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BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITARIO

A COLEÇAO RECLAMADA PELAS NECESSIDADES


ATU4Is DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA
1.
2.
3.
MARTIN HEIDEGGER / Introdução à Metafísica
A . L . MACHADO NETO ! T eoria Geral do Direito
JEAN-PAUL SARTRE, J. ORGEL, ROGER GURAUDY, JEAN HYP-
POLITE e JEAN PIERRE VIGIER / Marxismo e Existencialismo
(Controvérsia.s sobre a dialética)
tb
4.
5.
6.
7.
C . R. BOXER ! Relações Raciais no Império Colonial Português
MARTIN HEIDEGGER / Sobre o Humanismo
JEAN VIET / Métodos Estrnturalistas nas Ciências Sociais
CLAUDE LÉVI-STRAUSS / Antropologia Estrutural
Bibliot
8.
9.
JEAN-PAUL SARTRE / Colonialismo e Neocolonialismo
'MA URICE GODELIER I Racionalidade e Irracionalidade na Eco-
nomia
Tempo Univ r it ' rio
10. MAURICE MERLEAU-PONTY / Humanismo e Terror
11 .
12.
13.
MICHEL FOUCAULT / Doença Mental e Psicologia
GASTON BACHELARD I O Novo Espírito Científico
HERBERT MARCUSE / Materialismo H istórico e Existência
42
14 . ABRAHAM MOLES / Teoria da Informação e Percepção Estética
15. JOSÉ GUILHERME MERQUIOR / Arte e Sociedade em Marcuse,
Adorno e Benjamin
16. EMIL STAIGER / Conceitos Fundamentais da Poética
17 . HANNS-ALBERT STEGER / As Universidades no Desenvolvimento
Social da América Latina
18 . HENRI EY (Direção de) / O Inconsciente - Volume I (Colóquio
de Bonneval) . ColaboraÇões de CL. BLANC, R. DIATKINE, S. FOL-
LIN, A. GREEN, G . C. LAIRY, G. LANTÉRI-LAURA, J . •LAPLAN-
GE, S. LÉBOVICI, S. LECLAIRE , HENRI LEFEBVRE, F. PERRIER,
PAUL RICOEUR, c. STEIN e A. DE WAELHENS e a particioação
de P. GUIRAUD. JEAN HYPPOLITE, JACQUES LACAN, MAURICE
MERLEAU-PONTY, E. MINKOWSKI, entre outros
19. KOSTAS AXELOS / Introdução ao Pensamento Futuro
20. LUIZ AMARAL / T écnica d e Jornal e P eriódico
21. RALF DAH,RENDORF / .Homo Sociologicus
22. ERNESTO GUERRA DA CAL / L íngua e Estilo de Eça de Queiroz
23. ANDRÉ MARTINET / A Lingüística Sincrónica
24. JACQUES GUILLAUMAUD / Cibernética e Materialismo Dialético
25. EDUARDO PORTELLA / T eoria da Comunicação Literária
26. HELMAR FRANK / Cibernética e Filosofia
27. CLAUDIO SOUTO / Introdução ao Direito como Ciência Social
28. DJACIR MENEZES ! O Problevia da Realidade Objetiva
29. MARC!LIO MARQUES MOREIRA I Indicações para o Projeto Bra-
sileiro
30. HELMUT SCHELSKY / Situação da Sociologia Alemã
31 . ROBERTO CARDOSO DE OLIVEIRA / A Sociologia do Brasil In-
dígena
32 . CARLOS CHAGAS FILHO I o Minuto que vem (A ciência no mundo
contemporâneo)
33 . EDUARDO PORTELLA / Fundamento da Investigação Literária
34. ERNST BLOCH / Thomas Münzer , teólogo da revolução
35. ALEXANDER MITSCHERLICH / A Cidade do Futuro
36. THEODOR W . ADORNO / Notas de Literatura
37 . EDWIN B. WILLIAMS / Do Latim ao Português
38. EMMANUEL CARNEIRO LEAO / A Provocação da Linguagem
39. DIETER SENCHAAS, WOLF-DIETER NARR e FRIEDER NASCHOLD
/ Análise d e Sist emas, T ecnocracia e D emocracia '
40. JOSÉ GUILHERME MERQUIOR / A Es.tética de Lévi-Strauss
41. WALTER BENJAMIN / A Modernidade e os Modernos
42 . EDUARDO PORTELLA , JOSÉ GUILHERME MERQUIOR, HELENA
FARENTE CUNHA, ANAZILDO VASCONCELOS DA SILVA, MARIA
DO CARMO PANDOLFO, MANOEL ANTONIO DE CASTRO, MUNIZ
SODR!l: / T eor ia Literária
Eduardo . PORTELLA
Manuel Antônio DE CASTRO
José Guilherme MERQUIOR
Helena PARENTE CUNHA
Maria do Carmo PANDOLFO
Muniz SODRÉ
Anazildo VASCONCELOS DA SILVA

TEORIA LITERÁRIA
Planejamento e coordenação de
EDUARDO PORTELLA

tempo brasileiro
Rio de Janeiro - RJ - 19716
BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSIT ARIO - 42 SUMARIO

Coleção dirigida por EDUARDO PORTELLA, 1


Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
TEORIA LITERARIA, CRíTICA E HISTóRIA
Limites Ilimitados da Teoria Literária/ EDUARDO POR-
TELLA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Critica e História Literária / MANUEL ANTONIO DE
21!- edição CASTRO .... . ................... . ........ . 19

II

ESTILO E ÉPOCAS

Capa de Os Estilos Históricos na Literatura Ocidental / JOS:B


ANTóNIO DIAS GUILHERME MERQUIOR . ..... . ........... . 40

1 II

G:mNEROS E NARRATIVAS
Os Gêneros Literários ./ HELENA PARENTE CUNHA 93
Análise da Narrativa / MARIA DO CARMO PAN-
DOLFO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

IV

A NOVA CULTURA E SEUS SIGNOS


Direitos reservados
EDIÇÕES TEMPO BRASILEIRO LTDA 162
Semiologia e Literatura / MUNIZ SODR:B ........... .
Rua Gago Coutinho, 61 (Laranjeiras) - ZC-01 -
Tel.: 225-8173 - End. telegr. TEMERAS - Cx. Postal 99 A Paraliteratura / ANAZlLDO VASCONCELOS DA
SILVA ................................... . 172
Rio de Janeiro - RJ - Brasil Bibliografia Sumária ......... . ................... . 186
Limites ilimitados da teoria literária

1. O tempo da Teoria Literária. 2. Alargamento interdisci-


plinar. 3. As rUferentes alternativas da compreensão literária.
3 .1 O leque aberto da "nova critica". 3. 2 A critica de base
filológica. 3.3 A critica de base lingüística. 4. A superação
aa·s dicotomias no trans-modelo poéttco. 4. 1 A TeoTia de ex-
clusão do silêncio. 4.2 A Teoria de inclusão do silêncio. 5.
Ressurreição e crise da literatura. 6. o reencontro do mito.

A Teoria Literária assumiu repentina e pecultar tmportA.ncfa no


quadro cada vez mais amplo dos estudos Itterários. ll: provável mesmo
que ela esteja para o ensino da literatura assim como a Ltngüfstica se
acha para o aprendizado das línguas ou, se quiserem, das linguagens.
1. O tempo ela Teorta Ltterárta. Não que o lugar da Teoria Lite-
rária, desde as mais · remotas lições da Poética ou da Retórica até os
mais recentes compêndios de comunicação e expressão, houvesse sido
um espaço em branco. Não.. Mas é certamente agora que ela atinge o
seu conveniente status unive_rsitário, identificando-se como disciplina de
configuração autônoma porém de caráter rigorosamente interdisciplinar.
Podemos até afirmar, sem o receio de incorrer em qualquer deslize
mitômano, que a Teoria Literária é o núcleo e implementa, critica e me-
todologicamente, todo o sistema de ensino das literaturas. Nenhuma
literatura particular, no seu modo de produção universal, pode ser estu-
dada e ensinada sem o necessário suporte teórico. Isto não nos autoriza
a desequ111brar, sob quaiquer pretexto, as relações de poder vigentes na
contracena das disciplinas literárias. 1!: este o único llmite que não pode
ser violado; e ele impede a Teoria Literária de transformar-se numa
disciplina dominadora e repressiva.

7
Mais uma vez o percurso da Teoria Literária deve afastar-se do numa freqüente modalidade de entreguismo, redutor e suicida. O poé-
exemplo vizinho da Lingüística. A Teoria Literária não pode ser hipos- tico terá de ser potencializado na fronteira da confluência ou do pa-
tasiada como a proprietária suprema da verdade poética. Até porque radoxo.
devemos duvidar da própria verdade poética, pelo menos nas suas for- 3. As diferentes alternattvas da compreensão literária. A partir do
ma·s institucionalizadas. E além do mais, como se não bastasse o reco- esforço de verticalização, quando a consciência critica da literatura assu-
nhecimento da feição disseminada do objeto literário, as modificações miu o comando dos estudos literários, aposentando o palpite emocionado
ou acréscimos, que foram sendo historicamente incorporados à sua es- mas ingênuo, ou o simples jogo de azar, a investigação literária registrou
trutura, invalidaram os conceitos imóveis e intocáveis, exigindo, a partir algumas atitude·s básicas. A primeira delas, reunida sob o rótulo abran-
desse ângulo aberto, uma amplitude ótica capaz de surpreender a ver- gente de nova crítica, abriga, desde a análise estilistice. alemã ou espa-
dade poética para além do âmbito restrito das diferentes espécies poe- nhola até o new crtticism anglo-americano. A segunda opção critica,
máticas. embora podendo ser enlaçada com a primeira, identifica-se por um rigor
Aqui rece)Je um novo impulso problemático a controvertida questão sistemático e por uma amplitude de visão - quando P.xercida por repre-
das escolas e gêneros literários. E é claro que uma proposição metodo- sentantes da força criadora de um Leo Spitzer, de um Erich Auerbach,
lógica circular e simultânea terá de reconhecer nessas categorias apenas de um Damaso Alonso, de um Hugo Friedrich -, que justifica plena..:
processos de estruturação, valorizados sem dúvida como instâncias pe- mente o tratamento autônomo. O terceiro momento tem na Lingüística
dagógicas insubstituíveis. Porque fora desse prisma a força classifica- o seu modelo e o seu padrão de verdade.
dora se reduz e se anula, especialmente hoje quando se tomam incom- 3.1 O leque aberto da "nova crítica". Debaixo dessa designação ge-
patíveis a função sincrônica dos gêneros e a imagem pancrõnica da nerosa, encontram abrigo as mais diversas modalidades de compreensão
cultura planetária. critica e, no seu conjunto, elas desenham um percurso sinuoso, freqüen-
2. Alargamento tnterdisciplinar. Partindo do pressuposto de que a temente contraditório; que vai desde o enfoque oportuno e preciso da.
Teoria Literária é uma ciência do homem - animal simbólico -, que se intimidade poética até o condenável miniaturismo que transformou o
ocupa da linguagem poética - processo especifico de simbolização -, procurado universo "em si" num circulo ou circuito fechado.
devemos entender a sua expansão interdisciplinar como natural conse- De qua!quer modo, pelo que se propôs ou pelo que conseguiu reali-
qüência do seu progresso técnico. A estruturação polivalente da Teoria zar, a "nova critica" é um marco renovador, especialmente no Brasil.
Literária é o recurso que ela própria encontra para ocupar o vasto terri- Falar do seu principal representante - Afrânio Coutinho -, e de um
tório que lhe corresponde. Dai a opção por uma metodologia alternada, livro que, embora precedido e sucedido, cristaliza o ideário novo - Da.
confluente, que se estende por todo o universo sem fim das diferentes Crítica e da Nova Crítica (1957) -, é procurar dimensionar adequada-
práticas sociais, unindo, num esforço conjugado de compreensão da mente esse estágio inicial e instaurador.
intersubjetividade, espaços teóricos aparentemente distantes ou refratá- A "nova critica" foi definida e codificada brasileiramente por A!rê.-
rios entre si. A Antropologia, a Lingüística, a Psicologia, o Direito, a nio Coutinho, nos primeiros anos da década de cinqüenta. Talvez não
investigação empírica e a pesquisa teórica, dão as mãos para levar adian- se possa supor que esta informação, aqui reconstituída com tanta tran-
te a tarefa comum de decifração do enigma do homem. qüilidade, lembre um tempo de luta, de pactos institucionalizados pelo
Teremos evidentemente que distinguir entre o principio da absorção poder literário, de exaltadas polêmicas.
e o princípio da submissão. Se o primeiro dilata e fortalece a identidade, o volume Da Critica e da Nova Crít~ca de Afrânio Coutinho, que
o segundo reduz e anula. A Teoria Literária deve estar prevenida para, amplia o seu predecessor Correntes Cruzadas, nos fala desse período
ao recusar o isolacionismo - tão protegido pelos compartimentalistas, dogmático em que as correntes se cruzavam irremediavelmente. Hoje
em nome da defesa, de resto míope, da literariedade -, não resvalar que a ,,.u~ "'· acabou, esse é um mundo distante. ll: fácil falar-se dele

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em ritmo de paz. Mas não foi fácil para Afrànio Coutinho detonar todo Nesta obra, aliás, o combate ao impressionismo já não assume as
um processo de renovação critica, que consistiu em denunciar e demitir proporções intransigentes de antes. É! muito mais uma "ênfase" do que
<>s impulsos subjetivos que decidiam a sorte do saber literário.
um empenho sectário de pura e simples exclusão. Porque houve uma
A reavaliação da "nova crítica" comporta três movimentos diversos. hora em que o impressionismo foi condenado em praça pública como a
Num primeiro instante ela se afirma como o elo instaurador de uma expressão acabada do amadorismo ingênuo e inconseqüente. Sempre me
seqüência transformadora. Nessa linha de reflexão, a "nova critica" anun- <>pus, desde os primeiros instantes de uma militância critica, que foi
cia as proposições metodológicas atuais, particularmente ao valorizar considerada pelo próprio Afrànio Coutinho como "a primeira manifes-
a obra como um universo "em si". tação prática da nova critica em livro" (referia-se ao meu Dimensões,
O segundo movimento registra o delírio narcisista da "nova critica". J (1958), a essa condenação snmária. Para mim o contato · impressio-
Procurando a exatidão analítica no espaço físico do texto, ela fragmen- nista foi e continua sendo uma dimensão insubstituível da compreensão
tou o próprio universo com que sonhara, num gesto inicial de humildade critica. Como então eliminá-lo em nome de um vanguardismo equivoco
e respeito. Os elementos constitutivos da obra se transformaram em pe- e fraudulento? Essa posição não alinhada desagradava os centuriões ou
daços solitários de um mundo disforme. Muito mais do que uma equa- <>s "novos ricos" da ideologia novidadeira. Mas me aproximou de Afrànio
ção co~plexa, um esquema elementar de operações fundamentais. A Coutinho que, embora combativo e obstinado na defesa de suas idéias,
expressao "nova critica" passou a ser sinônimo de atomização. Por uma não se amesquinha diante do paradoxo e sabe valorizar o confronto e
ironia estranha e imprevisível, até sob esse aspecto, nada edificante, foi cultivar o diálogo. Chegamos a um esforço comum de modernização cri-
precursora. Sobretudo das novas correntes de base lingüística. o uni- tica por itinerários diversos. Ele, por intermédio dos Estados Unidos; eu,
verso ambicionado, tornou-se cada vez mais um pequeno mundo vazio. via Europa. Talvez por isso persista nele um certo rigor tecnicista. En-
Tudo isto aconteceu até que, num terceiro instante, o prestígio da quanto em mim a surpresa ou a alegre aventura do texto são instâncias
..nova critica" - já. debilitado e discutido - perdeu-se inteiramente nos absorventemente procuradas. Nunca deixei de estimar o saudável im-
subterrâneos caprlchosos da moda intelectual. pressionismo tantas vezes praticado por figuras tão fundadoras como
O sentido adicional desta obra, agora reeditada (1975), emerge deste Alceu Amoroso Lima (onde se localiza um expressionismo antecipador>,
quadro sucintamente desenhado: trata-se de lembrar a este pais . amné- Augusto Meyer, iPrudente de Morais Neto, Sérgio Buarque de Holanda,
sico a riqueza teórica do debate critico travado nos (remotos?) anos cin- ROberto Alvim Correa, Antônio çàndido (múltiplo e sucessivo). Eles
qüenta. Os livros de artigos se alimentam e vivem de provocações mo- sabem experimentar o que a modernidade insuspeita de Roland Barthes
mentâneas, estão endereçados a uma determinada situação cultural, chama "o prazer do texto"
transmitem a palavra de um autor que se .modificou no ato cotidiano Na fictícia segunda parte do livro Da Crítica e da Nooa Crítica,
de acrescentar-se. Dai a margem de aventura inerente às suas reedições. emerge o moralista Afrànio Coutinho, critico impiedoso dos vícios . rei-
Mas a verdade antecipadora de Afrànio Coutinho - que encarnou e nantes em nossa vida literária. Agarrado a um código de ética condizente
conduziu a "nova critica" em meio a um imobilismo tão estagnante quan- com a sua própria teoria literária, ele se toma implacável censor de
to resístente - conseguiu tral1Spor esse perigo. costumes. ll: provável que esta parte, desligada da análise dos compor-
Da Critica e da Nova Crítica pode ser dividido em duas partes, indi- tamentos pré-industriais, seja a menos permanente da sua lição inova-
vidualizadas mas confluentes. A primeira parte desta auto-classificada. dora. A parte que perdurará, como testemunho indiscutível de grandeza,
"teoria estético-literária" orç-aniza-se num nível amplamente técnico. é aquela que, mediante uma infatigável mobilização teórica, onde se in-
Conceitos e métodos são postos a serviço da investigação da "especifi- cluem até mesmo diferentes espécies de formalismo-estruturalismos
cidade artistice.". Aqui um desconcertante aparato teórico interrompe 0 (Jakobson, Wellek, Lévi-Strauss>, configura o horizonte sem fim da
tranqüilo sono impressionista.
"nova critica".

