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FICHA DE LEITURA

Docente: Núbia Bento Rodrigues Discente: Lidia Bradymir


Disciplina: Antropologia da Religião Data: 29/04/2019
BATISTA, José Renato de Carvalho. Não é meu, nem é seu, mas tudo faz parte do axé:
algumas considerações preliminares sobre o tema da propriedade de terreiros de candomblé.

INTRODUÇÃO

O autor propõe uma discussão preliminar sobre o tema da Propriedade sob a perspectiva
antropológica, utiliza-se de material etnográfico, fruto de uma longa pesquisa em terreiros do
Rio de Janeiro e Salvador, para pensar as questões de propriedade propostas pela literatura.
O material etnográfico está organizado em cenas sociais.

DESENVOLVIMENTO
Divisão do Texto Principais argumentos

O autor conta o caso de um filho de sando do Pai Jessé, Alex, que


por ter uma boa condição financeira investiu bem nas vestes da
sua Iemanjá, e, em uma situação no terreiro onde as roupas de sua
Nem meu, nem seu: Iemanjá foram usadas em outra ele ficou insatisfeito. O Pai Jessé
“tudo que está aqui o responde dizendo que as roupas não pertencem a ele, mas a
dentro participa do Iemanjá, que sendo uma orixá, não pertence a ninguém e que tudo
axé” que está ali dentro participa do axé.
Jessé estava ensinando a seu filho de santo que as coisas dentro
do terreiro não têm dono, sendo o pai de santo, ele centraliza a
cadeia de distribuição dos bens materiais e simbólicos que circulam
Ser parte do axé: a pelo terreiro.
propriedade coletiva Em uma das conversas Pai Jessé afirma que o terreiro não é dele,
dos objetos quando ele morre a casa fica, sendo o dono da casa Xangô. O autor
compreende que a posse e uso dos objetos formam uma
propriedade que se estende através de gerações.
Tudo pertence ao axé, e o axé é coletivo. Ele pode se
concentrar em lugares, objetos e algumas pessoas que
possuem o papel de distribuí-lo à comunidade. Seria uma
forma de propriedade que pode ser considerada inclusiva,
pois em certa medida a circunscrição destes objetos,
pessoas e da terra como parte do axé, de uma força
imaterial que perpassa todas as coisas pertencentes ao
sistema religioso, estabelece uma forma de propriedade
coletiva, centrada na posição de um dono “temporário”, seja
ele o fundador ou algum sucessor seu na hierarquia
religiosa.
O segundo caso conta a história de Luís, que possui um sítio o qual
estava com planos de tornar uma pousada, mas viu seus planos
O sítio na serra: Meu mudarem quando sua mãe de santo, Iyá Marcelina, revelou que ele
lazer ou Nossa teria que abrir uma casa dedicada a Oxum. O problema seria
comunidade? renunciar ao conforto que proporcionaria a seus filhos e esposa,
bem como o investimento nas obras para que o local se tornasse
um terreiro, e também após a sua morte ficaria o impasse de saber
a quem pertenceria o sítio.
No caso do terreiro de Iyá Marcelina, não existia esse impasse por
ser um terreiro antigo e tombado, ele possui um tipo de gestão que
é compartilhada com o patrimônio público, isento de impostos e
livre de disputas pela sucessão no campo da propriedade. No caso
de Luís não havia essa possibilidade, sua propriedade poderia ser
reclamada a qualquer momento pelos seus sucessores legais,
inclusive seu filho Daniel que não apoiava a mudança de planos.

Propriedade e posse de Nessa parte o autor fala sobre como essas formas de uso de terras
terreiros de candomblé se confrontam com normas jurídicas, e de que forma esses
e suas implicações recursos jurídicos podem ser utilizados para garantir circunscrição
jurídicas particular para alguns terreiros.
O que investigamos aqui é como as normas jurídicas podem
ser ao mesmo tempo uma forma de proteção num caso e de
empecilho em outro, baseado na idéia de propriedade das
terras onde se erguem os terreiros.
O autor aponta as considerações do IPHAN sobre patrimônio
público.
O patrimônio cultural não se restringe apenas a imóveis
oficiais isolados, igrejas ou palácios, mas na sua concepção
contemporânea se estende a imóveis particulares, trechos
urbanos e até ambientes naturais de importância
paisagística, passando por imagens, mobiliário, utensílios e
outros bens móveis.
Os tombamentos de terreiros de candomblé pelo IPHAN não se
relacionam apenas com o valor histórico, mas com valores
culturais, logo essas propriedades não poderiam mudar nem as
características do terreiro, nem as atividades realizadas, porque
foram esses fatores que garantiram o tombamento.
No caso de Iyá Marcelina, o tombamento aliena o uso da
propriedade que não seja para outros fins que não o
exercício da religião. Esta alienação decorre de uma
medida legal, que garante a preservação do terreiro como
uma propriedade coletiva voltada para um fim cultural.
Sendo assim, os sucessores legais de Iyá Marcelina podem
pretender vender o terreno, mas só se for garantida a
continuidade das atividades realizadas ali.
Por outro lado, a circunscrição do terreno de Luís como
uma propriedade particular permite a mudança de seu uso
e sua finalidade a qualquer momento. [...]No entanto, há
recursos legais que permitem, com a transformação do
terreiro em um “templo religioso”, diminuir os impostos
sobre a propriedade enquanto esta é usada como terreiro
de candomblé. Isso não garante, no entanto, a preservação
de seu uso nesta forma após a morte de Luís.”

CONCLUSÃO

O tombamento pode ser uma medida capaz de alienar um determinado bem, garantindo sua
preservação e acesso a um conjunto de recursos públicos que não são disponíveis a outros
tipos de propriedade, contudo ele não exclui a possibilidade do proprietário legal negociar o
bem tombado, desde que sejam preservadas as características materiais e imateriais.
No caso de terreiros de candomblé, a manutenção das características vai além da
preservação de estruturas materiais, mas envolve também as atividades religiosas,
entendidas aqui como bem cultural e como patrimônio imaterial.
A coletivização de uma propriedade privada, sem alteração no regime jurídico, é a forma que
prevalece nas relações entre donos de terrenos, normalmente pais de santo, e a comunidade
religiosa, essa situação pode gerar conflitos no campo do patrimônio familiar, já que nem
sempre os herdeiros legais tem relação harmônica com a situação de ocupação do terreno.
A noção de axé pode ser entendida como uma forma para pensar o patrimônio imaterial e
símbolos culturais, uma vez que os objetos do terreiro, os alimentos, as pessoas e relações
que concentram e distribuem axé.
Por um lado, o pai ou mãe de santo é o centro de distribuição do axé, o que implica posição
de centralidade e redistribuição, isso não significa posição igualitária entre os membros, e na
maior parte das vezes gera conflitos e tensões.

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