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Gabriel Peters1
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Mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e Doutorando em Sociologia pelo Instituto de
Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP/UERJ).
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Introdução
sua “dupla fundação” (Vandenberghe, 2010, p.45) pelo positivismo naturalista de Comte e
inaugurada por Dilthey. O problema teórico-metodológico central que avulta neste debate,
enfrenta esta velha problemática, argumentando que o sociólogo francês não apenas se
demonstrar como Bourdieu busca ir além dos “limites objetivos do objetivismo” (1977, p.1)
texto defende que nosso autor empresta ao princípio do determinismo uma significação
não apenas metodológica, mas também ético-política: segundo Bourdieu, longe de levar
controvérsia
típico da “ciência normal” segundo Kuhn (1975), é um dos motivos que estão na base da
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considerações metateóricas nos próprios esforços de teorização substantiva desenhados
nesse terreno intelectual. Tais esforços estão enredados, nesse sentido, não apenas em
dessa circunstância, a disciplina nasceu sob o signo de uma “dupla fundação”, ao mesmo
Dilthey, na Alemanha, fincou por sua vez as bases de uma posição epistemicamente
como científico, mas de uma espécie de cientificidade cujo status gnosiológico seria
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atreladas a discordâncias fundamentais quanto à descrição ontológica das entidades e
concebidas como mais profícuas para a pesquisa empírica desse universo. Dentre estes
problemas ontológicos e metodológicos, aquele que mais nos interessa no presente texto
diz respeito às diferentes visões acerca do papel desempenhado pelas intenções, crenças
suas condutas, bem como na relação entre tais condutas e os processos de reprodução e
transformação dos contextos sócio-históricos mais amplos em que estes agentes estão
imersos.
Se, por um lado, nenhum cientista social chegaria ao ponto de negar a assertiva de
que, diversamente dos fenômenos estudados pelas ciências naturais, os atores humanos
seus múltiplos ambientes de ação, sempre houve uma marcada discordância acerca das
1995, p. 45), criaturas que atribuem significados (inter)subjetivos a suas próprias ações e
preconizadas por Giambattista Vico no século XVIII. Em sua Scienza Nuova, o sábio
de atores conscientes no estudo das práticas e produtos do anthropos (Cf. Vico, 1999;
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Tal tema veio à baila com força na famosa controvérsia acerca do estatuto das
chacoalhou a academia alemã no fim do século XIX e início do século XX (Cf. Outhwaite,
como teórico da empatia, ou transposição psíquica para outras mentes, como senda de
inteligíveis pela reativação psíquica dos significados subjetivos que elas coagulam
Max Weber esposou uma espécie singular de via media naquela contenda
testada por alguma forma de intuicionismo empático puro e simples. Com efeito, a principal
visado pelo agente, como inerente à explicação de “seu curso” e “seus efeitos” (Weber,
dependente desse expediente, uma vez que a imputação sociocientífica de sentido seria,
dado curso de ação2. Portanto, no que diz respeito ao tema da (in)compatibilidade entre
front daqueles que as concebem não como mutuamente excludentes e, assim, próprias de
uma concepção unificada de ciência, tais como Carl Hempel (1974) e Ernest Nagel (1961,
lógicas e metodológicas inerentes à idéia de ciência. Com efeito, em sua reflexão sobre a
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Nesse sentido, o “individualismo metodológico” e a centralidade da análise intencional preconizados pelo
sociólogo alemão não importavam em uma concepção pouco sensível seja ao caráter social e historicamente
situado e coagido da agência individual e de seus motores subjetivos, seja ao fato de que as ações
societárias tendem a produzir efeitos que escapam às intenções e finalidades que as propeliram - como ele
reconheceu, é claro, em seu opus classicus sobre a “afinidade eletiva” (Goethe) entre a ética do
protestantismo ascético e o espírito do capitalismo moderno (Cf. Weber, 1967).