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3. 2 A critica de base fil ológica. Ao se distanciar e empreender sim- t tca de todos os tempos; aquela. que identifica na arte a manifestação
plesmente u ma excursão erudita no passado imobilizado, a critica de base totalizadora do real. Aquela consciente de que só a linguagem simbóli-
f!lol ógica desvitalizou-se, tornando-se apenas uma curiosa ginástica da co-alegórica é capaz de verticalizar o jogo tenso do homem e as coisas.
m emória culta. E na verdade o seu itinerário vital deve ser exatamente Na peculiar hermenêutica do professor Leodegário A. de Azevedo
o contrálio: abraçar o pressuposto hermenêutico da presentificução ~ Filho, 0 trovador Pero Meogo emerge livr e da linearidade caracter ística
confer ir vida até mesmo ao texto remoto. dos nossos estudos medievais. Sobretudo porque o analista soube ser
O aparecimento recente de As Cantigas de Pero Mcogo (1974) d<> sensível à peripécia meta-textual do analisado. Colocou-o no centro de
prufessor Leodegário A. de Azevedo Filho, move-se n esse nível. um tro- um vasto sistema narrativo, onde o poeta aparece como um hábil trans-
vador distante, aparentemente desaparecido em meio a os papéis desbo- gressor de códigos e como um eficiente instaurador de simbolos. E ai as
tados do século XIII, pode transformar-se num contemporâneo nosso. cantigas de amigo surgem como formas confluentes, pluridimensionais,
Basta que o ângulo de visão, ou a perspectiva do entendime11to, preserve subvertendo a delimitação convencional dos gêneros literários.
e desenvolva o compromisso com o poético. E o poético é a construção. Advirta-se que todas as decisões tomadas pela estética de Pero
derrotando a data; é a realização para além dos~ do texto. Meogo têm por objetivo, e quase numa antecipação hegeliana, empreen-
Foi partindo deste princípio que o professor Leodegário A. de Aze- der a concretização do universal. Quando Pero Meogo fala do homem
vedo Filho trouxe para junto de nós as cantigas de Pero Meogo. o ana- e das coisas, está configurando um complexo universo. É: que nesse modo
lista 10abe e afirma que "a linguagem dos trovadores, em sua feiçá() de produção ainda artesanal tem inicio um sofisticado processo de sim-
arcaica, reclama estudo filológico seguro" (p. 17). E as partes I e II bolização. Naquele sentido de que o simbolo, como a alegoria de que nos
demonstram a sua ampla convivência com o saber romanístico. Mas em fala Walter Benjamin, não é apenas a face inquieta de uma operação
nenhum instante o seu esforço crítico resvala para um tipo freqüente lingü!stica mas, e aqui reside a sua força, é antes o processamento dia-
de eruditismo, respon:;ável e culpado pela miséria da filologia. Esse eru- lético da realidade, a apreensão gl'obal do movimento alternado das
ditismo introduziu um marca-passo no coração da pesquisa lingüística. contradições. o símbolo não é somente uma instauração, porque é a
e esta, talvez acometida também de ume. crise de bovarismo, candida- força instauradora. Dai o perigo de certas expressões como "comunica-
tou-se a difíceis competições no território esquivo do poético. o resul- ção simbólica", especialmente se estamos querendo destacar o caráter
tado foi desconcertante: a filologia gastou a sua glória e a poesia n ã o poético do texto. o poeta não é apenas um comunicador: é também um
se enriqueceu de compreensão. É claro que 'estamos nos r eferindo àqueles silenciador. Precisamente porque a amplitude simbólico-alegórica trans-
esquemas filológicos que estabelecem com o texto uma estranha relaçã() borda o espaço restrito da Ungua; a taxa de ambigüidade contida no
patológica - matam por excesso de amor. Já o profes·sor Leodegá1io A. interior da linguagem poética é antes um fenômeno de meta-comuni-
de Azevedo Filho n ã o está possuído dessa estima enferma e, porque cação.
doente, equívoca. A sua leitura, "literal e .simbólica" Cp. 101) , desdo- Essa possivel dificuldade teórica em nada compromete o merecimen-
bra-se para além do apenas texto. Mais ainda: promove a ressurreiçã0>
to deste trabalho pioneiro. Até porque permanecem consistentes as U-
do texto. 4
nhas de operação da análise. Pero Meogo, narrador "literal e simbólico' ,
Os gramáticos travestidos de filólogos parecem esquecer que os tro-
transgrediu para fundar, ou para se tomar um antepassado presente.
vadores são, antes de tudo, poetas. E no seu delírio eruditizante impe-
dem a poesia de falar. o terrorismo filológico é o principal inimigo da
o professor Leodegário A. de Azevedo Filho vê nele, numa conclusão
aµdaciosa e por isso mesmo fascinante, "a origem mais remota da nar-
critica literária. A crítica literária compete deixar a poesia falar. Tere-
mos de denunciar as imposturas dessa filologia hemiplégica, para que rativa peninsular" (p. 87), "um autêntico e longinquo precursor da pró-
a poesia medieval se reencontre - se ilumine - com a verdadeira poé- pria ficção moderna" (p. 101) .

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Devemos discutir as suas teses, mas sem deixar de reconhecer que ll: que o reducionismo lingüístico, calcado na estrutura isomórfica
o pr~fes~or Le~degário A. de Azevedo Filho provou que à sombra dos da representação, ignora que a linguage711:. é o núcleo articulador da.
cancioneiros a interpretação literária pode crescer e adquirir nova vida. realidade. A linguagem, como a entendo e como descrevi nos meus livros
3 ..3 ~ c~tic~ ~e base lingüística. Os dados novos introduzidos na. mais recentes, é que impulsiona os movimentos_ de competência e de-
1nvest1gaçao literana pelo extraordinário avanço técnico da Li ü' ti sempenho. Ainda mais: atentando para a força de sua essencialização,
~ . ~IS~
iram inegavelmente perspecticas inéditas de compreensão. De tal a própria llngua deixa de ser um simples sistema de signos. Condição à
modo que a dimensão formal do objeto literário não poderá prescindir qual se subordina apenas quando comunica.
jamais dessa colaboração. Mas acontece que, prisioneiro do sistema cul- Mesmo a concessão lingüística, que r econhece na palavra poética o
tural_ da ~poca e conseqüentemente seduzido pelas noções de eficácia ou desvio da norma, é insuficiente e falha. Organiza-se por oposição a um
fun~1ona:1dade, o modelo lingüístico desvirtuou-se numa mini-tecno- ideal de normalidade insustentável, p:>rque maniqueísta. A poesia não
cracia, tao prepotente quanto cega, incapaz de ver para além das _ se mostra integralmente ao nível das estruturas acabadas ou dos dis-
truturas. es cursos formalizados.
O c~nceito de estrutura é tanto mais operativo quanto maiS preserva. 4. A superação das dicotomias no trans-modelo poético. Identifi-
ou mamfesta o dinamismo do sistema. A verdade emerge do fundo da. cado o impasse epistemológico, devemos procurar a saida por meio de
estrutura, seja ela fonológica ou de parentesco. E na sua programaçãe> um trans-modelo poético, conforme ·propus no meu Fundamento da In-
funcional verifica-se uma como que expulsão do sujeito. Neste instante vestigação Literária <1970). Se à literatura cabe deixar o real ser, à cri-
ª. estrutura. ~ufoca a história e mata o homem. Mesmo porque a história. tica compe~e deixar a literatura ser. O que somente será possível evitando
ja era mobilizada enquanto historiografia, no carro alegórico que osten- o trêfego analismo que se candidatou arrogantemente à leitura plena
t~va como destaque dois eixos incomunicáveis: 0 diacrônico e 0 slncrõ- do poema, assistido e acobertado pelos modelos lingüísticos, tão míopes
ruco. A desconcertante e imprevisível figura do homem, na medida em. que só conseguiam ver o imediatamente visivel e tão surdos que não
que ameaçava a economicidade do sistema, fora estigmatizada como 1n11- podiam ouvir a voz do silêncio. Foi nessa ordem de coisas que o estru-
til e prejudicial. E prisioneira desse equacionamento maniqueist turalismo inverteu ou submeteu o movimento da Poética. Elaborou uma
- d · a, a no-
çao e_ estrutura incompatibilizou-se com as criações globais. A história.. pretensiosa "gramática narrativa", com que o super-sujeito gramática
a P~es1a, o inconsciente, escapavam ao poder de controle da nova gra- determinava o objeto narrativa. O resultado foi um progressivo empo-
mática. Porque antes de tudo uma gramática concedeu à Lingüística.. brecimento da compreensão do texto literário, uma vez que a dissemi-
privilegiado desempenho no conjunto de suas decisões. Tornou-se muito. nação congênita e irreversivel - fonte e estrada da sua · força -, se viu
mais uma ciência da ltngua que da linguagem. Dai a incompetência. desvirtuada e submetida. A própria ambigüidade deixa de ser a energia
revelada na leitura do texto literário. estruturante, o impulso sobredeterminante, para se transformar num
Em todo fenômeno cultural, seja do conhecimento ou d rt pequeno passe de mágica que tem lugar no solo firme da estrutura.
co e . t d . a a e..
- XIS em OIS planos: o I!lano simbólico e o 11lano estrutural. o m:!- A Teoria Literária capaz de transpor a barreira formalizante, terá
~o. aberto e incontrolável, proclama a liberdade criadora do homem. de constituir-se como uma crfttca transmanente, equilibrada na tensão
O segundo, exclusivista e controlador, é um obediente funcionário ci~ entre interioridade (imanência) e exterioridade.
sistema. O próprio modelo Jakobsoneano da comunicação está, em últ~ 4.1 A Teoria de exclusão do smncio. Movendo-se numa ordem epis-
anál~e, a serviço do dominio e do poder. Construido na base da des- têmica que exclui o silêncio, as teorizações vigentes preservam a dico-
truiçao da diferença, minimiza e subjuga o simbólico. Comunicar é ape- tomia. iPara elas o silêncio está fora do discurso. E é por esta fresta que
nas trocar mensagens. pas:sam os cortes ou as diferentes espécies formalizadas. Ao contrário

14 15
do que se verifica na Poéttca de Aristóteles, os cortes, diacrônicos, sin- rária em contraponto com os demais discursos. Esta perspectiva, que
crónicos - escolas, gêneros -, não estão a serviço da integração mas venho desenvolvendo mais sistematicamente a partir do meu Teoria da
da fragmentação. Esse tipo de Teoria Literária, predominantemente 11- Comunicação Literária (1970), se enlaça com uma compreensão mais
near e unidimensional, talvez não saiba que a poesia se esconde nos ampla da cultura, que inclui deliberadamente a cultura popular e a
abismos da estrutura. cultura de massa. A cultura popular como manifestação espontânea,
4.2 A Teoria de inclusão do sirnncio. A Te01ia poética, fundada criadora, fonte e impulso de novas construções. E aqui basta recorrer
na transmanência, abre lugar para a instauração da identidade do st- a um exemplo imediato: a. história do romance e do teatro do Nordeste
lêneio na diferença do corte. A voz do poema fala mais alto quando se começa necessariamente na literatura de cordel. Já a cultura de massa,
cala, já que o silêncio não é o espaço vazio porém o máximo de con- diminuindo no contraponto a sua função manipuladora, poderá ser dia-
centração da fala. O poeta silencia porque o discurso pode menos do leticamente apocalftica e integrada.
que a poesia. E por i:SSo o mais importante não é o que se exibe sobre Jt natural que a Teoria Literária abrigue ou integre elementos extra.-
as l~M, porém o que se oculta nas entrelinhas. O silêncio é a força literários. Até porque o literário sempre foi, e é cada vez mais, extra ou
da experiência confrontada com a fraqueza da expressão. supra-literário. Ainda mais: fechado ao exterior, até a imanência do
A leitura poética, transmanente, inclusiva, processa-se para além do poético estaria fatalmente condenada. A poesia nunca foi privilégio ex-
código manifesto da língua e mesmo da dinâmica latente. Confunde e clusivo do poema. Ela sempre esteve e estará. nos lugare·s mais diversos.
integra esses niveis. Ai, ne'ste ponto de convergência ou de tensão, penso A própria ciência, enquanto linguagem e não simplesmente na sua os-
localizar-me; mas para abrir sempre mais o diâmetro do compasso. tensiva dimensão semântica, guarda a poesia. O cientist a tem de ser
5. Ressurreição e crise da literatura. A literatura caminha em meio poeta, isto é, fundador, para ser cientista. A literatura não está, por-
a um fogo cruzado, onde se alternam crise e ressurreição. Jt provável tanto, sentenciada à reclusão, ou à. condição de grande deserdada da
que a primeira grande crise tenha ocorrido no século XIX, quando se n ova cultura. A arte morre como língua mas permanece viva enquanto
proclamou a morte da arte e se anunciou a era da reprodutibilidade linguagem .
técnica. Apesar dos prognósticos apocalíticos, a literatura descobriu no- 6. o reencontro do mito. Ainda uma vez, e como conseqüênci:l do
vos espaços criadores. debate cultural dos nossos dias, emerge o conflito não satisfatoriamente
Mas a controvérsia prosseguiu, e hoje se apóia em pressuposições equacionado entre o simbólico e o estrutural. Teremos de recusar a
ditadas por aparelhos ideológicos de estado. Quais são essas pressuposi- opção entre neopositivismo e irracionalismo, para que o problema read-
ções? Primeiramente sabe-se, de há muito e de maneira estável, o que quira a sua transparência perdida. Ai, o primeiro nível diz a liberdade,
é literatura. Em seguida, atesta-se o completo esgotamento da literatura. a descontração, o carnaval; enquanto o segundo nível é o sistema, a.
E finalmente comete-se uma violência teórica, em função da qual o funcionalidade, a liturgia. o primeiro rompe, o segundo aprisiona. E é
novo exclui o velho (como se no velho não estivesse contido o embrião precisamente aqui, nessa tensa divisa, nesse limite il1mitado, que se po-
do novo). tencializa a força ni.,ediadora, instauradora, do mito.
São evidentemente posições maniqueístas. A natureza da literatura Mas quando penso no mito, não imagino uma estrutura lógica. Nem
ou a definição da literariedade inscreve-se num quadro rigorosamente o aceito minimizado pela leitura hemiplégica dos helenistas nativos,
histórico. No interior desse quadro, e considerando a instabilidade do aqueles professores de língua e literatura grega que, no exercício de um
mundo, é possível ou correto clamar-se pela estabilidade da literatura? despreparo teórico tão robusto quanto contundente, separam o texto do
Prefiro acreditar que a jornada poética é sempre um jogo em campo seu interminável universo cultural, reduzindo, desta maneira, o mito à
~berto. Dai não estranhar, mas postular, o estudo da linguagem lite- anedot a. Reivindico a leitura. do mito capM de ler o sentido e não ape-

16 17
nas o significado da estrutura. O mito como valor espontâneo que uma
Crítica e história literária
necessidade vital assume no interior da sua carência. O mito como
nilcleo de resistência à fetichização da poesia. o mito como energia _
simbólico-alegórica - propulsora desta literatura que venho chamando
de literatura brasileira em processo, praticada superlativamente por Né- · Critica e HlstÓria Literária são encaradas atualmente de muitas pers-
llda Pifion, Ary Quintella, João Ubaldo Ribeiro, Luiz Villela, Fernando pectivas. Em meio aos múltiplos ensaios e posições teóricas toma-se cada.
Mendes Vianna, Carlos Nejar, Francisco Alvim, José Carlos Capinam. vez mais difícil abrir um caminho de apreensão e compreensão mínima,
não só do objeto como das próprias metodologias. ~ que, a par das
Mediada e mediadora, esta literatura dessacralizada instaura o pro- múltiplas pesquisas de que resulta uma bibliografia numerosa, muitas
cesso do futuro histórico, denunciando a dominação, a estrutura vazia. -
vezes de difícil acesso, elabora-se uma. nomenclatura especialissima. Su -
e aqui a alegoria barroca da caveira ressurge, e mais uma vez condena
cede então que em vez de aquelas esclarecerem cada vez mais o objeto
a história -, e aponta, simboliza, alegoriza, absorvendo a lição do outro. pesquisado, tem-se um resultado inverso. Acresce que a mudança cons-
O outro é o diferente, o indeterminado que se determina na tensão com
tante deixa o leitor interessado - o qual procura um acesso a tal conhe-
o este. 11; o momento em que poesia e experiência se confundem para . cimento, confuso e desanimado. De fato, nem sempre isso é inevitável,
promover o reencontro com o mito: reencontro desmitificado e desmi-
tificante. porque o conhecimento do literário se constitui cada vez mais critica e
reflexivamente. Tendo por objetivo levar o leitor a tomar contato com
tal problemática, optamos por uma primeira retomada histórica de cons-
tituição e instituição de tais problemas, e, na medida do possível, por
levar o leitor a pensar e distinguir diferentes posições.
A realização de qualquer História Literária supõe um enfoque teó-
rico-crítico. A posição crítica resulta de uma teorização do que seja
determinado objeto. A constituição de tal conhecimento, no caso o da
obra literária, automaticamente institui um método, decorrente da pró-
pria teoria e do objeto de enfoque. Nem sempre estes três elementos
estão suficientemente claros:

teoria -> objeto


"""/7
método
Não esquecendo que a palavra método significa, em si, caminho para.
A realização metodológica tanto se pode dar em forma de proposições
(teorização) ou em forma prática <ensaios, História Literária). Desta
maneira não há prática sem teoria. Acontece muitas vezes que a prática
é uma teoria que se desconhece. Temos assim, inevitavelmente, um
primeiro nível de relacionamento entre Critica e História Literária.
No período Neoclássico, como não havia uma consciência critica
especüica do literário, sob o nome de História Literária escreveram-se

