integração e Coopera- guarda (art. 3) e também se acordou uma coorde-
ção Econômica (1986) e no Tratado de Integra- nação para fazer frente às práticas de dumping ou
ção, Cooperação e Desenvolvimento (1988). políticas desleais de terceiros Estados (art. 4).
Note-se que todos esses mecanismos criaram As ferramentas para a construção do Mer-
vínculos entre economias tradicionalmente dis- cado Comum do Sul ficaram definidas em vários
sociadas, além de consolidar um diálogo político instrumentos:
privilegiado entre os quatro países. Por outro la- • um programa de liberação comercial que per-
do, representa uma mudança no modelo de de- mitisse chegar até 31 de dezembro de 1994
senvolvimento no âmbito do Cone Sul, dado o com tarifa zero, sem barreiras não-tarifárias
esgotamento do modelo de substituição de impor- sobre a totalidade do universo tarifário;
tações e a premente necessidade de adotar-se um • a coordenação de políticas macroeconômicas,
processo de abertura econômica e de aceleração que se realizará gradualmente de forma con-
da integração regional. Esse processo fundamen- vergente com os programas de desgravação
ta-se na abertura seletiva e gradual de mercados e tarifária e a eliminação de restrições não-tarifá-
no estímulo à complementação de setores espe- rias;
cíficos das economias, visando uma inserção mais • o estabelecimento de uma tarifa externa co-
competitiva na economia internacional. mum, que incentive a competitividade externa
O artigo 1.º estabeleceu a data de 31 de de- dos Estados partes;
zembro de 1994 para a implementação definitiva • a adoção de acordos setoriais, com o fim de
da livre circulação de bens, serviços e fatores pro- otimizar a utilização e mobilidade dos fatores
dutivos entre os países, através da eliminação dos de produção e alcançar escalas operativas efi-
direitos alfandegários e de todas as restrições cientes (art. 5).
não-tarifárias à circulação de mercadorias ou A administração e execução do Tratado e
qualquer outra medida de efeito equivalente. O dos acordos específicos e decisões que se adotem
texto legal determinou, também, o estabeleci- no quadro jurídico por eles estabelecidos durante
mento de uma Tarifa Externa Comum (TEC) e a o período de transição estão a cargo do Conselho
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Em 1992, as exportações do Brasil para o tos (18%), produtos químicos (12,3%), produtos
Mercosul concentraram-se principalmente em alimentares (12,7%) e metais comuns (10,3%),
material de transporte (26,1%), máquinas e equi- mantendo, portanto, o mesmo perfil. As importa-
pamentos (17,1%), metais comuns (12,4%) e pro- ções do Brasil provenientes do Mercosul também
dutos alimentares (10%). Em 1995, as exportações apresentaram o mesmo desenho, concentrando-se
brasileiras centraram-se principalmente em mate- em produtos alimentícios: 50,8% e 41,5% nos
rial de transporte (18,1%), máquinas e equipamen- anos de 1991 e 1995, respectivamente.
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Desde as negociações iniciais para estabele- dados sobre a evolução do comércio intra-Merco-
cer o Mercosul, em 1991, observou-se um cresci- sul no período 1990-2000. Esse comércio interno
mento vigoroso no intercâmbio regional, devido foi multiplicado muitas vezes desde a criação da
ao processo de desgravação tarifária e à reorienta- união aduaneira até atingir seu nível máximo em
ção do comércio entre os países participantes. 1998. Em 1999, veio a crise, mas houve recupera-
ção no ano seguinte, embora ainda sem retornar ao
CONSIDERAÇÕES FINAIS volume de 1998. No início de 2002, fruto da ins-
O Mercosul deu largos passos em direção à tabilidade política e da grande crise econômica na
meta de constituição do Mercado Comum do Argentina, despencou o comércio intraMercosul:
Sul. A zona de livre comércio, etapa precedente, as exportações do Brasil para a Argentina diminu-
já é uma realidade. A união aduaneira nascida íram aproximadamente 60%, havendo a interrup-
com a Tarifa Externa Comum (TEC), em 1.º de ção momentânea, inclusive, das quotas de com-
janeiro de 1995, continuou a ser aperfeiçoada ao pensação do comércio de itens automotivos.