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cientista social pretendem explicar, Hempel (Cf. 1974, p.431) sustenta que esse
procedimento não pode, per se, ser tomado como explanatório, mas, no máximo, como um
deveriam ser submetidas ao controle empírico. Isto significa que a validade dessas
hipóteses não poderia ser asseverada pura e simplesmente pela identificação psicológica
quais a empatia não fosse factível: “não é preciso ser César para compreender César”,
para citar Weber novamente (2000, p.4). No fim das contas, a posição de figuras de proa
do empirismo lógico sobre a compreensão empática (“útil, mas não indispensável”) foi
condensada pitorescamente por Otto Neurath, que sustentou ter ela a mesma importância
que uma xícara de café consumida pelo cientista durante suas investigações3 (Neurath,
1973, p.357).
sobre o outro” (Husserl). Com efeito, as décadas posteriores foram palco não de um
quais não mais recorriam ao empativismo, mas a um retrato do ser humano como animal
3
Desnecessário dizer, muitos cientistas sociais estariam dispostos a defender, contra Neurath, a absoluta
indispensabilidade de um ou mais cafezinhos.
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se sobre a linguagem como verdadeiro meio de intersubjetividade. Um pouco depois, o
filósofo Peter Winch (1970), na academia britânica, fez uso da pragmática da linguagem do
último Wittgenstein para tentar introduzir novamente um radical divisor de águas entre
sociais objetivas no seio das quais os atores individuais são socializados e atuam, a um
reproduzi-los quando mobilizadas na produção das práticas dos atores, Bourdieu termina
por sustentar que “compreender e explicar são a mesma coisa” (Bourdieu, 2003a, p.699-
700).
Já não é nenhum mistério que o sociólogo francês, trabalhando sob a égide da tese
forma de pares” (apud Bourdieu e Wacquant, 1992, p.73), formulou e burilou seu quadro
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mais tenazes dicotomias que fraturam a paisagem da ciência social. Com efeito, o próprio
proposta de uma transcendência epistêmica do que ele vê como falsa oposição entre as
mundo social, Bourdieu se põe a léguas de distância de abordagens que, ao unir holismo e
Por outro lado, Bourdieu afirma que os críticos do positivismo tendem a partilhar
com seus adversários uma “falsa representação da epistemologia das ciências naturais”
(Bourdieu et al., 2000: 16), a qual seria a fonte da tese de que as particularidades da vida
apenas uma instanciação particular dos princípios lógicos e metodológicos nos quais se
basearia qualquer ciência. Assim, sem deixar de reconhecer a dimensão hermenêutica (do
unidade dos princípios do método científico para além das divisões entre ciências naturais
e ciências humanas, o sociólogo francês trilha a via media de um monismo “não positivista
O último dos atores discutido na seção anterior, o filósofo Carl Hempel, pode ser
elencado dentre os muitos que concebem o método científico exclusivamente como lógica
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procedural de validação ou justificação de enunciados acerca do real, concepção derivada
alicerces de uma arte da prova (ars probandi), mas também inculcar nos seus leitores uma
até Popper (1972, p.32), um estranho companheiro, cita com aprovação em sua discussão
A ars inveniendi delineada na obra de Bourdieu acima tem como alicerce uma
que ele denomina substancialista. Uma perspectiva substancialista do mundo social estaria
4
Luís de Gusmão explica como essa distinção foi compreendida no seio de diversas tradições da filosofia da
ciência no século XX: o contexto da descoberta se referiria ao “conjunto de condições, naturais e sociais,
associadas à gênese de uma determinada idéia, legítimo objeto de investigações empíricas”, enquanto o
locus intelectual da justificação abarcaria o “espaço das razões lógicas e metodológicas gerais, com base
nas quais decidimos acerca da aceitabilidade ou não de enunciados ou sistemas de enunciados, sem levar
em conta agora quaisquer circunstâncias vinculadas às suas origens, domínio exclusivo da reflexão
epistemológica” (Gusmão, 2005, p.17).