18
19
muitas obras que melhor se intitulariam História da Cultura ou até
simplesmente História. Um exemplo famoso é Histotre Littératre de la
o historicismo institui-se definitivamente influenciando toda a critica
subseqüente e, em conseqüência, as Histórias Literárias. Isto porque o
France dos Beneditinos de Saint Maur (1733). Nela incluíram até os
homem não mais esquece que é um ser temporal, um ser histórico, por-
que brilharam no . campo das Ciências. De alguma maneira tal atitude
tanto. Esta atitude, por outro lado, levou o homem a se perguntar mais
era decorrente da própria essência da chamada "critica clássica", de
radicalmente o que é a História, como veremos oportunamente. E a cri-
princípios e valores imprecisos, absolutos, estáticos, fechados.
tica literária conseqüente não pode esquecer tais desdobramentos.
No final do século XVIII houve o inicio de uma mudança radical.
Mudança essa implícita no novo tipo de conhecimento que está na origem Com o Romantismo a Literatura se precisa, e um dos principais
da Idade Moderna. Jl: o Romantismo que desponta trazendo profundas críticos do Romantismo europeu foi Sainte-Beuve {18-04-1868). Seu mé-
modificações. Uma das contribuições fundamentais é a consciência his- todo biográfico consiste em procurar o homem, sua vida, seu espírito,
tórica dos fenômenos humanos. A História entra em cena com o Ro- sua alma, através do autor e suas obras. Para ele, a Literatura, de tal
mantismo, para dela não mais sair, apenas sofrendo modificações maneira está ligada ao homem, que é impossível julgar e estudar uma
teóricas nas décadas posteriores. obra sem conhecer o homem que a criou. O critico, por melo da obra
literária, deve procurar atingir o homem, traçando-lhe o retrato psico-
Logo no dealbar do século XIX, Mme. de Stael demonstrou na lógico e moral. Dai em suas obras ocuparem um lugar especial as bio-
sua obra intitulada De la Littérature, que a literatura é intima-
mente solidária com todos os aspectos da vida coletiva do ho- giafias e os retratos literários. Sua atividade critica se concentra sobre
mem, verificando-se que cada época possui uma literatura 0 autor, adquirindo a biografia um papel flmdamental. Outra faceta
pecullar, de acordo com as leis, a religião e os costumes próprios
de8sa épaca 1, deste critico é sua tentativa de aproximar seu método critico da onda
Sob esta perspectiva, nas primeiras décadas do século XIX, a partir do cientificista oriunda do Positivfsmo. Irá comparar então seu método ao
Romantismo, a história e a critica literária constituem-se definitiva- dos naturalistas, mas procmando estabelecer grandes familias de espíri-
mente, mas sob uma concepção historicista. De um lado a História tos. Podemos concluir que sua teoria, explicita nas suas obras criticas,
Literária prende-se muito à Filologia, então nascente, visando, uma e dentro do fenômeno literário, privilegia o autor e sua vida. Dai seu
outra, à reconstituição e compreensão .deis textos literários do passado. Método Biográfico.
Domina-as um ·certo gosto pelos fatos, herança da época anterior. A o critico mais conhecido que sucede a Salnte-Beuve é Taine
critica literária procura desenvolver-se como um todo sistemático. (1828-1893). A critica uterária cientifica, que apenas aflorou em Sainte-
A valorização de cada época, historicamente considerada, originou Beuve, é plenamente desenvolvida e exercitada. por ele, sob influxo e
o que se chama historicismo. lt a vida articulada em História, a vida domínio do Positivismo de Augusto Comte. Sua influência se faz sentir
como articulação da História. na segunda metade do século XIX. o traço essencial do J?ositivismo é o
Na Literatura não se nega que sejam necessários atos de juizo, Naturalismo. As ciências naturais - a biologia., a física, a quimlca - em-
mas alega-se que a História Literária tem padrões e critérios pregaram métodos que lhe proporcionaram um desenvolvimento espeta-
peculiares, isto é, os das outras épocas. sm:tentam esses recons-
trutores literário$ que devemos penetrar no espírito e nas ati- cular. Trata-se, pois, de aplicar tais métodos às demais ciências, inclu-
tudes dos períodos passados e aceitar os seus padrões, delibera- sive à Literatura. E um dia, com o progresso - outra idéia básica de
damente excluindo a intrusão das nossas próprias opiniões
prévias 2. tal filosofia - se poderá. provar que o objeto literário e os de outras
ciências (psicologia, história, etc.) poderão reduzir-se a fenômenos na-
1 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel. Teoria ela Literatura 2. ed. Coimbra,
Almedlna, 1969. p. 444. turais. Há, portanto, necessidade de estender os métodos das ciências
2 WELLEK, René & WARREN, Austin. Teoria da Literatura. 2. ed. Lis- naturais a toda ciência e reduzir a essência de tais disciplinas, que
boa, Europa-América, 1971. p. 50.
parecem irredutíveis, à natureza. Há. uma rejeição do subjetivismo, UIPa
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21
atitude racionali.Sta, um primado dos fatos, uma vez que todo conheci- A concepção literária de Taine exerceu uma larga influência por
mento verdadeiro é conseqüência das experiências, e uma crença no seu caráter tão claro quanto racionalista e como se depreende facil-
determinismo cientifico. Taine pretende explicar os fatos psicológicos mente, o método literário científico parte da obra como pretexto para
descritos pela crítica cientifica porque acredita que todos os fatos fisicos se centralizar no autor e sobretudo no homem e seu meio social. Pre-
ou morais têm sempre uma causa. domina ainda o historicismo em detrimento do literário.
Tal sistema critico teve larga ressonância no Brasil e marcou pro-
Todos os sentimentos, escreveu ele, todas as idéias, todos os es-
tados de alma humana são produtos, tendo suas causas e suas fundamente o primeiro dos nossos grandes críticos: Sílvio Romero, que
leis, e todo o futuro da História consiste na procura destas cau- escreveu uma importante e monumental História da Literatura Brasi-
sas e leis. A assimilação das pesquisas históricas e psicológicas leira <cinco volumes). Na verdade é mais História que História Literária.
às pesquisas fisiológicas e químicas, eis ai meu objetivo e mi.nhá
idéia central 11. Sua influência fez-se sentir largamente nas gerações posteriores.
Tributário do pensamento evolucionista (Darwin, Spencer, Haeckel),
Seu exercício critico consiste na procura das causas e leis da criação
literária. Há três fatores determinantes: a raça, o meio, o momento. Brunetiêre tornou-se famoso por sua teoria sobre a evolução dos gêne-
ros. Seriam como verdadeiros organismos vivos, com nascimento, cres-
A raça é o conjunto de "disposição inatas e hereditárias" que, cimento, morte ou transformação.
associadas a "acentuadas diferenças no temperamento e na es- Uma outra orientação critica se desenvolveu durante a época realista
trutura do corpo", diversificam os povos entre si 4,
e positivista, com larga influência nos meios "universitários. De cunho
Toda raça vive num determinado meio natural e sócio-político. Este igualmente historicista, preocupava-se sobretudo com a compilação e
age sobre a raça deformando-a ou completando-a. o momento faz in- estabelecimento rigoroso dos fatos. De método semelhante ao filológico,
tervir a evolução histórica. "Pelo simples efeito de datas, as tragédias tal sistema organizando-se em torno de seu método histórico-literário
de Voltaire não podiam assemelhar-se às de Corneille" 5, A obra resulta permitiu a descoberta e explicação de numerosos textos bem como de
da reação da faculdade-mestra de um escritor. Tal faculdade consiste suas fontes e influências. Trouxe à luz grande número de textos Ignora-
na essência de ordem p·s1cológica e forma de espírito original que ca- dos que iluminaram vastas zonas obscuras do passado literário dos pai-
racterizam a obra de determinado escritor. A explicação não se pode ses europeus. Um dos seus vultos eminentes é Lanson <1857-1934), que
limitar ao estado interior, abrange outros conhecimentos, sobretudo o deu origem ao vocábulo lansonismo que se tornou sinónimo de História
sociológico. Literária. Para as pesquisas postulava:
Assim La Fontaine encarna o espfrito gaulês (raça) , é da Champa-
19) uma bibliografia que reunisse todos os textos conhecidos de e sobre
nha (meio), vive no tempo de Louis XVI (momento); sua faculdade-
uma obra e um autor;
mestra é a tmaginação poética, a faculdade de esquecer o mundo real
29) o estudo das fontes possíveis que permitissem esclarecer completa-
e de viver no mundo ideal 11.
mente a gênese de uma obra;
39) o estudo dos manuscritos conservados e as sucessivas edições.
s LAGARDE, André & MICHARD, Laurent. XIXe. siecle; les grands
auteurs français du programme. Bordas, 1965. p. 399.
Sua contribuição continua válida, digamos, no que concerne à literatura
• AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Opus cit. p. 450. dos textos, mas continua dependente, como critica, do factualismo
5 LAGARDE, André & Michard, Laurent. Opus cit. p. 399. dominante em sua época. E uma História Literária não se faz somente
" Ibidem, p. 399. com edições criticas dos textos.

22 23
Todas essas posições baseadas de alguma maneira no Positivismo Por -esta época configura-se uma teoria literária que se baseia num
ou influenciadas pelo historicismo conheceram, jâ nos últimos anos do autor, no qual a teoria da História tivera uma formulação fulcral: Marx.
século XIX, uma forte reação. Citem-se a título de exemplo autores A posição critico-literária apoiada nas obras de Marx é das mais va-
como Nietzsche, Bergson, Croce e Dilthey. Sobretudo o Simbolismo e o riadas, apresentando não só nuances de teórico para teórico, como mui-
Impressionismo se opõem à. pretensa objetividade cientifica do Realis- tas vezes posições antagônicas. o exame dos escritos de Marx e Engels
mo e Naturalismo. Valorizam sobretudo a subjetividade, o inconsciente mostrou que estes não deixaram trabalhos em que estivessem desen-
e o símbolo. Tudo isto repercute imediatamente na concepção do lite- volvidos suficientemente seus pontos de vista estéticos ou particular-
rário, ocasionando, entre outras conseqüências, a oposição à. História mente literários. As questões da natureza do conhecimento artístico e da
Literária segundo o modelo dominante de Lanson e originando novas essência do estético ou do literário aparecem em textos mais ou menos
posições criticas. de circunstância. Leandro Konder, numa conferência de 1968, aborda
Adotando uma perspectiva oposta às anteriores, surge a critica im- diversos críticos marxistas e suas proposições. Para ele, a multip1icida.de
pressionista. Seus mentores recusam o aparato erudito, procuram ela- de posições não é negativa: "Estou convencido de que a estética mar-
borar uma critica onde o diálogo da subjetividade do leitor com as obras- xista. e a teoria marxista da Literatura estão começando a existir de
prima8 de todos os tempos substitua a chamada objetividade. Pois esta, fato" a.
• segundo Anatole France, um dos seus cultores, é impossível e toda criti- Pela natureza deste estudo, é impossível uma abordagem do proble-
ca consiste numa projeção autobiográfica. A tarefa do critico consiste ma. em todo seu multifacetado desdobramento. Sem dúvida nenhuma,
em recolher de suas leituras as impressões que mais profundamente um nome se destaca: Qeorg Lukács. Este teve uma trajetória intelectual
marcam sua sensibilidade e fazem apelo à sua fantasia. "Anatole France sinuosa por vicissitudes histórico-partidárias. De um "realismo" socia-
assim define o crítico: Bom critico é quem conta as aventuras de seu lista. inicial centralizou-se posteriormente numa. "teoria do reflexo" ou
espúito através das obras-primas" 1. O critico impressionista, de acordo "realismo criÜco". Segundo Eduardo Portella, ele
com suas posições, não d2. lugar à. mstória. Para. ele, em relação à. obra,
o centro de inte1·esse não é o autor ou o homem e seu meio como vimos forjou as condições para o advento de uma sociologia da litera-
tura que pretendeu questionar a literatura à margem da litera-
anteriormente, mas o "leitor e suas reações. riedade. . . o realismo crítico proposto por Lukács é ante~ Uil}a
aventura suicida que se decide fora do processo de const1tuiçao
No Brasil, o Impressionismo vingou entre escritores como Olavo do real. É ainda uma expressão equivoca, já de si prej1,1qic.ada.
Bilac, Humberto de Campos, Coelho Neto e out ros. o critico mais im- pela acriticidade 9. ·

portante dessa fase foi João Ribeiro.


Mas sua profunda formação fllo'sófica permitiu-lhe elaborar uma obra
Ainda contra o Positivismo e as posições criticas que dele se origi- recente na qual mostra toda a sua grandeza. Sua conhecida Estética.
naram manifestaram-se escritores como Mallarmé, Proust, Valéry, Péguy,
Nesta posição teórica, a problemática central é como, sem reduzir
Stefan George e T. S. Ellot. Através de seu ideário estético-critico se
opuseram à erudição, ao factualismo e ao cientificismo da História Li- a especificidade da obra de arte, integrar e conciliar o caráter social da
terária. E implicita ou explicitamente manifestaram suas teorias criti- obra literária. - neste ângulo, vista de fora para dentro -, com a aber-
cas do literária, realçando como principio fundamental o estudo da obra tura, com o caráter · polissêmico, ambíguo, inerente a toda obra de arte.
em si como criação artistica.
s 29 Simpósio de língua e literatura portuguesa. Rio de Janeiro, Oer-
nasa, 1969. p. 193.
1 IMBERT, Enrique Andersun. Métodos de critica lfter4rfa. Madrid Re- • PORTELLA, Eduardo. Teoria da comunicação literária. 2 ed. Rio de
vista de Ocidente, 1969. p. 151. ' Jweirr Tempo Brasileiro, 1973. p. 74.

