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Instituto de Música – UFU

Uberlândia, 21 de abril de 2019

Disciplina: Sociologia da Música


Docente: Prof. Dr. Adalberto Paranhos
Discente: Claudio Cesar Gonçalves Dias Junior
Análise da Obra: Os desafinados: sambas e bambas no “Estado Novo”. Adalberto
Paranhos, Prefácio de Maria Izilda S. Matos – São Paulo: Intermeios, CNPq e
Fapemig, 2015.
Resumo: Capítulo II – A invenção do Brasil como terra do samba: os sambistas e sua
afirmação social

Introdução
Neste capítulo o autor se propõe examinar como o samba se tornou um
aspecto predominante na identidade cultural brasileira apresentando, através do
discurso musical de compositores da música popular do início e meados do século
XX, a longa trajetória do samba urbano que, conforme aponta, foi aos poucos
deixando de ser artefato cultural marginal - do morro - e sendo incorporado por todas
as classes, consagrado símbolo da nacionalidade.
Logo no início o autor ressalta que os caminhos trilhados pelo samba carioca
foram acompanhados de tensões tanto no que se refere ao desenvolvimento industrial
capitalista que tornou a música popular produto comercial de consumo de massa;
quanto no que se refere às aspirações de um governo preocupado em manter a ordem
social e instituir uma identidade cultural nacional:
Por ora, assinalo que a ação estatal – por não ser única nem
uniforme – fez-se sentir em meio a tensões permanentes que
envolveram o processo de legitimação do samba. Tensões presentes
quer na trincheira da produção musical brasileira, quer no interior
de classes dominantes e elites intelectuais, quer entre integrantes do
próprio aparelho do Estado. Tensões, por sinal, que se estenderam
inclusive às relações entre música popular e “Estado Novo”, que
alimentou um dia a ilusão da criação do coro da unanimidade
nacional. (PARANHOS, 2015; p.50).

Ao longo de sua introdução, o autor afirmará que neste campo de tensões,


foram os próprios sambistas os grandes produtores do samba como elemento essencial
da singularidade cultural brasileira.
1. Salve o prazer!: o samba como produto nacional
Segundo o autor, foi ao final da década de 20, mais especificamente no bairro
Estácio de Sá, zona central do Rio de Janeiro, caracterizado pela população preta e
“mulata”, com predominância das “classes pobres” e “classes perigosas”, onde a
polícia dedicava especial atenção; que o samba carioca – samba urbano - se
constituíra e teria galgado as encostas dos morros e atingido a periferia para ser depois
identificado o “samba do morro”.
Conforme dito anteriormente, antes de se tornar um ícone da identidade
nacional, foram muitas batalhas travadas, dentre elas a de representação social. No
campo da produção do samba a tensão era ainda maior:

Figuras proeminentes da primeira geração de “fundadores” do


samba urbano baiano-carioca, eles não se conformavam com o
estilo que arrebanhava mais e mais adeptos. Em vez da sua feição
amaxixada, emergia um samba que, sem deixar de ser batucado,
adquiria uma característica de música mais marchada, como
decorrência de aceleração rítmica, justificada como mais apropriada
para os desfiles de carnaval.
Para quem fora educado na tradição do samba amaxixado – a chula
raiada ou samba raiado ou, tanto faz, o samba de partido-alto -, os
“modernistas” estavam indo longe demais. (Ibidem, p.51).