longo dos próximos anos. O Brasil não registra superávit comercial
com o parceiro argentino desde 1994 e o cenário
O artigo do presidente Itamar Franco, pre-
para os próximos anos deverá manter essa cons-
parado para publicação no Diário El Nacional, de
tatação. A importação de produtos argentinos
Caracas, em junho de 1993, dizia:
pelo País revelou para a Argentina que a parceria
O Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uru- conosco no Mercosul superou qualquer expecta-
guai deverão efetivamente constituir, até o tiva, pois a política externa brasileira apontou,
final de 1994, uma Zona de Livre Comércio claramente, para a ajuda comercial sem a necessi-
(...) e uma União Aduaneira. (...) A forma- dade da contrapartida argentina. Para tentar su-
ção de Mercado Comum entre nossos qua- perar a perda de divisas com a queda brutal das
tro países é tarefa altamente complexa e de- importações argentinas de produtos brasileiros, o
verá constituir uma evolução ao longo do
Brasil já há três anos procura desenvolver novos
tempo. (...) O Mercosul é um processo ne-
mercados, a exemplo do mexicano, sul-africano,
gociador que não se esgotará em 1.º de ja-
neiro de 1995. saudita, russo e chinês. Por fim constata-se que,
recentemente, a Argentina deixou de ser o segun-
O Mercosul deixou de ser uma variável de do maior comprador dos produtos brasileiros.
política externa para se tornar, simultaneamente, O projeto do Mercosul se desenvolveu, por-
uma variável de política econômica, na medida tanto, numa situação de crescente participação de
em que se configurou num instrumento indis- seus países nos fluxos comerciais mundiais nos
pensável de inserção competitiva das economias anos de 1994 a 1998. Desde então, o Mercosul foi
dos países membros no mercado internacional.9 marcado por problemas cambiais tanto na Argen-
Em bloco, os países têm mais força e, assim, o es- tina quanto no Brasil, além da recente recessão
forço da integração torna-se positivo. Desde sua econômica argentina, que refreou o comércio a ní-
criação, vem consolidando seu funcionamento e veis não imaginados. Assim, foram identificadas as
atingindo resultados expressivos, contribuindo seguintes vantagens em participar de um processo
para a criação de um clima receptivo de expansão de integração como o Mercosul: dinamização eco-
do COMÉRCIO, apesar dos recentes acontecimen- nômica, consolidação do processo de liberalização
tos políticos e econômicos ocorrido na república comercial, atração de investimentos e fortaleci-
argentina. mento das instituições democráticas.
Para evidenciar os avanços do Mercosul, as Porém, cabe destacar que a conjuntura bra-
tabelas 3 e 4, apresentadas acima, mostram alguns sileira durante a maior parte do período de transi-
ção era difícil. Até 1993, não havia um documen-
9 SEITENFUS, 1994, p. 114. to formal do bloco explicitando o entendimento
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de que o mercado comum era uma meta a ser ser melhor analisado. As discussões da futura
alcançada ao longo do tempo. Em 1994, o Mer- ALCA colocaram no centro da agenda sub-regio-
cosul ainda era uma incógnita, pois havia muitas nal o debate sobre o aprofundamento do Merco-
dúvidas sobre as metas a serem efetivamente bus- sul, ainda que sob forte “onda” protecionista dos
cadas. A união aduaneira implantada em 1.º de ja- Estados Unidos. As reuniões e possibilidades de
neiro de 1995 passou pela prova de fogo dos dois acordos comerciais entre Mercosul e União Eu-
primeiros anos. ropéia também contribuem para uma redefinição
Pode-se afirmar que as crises, desde a au- da identidade do Mercosul.
tomobilística até a dos têxteis ou a dos alimentos,
não passaram de bolhas alarmistas, até que a Ar- Agradecimento
gentina atravessasse o atual estágio de recessão e Aos alunos da UNIMEP Marisa Lazani Dai-
quase depressão econômica, o qual ainda caberá nese e Juliano Aparecido Rinck.
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