24 25

ada de posição, o literário é caracterizado a par-
lnformativa. Nesta tom t d m
A opção por um sociologismo ou historicismo relativista, ou · ainda por tir do texto em si, resistindo a interferências de qualquer oura or ec·~
uma visão fechada do real, já é uma redução. Privilegia-se a obra em talmente o que interessava era o processo, ou seja, o prtn l
correlação com o homem no seµ meio social. Fundamen . ão da obra como produto estético. A descrição exaustiva
pio da orgamzaç t e das respectivas funções da obra literária
O século XX assiste a uma reelaboração dos fundamentos dos estu-
dos literários, completando e radicalizando a reação às práticas teóricas dos ele.menta; co~is~:nàe~ormulaçáo de um método descritivo e morfo-
conduzm os orma i s mais dife-
do século XIX. A par do Impressionismo, dos escritores ou poetas que lógico os estudos resultantes analisaram a obra em s no. . M
também manifestaram posições teóricas e das correntes de cunho 0u . ectos enriquecendl) e precisando os estudos literanos: as o
influência marxista, três se destacaram por sua importância e predo-
mínio na primeira metade de n~sso século: o Formalismo Russo, a Esti-
::~!~u;!ncrô~ic.o p~edominant: ~~ º:~~b~~:~:~:ad:u::~~ri~ ~~:::~:.
da perspectiva histórica, da propna P h c·mento histórico
lística e a Nova Critica. ns formalistas chegaram a menosprezar o con e 1
O Formalismo Russo originou-se da atividade de duas associações: !~g~iteratura. No entanto, outros estudaram o ~roblema, cient~:t:aq~:
~ d ser apenas um microcosmo, defmido por um s ~
Circulo Lingüístico de Moscou (fundado entre 1914 e 1915) e Associação
para Estudos da Linguagem Poética, Opaiaz (1917). Objetivos: estudos :e::::esn:~t~~ :eus elementos constitutivos. Ela não pode ser arrancada
de lingüística e poética. Tiveram além disso estreita ':inculação com fu- contexto histórico-literário, nem deixar de ser eânc~radl~t numaá ia
de um di t da din mica 1 er r ·
turistas e cubistas, movimentos, então, de vanguarda. Sob pressão dos
pers~ectiv~ diacrôn~~:~:o~: ºm::~omen~= i::~r~lacionamento essencial
intelectuais marxistas desfez-se o movimento em 1930. Suas teorias tor- A smcroma e ª nh imento do fenômeno lite-
naram-se mais conhecidas a partir da publicação em franc.ês de alguns ja compreensão é fundamental para o co ec
dos textos fundamentais · dos formalistas russos, traduzidos e apresen- ~~rio A perspectiva histórica resultaria da própria necesst!~adi:d~:ic::;
tados por Tzvetan Todorov (1966). Nosso intento é tão somente apontar tas do dinamismo de um es o •
dança frente a formas gi asl à, luz da cronologia da História Literária.
algumas de suas idéias. Desde o começo o Formalismo Russo se caracte- d'namismo só compreens ve ' b
- 1 • i ualmente necessário quando se comparam o ras
O históricodi~:r:~:: o! quando o crítico quer analisar obras do passado.
rizou por uma recusa sistemática e categórica das interpretações extra-
llterárias do texto. Sua preocupação central é dar um caráter preciso
de épocas denois de condenar a História Literária tradicional, mais se
à critica literária especificando bem seu objeto de estudo e seu método Mas quem, : . - bl da História Literária foi Tinianov.
próprio. Propõe-se a estudar o que faz com que uma obra seja literária, empenhou na eluc1daçao do pro ema é m sistema também,
seus traços distintivos, isto é, sua literariedade. Pl'tra tal o centro de bra para ele é um sistema e a Literatura u
A O se ordenam para a con-
interesse não é a experiência humana presente no poema nem catego-
0
mantendo rel~çõ:i::d!n~~~~;~:~~n;:,ae q~:tudo da evolução literária,
rias de qualquer estética especulativa, mas o poema, a obra. Tomaram secução de de er de substituição de ststemas. Em tais
como ponto de partida a comparação entre a linguagem cotidiana e a o conceito fundamental vai ser o - Fu - é a possibilidade de
linguagem poética. Na primeira notou-se a automatização, na segunda as cada elemento tem uma funçao. nçao
a desautomatização. Disto resulta que os objetos são percebidos de uma ::!:°elemento "entrar em correlaçã~~º:1a º~n~~~:~.~ ~;::n:~~ad~l==~
1
maneira vaga e superficial na linguagem cotidiana. Já a linguagem poé- sistema e, por conseguinte, com o s e
tica não reconhece o objeto, mas dá uma sensação do objeto; ela o vê pode-se correlacionar simultaneamente:
em sua singularidade. Tal singularidade é atingida pelos procedimentos:
escolha dos elementos lexicais, variações rítmicas, associações semânti- com os elementos similares de outra. obra.;
cas, etc. O literário é caracterizado ainda pelo que cada palavra é em ·m1·1ares que pertencem a sistemas de outras
29) com os elementos Sl
si e não pela sua carga informativa ou emotiva. Na linguagem poética
séries culturais;
as estruturas verbais adqUirem valor autônomo, independente. da função
27
26
19) 11ue enfoquem numa época, numa Literatura, determinado aspecto do
com os restantes elementos que constituem o sistema da obra. lite-
rária a que ele próprio pertence. estilo. Por exemplo, o papel do abstrato e do concreto, uso de clichês,
imitações e influências, etc. Sua preocupação, como para Bally, é a
O ~onceito função _desempenha um papel-chave nesta concepção. lfngua (sistema) e não a fala <singularidade) . Dentro da dicotomia
Pois há uma funçao autonoma (diferença) a que corre~pondem. lfngualfala vamos encontrar uma posição oposta à anterior que opta
19 e 29, em uma função sinônima <identidade) a que" co~es­
ponde 39 • D~ntro desta teorização, a especificidade do literári0> ])ela fala. Um traço comum é a oposição radical ao Positivismo. A es-
resulta da dif~rençe:. dada pela função, em relação a outros fa- tilística literária ou crítica estilística teve em Karls Vossler <1872-1949)
tos da série literária ou de séries extraliterárias Portanto a.
C?rreta apreen:;ão d? literário de uma obra implica ·a contextilal- um dos seus primeiros formuladores. Apoiado nas teorias de Vico, Hum-
histórica. Explica amda que tais correlações não se reduzem a boldt e sobretudo Croce, toma uma posição acentuadamente idealista.
um esquema de causa-efeito.
Slla concepção objetiva ao estudo da linguagem como criação artística
Estas poucas observações sobre o Formalismo Russo dão uma idéia. e em especial à linguagem como criação individual. Ele concebe a na-
de sua importância para os estudos literários, importância tal que muit~ tureza profunda da linguagem como atividade intuitiva individual. Mas
dos seus princípios informam muitas das pesquisas e formulações de a intuição passa a existir na sua expressão. A tarefa da Estilística é
diversas correntes estruturalistas. Observe-se finalmente que em relação analisar a expressão verbal dessa intuição. Para ele a dimensão social
aos estudos teóricos anteriores eles propuseram uma inversão: do con-
da linguagem não é criação pura, mas uma criação teórico-prática. Seu
texto para o texto como centro de interesse. Uma inversão significa
desenvolvimento se reduz à técnica. Este desenvolvimento ou evolução
algo, mas continua sendo ainda uma inversão. Por outro lado, a contri-
é estudado pela Gramática Histórica. outro representante da Estilística,
buição de Tinianov é extremamente rica e aberta no intuito de encarar
a obra em sua realidade sincrónica-diacrônica. Faltou-lhe, porém, um. Leo Spitzer 0887-1960), numa primeira fase, discorda da teoria de
maior questionamento do conceito função, nuclear para a compreensão Vossler por não aceitar a origem simplesmente estética de todas as trans-
de sua teoria da substituição de sistemas. Como a função pode ser ao 1ormações gerais da lingua. O estilo é, em termos lingüísticos, a expres-
mesmo tempo autônoma e sinônima? Qual a sua força geradora? Igual- %5ão de uma personalidade. Este elemento psicológico será abandonâdo
mente a relação sincronia-diacronia vai ressentir-se desse não questio- em seus últimos trabalhos, encarando a obra de arte como organismos
me.nto. poéticos em si. A Escola Estilística Espanhola desenvolveu as teorias
Uma nova forma de estudar as obras llterár-ias se firmou no início de Vossler e Spitzer, a partir de Dámaso Alonso sobretudo e Amado
do nosso século: a Estilística. O termo, com outras acepções e finalida-- Alonso. Dámaso Alonso aponta como estilo o que é peculiar e diferencial
des Já fora empregado desde o século XVIII. A moderna Estilística ins- numa fala. Considera o texto artístico como "uma sucessão temporal de
titui-se ao lado da Lingüística sincrónica, sendo um de seus primeiros. .sons" e "como um conteúdo espiritual" :10. :e o significante e o signifi-
teorizadores Charles Bally 0865-1947), lingüista suíço, discíp.ulo de Fe:r- cado saussuriano. Como entre o significante e o significado há inúmeras
dinand de Saussure. Mas Bally propõe uma Estilística fundamentalmente- relações, a finalidade da Estilística consiste na análise dessas inteuela-
lingüística, desligada dos aspectos da função estética da lingua literária •. ções. Metodicamente a análise pode partir do significado para o signi-
O que distingue para ele a Lingüística da Estilística é que esta estuda.. ficante ou de maneira inversa. Superando, mas não explicitando, uma
a Zangue como sistema de signos afetivos. Jules Marouzeau introduz na.. visão formalista da obra literária, acentua que para além das interrela-
sua teoria estilística o estudo da Literatura, mas enquanto . esta em- ções sintagmáticas, elas pressupõem outras complexas relações extra,.
preende estudo de processos, isto é, não estudos ou monografias de au-
tores isolados, pois não atingem um valor cientifico, porém, monografias 110 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Opus cit. p. 582.

28 29
sintagmáticas. Sua teorta fundamenta-se em três graus de conheci- estritamente imanente do texto literário, a fim de apreenderem o em-
mento: prego singuiar da linguagem em cada obra. Seu método é descritivo
sobretudo. Analisam a obra tanto em seus múltiplos elementos quanto
19) do leitor - uma intuição totalizadora que reproduziria "a intuiçã()
a obra considerada como uma totalidade: as funções de determinadas
totalizadora que deu origem à obra, isto é, a de seu autor" u;
categorias gramaticais, a imagística, os valores denotativos e conotativos,
29) do crítico - uma profunda intuição receptiva e expressiva, por iss<>
0 ritmo, a harmonia, as técnicas de composição de um romance, temas
concebe a crítica como uma arte; principais e secundários, caracterização dos personagens, etc. etc. O cri-
39) dado pela análise estilística, portanto, científica, mas que não tico faz um exame minucioso. Não há esquemas rígidos. Ele deve pro-
apreende a essência da obra literária, essência apenas acessível à. curar responder adequadamente às peculiaridades de cada - obra. Predo-
intuição. mina a indução. Esta orientação critica, cerrada no texto, sincrónica,
tende naturalmente a desprezar ou ignorar a diacronia:, a faceta histó-
A Estilística recriando as intuições do poeta presentes no poema, se- rica da obra. Alguns representantes, no entanto, reconheceram a ne-
gundo Dámaso Alonso, dá-lhe uma dimensão psicologista e muitas vezes cessidade de levar em conta elementos de caráter histórico. Não só a.
impressionista. Numerosas são as tendências e perspectivas da Estilística. obra literária é autônoma e de caráter especifico como o é a própria
moderna. Tentando fugir da obra analisada estilisticamente apenas nos critica literária, tendo esta por função o estudo da obra literária come>
seus aspectos formais, Erich Auerbach expôs em sua famosa obra Mime- tal e não o estudo dos aspectos morais, sociológicos, filosóficos, etc., evi-
sis um novo enfoque, "entendendo por estilo o próprio modo como o dentemente presentes em obras literárias. A Literatura é autônoma por-
escritor organiza e interpreta o real e estabelecendo portanto como ta- que realiza uma forma própria de conhecimento que não se confunde
refa estilística o estudo da semântica ideológica e sociológica que está. com os demais, utilizando para isso a língua de uma maneira própria.,
subjacente a qualquer estilo" :i:z, Carlos Bousofí.o tem posição semelhante. criando estruturas que não se identificam com quaisquer outras.
fundado nas reflexões de Ortega y Gasset em torno do eu e sua circuns- As proposições teóricas da Nova Critica foram introduzidas no Brasil
tlincia. Estas duas posições transcendem a simples sincronia dominante por Afrànio Coutinh(). Sua atividade infatigável, de um verdadeiro pro-
nas anteriores e colocam o problema da diacronia, portanto da critica. fissional das Letras e não um mero diletante, provocou uma renovação
e da historicidade da obra literária. A Estilística cria uma nova dimen- dos estudos críticos literários e abriu-lhe novos rumos. Entre os nume-
são, mas não a aprofunda suficientemente. rosos escritos destaca-se A Literatura no Brasil, onde pôs em prática.
No Brasil, Eduardo Portella, em sua carreira inicial, foi um dos prin- os princípios da Nova Critica. Tal obra é sem dúvida a mais completa.
cipais representantes da Estilística de influência espanhola. Outros crí- e importante depois da de Silvio Romero. Sendo obra coletiva. apresenta.
ticos realizaram numerosos estudos estilísticos, onde as influên~ias senões razoáveis, pois nem todos os colaboradores tinham a sólida for-
teóricas se entrecruzaram. Basta citar Mattoso Câmara Jr., M. Caval- mação e abertura às novas proposições de seu idealizador.
canti Proença, Augusto Meyer, a titulo de exemplos. Até o surgimento das novas correntes, a partir de 50, um critico
A Nova Critica desenvolveu-se a partir de 1930 nos Estados Unidos. dominou as décadas anteriores correspondentes ao surgimento e afirma-
Em principio, seus teóricos reagem contra as posições criticas preceden- çã~ .do Modernismo: Tristão de .Athayde. Marcado inicialmente pel<>
tes, eivadas de historicismo e impressionismo. Propõem uma análise Impressionismo evóluiu para uma posição critica de fundo humanista.
onde, segundo Eduardo Portella, as preocupações universalistas ma.is se
detinham no conteúdo da expressão.
:u ALONSO, Dámaso. Poesia espanhola; ensaio de métodos e limites es-
tilísticos. Instituto Nacional do Livro, 1960. p. 29. Terminamos aqui este percurso diacrônico das principais posições
criticas, em que foram destacados apenas alguns elementos que julga-
a AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Opus cit. p. 595.

30 31
I

m~ essenc!ais. Hoje o Estruturalismo em suas variadas e variantes po- A posição critica que tem procurado efetuar esse questionamento,
siçoes donuna o panorama critico. Fundada·s numa obsessão objetivista entre nós, é representada por Emmanuel Carneiro Leão e Eduardo iPor-
e c~entificista nem sempre são permeáveis à complexidade do fenômeno tella. Aquele· através de artigos esparsos e sobretudo em suas aulas na
artJS~ico em todas as suas dimensões, dando preferência ao aspecto sin- Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este, em artigos, como profes-
crõruco da obra literária. Note-se que muitas são teorias em pl sor da mesma Universidade e em especial nos dois livros: Teoria da
elaboração. ena
Comunicação Literária e Fundamento da Investigação Literária. Nestas
Num esforço didático de compreensão crítica ao revermos os pontos obras, o autor propõe uma Leitura Poética do texto. Seu questionamento
de apoio das diferentes concepções abordadas: propomos o seguinte parte do texto e centraliza-se no stgno poéttco, o que não quer dizer
quadro: que pare ai, pois busca uma compreensão da literariedade a partir do
seu Fundamento. Investigação em profundidade, exige do leitor uma
_/' Autor -..._ abertura e compreensão de certos conceitos em outra dimensão, que não
Homem e seu meio ~ Obra a habitual. Nosso propósito é apontar esse questionamento; inexistente
~Leitor--- nas teorias literárias anteriores, e não expor seu sistema teórico. Em seu
afã de objetividade e cientificidade os teóricos literálios prendem-se de
As principais concepções teóricas vistas até agora apoiaram-se funda- tal maneira ao texto, que não o questionam. A Leitura Poética em-
mentalmente num desses elementos. Privilegiar um desses elementos não preende o questionar através do inter-relacionamento e integração de
quer dizer que se excluam todos os outros. Teríamos: três conceitos: o texto, o entre-texto e o pré-texto. Entende por texto
ou lingua o próprio sistema de signos verbais. os signos são um sistema
Autor: método Biográfico de referências e indicações dentro da realidade já estruturada.
Homem e seu meio: Naturalismo
"Realismo Critico". Mas diferentemente do Natura• A Lingüística se propõe a promover a leitura da dinâmica
!ismo, predomina o meio social. atuante de uma significação dentro de um jogo de signos; e ja-
mais se coloca a questão da estrutura geradora do signo is.
Leitor: Impressionismo O questl.:>namento leva à. noção de entre-texto e pré-texto, pois
Obra: Formalismo
Estilística se desenvolvermos a investigação nos limites exclusivos do tex-
Nova Crítica to, certamente não atingiremos o ser do entre-texto. Combina-
Estruturalismo ções e funções são categorias que pressupõem e exigem o texto
pronto u.

Como se vê, a mudança de olientação teórica consistiu sempre numa o entre-texto é o texto mediado pelo pré-texto. O entre-texto é o lite-
inversão, seja do Autor para o Leitor, do Leitor para a Obra, do Homem rário. "O entre-texto é uma desestruturação do texto, levada a efeito
e seu meio para a Obra. A inversão tem uma vantagem: é um passo à pelo vigor originário do pré-texto" 115. Surge da dialética entre pré-texto
frente na pesquisa, na ampliação da compreensão do fenômeno literá-
tio. Tem uma desvantagem: continua uma inversão, Em outras pala- is PORTELLA, Eduardo. Fundamento da investigação literária. 2. ed. Rio
vra.S, o fenômeno literário PoSSibilita todas essas posições, mas nenhuma de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1974. p, 45.
o apreende. Com isto não se quer dizer que tais posições estejam erra- 14 Ibidem, p. 51.
das, ápenas que o questionamento pode e deve ser levado adiante. u Ibidem, p. 72.

32 33
Oinguagem) e texto Oingua) . O pré-texto ou linguagem é a fonte de nenhuma objetivação especfica. "A lin guagem é o mais concentrado
toda e qualquer realidade, "não é uma coisa que se diga é f modo de ser da realidade. Na linguagem o Real se mostra em si mesmo
que se diz" is o · . • a orça do
_ · que vai, POIS, caracterizar o entre-texto é a ambigüida- com plenitude de liberdade" 20. E na pa.lSagem do Real o homem ocupa
de ~ ~sta se d~ quando; pela força geradora da linguagem transborda um lugar privilegiado, porque no dizer de Heidegger: "A linguagem é a
os limites da lmgua. '
casa do Ser. Em sua habitação mora o homem. Os pensadores e poetas
Uie servem de vigias" 2:1 . Nesta perspectiva pensar a linguagem é perISar
O que vale dizer: é o máximo de presen a da Iin o homem. Ela não é algo externo ao homem, "é o lugar inevitável do
~!~t6ºm~~i~oo ~~f:~~t~~to~~- ainda:
quan?o mais a~1t~:~~ f~~ acontecimento existencial" 22 e
Sintetizando, diz 0 autor:
existir plenamente é empreender um movimento de liberdade.
1': o que faz o poeta, é o que faz o homem. o poeta o faz poeti-
O literário não é apenas di . camente, assistido e acobertado pela ação reveladora da lin-
Não fala; faz falar. É 0 ;;~-=~~~t~o~qu~ da origem ao discurso. guagem 2a.
Como penetrar nessa estrutura h ms _aurando_ o entre-texto.
~hecimento da estrutura específic!teJ~g~~~a?
ae cada área. É imprescindível estar d
fªº basta.º co-
a n vel, da episteme Assim a Leitura Poética não faz do homem, do critico mero espectador.
tegrado e integrador de tod e pos~e de um saber in- A noção de crítico toma um outro sentido. Num primeiro desdobramen-
entre-texto. Perceber a dinâ~i a constel'.lçao elaboradora do
fundadoras; estilo individualid~deque a~~m~nta as categorias to, o exercício crítico consiste num esforço de compreensão da. verdade.
todos os diferentes• recursos de uni!Í ª1? ien e, forI?a.s, sons, "Compreender a verdade é localizar-se no interior do seu jogo e acom-
e:;sa complexa e matizada nolivalia ~aça<;> ~a obra, .Ja. que toda panhar a sua dinâmica interna." 24. lt importante a distinção que Eduar-
no unificador: a obra A -a reens- esem oca. no ~co estuá-
de processar-se no int~rior d~ dial:g deâ8a iddlSS~J.?.1.maçãc;i terá do Portella faz a seguir entre verdade enquanto uma adequação ou re-
gem, pré-texto) e diferença <língua, cfext~) i:ntiaade <Zmgua- lação isomórfica tal qual, isto é, entre o que se diz e o objeto. sobre o
qual se emite o juízo. O oposto desta verdade é o erro, quando não se
Deste entendimento do literário surge
brota de deptro: o próprio método, como algo que efetua tal relação. A outra noção de verdade é a manifestativa. Tanto
uma como outra estão radicalmente presas ao homem: "O homem é
O entre-texto em função d passagem obrigatória na curva da verdade lógica de adequação para a
opera nos do~ ni . . é e s~u caráter heterogêneo e global,
co enquanto se veIS. suscet1vel de um tratamento heuristi- verdade originária de revelação" 2s. O homem não é o fundamento da
en'quanto se com!:i't:::sriaie de udma ordenação sistemática, verdade. "Ele é um mediador nato, realizando plenamente a dialética
lit ár. é · se po er concluir que 0 m •t 0 d0
er io relativamente aleatório 19. e
CARNEIRO LEAO, Emmanuel. Fundamentos teóricos àa poética; apon-
:tr::~:t~;au:a 1~;:~id~de :linguage_m)
20
na diferença <Zfngua) se efetua tamentos de aula de um curso de igual nome, na Faculdade de Letras
da UFRJ, 29 semestre, 1971.
explícita ao ní 1 d armca e ~tuaçao implícita ao nível do pré-texto e
ve o texto. EIS . porque a linguagem não se esgota em 21 HEIDEGGER, Martin. Sobre o humanismo. Trad. Emmanuel Carnei-
ro Leão. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967. p. 21.
10 Ibidem, p. 74. 22 PORTELLA, Eduardo. Fundamento da investigaç4o lfterárta. 2. ed. Rio
lT
de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1974. p. 59.
Ibidem, p. 62.
18
:ia Ibidem, p. 78.
Ibidem, p. 69.
!19
2• Ibidem, p. 139.
Ibidem, p. 40.
2:1 Ibidem, p. 142.
34
35
identidade e diferença" 26. Nesta dialética; a ·não-verdade não é o erro,
dente de que não se fala sobre Literatura de fora da Literatura, torna-se
o falso, mas parte constitutiva -da verdade. Por isso conclui o autor:
uma criação peculiar, um conhecimento que é co-nascer. Diz:

