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E
O amor é um tema presente de forma transversal em toda a literatura portuguesa
C produzida ao longo dos séculos. Tratado nas suas mais diversas vertentes, permite ao Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco
O leitor não só contactar com a vivência do sentimento de um ponto de vista social mas Construída sob o signo do sentimento amoroso, a obra ilustra o confronto entre os direitos do coração e as
R também com a reflexão em torno da sua dimensão individual. Trata-se de um tema convenções sociais da época, abordando perspetivas diferentes do amor:
o amor-paixão: o amor é apresentado como um destino que define a vida e a morte e é associado
D que alberga uma diversidade de manifestações que permite olhares diversos que tanto
a Teresa, Simão e Mariana; os enamorados experimentam-no de forma desenfreada, profunda e
identificam pontos de continuidade como aspetos contrastivos. Sécs.
A XIII-XIV
incondicional e, na impossibilidade de o realizarem, lutam por ele, indo além das próprias forças
e resistindo a todo o tipo de obstáculos; o sentimento amoroso traz consigo sofrimento e infelicidade,
R pois contraria as regras sociais; a força do amor permite a remissão até dos erros do passado,
Poesia trovadoresca – cantigas de amigo e cantigas de amor
conseguindo transformar aqueles que amam; incapaz de vencer os obstáculos que se lhe colocam,
Na poesia trovadoresca, o amor é um tema dominante que se explora sob diferentes óticas: o amor é vencido pela desgraça e leva os amantes à destruição, à morte;
o amor popular/burguês (a simplicidade amorosa): presente nas cantigas de amigo, é um o amor-renúncia: amor que leva a personagem (Mariana) a renunciar à própria felicidade em nome da
sentimento amoroso expresso por uma jovem apaixonada e que se associa a manifestações de alegria, felicidade alheia, indo esta ao ponto de abdicar da própria vida, passando a viver exclusivamente para
tristeza, preocupação, saudade ou ira, em função da situação amorosa vivida com o amigo; o outro.
os sentimentos apresentados são, aparentemente, mais espontâneos e realistas do que
os encontrados nas cantigas de amor;
o amor cortês: sentimento amoroso do trovador por uma mulher, normalmente casada, de uma
Os Maias, de Eça de Queirós
classe social superior, a quem este deve prestar homenagem; trata-se de um sentimento idealizado
correspondência
e marcado pelo sofrimento amoroso (“coita de amor”) dada a indiferença ou a não corres Um dos temas presentes n’Os Maias é o amor, sentimento que é perspetivado, por um lado, na ótica da
amorosa
amoros “senhor”;
sa daa “se amorosa, pelo que
s nhor”; segue um conjunto de regras codificadas, como a vassalagem amor caracterização da alta sociedade lisboeta do séc. XIX e, por outro, como um elemento trágico. Estes aspetos
Séc. podem ser observados em alguns dos tópicos associados ao tratamento deste sentimento na obra:
sentimento
o sen
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en
nto o é mais convencional do que o presente nas cantigas de amigo. XVI
o amor adúltero: em estreita relação com a crónica de costumes,
mas também presenteente nas intrigas principal e secundária,
o adultério está representado
presentado por diferentes personagens e
consiste na práticaa da infidelidade conjugal; na obra, aparece
associado sobretudodo às mulheres casadas da alta sociedade
lisboeta que, assim,
m, colocam em causa as convenções sociais;
o amor-paixão: sentimento
entimento avassalador, que leva as
personagens a desafiar
safiar a sociedade e as suas convenções;
o amor incestuoso:o: sentimento de características
altamente excecionais
nais na obra, surge ligado aos dois
irmãos, protagonistas
stas da intriga principal, e te terá
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consequências trágicas inicialmente,
ágicas para ambos; inici ciiaallm
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Séc. trata-se de um incesto
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personagens, mas,, depois de Carlos tterer ttido
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conhecimento da verdade por Ega, eevolui
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para um incesto consciente
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(por parte de Carlos).
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RELACIONAR Representações do quotidiano por Carla Marques
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O facto de o texto literário, em algumas situações, assumir a realidade extraliterária
C como pano de fundo da ficção apresentada permite ao leitor ter acesso a aspetos do Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco
O quotidiano de diferentes épocas e contextos, assumindo-se a obra como um documen- Em Amor de perdição, encontramos diversas situações que permitem conhecer alguns aspetos do quotidiano
R to histórico que oferece acesso a realidades que, por vezes, se encontram escassamente da sociedade burguesa oitocentista:
D documentadas. Assim, a análise dos textos possibilita, não raro, a consciência de reali- a questão patrimonial: as famílias mais abastadas pretendiam manter o seu estatuto ou, então,
buscavam o prestígio e a ascensão social; apenas o filho mais velho, o morgado, tinha direito à herança
dades socioculturais específicas e inclusive da sua evolução através dos tempos. Sécs.
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do património e títulos familiares, tendo os restantes de optar pela vida religiosa ou militar (no caso dos
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