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maior contribuição científica legada pelo estruturalismo francês foi o combate a tal
naturais (onde ele teria sido historicamente diagnosticado por Cassirer) para as ciências
humanas, transposição que teria como corolário a identificação dos fenômenos sociais não
tanto com “coisas” ou “pessoas” mas primordialmente com relações (as quais não se
em suas versões individualista (e.g, teoria da escolha racional), holista (e.g, estrutural-
estruturado por relações objetivas invisíveis, as quais “não podemos mostrar ou tocar e
que precisamos conquistar, construir e validar por meio do trabalho científico” (Bourdieu,
historicamente operantes em um dado espaço social (um ator, uma prática, um bem de
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A “ruptura epistemológica” (Bachelard) com as representações de senso comum do
societária. O diagnóstico das formações sociais como estruturas de relações objetivas tem
de ser complementado, segundo ele, pela investigação dos processos por meio dos quais
analítica das disposições práticas de conduta graças às quais a agência dos indivíduos
objetivistas são levadas à adoção de uma visão reificada ou naturalizada das estruturas
sociais, tomadas seja como padrões formais a-históricos, seja como entidades ontológicas
1990a, p.150-151).
O momento subjetivista irrompe na cena precisamente para evitar o deslize para tal
estruturas sociais em termos de sua constituição processual contínua, dos modos pelos
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quais estas são historicamente reproduzidas ou transformadas através das práticas de
como essa relação é corporificada em práticas sociais. Fazendo uso da noção de prática
formulada por Marx nas suas Teses sobre Feuerbach (Marx, 2000, p.113), Bourdieu edifica
seu esquema analítico em torno dessa categoria, tomada como o locus sócio-ontológico
propriedades da constelação estrutural em que ele/a está imerso/a como uma posição e
intenções e significações práticas que animam as mentes e corpos dos atores. Nesse
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momento, a lucratividade analítica do estágio objetivista não é descartada, mas
para dar conta da “dupla verdade” do mundo social. Tal “dupla verdade” exigiria assim uma
apreender), sem deslizar, no entanto, para a hipóstase das formações societárias típicas
processo circular crônico de constituição dos agentes pela sociedade e da sociedade pelos
agentes.
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que provêem o contexto estrutural de socialização, atuação e experiência dos agentes, a
compatibilistas que, ainda que não pretendam reduzir a ciência social à sua dimensão
(Cf. Giddens, 1978, p.170), o autor francês sustenta que a compreensão empática ou
heurístico primeiro para sua explicação causal. Ao contrário, seria somente a reconstrução
do campo de relações objetivas em que um dado ator se insere como uma posição e
perfaz uma trajetória o que constituiria o procedimento analítico que permite o acesso à
sua experiência subjetiva e aos móbeis internos de suas ações. Trata-se de iniciar a
a explicação causal nas ciências sociais, cumpre reconhecer que a prioridade genética da
sociedade sobre os agentes, cujas disposições estruturantes dos ambientes sociais de que
para que o cientista social possa ser capaz de situar-se, em pensamento, na situação dos
indivíduos pesquisados:
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“ Tentar situar-se em pensamento no lugar que o pesquisado ocupa no espaço social para o necessitar a
partir desse ponto...não é executar a „projeção de si em outrem‟ da qual falam os fenomenólogos. É dar-se
uma compreensão genérica e genética do que ele é, fundada no domínio (teórico ou prático) das condições
sociais das quais ele é o produto: domínio das condições de existência e dos mecanismos sociais cujos
efeitos são exercidos sobre o conjunto da categoria da qual eles fazem parte (as dos estudantes, dos
operários, dos magistrados, etc.) e domínio dos condicionamentos inseparavelmente psíquicos e sociais
associados à sua posição e à sua trajetória particulares no espaço social. Contra a velha distinção
diltheyana, é preciso ser dito que compreender e explicar são a mesma coisa” (Bourdieu, 2003a, p.699-700,
grifos do autor).