A existência humana está originariamente nos dois lados no A aliança criadora do com, ela a realiza em dois níveis. Ao se
d~ verdade ~ no da não-verdade. E a verdade mais origin'.ária deixar levar para a própria fonte das possibilidades do entre-
nao se localiza na verdade. Aqui se ilumlnii, ainda mais a fa- texto e daí retirar forças para alçar-se ao estado de criação,
mosa sentença heideggereana: "a arte é pôr na obra a ver- e ao reconduzir todas as coisas à poesia, à sua fonte, trazendo
dade". Guimarães Rosa, para dizer esse jogo bifronte e múl- para este nível o conjunto de implicações do texto, sejam as
tiplo, que é o jogo do próprio entre-texto, instituiu uma elaborações lingüísticas, as oscilações psicológicas ou os movi;.
terceira dimensão - "a terceira margem do rio'" aí onde a mentos sociais 3o.
liberdade é possível 21. '
A crítica, na Leitura Poética, perde essencialmente o seu caráter nega-
Constatamos que o exercício crítico implica a verdade, esta, o homem. tivo e assume o lugar que sempre lhe coube na paisagem do humano:
E introduzir o homem é colocar o problema da história: •No dinamismo do jogo da verdade a critica é criação" ai.
A abordagem sucinta de algumas das principais correntes criticas
Assim como a questão da verdade coloca o problema do ho- mostrou-nos a complexidade e riqueza do fenômeno literário. Nem todll.$
mem, este só se aprofunda no horizonte problemático da his- as correntes elaboraram Histórias Literárias. Algumas ou alguns de seus
tória.. N~o poderia ser de outra maneira: o homem existe teóricos negaram inclusive tal possibilidade. Entretanto, não há. História
dentro de modalidades fundamentais que são as épocas da
história 2s. Literária sem pressupostos teóricos. Quando as formulações teóricas so-
bre o literário se multiplicam e não escondem sua crise, ao apelarem
De tal maneira se inter-relacionam que pode formular: para outros campos como a Lingüística, a Antropologia e a Psicologia,
a elaboração de uma História Literária toma-se ainda mais difícil. A
critica às Histórias Literárias tradicionais tinha razão de ser. Presas a
Evidentemente a manifestação da verdade não é estática mas
histórica. Ainda mais: o movimento de manifestar-se é a pró- um fa.ctualismo ou cronologia inconseqüente, pouco atentavam para o
pria historicidade. E assim as criações globais - pensamento, especifico literário. Certa reação dando ênfase à sincronia, esqueceu o
arte, religiosidade - são instâncias de acionamento da mani- caráter histórico da obra de arte:
festação: do homem e da realidade 29.
A 1lusão slstêmica ou estruturalóide, de feição predominante-
A arte torna-se um modo originário da verdade do Ser. E por isso mes- mente slncrõnica, parece imaginar que, no seu relacionar-se
mo o entre-texto funciona como verdade da existência e não simples- com o mun.do e as coisas, o homem pode prescindir da his-
tória. Ignora. igualmente que a própria constituição do discurso
mente ao nível do discurso, embora não possa prescindir deste. Com- depende de aberturas nitidamente epocais ... s2
preende-se melhor agora porque afirma ser a crítica poética não ui:na
linguagem sobre, mas uma linguagem com. Esta linguagem com, cons- A História Literária fundada nos Estilos de ltp()Ca foi um passo à !rente
em relação às anteriores. Nesta, procura-se fugir de uma cronologia., fruto
26 Ibidem, p. 143. de uma historiografia, e externa ao fenômeno literàrio, para encarar a
27 Ibidem, p. 145.
so Ibidem, p. 146.
28 Ibidem, p. 143.
ai Ibidem, p. 147.
29 Ibidem, p. 142.
a2 Ibidem, p. 143.
36
37
Literatura sincrônica e diacronicamente através dos elementos constitu- Na arte, na. poesia, se articula. o destino "epocal" do Ser. Assim sendo,
tivos das obras de arte: seus estilos. Mas ao encararem o aspecto diacrô- uma História. Literária deve levar em consideração um tal conceito de
nico da Literatura através dos estilos de época deram tanto peso aos es- História e o papel essencial da arte como verdade de manifestação do Ser
tilos que esqueceram de aprofundar e tirar as devidas conseqüências do através do homem. A manifestação epocal implica que a História. Literá-
conceito época. Este introduz o problema da História. Implicitamente, ao ria leve em consideração três planos pelo menos:
trabalharem com o conceito época sem o questionarem, na realidade, não
ultrapassaram, neste ponto de vista, o nível da historiografia. A divisão 1"'> uma perspectiva sincrónica, com a análise das estruturas e diferen-
da obra literária em elementos intrfnsecos ou literários e extrínsecos ou tes elementos das obras. Ver as implicações contextuais. pois toda
obra faz parte de um contexto;
contextuais exige um questionamento que os integre e inter-relacione. A
Leitura Poética procura sair de tal dicotomia e impasse ao introduzir e 29) uma perspectiva diacrônica, com atenção especial para o inter-rela·
inter-relacionar a verdade, o homem e a história. A história deixa de ser cionamento das diferentes épocas;
uma simples sucessão de fatos escolhidos e catalogados arbitrariamente.
O seu entendimento mais profundo exige um desdobramento teórico, que 39) uma Leitura Poéttca, com aplicação das noções de texto, entre-texto
aqui não cabe fazer, mas é necessário apontar. o Ser brilha no homem e e pré-texto.
este toma-se, pois,. o espaço onde se desdobra a verdade dos entes. :e: no Para terminar atente-se para o fato de que o entendimento da História.,
homem que os entes são o que são, através do Ser que brilha nele. Esta tal· como foi explanado, não implica em algo estático, mas é altamente
luz que brilha no homem e a verdade dos entes por ele manifesta se dá dinâmico. E· para que não se dê um caráter absoluto às formulações, mas
pela dinâmica de estruturação do Ser. "A Essência da História é a dinâ- também não se cala num relativismo fácil, convém ter presente as pala-
mica dessa estruturação" aa. vras de Heidegger:
Pensar e falar é articular o destino do Ser. Por isso só o homem Transformar em linguagem cada vez esse ad-vento permanente
pensa. Só o homem fala. Só o homem é histórico. E é histórico, do Ser que, em sua permanência, espera pelo homem, é a única
enquanto faz e é feito pela História ª'· causa (Sache> do pensamento. 11: por isso que os pensado·es
Essenciais dizem sempre o mesmo (das Selbe), isso, no entanto,
A compreensão das diferentes épocas se dá através da dialética que o pró- não significa que digam sempre coisas iguais (das Gleiche> sa.
prio Ser instaura. Nessa dialética o Ser se dá. e se retrai epacalmente.

A História se essenciallza assim em vicissitudes de destinações


e ao mesmo tempo de retenções do Ser como totalidade. o ritmo
desse vigor é a Essência do tempo, como temporalidade do ser.
Nele repousa a continuidade e descontinuidade das épocas his-
tóricas. O futuro, o passado e o presente, enquanto momentos do
tempo se fundem, sem se confundirem, no vigor do destino do
Ser. A presença do passado no presente é a necessidade do fu-
turo. 11: no destino "epocal" do ser que se essencializa a história
dos homens ss.

83
CARNEIRO LE~O, Emmanuel. Introdução. In: HEIDEGGER, Martin.
Sobre o humanismo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967. p. 14.
u Ibidem, p. 15.
aa Ibidem, p. l!J. se HEIDEGGER, Martin. Sobre o humanismo. Trad. Emmanuel Carnei-
ro Leão. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967. p. 98.

38 39
Os estilos históricos na literatura ocidental tico "um segmento temporal dominado por um sistema de normas, pa,
drões e convenções literários, cuja introdução, expansão, diversificação,
integração e desaparecimento pos·s am ser traçados". Nesse sentido, a
Introdução: natureza dos conceitos de estilos históricos unidade do estilo de época., sempre relativa., constitui basicamente uma
função da plenitude, ainda que aproximada, do aludido modelo de nor·
O objetivo deste capítulo é a caracterização sumariamente esquemá- mattvtdade no período.
tica dos grandes periddos estilísticos da literatura ocidental moderna., o que empresta aos conceitos de estilos históricos um conteúdo tão
Isto é, sucessivos estilos de época, desde a Renascença.. Mas antes de extraordinariamente variegado é a circunstância de eles não serem classea
enfrentarmos essa caracterização, é preciso esclarecer a própria. noção no sentido puramente lógico. Em relação a um da.do estilo histórico, cada
de "período estilístico", ou "estilo de época". obra literária nunca é simplesmente um espécime - é uma verdadeira
Conceitos periodológicos do tipo "ba.rrocoH, "neoclassicismo" ou "ro- parte componente, responsável por pelo menos um aspecto do sentido
mantismo" são sempre tão controvertidos que, volta e meia, alguns es- global do estilo de época. Precisamente por essa razão, os conceitos pe-
pecialistas desesperam de poder empregá-los com um mínimo de objetl- riodológicos têm muito em comum - ao contrário do que julga Wellek -
Vidade. Lovejoy, o grande mestre da história das idéias, não hesitou em com os tipos tdeais usado·s em sociologia (e teorizados por Max Weber) .
como os tipos ideais da área social (p. ex.: "capitalismo"), os conceitos
adotar essa atitude negatiVista em relação à etiqueta "romantismo". A
natw·eza dos estilos de época é, com efeito, tão cheia de prismas, tão de estilos históricos não devem ser obtidos por meio de generalização,
multifacetada e tão rebelde às definições unívocas, que é grande a ten- mas sim de uma. . . estilização "utópica" (Max Weber) - de uma deli-
berada e·s quematização dos dados, que nos possibilite descobrir sentido e
tação de considerai· esses conceitos historiográficos como simples rótu-
los "práticos", completamente distituidos de real valor cognitivo. Mas ordem na caótica abundância do real. O tipo ideal não descreve a média
das manifestações de um fenômeno; descreve o típico, não geral. Cada
essa visão da5 coisas, a pretexto de rigor, acaba por violentar a reali-
dade. Até mesmo intuitivamente, sabemos reconhecer o "ar de família" estilo _ nota Arnold Hauser - é como um tema musical de que só co-
ost entado pela maior parte dos textos literÚios, ou das obras de arte nhecêssemos variações. Assim, o "romantismo" é algo que não se deixa
em geral, de cada época. de uma cultura. Tanto quanto os estilos de contemplar em si, mas apenas nos seus iridescentes reflexos - a legião
autor, os estilos epocais existem - por mais esquivos que sejam ao ar- das obras românticas. E se o "circulo hermenêutico" <Dilthey) é inevi-
tavelmente um circulo vicioso <não podemos saber o que é o romantismo
senal classificatório da história da literatura. Podemos aprimorar os
fora da análise das obra·s romA.nticas, e precisamos "intuir" o c:i.ue 6 o
instrumentos lógicos utilizados para compreendê-los, porém não temos
romantismo para"selecioná-las como taiS), pelo menos essa circularidade
o direito de fingir que se trata de puras fantasias arbitrárias, imotiva-
das pela realidade da literatura. não nos impede de ampliar o conceito de cada estilo histórico.
Tudo está em não erigir nenhuma lntUição em visão dogmática da
Se os conceitos periodológicos parecem com tal freqüência meros "essência" do estilo hipostasiando-o numa espécie de milagroso sujeito
Jlatus voeis, é porque se insiste em atribuir-lhes uma pretensão essen- da história da arte; em não cair na metafísica dos estilos, que é tão
cialista, em conferir-lhes um estatuto lógico-epistemológico que na ver- estéril quanto o nominalismo absoluto. Nenhum estilo é um "ttpo psico-
dade nunca possuíram. Sendo categorias históricas, noções como barroco lógico", uma configuração "espiritual" uniforme, nem se deixa tampouco
ou romantismo são esquemas heurísticos, meios de pesquisa, e não "fo- apreender ao mero nivel da conscUncia estética empirtca: a verdade do
tografias" da infinita polivalência do processo histórico. René Wellek, estilo histórico, mais ainda do que a dos estilos de autor, ultrapassa ne-
no tll.timo capítulo de sua célebre Teoria da Literatura (escrita em cola- cessariamente o plano da intencionalidade, quer individual, quer coleti-
boração com Austin Warren), propõe que consideremos período estilís- va. Por isso, é necessârto "psicanal1sar" aquela definição de Wellek. O

40
41
conceito de estilo histórico não pára no modelo de normatividade artis- 1 - O classicismo humanista da Renascença (e. • 1340 - e. 1550)
tlca reconhecido e institucionalizado por uma determinada é b
ao contrári poca; usca A cultura intelectual e artística da Renascença, forjada na Itália
o, esse modelo no inconsciente dessa mesma formaça-o hi •
tórica. s- desde o século XIV, penetrou na Europa ocidental e central a partir do
llltimo quartel do Século XV. Por volta. de 1500, o classicismo 11terár1o
e.ada estilo opera um pouco à maneira das epistemes de Michel Fou- por ela engendrado dará o tom nas literaturas italiana, francesa, ibé-
n1f t trata-se
cault. s de substratos intelectuais latentes • e nao- só d e c ódi gos ma-
ricas e inglesa, tornando-se, ao lado das artes plásticas, um dos grandes
es os. omente nessa perspectiva é que as formas estéticas se apre-
veículos de difusão da mentalidade humanista.
sentam, na sua própria especificidade, como . verdadeiros conteúdos cul
turais. - Sem ser absolUtamente anti-religioso, o humanismo da Renascença
Mas os estilos estétlcos nao
- correspondem cronologicamente às epis- era produto de uma ampla tendência à. secularização da cultura. Na
temes que Foucault distingue na cultura. ocidental. Vários estilos (ex . Itália trecentista e quatrocentista, o desenvolvimento das comunas ur-
barroco, rococó, neoclássico) podem suceder-se dentro da mesma epist ·~ banas e do direito criara poderosos suportes para um novo tipo de inte-
me <a episteme "clássica" para Foucault). Além disso, os estilos pode~ lectualidade, por vocação e profissão mais profana do que a velha tntellf-
coexistir (ex.: rococó e neoclássico)• embora, habitualmente, sob a he- gentsía clerical. Este recuo do monopólio cultural da Igreja se desdo-
gemorúa de um deles (rococó na primeira parte do séc. XVIII, o neoclas- bra, especialmente no Norte europeu (norte, no sentido peninsular da
sicismo na segunda) . Por conseguinte, a fim de evitar todo equívoco será expressão), num significativo deslocamento da religiosidade, que se ex-
semp:e melhor falar em estilos históricos do que em "períodos e~tilis­
prime cada vez mais por surtos de inspiração leiga. Isso, num contexto
ticos • ou mesmo em estilos "de época". Definições como a de Sypher
social em que a nobreza premida pelo declinio das rendas agrárias face
<"We mean lJ'/J style conformity to techniques adequately expressing the
à. expansão dos lucros mercantis, se entrega a uma verdadeira colorúza.-
consciouness of an era" 1) são, por isso, demasiado ambiciosas.
ção da alta hierarquia religiosa, outrora em boa parte recrutada entre
E para concluir esta introdução, uma advertência. A atenção aos
a. burguesia e o campesinato. O "fechamento" do alto clero às camadas
estilos históricos não deve induzir à negligência dos elementos transe-
sociais inferiores e a elevação do custo de vida no fim do séc. XV farão
pocais da literatura. Assim, a história, positive. e fecunda, dos estilos
com que muitos sacerdotes abandonem suas paróquias, e o conseqüente
não tem por que ignorar a lição de. história, por exemplo dos tópoi
dos género.s, a que eruditos do porte de E . R. Curtius H• R J ou desfalcamento da Igreja nos meios populares não será estranho aos pro-
ram cont lbui - d e · · auss de- gressos da heresia protestante, principalmente entre a pequena bur-
r . çoes o mais alto valor. A história do estilo se superpõe
e não se substitui, à da tópica e do gênero. E principaÍmcnte, não dev~ guesia citadina, ameaçada pelo imperialismo econômico do novo patri-
ela, caindo presa de qualquer mística historicista, esquecer o que um ciado urbano, e entre a massa camponesa, vitima da refeudalização da's
poeta como T. s. Eliot ou um critico como N · Fry e nao- esqueceram· que relações sociais desfechada pela nobreza rural na defensiva. No âmbito
a literatura .é quase sempre, a cada instante da sua história o sis.tema europeu, senão italiano, a secularização da cultura, fortemente auxiliada
total das obras literárias de todos os tempos, ou pelo men~s de uma pela invenção revolucionária da imprensa será uma espécie de denomi-
determinada cultura e de suas relações com outra:. Literatura ~ profun- nador comum à Renascença e à Reforma. Porém enquanto o Renasci-
damente, tradição - e tradição é o que ultrapassa, sem anul~r, a sin- mento permaneceria um movimento cultural restrito e. círculos de elite,
gularidade de cada momento histórico. a. Reforma teria um cunho muito mais popular.