Com a expansão da indústria fonográfica e do disco como mercadoria, as


produções musicais passavam por transformações afim de se adequar as novas
realidades e isso causou grande impacto para os domínios do samba e para os
sambistas pioneiros que, conforme coloca o autor, se diziam inconformados com o
“novo samba carioca” que no lugar da improvisação costumeira se encaixavam
sequências preestabelecidas e duravam em média o total de três minutos. Estava
travada a batalha entre morro e cidade, samba e batucada, o “samba tradicional – do
morro” e o “samba carnavalesco – da cidade”. Segundo análise do autor, “instalados
no mesmo campo semântico, samba e batucada andarão de mãos juntas em inúmeras
composições” (Ibidem, p.54).
No processo de afirmação como produto nacional, o samba precisou se afastar
dos limites de sua origem (o morro) e se aproximar de outros grupos e classes sociais,
ultrapassando fronteiras étnicas, sociais e geográficas. De acordo com o autor, nesta
transição, o samba configurou-se simbolicamente na relação Estácio-Vila Isabel e em
parceria com os compositores Ismael Silva-Noel Rosa:
Estácio de Sá, centro propulsor do “samba carioca”, do “samba de
carnaval” ou do “samba de morro”, era, como já vimos, bairro de
gente simples. Nele, as práticas musicais das classes populares
contavam com pessoas que ganhariam projeção na história da
música popular brasileira, como Ismael Silva, Bide (Alcebíades
Barcelos) e Armando Marçal. Esbanjando engenho e arte, os
sambistas confeccionavam frequentemente seus instrumentos de
percussão, uma forma de tentar contornar crônicos problemas
financeiros (consta, por sinal, que Bide teria sido o inventor do
surdo de marcação utilizado nas escolas de samba, que seria feito de
couro de cabrito ou de gato que por vezes comia aqui ou ali...). Ao
compor, em 1936, música e letra da belíssima “O x do problema”,
Noel Rosa simplesmente se rendia aos encantos do samba do
Estácio, que admirava de há muito. E exprimia a atração que parcela
ponderável das classes médias sentia pelo novo tipo de samba que
emergia desde a segunda metade dos anos 1920. (Ibidem, p.55-56).

Conforme aponta o autor, Noel Rosa foi o grande propulsor do samba entre
bairros e quem evidenciou que o samba carioca não pertence a um outro, nem a
Estácio ou à Vila Isabel, mas ao Rio de Janeiro. Ele junta samba e batucada, morro e
cidade, promove uma construção do samba como popular, de todos, ficando
conhecido como grande mediador cultural. No entanto, cabe salientar que sendo
“moço da cidade”, Noel se distanciava da cidade e demonstrava apego às
características e pessoas do morro. Ademais, em análise da vida e obra de Noel, o
autor irá apontar que devido ao estimulo industrial de produção musical atrelado aos
programas de rádio, o samba carioca se torna o samba nacional.

A vida e obra de Noel Rosa fornecem um testemunho eloquente do


movimento de transregionalização do “samba carioca”. Gerado em
determinada região do Rio de Janeiro, o samba migrou, num
processo dinâmico de permanente recriação, para outras áreas
dacidade. Simultaneamente, conduzido pelas ondas do rádio e pelos
discos, ele se transportou para outros lugares do país, o que elevaria
o “samba carioca” ao patamar de “samba nacional”, embora não se
excluam outras pronúncias ou outras dicções do samba. (Ibidem,
p.59).

2. Yes, nós temos samba: o nacionalismo musical


Num contexto em que se lutava pela criação de uma identidade nacional acima
de tudo, s influência do fox-trot norte americano à frente da música popular brasileira
não era bem quista! Como bem escreve o autor, o samba surge como “peça de
artilharia musical”, no combate às “más influências” culturais norte-americanas, e
estrangeiras, de forma geral.
Durante esses aproximadamente 30 anos do fox-trot em terras
brasileiras, as etiquetas dos discos aqui gravados fariam menção a
uma gama imensa de foxes: fox-canção, fox-cançoneta, fox-
cowboy, fox-marcha, fox-sertanejo e... fox-samba. E se ouvirão
foxes nacionais e estrangeiros, no original ou em versões (em
compensação, serão gravados fado-samba, guarânia-samba,
mazurca-samba, samba-rumba, samba-tango e... samba-fox, sem
contar samba-boogie e samba-swing).
Armado esse cenário, pode-se então entender por que, já em 1930,
num samba amaxixado, Carmen Miranda descarregava a ire do setor
nacionalista contra o fox-trot, esse intruso, e espalhava aos quatro
cantos que “Eu gosto da minha terra”. (Ibidem, p.61).

Segundo o autor, Noel Rosa era um dos que “compartilhavam as restrições


feitas ao modismo do fox-trot” e desaprovava brasileiros cantando em outras línguas,
bem como qualquer coisa que parecesse americanizado. Afinal de contas, Noel era o
próprio nacionalista popular, conforme categorizado anteriormente.
Estando o samba neste panorama de constituição e afirmação de uma
identidade nacional, frente à luta contra as “más influências” estrangeiras, surge outro
fator preponderante que influenciou na criação de uma “típica orquestra brasileira”
naquele período: o cinema falado. Ao chegar no Brasil no início dos anos 30, o
cinema falado desencadeou o desemprego em massa de instrumentistas que antes
ocupavam as salas de projeção ou as salas de espera dos cinemas. Devido a isso, a
corporação musical do Rio de Janeiro e outros defensores da área reivindicaram junto
ao governo a criação da “orquestra típica brasileira” visando ainda fazer frente às
jazz-bands estrangeiras ou nacionais.