individuais no “conjunto da categoria da qual eles fazem parte”, sendo tais grupos ou
condições estão, por sua vez, na base da geração de disposições e interesses práticos
(i.e, de habitus) homólogos entre os indivíduos pertencentes a tais grupos, ainda que tal
“pertencimento” não seja necessariamente reconhecido de modo explícito. Por outro lado,
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Essa perspectiva é explicitada pelo autor em uma passagem com claras ressonâncias
durkheimianas:
“ Como qualquer ciência, a sociologia aceita o princípio do determinismo, entendido como uma forma do
princípio da razão suficiente. A ciência, que deve tornar compreensível as coisas como elas são, postula por
isso mesmo que nada existe sem uma razão de ser. O sociólogo acrescenta social: sem razão de ser
propriamente social. (...) O grau em que mundo social nos aparece como determinado depende do
conhecimento que temos dele. Ao contrário, o grau em que o mundo é realmente determinado não é uma
questão de opinião; enquanto sociólogo, eu não tenho que ser „a favor do determinismo‟ ou „a favor da
liberdade‟, mas tenho que descobrir a necessidade, no caso dela existir, no lugar em que ela se encontra.
Dado o fato de que todo progresso no conhecimento das leis do mundo social aumenta o grau de
necessidade percebida, é natural que, quanto mais avançada é a ciência social, maior a acusação que
percebida e oferecendo um conhecimento melhor das leis do mundo social que a ciência social proporciona
possível (...) Uma lei ignorada é uma natureza, um destino (é o caso da relação entre o capital cultural
herdado e o sucesso escolar); uma lei conhecida aparece como uma possibilidade de liberdade” (Bourdieu,
1983a, p.36).
mecanismos determinantes dos processos sociais oferece aos atores embebidos em tais
processos não apenas uma intelecção impotente e resignada daqueles mecanismos, mas
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a possibilidade de alcance de uma margem de liberdade em relação aos mesmos. Isto
possuído acerca das estruturas da vida coletiva, inclusive de suas “necessidades” social e
(des)conhecimento do mundo social na constituição das práticas pelas quais esse mundo é
humana. A articulação entre as dimensões subjetiva e objetiva da vida social não se refere,
por um universo social externo, mas ao papel estrutural, no sentido lógico, da agência
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histórico-sociológicas que consideram a referência a condições e tendências estruturais
coletivas como dados não apenas necessários como suficientes para a explicação de
poderia, assim, ser dispensado de saída (isto é, por uma premissa teórico-metodológica)
quais eles e elas não têm domínio ou consciência. O exemplo clássico dessa linha de
(2000b, p.134-135), artefato teórico-metodológico legado, segundo o autor, pelos três pais
deixava claro naquele livro que tais injunções metodológicas, ao contrário do que
5
A consideração durkheimiana do suicídio como “fato social”, no sentido preciso que ele oferece a essa
expressão, implica o estabelecimento de uma distinção rigorosa entre a explicação da distribuição das taxas
coletivas de suicídio nos países/sociedades por ele investigados e a descrição de toda a pletora de
circunstâncias pessoais, perfis psicológicos e motivos subjetivos particulares dos suicidas considerados
isoladamente. Tendo como lastro uma perspectiva holista (Cf. Durkheim, 1999), Durkheim busca assim
explicar as variações nos índices de suicídio em contextos sociais diversos a partir das propriedades destes
contextos considerados globalmente, sem qualquer referência à pluralidade de motivações específicas que
levaram a cada suicídio individual.