;i SYPHER, W. Rococo to Cubtsm. p. 63.


-• - -
e. = começo
43
42
~ humanismo não nasceu como doutrina filosófica, e sim como re.- rus). Como principio de educação cortesã, o humanismo, seduzindo a
voluçao educacional - um novo programa de estudos Conde a única politica dinástica, se intercionaliza em definitivo. No quinhentismo, o
disciplina filosófica era a moral) , cuja tônica residia no curricuio retó- petrarquismo conquista a poesia com a "escola de Lyon"( Maurice Sceve,
rico-filológico, inspirado pelo amor à excelência das letras clássicas Tal Louise Labé) e a Plélltde de Ronsard <c. 1550) , com o português Sá de
foi a feição especificamente literária da Renascença, fonte de um ~ovo Miranda (1481-1554> e o espanhol Garcilaso de la Vega <1503-36); a
equilíbrio, na produção literária do tempo, entre os diversos idiomas énica herói-cqIJlica de Ariosto <Orlando Furioso, 1516) se toma o prin-
vernáculos e ~ latim purificado, 1sto é, desbarbarizado e reclassicizado. cipal lll.Oc:lelo do verso narrativo; enfim a prosa em vernáculo alcançarê.
Mas ess~ paixao beletrfstica possuía uma mola étiea: a descoberta do nova flexibilldade expressiva e estatura intelectual na frase dos pensa-
valor existencial da literatura. O pioneiro dessa descoberta, 0 clérigo dores e historiadores como Maquiavel 0469-1527) e João de I,larros e de
itinerante Fra.ncesco Petrarca <1304-74), emérito exumador de códices exuberante erudito narrador cômico-\fantástico: {Rabelais 0494-1553).
antigos, não se limitou a consagrar o uso de formas líricas herdadas da Somente no teatro a literatura humanista não se mostraria fecunda; se
poesia trovadoresca provençal e italiana (o soneto, a canção); conferin- a comédia antiga ressurge na Madrágora de Maquiavel, a dramaturgia
do, mediante módulos sintáticos e léxicos, nova amplitude psicológica à mais viva da época - nos autos e farsas do português Gil Vicente (m. •
prosa latina, fez da epistola e do diálogo instrumentos literários alta- em 1536) - permanece vinculada ao alegorismo medieval, e não aos gê-
mente comunicativos, vibrantes de humanidade. Dele já se afirmou que neros dramáticos "cultos" do classicismo de inspiração greco-romana e
não tanto o que escrevia, mas o como o dizia, foi seu maior legado fun- ·modelos italianos.
dador. A sagração de Petrarca, laureado no Capitólio como poeta roma-
Ao nfvel da contextura do discurso literário, a principal conseqüên-
no, é o momento mal.ll simbólico do humanismo: vindo logo após a es-
cia do estabelecimento do estilo clássico promovido pelos humanistas foi
terllidade literária do #século sem Roma" _ 0 século XIII -, essa glo-
a restauração da regra clássica da "separação dos estilos" (estilo elevado,
rificação do culto das letras, celebrada no coração cfvico de uma Roma
médio e baixo) . Essa regra bania dos gêneros poéticos que, como a épica
em pleno eclipse polftico <com o papado em Avinhão>, fez do anelo
e a tragédia, detinham o privilégio de abordar temas "sérios", toda ex-
humanista de estetizar a consciência ocidental uma espécie de promes-
pressão ou referência "vulgar", relegando os prosaicos nomes e coisas do
sa religiosa, cheia de futuro no seu próprio rito de nostálgica reverência
cotidiano à visão cômica ou satírica, própria dos gêneros inferiores. Para
pelo passado no gesto mesmo de conjurar o rtnascimento dell "Antichftcl.H.
compreender a importância dessa restauração humanista do principio
A Principio simples fenômeno escolar, mero currículo antiescolástico, da separação hierárquica dos estilos de gênero, basta lembrar que a pró-
o humanismo se converteu pouco a pouco, graças à vibratilidade de sua pria Divina Comédia, obra-fronteira entre a literatura medieval e a re-
literatura, no ethos central da alta. cultura do período. Entre 0 final do nascentista, llimplesmente o ignora (como de resto ainda o fará o estilo
séc. XIV e o meio do seguinte, as letras humanísticas assumem, em F'lo- "carnavalesco" de Erasmo ou Rabelais - mas desta vez, em registro cô-
rença, uma propensão marcadamente cfvica. Daf em diante, porém, até mico, e não sério-problemático). Deste modo, o classicismo da Renas-
meados do séc. XVI, os humanistas, que vêem sua posição profissional cença, primeiro estilo literário da civilização do livro, classicizou não só
consolidada como secretários, bibliotecários ou preceptores de papas e o conteúdo, mas a concepção mesma do discurso poético. Permanecendo
prfncipes, abraçarão o Ideal heróico. o cristianismo antropocêntrico pro- em vigor até o advento da literatura romântica, o cânon dos "niveis de
cura agora espiritualizar e sublimar o culto amoral da virtu, enquanto estilo" acompanharia em toda a sua duração a chamada tdade huma-
a etiqueta. quinhentista lança o modelo do gentilhomem (ll Cortegiano nística - aquela que se estende de Petrarca até Goethe, desde a época
de Castiglione) - da personalidade superior, culta e aristocrática, for~ das comunas à Revolução Industrial.
ma.da no bom go.s~ e nas boas maneiras - e a publicfstlca dos huma-
nistas advoga o pacifismo <Erasmo) e o utopismo social (Thomas Mo·
• m. = abreviatura de morto. Ao contrário, n. = nascido.
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2 - Maneirismo (e. 1530 - e. 1620) bre idealismo da paidéia humanista. Dai a estrutura intrinsecamente
dilemática da obra de arte maneirista, o seu amor quase masoqul..c;ta ao
A partir da terceira década do século XVI, os elementos disruptivos paradoxo e à aporia - à tensão insolúvel. Arte da contradição sem sín-
que, abalando a estrutura do universo medieval, se farão sentir na so- tese: contradição entre epos marcial, erotismo elegiaco em Camões
ciedade européia da Renascença, começam a exacerbar seus efeitos. A <1524-80) e Tasso <1544-95), contradições do eu "ondulante e diverso"
crise econômica (alta dos preços e desemprego) provocada, entre outras de Montaigne (1533-92) , paradoxos na lirica a um só tempo coloquial e
razões, pela introdução maciça de metais preciosos, provenientes das no- intelectualista dos poetas metafísicos como John Donne <1573-1631). Os
vas colônias das monarquias ibéricas, e pela incontida especulação fi- dilemas cerebrinos, e não obstante pateticamente existenciais, de
nanceira, se vêm somar sangrentos conflitos religiosos. Social e moral- Hamlet encarnam melhor que tudo o ânimo da literatura maneirista. Musa
mente, a Europa, ainda ameaçada pelo Islão na pessoa do império oto- da alienação, esta descobrirá, no Rei Lear ou nos protagonistas das
mano, conhece vários decênios de caótica instabilidade. Entre 0 saque bitter comedies da maturidade de Shakespeare (1564-1616), o anti-herói
de Roma pelas tropas de Carlos V (1527) e o triunfo naval da cri8tan- grotesco, surpreendentemente "moderno" pela ambiguidade do seu con-
dade contra os turcos, em Lepanto (1571), prevalece nas artes, sob 0 torno moral. O drama elisabetano, com suas peças arquiliterárias, mas
patrocínio das cortes soberanas, um estilo profundamente relacionado não clássicas, e seu público misto "medieval", conquistou finalmente
com essa crise de civilização - o maneirismo. para uma "Renascença no outono", a vitalidade da expressão teatral.
Maneirismo vem de maniera, termo pela primeira vez empregado Na lirica, o maneirismo, na já citada poesia metafísica, assim como no
com Intuito pejorativo pelos defensores da pintura inauguradora do apetrarquismo do Monsenhor della Casa, do sevilhano Fernando de Her-
barroco, a dos Carraccl. Estilo altamente estilizado, artificial e cerebral, rera (1534-97) e do francês Jean de Sponde (1557-95), personaliza a ex-
e portanto, facilmente confundível com o simplesmente amaneirado, 0 pressão poética e lhe aprofunda as conotações morais nessa fase de in-
maneirismo teria que esperar, para ver seus méritos resgatados da in- tensas preocupações espirituais, estimuladas pelos establishments reli-
compreensão "classicista", pelo impacto da arte contemporânea na men- giosos (o maneirismo coincide com o lançamento da contra-reforma no
te critica. Nas artes plásticas, a reaceitação do maneirismo, que data dos Concilio de Trento). Contemporânea de várias interpretações da Poética
anos 20 (M. Dvorak, W. Friedlaender), seguiu-se à reabilitação do bar- de Aristóteles, o maneirismo seria igualmente o primeiro estilo da criti-
roco, Iniciada na Belle Epoque por Woefflln e Riegl. A aplicação do con- ca, tanto em arte <Vasari, Zuccari) quanto em literatura (Castelvetro,
ceito de maneirismo à literatura, como estilo histórico autônomo, data Robortello, etc.), não sendo raros, nessa época, os autores que problema-
dos últimos trinta anos. Nas letras, do fim do quinhentismo até 0 prin- tizam frontalmente o ato criador (Tasso, Montaigne) . Literatura dupla-
cipio do Seiscentos, o maneirismo competirá em algumas áreas com 0 mente critica, portanto: por ser literatura da crise e por ser meta.lite-
.barroco, que floresce na Itália e ESpanha já no último quartel do ratura, ou seja, literatura reflexiva, que se contempla ao compor.
séc. XVI.

O mane1r1smo pede ser considerado a estética do humanismo angus- 3 - Barroco (e. 1570 - e. 1730)
tiado, do humanismo agônico, bem visível nas figuras carregadas de
rx:thos e no espaço convulsionado da segunda fase de Michelangelo, ins-
O maneirismo fora o estilo da desintegração; o barroco seria o es-
tilo da reintegração. O maneirismo cultivara tensões dilaceradoras; o
pirador-mor da plástica desse estilo. A vivência fundamental do manei-
barroco buscará resolvê-las, numa enérgica sintese. Com o barroco, o
r:lsmo foi o dilaceramento, a cisão íntima entre o desejo de fidelidade
espírito dos tempos modernos se firma e se consolida. A aftrmaUvtdade
ao utopismo do Ideal clássico-heróico forjado na Alta Renascença e a
do novo estilo reflete o ânimo sangüíneo e robusto de um Ocidente que
sensibilidade a um mundo que negava cada vez mais brutalmente o no- vê fortalecido o estado nacional <e com este, a primazia mundial da Eu-

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ropa cristã), implantado o capitalismo, lnauilll'ada <com Galileu e (1632-77) descobre a autonomia expressiva da paisagem <Poussin,
Newton) a ciência moderna e a filosofia que a fundamenta (Descartes), :-uysdael) ;~om 0 barroco, a "arte do homem" da Renascença vira "arte
ao mesmo tempo em que persiste a ordenação religiosa do poder e da do mundo", naturalismo liberto de qualquer antropolatria. Com Borromi·
cultura. Híbrido limiar da idade moderna, o século XVII realiza uma fe- ni, por volta de 1640, a arquitetura barroca não vacila em rejeitar um d~
cunda simbiose de teocentrismo e racionalismo. mais sagrados dogmas humanistas: a planta baseada em módulos antro-
A persistência das legitimações religiosas no seio de uma sociedade pomórficos. No barroco, criador da ópera e da polifonia, a cultura inteira
crescentemente racionalizada nas esferas política e econômica explica por- se musicaltza, segundo a penetrante intuição de Spe~gler: a alma fáust1·
que o século do barroco assistiu ao último grande surto de arte religiosa ca se abandona por completo à embriaguez do infinito.
no Ocidente - da iconografia cheia de novos santos em êxtase e marti- o caráter fundador do barroco, como paidéia estética dos tempoa
rio aos autos sacramentais de Lope de Vega (1562-1635) e Calderón modernos, como arte resposta em consonância com o impulso intimo da
<1600-81), passando pela veemência da oratória sacra (Vieira, BoS.suet) e · cultura, inspira a sua exuberdncia, tão diversa da morbidez maneirista.
da prosa de Pascal <1623-62). Em particular, a Contra-Reforma encon- Nela repousa 0 sensualismo barroco, em que Spitzer \riu uma tradução ar-
traria na plástica barroca <ex.: Rubens, Bernini), despida do cerebralismo tística do principio da Encarnação <verbum caro factum>. Sensualismo e
maneirista, sensualmente sedutora e comunicativa, o veiculo predileto de voluntarismo se fundem, nas artes da época, na volúpta da ~etamorfose e
uma estética propagandística, capaz de servir como instrumento de ca- da ostentação (no complexo de Circe e do pavão, descrito por Jean
tequese ou reconversão nessa "Europa das capitais" (G. c. Argan) social- Rousset>. Em literatura, o cultismo ("mais palavras que pens_amentos") e
mente ainda bem hierarquizada, com sua ampla base de massas campo- 0 concettismo ("mais pensamentos que palavras"), a poética <ta.o admirada,
nesas iletradas <V. L. Tapié). Na Europa seiscentista, a burguesia, se, por no Portugal seiscentista, por o. Francisco Manuel de Melo) de Gôngora
um lado assimila os valores da nobreza educada (é o honnete homme (1561-1627) e a de Quevedo (1580-1645), são duas faces ~essa mesma te~­
que, na cidade, imita a corte), por outro lado se revela o principal su- dência lúdica, ornamental e efettista ("~ del poeta il fin la meraviglta ,
porte de um novo etho& religioso: a ascese intramundana (Weber), com- proclamara Marino_ 1569-1625) - corifeu do barroquismo italiano 2 • POr
binação eficacissima do desprezo pelo mundo com o mais resoluto pragma- outro lado em seu próprio aspecto lúdico e ornamental, cUltismo e concei-
tismo, e que foi a têmpera tanto do puritanismo calvinista quanto da m1- tismo, tro;os e figuras, refletem o estigma da condição da fantasia sob o
lltê.ncia Jesuítica. domínio da razão moderna. "Também a poesia cairá sob o império do pen-
Na raiz da ascese intra.mundana, pulsa um querer "fáustlco", um ati- sar" disse Dithey, referindo-se ao rebaixamento que, entre as faculdades
vismo da vontade. A "inquieta busca do poder" <C. J. Friedrich), uma das da ~ente, a nova filosofia impôs à imaginação. Os maiores escritores bar-
molas da alma barroca, se manifestaria plenamente, não só no autorita- rocos foram grão-senhores da retórica e da mitologia antropomórfica (cf.
rismo do Estado e das Igrejas, mas também no erotismo despótico ou sub- Cervantes, Vieira e Marvell, ou Milton e Racine) - mas seus vôos mito-
versivo das tragédias de Racine, no monumentalismo amplifica.tório da poéticos, à. diferença de seus predecessores, não raro se compunha com a
arquitetura, nos elementos voluntaristas da pintura e da escultura <as dia- estrita geometria da razão analítica. Para os pensadores renascentistas e
gonais vigorosas, as espirais expansivas), e, sobretudo, em todas essas maneiristas como Ficino ou Bruno, o logos poético era um verbo revelador,
artes, no triunfo da profundidade sobre o plano <Woelfflin). "A paixão e a linguagem mftica, desbravadora dos arca.nos do ser. Porém, para um
do espaço vence a substância da extensão": o parque (Versalhes) o urba- Descartes ou um Locke, pilotos do pensamento moderno, os produtos ~a
nismQ <Praça São Pedro, em Roma) enfatizam as perspectivas, anelam o fantasia e os artifícios da retórica nada têm a· ver com a verdade - se.o
horizonte; no quadro e na estátua, o dinamismo ótico sobrepuja a tangi- meros rituais decorativos.
billdade plástica (Riegl) . Ao mesmo tempo, a sede cósmica da cultura do
Seiscentos, modelarmente formulada no pensamento panteísta de Spino· 2 No Brasil, a Urica barroca teve dois altos representantes em Gregório
de Matos e Botelho de Oliveira.