O panorama musical brasileiro da época era, evidentemente, um


campo de forças, com suas disputas e concorrências. O samba,
hegemônico, não reinava sozinho, como é óbvio. O levantamento
dos gêneros musicais veiculados no universo dos discos indica, em
segundo lugar, a frequência de gravação de marchas (...).
Gravavam-se também, em grande quantidade, “canções”, valsas
(estas, quase exclusivamente de autores nacionais, em escala bem
maior do que a dos foxes made in Brazil), músicas sertanejas ou
regionais (que agrupavam muitos gêneros ou subgêneros). Sem o
mesmo peso quantitativo de antes, o chora era outra modalidade
sempre presente, inclusive sob a nova denominação de samba-
choro. Já o samba-canção, que despontara como rubrica musical em
1928, contabilizava, por essa época, um número de registros
relativamente reduzido. (Ibidem, p.66).

3. Essa gente bronzeada: o samba e a mestiçagem


Como já apontado, a trajetória do samba para se tornar símbolo da identidade
nacional foi marcada por batalhas. A maior delas, talvez, tenha sido a travada com a
polícia que, incansavelmente, não poupavam o morro e o povo negro do morro, a
malandragem e a capoeiragem. Que o samba era negro de nascença, nem os
compositores brancos negavam. Mas na busca incessante por uma identidade cultural
brasileira não seria adequado restringir este símbolo a uma só classe, tampouco a uma
classe marginalizada e recorrentemente alvo de investidas policiais.

Na realidade, o samba – no seu fazer-se e refazer-se permanente-ia


incorporando outra tez e outro tom, quer dizer, outras dicções e
tonalidades, imerso num processo simultâneo de relativo
embranquecimento e empretecimento dos grupos e classes sociais
que se envolviam com ele. (...) Pavimentava-se o caminho para a
entronização do samba como ícone cultural de toda a nação, e não
apenas desse ou daquele segmento étnico ou social. (Ibidem, p.72).

A ideia de mestiçagem passa a ser cantada e entoada pelo discurso nacionalista


de um Brasil “misto”, “multirracial”, de negros, brancos, índios, de samba e carnaval!
Conforme aponta o autor, “o policromatismo, base sobre a qual se erigiu o
mito da democracia racial brasileira, consistia num dos pontos de partida de reflexões
polítco-sociais de pensadores ideologicamente comprometidos com a ditadura estado-
novista” (p.74). Na prática dos palcos, ataques racistas aos sambistas do morro eram
comuns da mesma forma que a propagação de uma ideia de “higienização” da música
popular ou o chamando “saneamento do samba”.
Neste contexto o autor aponta compositores que se empenharam em debater
sobre as raízes negras do samba e suas projeções, citando novamente Noel Rosa que,
diferente de alguns sambistas, “percebeu os limites da condição malandra, e [...]
estimulou os [músicos] que a viviam a transformar-se em compositores profissionais”
(p.79). Em contrapartida, também cita composições que clamava pela valorização de
uma “raça branca” e não era adepta à miscigenação. As resistências eram muitas e não
pararam por um bom tempo. Independentemente disso, o samba não deixou de ser
consagrado como símbolo da identidade nacional e ícone musical da mestiçagem.
Ademais, conforme aponta o ator ao final deste item:
Os ganhos advindos da nacionalização do samba não foram, porém,
divididos na sua justa proporção. Os cantores brancos com certeza
estavam entre os que mais tiraram proveito do fato de o samba
atingir a crista do sucesso. Multiplicavam-se as queixas de
compositores das classes populares sobre a dificuldade de acesso às
gravadoras, que acumularam lucros e mais lucros com a exploração
do trabalho alheio. (...) Nada de novo sob o sol. Afinal, na sociedade
capitalista e a acumulação do capital se dá, em regra, exatamente
assim. (Ibidem, p.80-81).

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