20
pensaram diversos autores pelo menos desde Durkheim, não teriam como corolário
al., 2000, p.29) que consideraria as ações individuais e seus impulsores subjetivos como
sociais em que estão posicionados – eles adicionam algo específico, fazem uma diferença
na cadeia de eventos e causações estruturais que levam às práticas sociais” (Hage, 1994,
agencial dos agentes; b) das intenções, interesses e recursos subjetivos que os atores
mobilizam na produção das suas ações; c) dos efeitos dinâmicos provocados pela
Bourdieu correspondem, grosso modo, a cada um dos ossos que compõem o esqueleto da
explicação histórica segundo Veyne, ainda que Bourdieu ofereça as noções de habitus e
campo como inovações conceituais destinadas a dar um conteúdo teórico mais preciso a
“liberdade”6. Por um lado, sabemos que a historiografia de boa qualidade nunca reduz os
6
Ainda que esta terminologia de Veyne designe provavelmente apenas uma conveniência terminológica e
não uma tese metafísica acerca das propriedades essenciais da condição humana.
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constelações sociais em que atuam, sendo, ao contrário, pródiga na descrição detalhada
personagens sobre os quais ela se centra. Entretanto, na maior parte dos casos pelo
irredutibilidade última dos juízos individuais em relação às injunções das situações sociais
sintético de Bourdieu exigiria uma linha de investigação capaz de captar não apenas os
processos de reprodução e transformação das formações sociais por meio das práticas
dos atores individuais, mas também a face complementar de tais processos, isto é, a
personalidade destes atores, as quais seriam, nesse sentido, capturadas pelo conceito de
habitus. Dessa forma, ele é infenso (Bourdieu, 1990b, p. 53) àquelas abordagens de
axioma de que as estruturas sociais podem ser pensadas como entidades exclusivamente
exteriores aos indivíduos, os quais seriam capazes de escolher livremente entre vias
diversas de conduta dentro dos limites especificados por aquelas estruturas. Segundo
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mundo sócio-histórico exterior, mas permanece, ao mesmo tempo, impermeável às marcas
apenas como restritiva, i.e, uma fonte de proibições exteriores aos cursos de ação
(cognitivos, práticos, expressivos, etc.) com os quais eles tornam-se aptos a contribuir para
a reprodução ou transformação das formações sociais mais amplas em que estão imersos.
Nesse sentido, seria apenas se pensássemos nas referências à liberdade do ator como
exercida por suas escolhas, decisões, intenções, habilidades e recursos (em suma, por
sua subjetividade) no fluxo da vida societária que poderíamos afirmar que Bourdieu
Ele apenas destacaria, no entanto, que tal “liberdade” não constitui um resíduo associal,
“o habitus oferece a única forma durável de liberdade, aquela dada pelo domínio de uma arte, qualquer que
seja. (...)Essa liberdade tornada natureza, que é adquirida, paradoxalmente, pela submissão obrigada ou
eletiva aos condicionamentos do treinamento e do exercício (eles mesmos tornados possíveis por uma
distância mínima da necessidade), é de fato, como o é a liberdade em relação à linguagem e ao corpo que é
23
De qualquer modo, a fidelidade ao ideal de cientificidade que Bourdieu reivindica
metodológica do determinismo, a qual “nenhuma ciência poderia negar sem se negar como
tal” (Bourdieu et al., 2000, p.26), postulado-guia ao qual não se seguiria a assertiva de que
os seres humanos não agem conforme escolhas e orientações (sejam elas mais ou menos
orientações, não apenas sob a forma de coações instantâneas externas a uma dada ação,
mas também daqueles fatores que moldaram a construção de uma personalidade e são
Foi após seu treinamento acadêmico formal como filósofo que Bourdieu se voltou
investigação etnológica que dedicou à sociedade argelina, cruciais para a crítica imanente
7
“Aos que...[me]...imputariam...uma espécie de „partis-pris‟ determinista, gostaria apenas de manifestar o
espanto...que tantas vezes senti diante da necessidade que a lógica da pesquisa me levava a descobrir; digo
isso não para me desculpar por alguma falta imperdoável contra a liberdade, mas no intuito de encorajar os
que ficam indignados diante de tanta determinação no desvendamento dos determinismos a abandonarem a
linguagem da denúncia metafísica ou da condenação moral, para situar-se, quando for possível, no terreno
da refutação científica” (Bourdieu, 2001, p.185).