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No entanto, por trás desses "gratuitos" jogos da "aguc;:eza" e do ''en-
lherbe (1555-1628), sob Henrique IV, o primeiro Bourbon, até os clássicos
genho" lateja o sentimento cristão do horror vacui - um agarrar-se à vida
da "escola de 1660" (La Fontaine, Moliêre, Boileau, Racine), e na Ingla-
que sabe o quanto, irremediavelmente, "la vida es sueiio" :11: o motivo do
terra - no período jacobeu, com o teatro moraliste de Ben Jonhson
desengano, chave do alegorismo barroco <W. Benjamin) e do seu pathos
0573-1637) ; nas décadas do meio do século com a épica de Milton
sempre agônico e contraditório. O homem é um anfíbio, habitante do céu
(1608-74); e em plena Restauração, com as sátiras de Dryden (1631-1700).
e da terra - eis o lema de Sir Thomas Browne na sua "Religto Medtct•
Na crítica, o breviário do barroco barroquista é a Agudeza y Arte de In-
(1642), jóia da prose seiscentista, logo traduzida em todas as línguas eu-
genio (1642), do jesuíta Baltasar Gracián; o do ba!TOco racionalista, a
ropéias. Porém o pessimismo anti-heróico, por mais que inspire as mãx1- Art Poétique (1674) de Boileau.
mas de La Rochefoucauld 0613-80), a visão da existência sem a Graça
nos fragmentos de um Pascal ou o memento mori dos pungentes sonetos ESsa dualidade interior ao barroco tem claro fundamento social: o
do alemão Andreas Gryphius (1616-64), não é a última palavra do bar- barroquismo se avantaja na área socialmente mais aristocrática; o classi-
roco. Não só se vê superado pela beatitude espiritual celebrada, desde os cismo, numa região mais aburguesada. A classicização do barroco, conse-
primórdios do estilo, pelo carmelita descalço Juan de la Cruz 0542-91) qüência do racionalismo seiscentista, foi uma espécie de "troco" dado pela
discipulo de Santa Teresa e poeta do amor divino, e, já no setecentos, alta burguesia à sua própria conversão aristocratizante em honnête hom-
pelos poemas místicos do inglês Richard Crashaw (1612-49) ou do alemão 1ne, isto é, em cópia burguesa do gentil-homem senhorial.
Angelus Sllesius (1624-77), como, mais geralmente, conviverá com todo Literariamente, o século XVII - um dos períodos poéticos mals cria-
um poder de transfiguração heróica. Sensível na voga das morais estóicas dores do Ocidente - se inicia, em pleno siglo de oro, s.ob a égide dos mo-
do tempo (que fez de Sêneca um de seus autores prediletos), e na drama- delos espanhóis, e deságua, em pleno grand siecle, na era do "afrancesa-
turgia da honra de Comeille (1606-84), o élan heróico converte esse estilo, mento da Europa". Quando o barroco expira, e se enlanguesce no rococó,
tão diferente do renascentista, em herdeiro do ideal cláSsico. No barroco, a matriz literária, tal. como na' arquitetura, na pintura e na escultura,
até os rústicos de Caravaggio, os anões de Velásquez e os humildes de emigrara do Mediterrâ.neo para o Norte: das regiões que haviam sido o
Rembrandt têm um halo de nobreza - e até a loucura mansa de D. Qui· ninho da Renascença, para aquelas que logo serviriam de berço à Revo-
xote atua como sublime sagesse - num livro em que, não obstante, o lução Industrial.
utopismo humanista é tão denunciado quanto o prosaico materialismo de
Sancho. Somente à ficção ptcaresca, do Lazartllo de Tormes (1554), ao
Guzmán de Alfarache (c. 1600) de Alemán, e ao Simplicissimus (c. 1670) 4 - Rococó {c. 1715 - c. 1780)
de Grimmelshausen, se esquivou aquela idealização por meio do próprio
realtsmo (Hatzfeld), típica do barroco. o voluntarismo barroco atuara em condiçõe:> demográficas e econô-
micas ba::;tante adversas; a penúria e a escassez de braços e recursos ron-
Os escritores e artistas barrocos, convém não esquecer, não se con- dam quase todo o século XVII. A partir do segundo quartel do séc. XVill,
sideravam barrocos, e sim clãssicos. Eles teriam sido os primeiros a acei- entretanto, a conjuntura a longo prazo se inverte: os progressos da me-
tar a tese moderna quanto à existência de um "classicismó barroco" em dicina e da higiene permitem notável redução da mortalidade infantil e
Cervantes e Racine, autores profundamente barrocos, mas sem a piro- expressivo aumento da longevidade média; no Ocidente europeu, esse "sal-
técnica barroquista. Em pintura, nada é hoJe mais usual do que a dife- to" demográfico coincide, até os fins do reino .de Luís XV (c. 1775), com
renciação, dentro do barroco, entre o barroquismo de um Rubens e uma onda de prosperidade geral. Numerosa e enriquecida, a alta burgue-
0
classicismo de um Pouss1n. Analogamente, podemos distinguir nas letras sia cultivada já não se concentra tanto na magistratura e na burocracia;
seiscentistas um eixo barroquista, predominante na Itália, na ESpanha e juntamente com uma nobreza disposta a sacudir o jugo da coroa, muitos
na Alemanha, de um eixo clássico, que prevalece na França, desde Ma- grandes burgueses fomentam uma como que espécie de "revolução cultu-

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ral" de elite, dirigida contra o etlws ascético-heróico do período anterior. simultaneamente sensual .e cerebral, tipificado em Casanova, réplica ro-
Um estilo artístico - o rococó - cuja zênite se situa bem no meio do cocó ao D. Juan barroco. Colocada entre. o cuidado cristão com a salva-
Setecentos, entre 1730 e 1770, encarna essa revolução moral, em que, pela. ção da alma e o espartano culto do dever da Revolução e da era vitoriana,
primeira vez, a aristocracia se despoja do ideal de grandeza, enquanto a 0 hedonismo ·setecentista fruiu sutilmente - com ·uma ponta de melancó-
burguesia, também pela primeira vez, se entrega a um lazer hedonista. lico carpe àtem - o prazer intenso do instante presente.
Rococó vem de rocame, espécie de concha, motivo dominante na de- Intimista e hedonista, a cultura rococó exibe em tudo a marca da mu-
cnação francesa, é principalmente uma arte ·do "décor", caracterizada pe10 lher. l!: a época das favoritas reais, da invenção do boudoir - e da estéti-
coração dos Mtels e igrejas da época. De fato, a arqUltetura rococó, de ca do charme. No colorismo dos Tiepolo, watteau, Boucher, Fragonard,
apequenamento das formas e dimensões (a galeria do chltteau barroco, por a mulher, entre deusa e fêmea, beldade esquiva e esbelta, sem a carnali-
exemplo, vira o salo1& - pequena saUe>, e pela renúncia ao sentido afir- dade exuberante do barroco, preside a apoteose de Vênus. A mitologia
mativo e triunfalista. das linhas, agora convertidas, na clara superfície dos rococó aposenta os pa~teões jupiterianos da tradição clássic~, entronizan-
materiais macios (o estuque, em vez do mármore), e no reflexo dos vá- do em seu lugar o olimpo lascivo de Ovídio: Afrodite e Cupido, Diana e
rios espelhos, em arabescos da mais fluente labilldade. Essa decoração tro- Tá. Mas toda a arte dessa fase, do verso idilico ao bibelõ, se mostra ple-
ca a solenidade do ambiente barroco pela graciosa estilização do interior namente feminizada.
Intimista: o "conforto" acaba de ser descoberto, inaugura-se a prática da As mulheres são o pivô dos salões - e a literatura rococó tem seu
distribuição funcional dos cômodos (a idéia do apartamento) e do dese- público no salão e no café, berços da primeira "opinião pública" moderna.
nho funcional dos móveis <a bergere, a mesa-console, a cômoda) . Seu Ambientes "informais". café e salão fomentam a arte da conversação. "A
emblema é mesmo a concha caprichosa, símbolo feminino do interior-re- conversação", disse Mme. de Staêl, "é para os franceses o que a música
fõgio. representa para alguns outros povos - um instrumento que se gosta de
O rococó deseroictza o espaço barroco. Renuncia com freqüência ao tocar e reanima os espiritos". Cintilante, espirituoso, epigramático, fugin-
emprego das ordens clássicas, vocabulário obrigatório do "sublime" arqui- do ao pedantismo e à prolixidade, o diálogo dos salões e cafés, servindo
tetônico; elim1na. as "citações" antiquizantes da ornamentação. Contraria. de oxigênio ao esprit, é o solo de eleição das inflexões do gosto. Nesse
o senso cósmico do Seiscentos, substituindo o parque monumental pelos meio século da sensibilidade, empirista <Hume) e sensualista (Condillac).
jardins "pitorescos" de canteiros bordados, e a majestosa amplitude das que já desdenha a idolatria da regra, mas ainda não cedeu à mística do
paisagens à Poussin ou Claude pelas veàute ou fêtes champêtres: por vis- gênio e da imaginação criadora, o exercício refinado do gosto constitui
tas impressionistas da rua (Guardi) ou anedotas bucólicas (Watteau), nas 0 traço fundamental da experiência estética. Na literatura dos salões, a
quais as figuras humanas reconquistam ao quadro natural a condição de proximidade física entre autor e leitores, entre criação e recepção, faz do
protagonistas da cena. O naturismo rococó àescosmiciza o naturalismo gosto 0 gênio do público. o cunho inefável desse gosto setecentista - o
subjaceDte no barroco. famoso je ne sais quois - é só aparentemente idiossincrático: na verdade,
no rococó, último estilo "espontâneo" da cultura. ocidental, o gosto é sem-
Hedonista, o rococó viverá na obsessão do prazer. Com ele, ao século
pre objetivo, essencialmente alheio à fragmentação subjetivista que seus
estóico sucede uma idade epicúrea. Voltaire (1694-1778) concebe a felici-
padrões sofrerão a partir dos dois primeiros e~tilos burgueses - o neo-
dade como "une suite de plaisirs"; e tão forte .será o hedonismo do tempo,
que os próprios moralistas religiosos procurarão descrever a fé como vo- clássico e o romântico.
lúpia, a virtude como gozo. Uma franca erotização invade, dessublimato- Mas 0 esprit não é apenas veiculo de gosto estético. Pouco a pouco,
riamente, a cultura. A licenciosidade da Regência abre as portas à legi- também socializa e sociabiliza a mensagem dos philosophes - o enciclo-
timação da libertinagem, ao culto, não do amor sentimento, mas do eros pedismo iluminista. Antes de inspirar a maior parte da literatura neo-

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cló.ssica, o iluminismo ou Ilustração (a filosofia "das luzes") será rococó, Na segunda. meta.de do século, o arcadismo civilizado - muito dife-
na forma de uma etérea, alada combinação de graça e racionalismo éritico. rente do selvagem panteísmo pré-romântico e romântico - de Metast~io
Os "ensaios morais" em verso do maior poeta inglês do período "augusta- impregnará fortemente (sobretudo em Cláudio, Basílio da G~ma e Silva
no", Alexander Pope (1688-1744), a quase totalidade da obra de Voltaire Alvarenga) a lírica da nossa "escola mineira", que foi um misto de neo-
e os inúme:os diálogos filosóficos (por vezes, como no Neveu de Rameau, classicismo e rococó. Já a plástica da Minas setecentista, freqüentemente
em moldura nanativa) do principal autor da Encyclopédie, Denis Diderot dada por barroca., é essencialmente rococó, inclusive e muito especialmen-
(1713-84), assim como os aforismas de um anti-La Rochefoucauld preza- te nos riscos e decorações do Aleijadinho, conforme se pode ver claramen-
do por Voltaire, o marquês de Vauvenargues (1715-47), e as cartas do te em São Francisco ou na Igreja do Rosário, em Ouro Preto. A fábula
mais sagaz dos causeurs de salão, o abbé Galiant (1728-87), são, nesse da Vila Rica "barroca", além de repousar, nessa cidade toda Setecentos,
sentido, iluminismo rococó - e como tal, literatura que respira conversa- no anacronismo, não parece levar em conta que a vitalidade do rococó
ção inteligente. colonial teve por si, na América lusitana, a disposição com que o próprio
Reino já ao fim do reinado de D. João V, abraçou o novo estilo - depois
Tal como a arte, a literatura rococó acentuará o ludismo. Liberto da
de se 'ter mostrado Cao contrário da Espanha) longamente refratário ao
gravidade que ainda o prendia no barroco, o senso do jogo foi parte in-
tegrànte desse estilo, tão visível nos arabescos ornamentais dos seus lam- barroco.
bris quanto no amor à digressão dos seus escritores, de Pope e Diderot ao
excêntrico narrador Laurence Sterne (1713-68) ; Tristram Shamdy, 1760-67) s- Pré-romantismo (e. 1730 - e. 1800)
e ao grande anacreôntico alemão Christoph Wieland (1733-1813; Agathon,
1766; Oberon, 1780). E que arabesco lúdico e ligeiro, frívolo por baixo Por volta de 1750, a melhor literatura européia é uma encruzilhada
dos seus temas trágicos, é o maviosíssimo verso do poeta mais co- estilística. o rococó, deista e iluminista chega ao apogeu nos contos filo-
nhecido da época, o italiano Pietro Metastasio (1698-1782) 1 Não foi por sóficos de Voltaire. Mas o barroco ainda não morreu de todo: depois de
acaso que seus "melodramas" (Didone Abbandonata, Semiramide, Adria- ter inspirado a sátira de Swift <Gulliver, 1726), realismo fantástico de
no tn Siria, La Clemenza di Tito) foram musicados e remusicados pelos mentalidade pré-iluminista, perdura ainda na prosa cheia de seiva com
mais graciosos entre os compositores: Scarlatti, Cimarosa, iPergolese, que 0 barroquíssimo duque de Saint-Simon continua a escrever suas lon-
Mozart. gas Mémoires. contudo, ao m esmo t empo, o aristocrático juiz Henry Fiel-
ding adapta 0 senso social do romance picaresco e a sens~alidade "~agã"
Metastasio foi o mais popular entre os pioneiros do gosto arcádico -
do rococó ao cálido otimismo do século na deliciosa história do enjeitado
o ideal bucólico que dominará a lírica setecentista, ora como "primitivis-
Tom Jones (1749) , banhada numa visã o t ão "olimpica" do mundo, que
mo" iluminista, ora como naturismo pré-romântico. Mas o arcadismo ro-
cocó é uma pastoral cheia de requintes, aristocrática e palaciana, à ma- parece repetir o célebre verso de Pape -
neira das bergeries de Maria Antonieta. Se, nas comédias venezianas de
Carlo Goldonl 0707-93; La Locanàiera, 1753), o diálogo vivaz da farsa po- . . . Whatever ts, is r i ght.
pular se casa com um certo sentimentalismo burguês, nas de Marivaux
(1688-1763; La Double Inconstance, 1723; Le Jeu de l'Amour et du Hasard, No entanto, nessa mesma altura, ao lado do realismo pré-rococó de Swift
1730; Le~ Fausses Confidences, 1737), teatro intimista da nuance e do e do r ealismo pós-rococó de Fielding, irão surgir e influir vários filões de pa.·
disfarce, a situação sentimental é apenas a matéria-prima do diálogo tetismo: 0 pathos religioso e cósmico de Friedrich Klopstock (1724-1803),
"precioso", tão espirituosamente arabescado quanto as copias epigramá- Milton germânico, cujo vasto poema sacro, o Messias (publicado a
0
ticas de Pape ou Voltaire. partir de 1748), aumentaria tremendamente a temperatura emocional da

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mística pietista; o dolorismo "sublime" da "poesia dos túmulos", lançada Lsso mesmo incapaz de informar, como o fizera o rococó, o conjunto das
pelos Night Thoughts do inglês Edward Young (1683-1765); e o moralis- artes - assinala uma mudança importante na composição social da re-
mo ultrapiegas do "romance sentimental", inaugurado com êxito retuban- pública das letras. Até então, o escritor sem status nem renda, sem ber-
te, também nos anos 40, pela Pamela, or Virtue Rewarclecl do purita- ço nem fortuna, fora esporádico. Agora, porém, os pequenos burgueses
no Samuel Richardson (1689-1761) - e em breve seguido pelo não me- entram compactamente em cena: Yotmg e Golclsmith, Rousseau e Dl-
nos lacrimogêneo "drama burguês" <Diderot), que inspiraria as cenas me- derot, Hamann e Herder, Cowper e Bla.'ke, Schiller e Jean Paul - filhos
lodramáticas da pintura de Greuze. Não tardará que um veio literário do de pastores de provincia, preceptores, pobres diabos, lunáticos, biscatei-
Principio .do século, a "poesia da natureza" se ... patetize inteiramente ros e vagabundos. Alguns, como Blake, investirão contra a formação hu-
nos lamentos de "Ossian'', merencóreo bardo celta, invenção popularíssima manística que sua condição de classe não lhes pôde proporcionar. Pouco
do escocês James Macpherson (1736-96). ll: a vitória do pré-romantismo : a pouco, tntelligentsta se despede da educação clássica, num processo que
na segunda metade do Setecentos, marcada pelo recuo do rococó, ele principia ao redor de 1750, e culmina conosco.
disputará passo a passo, com as produções neoclássicas, a favor do pd-
blico. o caráter de antiestilo do pré-romantismo também ajuda a com-
preender sua tendência à pseuàomorfose - a vazar conteúdos não-clás-
Pdblico que se amplia e se transforma. iPela primeira vez, a massa dos sicos em módUlos artísticos ainda clássicos. O idioma poético da llrica
leitores anônimos se substitui, como destinatária da obra poética ou dos túmulos, ou dos cantos ossiânicos, não discrepa da frase neoclássica;
ficcional, ao circulo cuito dos mecenas aristocráticos. o mercado leitor muda-lhe somente o tom. Aqui, porém, é preciso discriminar, e não in-
rivaliza, como sede da demanda literária, com os salões e cafés. Isso per- cluir entre os pré-românticos toda e qualquer manifestação de sentimen-
mite às camadas médias da burguesia afirmarem o seu gosto, ou me- talidade setecentfsta. li: preciso não esquecer que o século inteiro - no
lhor, quase sempre, o seu mau gosto. o pré-romantismo pertence medu- seu rococó como no seu pré-romantismo e até no seu neoclássico - não
larmente a um fenômeno típico do ocaso da cuitura aristocrática: a foi só a "idade da Razão: foi também uma "era da sensibllidade". O
perda do estilo, coincidente com o eclipse do rarefeito público de elite. próprio romance sentimental já existia tn nuce na Manon Lescaut
Trata-se, sob mais de um aspecto, de um pré-kitsch - uma antec1pa- (1731) bem rococó do abbé Prévost (1697-1763). O lirismo descritivo das
çáo da cafonália pseudo-sublime da arte vitoriana. Não é à toa que den- Seasons (1730) de James Thomson (1700-48), iniciador da "p0esia da na-
tro dele se criará todo um gênero da subliteratura - a ficção "gótica'', tureza", bem como o verso meditativamente elegfaco de Thomas Gray
ou narrativa de horror, que estréia, em 1765, com o horripilante Castle (1716-71), autor da compassada e musicalLssima Elegy wrttten fn a coun-
o/ Otranto, uma "brincadeira" de Horace Walpole Nem foi por acaso try churchyarã (1750)-, não podem ser considerados pré-românticos só per
que o movimento foi mais forte na Inglaterra, então a mais aburguesada se afastarem das fórmulas métricas ou mesmo do didatismo recomenda-
das grandes nações européias. Se o segundo Setecentos é o grande mo- dos pelos crlticos classicistas do tempo, os Voltaires e Drs. Johnsons. Di-
mento da influência inglesa no continente, o fato se deve, em boa parte, daticissimos são, aliás, muitos outros textos da época, como os sermões
ao pré-romantismo. metodistas em verso de William Cowper (1731-1800) e os romances richard-
sonianos, recheados de pregações moralfsticas - sem que, não obstante,
Horace Walpole era um cUlto patrício inglês, filho do famoso primei- Lsso os faça menos pré-românticos.
ro-ministro "whig" do começo da era georgina, e freqüentador assíduo Já o afastamento em relação aos princípios da poética clássica (e não
dos salões enciclopedistas de Paris. Mas a média dos autores pré-român- apenas em relação aos modelos classicistas) é efetivamente um sinal-pré-
ticos era bastante menos bem nascida: Young, poeta pobre, e Richard- romàntlco. o século assiste a uma longa germinação da estética (e do
son, um ex-tipógrafo que se pôs a escrever maduro, depois de enrique- conceito unificado de arte, válido tanto para as letras, quanto para a
cido, são bem mais representativos. O "antiestilo" pré-romântico - per plástica, a ~úsica, etc.) ; mas essa preparação assume desde cedo infle-