24
modus operandi sociocientífico que faz da “imaginação etnológica” (Kurasawa, 2002) um
elemento constitutivo da própria sociologia, já que Bourdieu passou a fazer uso de insights
dos quais não era nativo para interrogar-se, de maneira mais reflexiva, crítica e criativa,
acerca do próprio ambiente sociocultural em que estava imerso. Um exemplo claro dessa
próprio estudo da sociedade francesa contemporânea (Cf. Bourdieu, 2007), bem como do
dos atores humanos, ao colocar aos seus praticantes uma tarefa similar àquela enfrentada
de sua obra magna (1976) evidencia uma postura metodológica algo aparentada à visão
na diligente coleta de dados propiciada pela imersão etnográfica, mas também dependente
25
Segundo a leitura contemporânea de Geertz, o acento de Malinowski sobre as
Malinowski, 1997), em que o etnógrafo polonês dava livre curso à expressão vivaz de toda
p.86). Rejeitado este caminho, resta a questão: “o que acontece com o verstehen quando o
produtos culturais como expressões de intenções e qualidades mentais inefáveis por uma
perspectiva textualista (Cf. Reckwitz, 2002, p.248) que os toma em seu caráter
Bourdieu rejeita não apenas a proposta geertziana, mas também, e ainda mais
8
Animadas por “considerações falsamente sofisticadas sobre „o processo hermenêutico de interpretação
cultural‟ e a construção da realidade através da etnografia”, estas correntes teriam levado a “uma explosão
26
Clifford, 1986). Opondo-se en bloc ao subjetivismo empático, ao dialogismo hermenêutico,
etnografia reflexiva advogada por Bourdieu não leva “a um subjetivismo relativista ou mais-
ou-menos anticientífico” que deságua na tese derrideana de que “tudo é...nada além
entendimento, bem como sobre os lucros específicos que motivam seu trabalho de
de narcisismo” em resposta à “repressão positivista” (Bourdieu, 2003b, p.282) que outrora obstaculizava a
expressão narrativa da etnografia como experiência particular de uma subjetividade parcial e situada.
9
Michael Loewy (1994) comparou criticamente a idéia de que a objetividade do conhecimento poderia ser
obtida através de um mero ato de boa vontade intelectual ao fantástico feito em que o Barão de Munchausen
escapou do pântano em que afundava puxando a si próprio pelos cabelos. Uma vez que a auto-objetivação
sociocientífica propugnada por Bourdieu não recorre à mera introspecção, mas a uma explicação-
compreensão sociológica de si, ele poderia dizer que os instrumentos de objetivação acumulados pela
27
Para oferecermos um exemplo, vejamos as investigações de Bourdieu sobre as
Naturalmente, ele aqui denuncia com veemência a abolição fictícia da distância epistêmica
como se fosse preciso apenas um ato de boa vontade para colocar-se em pensamento e
particular o abismo que separa o etnógrafo, que busca decodificar intelectualmente atos,
infraconsciente e imediato, do universo em que está imerso. Estando fora do teatro do qual
analíticas acarretadas precisamente por essa distância, as quais ele só tem condições de
superar retornando, por um esforço auto-reflexivo, à sua experiência de ator situado no seu
prático com o universo social. A ignorância irrefletida de tal diferença leva o antropólogo
história da ciência social são como cipós ou galhos de árvores nos quais o estudioso pode se agarrar para
sair do pântano de seus preconceitos sociocognitivos.
28
teoria da escolha racional, seja do “legalismo” artificial que supõe da parte dos atores uma
p.21).
nativo deveria ser perseguida, segundo o sociólogo francês, não por meio da imersão
objeto, não reclama apenas um novo percurso para a familiarização do exótico no caso da
invisíveis aos agentes sob a roupagem da cognição consciente, precisamente por serem
taken for granted, como diria Schutz. A dissolução da antinomia entre objetivismo e
10
Outra conseqüência da falácia escolástica seria a inclinação ao “filologismo” (Bahktin), típico de
abordagens que percebem apenas as funções cognoscitivas e comunicativas dos sistemas simbólicos,
descurando de suas funções estratégicas e elidindo as assimetrias de poder como dado constitutivo da vida
social ao subsumirem todas as relações sociais no modelo da troca puramente simbólico-comunicativa (Cf.
Bourdieu, 1990b, p.17).
11
Em particular, é claro, o terreno onde é constituído e atua o Homo academicus, título de um estudo (1988)
que constitui, nesse sentido, tanto uma análise histórico-sociológica substantiva do mundo universitário
francês quanto um exercício experimental de método.
29
subjetivismo resulta, assim, em uma abordagem que combina ambas as formas pelas
subjetivos das práticas, Bourdieu não rechaça a possibilidade de ações motivadas por
deliberações reflexivamente articuladas pelos atores, apenas assinalando o fato de que tal
objetivas que configuram o que ele chama de “efeito de hysteresis” (Bourdieu, 1990c,
p.108; para uma análise mais detalhada, ver Peters, 2011), a procura pela obtenção do
domínio reflexivo sobre o próprio habitus também poderia ser amparada pela sociologia, se
controladas ao acederem ao nível da consciência. Ainda que, no mais das vezes, Bourdieu
30
indispensável ao trabalho sociocientífico, ele também veio a atribuir a esta um valioso
sociais que pesam, externa e internamente, sobre suas condutas, abrindo aos agentes “a
que se passou”; um conhecimento que poderia, ainda, dar ensejo ao cultivo reflexivo de
Freud (2006) nos oferece na sua segunda topologia da mente, o ego é um “pobre coitado”,
imperativo “onde havia id, que passe a haver ego” (Wo Es war, soll Ich Werden). A
premissa desse lema é: quanto menos conhecemos nossos impulsos inconscientes, mais
somos escravos e joguetes dos mesmos, mais eles nos controlam sem que sequer
saibamos disso. Nesse sentido, a primeira condição para o incremento da minha liberdade,
31
precisamente o conhecimento das minhas disposições inconscientes de comportamento,
dos móbeis que até então motivavam efetivamente minhas ações e representações sem
do habitus sob a égide do princípio “De te fabula narratur” (para citar o epigrama caro a
constituída, ser dotado de um habitus que, em princípio, o possui, mais do que é possuído
por ele. Embora a veia desencantadora dessa senda de análise seja insofismável, esse
natureza, reconhecer as forças que agem sobre nós e, em particular, “dentro” ou “através”
de nós, é adquirir uma ferramenta para agir sobre tais forças. Reivindicando uma tarefa
“clínica” ou “délfica”12 para a sociologia, Bourdieu propõe a tese de que esta “liberta
libertando da ilusão de liberdade” (Bourdieu, 1990a, p.28). Isto significa que a possibilidade
da conduta vai além do simples (sic) “reconhecimento da necessidade”. Uma vez que as
através das ações e representações dos atores humanos, o reconhecimento daquelas por
12
Da clássica inscrição no templo de Delfos: “conhece-te a ti mesmo”.
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parte dos agentes pode constituir o preâmbulo ao seu questionamento, combate ou
libertária.
Conclusão
conexão com a idéia bourdieusiana de que, longe de serem concebidas como modos de
com a identificação científica das causas dos cursos particulares de agência humana e
33
historicamente reproduzidas e/ou transformadas por meio de práticas subjetivamente
(Bourdieu, 2000, p.29). Por fim, verificamos como, na perspectiva de Bourdieu, essa
mundo social como livres sujeitos de seu próprio destino é, ao mesmo tempo,
diligência no registro dos limites da liberdade humana pode esperar progredir não apenas
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