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da o ia (Emile ou de l'Education, 1762) • recriador da narrativa.
xões que implicam o abandono das linhas mestras da velha poética ariS-
totélica - para.: não falar nas famosas "regras" (unidade de ação, tempo
:u~:b~:rá~i:a nas Confessions (publicado em 1781-88)' influentíssimo ~~o­
I . ador do naturismo e do primitivismo, lançador da moderna cn ica
e lugar) fixados por interpretações classicistas do texto de Aristóteles.
pu s1on . l'l é z·té 1754) e da democracia totalitária <Du
O escritor barroco ou rococó - nunca é demais lembrar - se consi- social (Discours sur n ga i • . .
. t S ·az 1762) Rousseau é figura-chave na evolução da sens1b11i-
derava a serviço da mímese, o princípio central da Poética. No meio ·do
Condtia "d o~~al, Nele ~ na mística revolucionária do visionário poético de
século, porém, a estética do sublime, radicalizada na obra de Edmund da e oc1 e · se consuma a plenitude d o pa thos pré-român-
But.ke (1729-97), não hesita em sobrepor à mera beleza, presa aos objetos, William B 1ak e ( 1757 - 1827 ) d -
a sublimidade - que não é mais uma característica de um gênero de dis- tico em sua estreita conexão com a inquietação das novas ca7:d:~r~:1
curso poético (o "elevado"), nem se define por nenhum objeto em par- ela!~, à.s vésperas das duas grandes revoluções: a francesa e a .
ticular, e sim pela projeção de sentimentos. Em conseqüência, Burke <uma
das principais fontes da estética de Kant) nega a função mimética da
poesia. Esta não mais imita - "exprime". :ll; a derroc!lda da poética clás- 6 - Neoclassicismos (e. 1700 - e. 1830)
sica, duzentos anos -após a sua redescoberta pelo humanismo renascen-
tista. vamos a esse plural. Por que neoclassicismos?
Dentro daquilo que o grande historiador Delio Cantimori propôs se
Em lugar da observância das regras classicistas, cresce agora o culto
do gênio, profeta e visionário. "O gênio não observa", dirá Lavater - chame "idade humanística", isto é, a idade que se estende, ~as let~as, ~e
4) a Goethe (m. em 1832), podemos distinguir IJe o
"vê". Prefigurada pela mística do "entusiasmo" no pensamento platoni- Petrarca (m. em 137
zante de um deísta influentíssimo, lord Shaftesbury (1671-1713), reforça- menos sete classicismos:
da pela noção mágica da genialidade em Young, a geniolatria culmina no
tista que foi o primeiro es-
chamado período "genial" da literatura alemã - o movimento de choque a) o estilo clássico do humanismo renasce n •
do Sturm und Drang (nos anos 70). protagonizado pelo Goethe de Wer- tilo histórico ocidental analisado aqui;
ther (1774), pelo jovem Schiller, pelo "primitivismo" hístoricista de Her-
a variante classicista do barroco, codificada na França pela geração
der, pelo irracionalismo agressivo de Hamann e pelo drama "selvagem" de b)
Klinger e Lens (Os Soldados, 1776). A imensa e imediata popularidade do. de 1660, e igualmente já considerada (seção III) ;
como pape e Voltai-
Werther consagra a fusão do romance sentimental. com o titanismo da
c)
o classicismo iluminista rococó, cujos expo_e~tes,
geniolatria. Os "stürmer" levaram a seu ponto de ·máxima intensidade a defenderam e aplicaram a poética class1cIBta de (b)' em obras, pa-
rebeldia contra os princípios e modelos do classicísmo; neles, a exaltação re,
rém, de mentalidade nitidamente pós-barroca;
"genial" atua como hipercompensação psicológica para as frustrações da
burguês (por oposição ao arIB · t ocratismo do. rococó)
burguesia e da intelectualidade teutõnicas, humilhadas pelo absolutismo d) um classicismo
das pequenas cortes afrancesadas. socialmente progresi;ista, que se mamfesta, na
critico-racionalista e
o pré-romantfsmo atravessará o século com o excêntrico humorismo 1700-1750) • com o jornalismo filosófico de
Inglaterra augustana ( (" R
sentimental dos romances pedagógicos do alemão Jean Paul <1763-1825), ator", 1711-14) • a ficção de Defoe o-,,
Addison e Steele ("The Spect
discreto adversário do "classicismo de Weimar". A este se tinham conver- . e .. 1720· "Moll Flanders", 1722), a "poesia da natureza
binson rusoe , • 11 · · mo ale-
tido GQethe, Schiller e, em certa medida, Herder. Desde o meio do sé- de Thomson e a elgíaca de Gray • e se encarnar~, no u~~:ofia da
culo, todavia, a corrente pré-romântica alcançara sua maior amplitude mão do segundo Setecentos, no teatro, na estética na
expressiva na obra múltipla do antiiluminista Jean-Jacques Rousseau
história de G.E. Lessing u 729 ~ 3 ll:
<1712-78). Renovador do romance sentimental (La Nouvelle Hélo'ise, 1761)
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e> um outro classicismo burguês do segundo Setecentos, humanismo an- Os classicismos (f) e (g) são, efetivamente, os únicos verdadeiramente
ti-pré-romântico, de fundo socialmente conservador, cujo porta-voz neoclássicos, no sentido mUito preciso, de terem sido os primeiros movi-
:erá Samuel Johnson <1709-84) _ 0 Dr. Johnson do Dicionário e das mentos de vanguarda da idade moderna. Até Winckelmann e David, todos
Lives o/ the Engltsh Poets" - e dentro de cuja órbita convém colo- os classicismos do Ocidente, desde, naturalmente, a Renascença, se consi-
car o romance realista, de Fielding a Jane Austen (1775-1817). Em deraram inscritos no continuum da tradição clássica. Por isso mesmo, não
pintura, o "pendant" dessa literatura clássico-realista é Chardin, a
antitese do pré-romântico Greuze· . insistiam tanto no aspecto "antigo" e sim nas virtudes universais da for-
ma clássica. Este é exatamente o caso de Pope e Voltaire, Johnson e Les-
!) o ne_oclassicismo, critico-racionalista inclusive no plano político-social sing - mas não o da romanofilia e grecomania de Davi e Chénier. O au-
<e nao só no moral-espiritual, como 0 de Voltaire e 0 d Lessin têntlcso neoclassicismo - o neoclassicismo de combate da segunda meta-
Representado, na arte, pela vocação heróico-"arqueológica~• das t:~~ de do século X:VIlI - surge assim como uma ruptura da tradição clássica.
rias de Winckelmann <1717-68) e da pintura de Jacques-Louis David Aos olhos dos europeus cultos do primeiro Setecentos, a arte barroquíssima
;:intor "jacobino" dos anos 80 e 90, este estilo enfaticamente anti: de Bernini parecia perfeitamente clássica - legitima herdeira de Miche-
oc6 é o primeiro classicismo neo propriamente dito. Em lit t langelo· a; mas a arte de David, antes de se apresentar como herdeira (de
será <:> estilo d t édi era ura, Poussin, já se situa como anti: anti-rococó. Nesse sentido, o neoclássico
as rag as de versos "durt e pensati" de Vittorio Al-
fier: (17:9-1803; Tímoleone, 1780; Merope, 1782; saul, 1782) e da poe- dos David, Alfieri e Chénier fica mais perto do movimento romântico do
sia helenica" de André Chénier (1762'"94): que de toda a tradição clássica imediatamente anterior. Quanto ao estilo
"Sur ães pensers nouveaux faisons des vers antiques" de Goethe em Weimar, basta dizer que se trata de uma poética do sfm-
- e, ainda, o estilo dos ultra-racionalistas "perversos" com~ Choder- bolo - e como tal, muito mais próxima do romantismo subseqüente do
los de Laclos <"Les Lfaisons Dangereuses", 1782) e sobretudo 0 mar- que do alegorismo classicista à Pope ou Gray. Deste ponto de vista, têm
quês de Sade (1740-1814); ' razão os critlcos alemães que falam na "era de Goethe" <1770-1830) como
g)
enfim, 0 classicismo humanista de Weimar, dos pré-romànticos con- um SÓ período clássico-romântico; o periodo que Heine chamou sagaz-
vertidos como Goethe e Schiller ou do sábio Wilhelm von Humboldt mente de "idade estética".
- um estilo que sublima o racionalismo critico do progressismo ilu- Nesse significado forte da expressão, o neoclassicismo literário só se
minista num esteticismo "pedagógico", de fundo realista. manifesta a partir das cercanias de 1780. Nas primeiras décadas do séc.
XIX, travará batalha com o romantismo - a literatura "doente", segun-
Por outro lado, dentro do que é comum considerar como literatura do Goethe.
neoclassicista do Setecentos, e que corresponde às nossas correntes <c>
(d) • (e)• (f) e (g) , importa fazer algumas distinções. Em primeiro lu: Observe-se a quase ausência de classicismo neo na Inglaterra. :l'.l: que,
gar, conviria separar logo do bloco neoclássico 0 classicismo rococó lá, no Setecentos, a revolução burguesa já estava feita: o tory Dr. John-
obedece, conforme vimos, a uma inspiração estilística própria. sen: :~~ son, escrevendo quase melo século após o Spectator, poderá colocar-se à
direita de Addison. O radicalismo, no caso inglês, ficará por conta de he-
vida, o rococó partilha com os neoclassicismos setecentistas a oposição à
réticos marginalizados como Blake. Na França do fim do século, o triunfo
visão do mundo barroca; mas modula essa oposição de forma muito dife-
rente, culturalmente ainda não-burguesa. Em segUid is neoclássico não impedirá a esterilidade das letras durante o decênio da
no interi d a, cumpre d tinguir, Revolução - mas ai, foi a própria experiência política que se encarregou
or o próprio bloco neoclássico _ aquele composto de (d) e )
(f) e (g) - o racionalismo moderado e a poética aristotélica de (d) ~ (:)'
ou s;ja, de Addison, Johnson e Lessing, do classicismo "revisto e corri: a Jl: assim, p. ex., que Berninl se afigura a quem, como o Présiàent àe
Vi' gido de G<:>ethe e do racionalismo radical de um Sade. Brosses, nunca lera Woefflin ... ~ e portanto não separava o barro-
co do clássico.
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61
de exprimir o que havia de radical na proposta neoclássica; a Revolução, vida burguesa, da existência insípida e incolor, do trabalho racionalizado,
e, subterraneamente, Sade, geômetra do vício. Na Alemanha, 0 neoclássi- burocratizado, é o distintivo do romantismo. Os românticos são, antes de
co se manterá, de Lessing a Goethe, evolucionista antes que revolucioná- tudo, intérpretes do mal-estar que sucedeu ao "desencantamento do mun-
rio: a "revolução burguesa" simplesmente não ocorreria; 0 classicismo do" - à despoetização da vida, gerada pelo refluxo . da experiência reli-
neo será uma metamorfose do protesto pré-romântico. giosa, dos ideais heróicos e do espírito de aventura. O "mal du siecle",.
No Brasil, foram neoclássicos, na acepção não "vanguardista" do ter- que desponta com os alemães de Iena, com os poetas. ingleses da "escola
mo, os grandes p\lblicistas da geração da Independência, como Hipólito do Lago" <Wordsworth e Coleridge) e com o novo arquétipo do tempera-
Jo~é da Costa; e será neoclássico nosso maior prosador antes de Alencar, mento melancólico - o "René" de Chateaubriand (1802) - é o denomi-
o liberal maranhense João Francisco Lisboa. Quanto aos poetas da "esco- nador comum da literatura alemã, inglesa e francesa entre 1795 e 1815,
la mineira", têm muito, conforme indicamos, do rococó ilustrado que pre- que o legará à geração de Musset (1810-57).
valece em nosso grupo (c). Reação à prosa da vida, ao aburguesamento dos valores, o romantismo
ficaria estigmatizado pela nostalgia dos paraísos perdidos. "Tudo é ro-
mântico", disse Novalis, "desde que transportado para longe". A sensação
7 - Romantismo (e. 1800 - e. 1850) de distiincta do ideal é a fonte do evasionismo romântico. Mas, como bem
notou Mário de Andrade, a fuga romântica conservava sempre a memória
O romantismo foi a primeira grande resposta estética da cultura oci- da felicidade, a lembrança de uma idade de ouro, ao contrário do esca-
dental às duas realidades que marcam o advento da fase propriamente pismo da arte moderna, que é vontade de partir sem destino certo, evasão
contemporiinea dos tempos modernos: a Revolução Industrial e a revolu-
amargamente errante. A alma romântica é fundamentalmente saudosa. Dai
ção social, inaugurada ~Jela Revolução Francesa de 1789. Nessa qualidade a desvalorização dos seres presentes, do mundo como ele é, em favor de
de primeiro grande estilo da era contemporânea, o romantismo represen- uma realidade superior e transcendente, que só os olhos do espírito, supra-
tou uma ruptura profunda com o universo mental da arte anterior. sensoriais, são suscetíveis de contemplar.

O surgimento, por volta de 1800, do romantismo europeu coincide com !Para o romf!,ntismo, a percepção do real é obra da imaginação; é um
o recesso da "idade humanística" e dos costumes aristocráticos. o hori- apanágio da fantasia poética. A audácia dessa concepção só fica inteira-
zonte da industrialização, o aparecer das massas urbanas em sentido de- mente evidenciada quando se recorda que a fantasia artística era tida, no
mograficamente moderno, assinalaram o fim do predomínio cultu::al das pensamento racionalista do Setecentos, como uma faculdade despida de
camadas aristocráticas e o aburguesamento das elites. Simultaneamente qualquer dignidade cognitiva, e por isso mesmo, nitidamente inferior ao
a civilização européia abandonou 11.quela referência sistemática aos mo~ entendimento. Ora, sendo o "real" concebido como um Absoluto misterio-
delos artisticos e à mitologia da Antigüidade, com que o humanismo re- so, sua "intuição" termina por confundir-se com uma criação do espírito:
nascentista identificara a formação, a educação espiritual, do homem do o artista vira um demiurgo, um verdadeiro ator do universo. O tema da
Ocidente, e a que os classicismos ilustrados haviam permanecido fiéis. "imaginação criadora" será a medula da poética romântica. Mas isso
O romantismo propriamente dito nascerá, em Iena (1797), com a poé- não é tudo: uma vez que só a alma, e não os sentidos, é capaz de apre-
tica fantasista, deliberadamente caprichosa e chocante, isto é, antiburgue- ender o transcendente, a arte romântica se apresenta como registro da
sa, dos irmãos Schlegel. "Romântico" vem de "romance", no sentido de experiência interior - como psicofania, manifestação da alma. E aqui
história "interessante", pitoresca, fantástica, extravagante. Novalis (1772- temos um novo desvio em relação à estética cláSsica; pois esta, como vi-
1801), o grande poeta do romantismo alemão, queria que a poesia fosse mos, concebia a função básica da arte como mtmese, como imitação obje-
uma "arma de defesa contra o cotidiano": essa intenção de crítica da tiva do real, e não como expressão da subjetividade. Em última análise,

62 63
com os românticos, a arte, tornando-se expressão do mundo inefável do puramente poéticas: o teatro e a novelistica de Kleist <1777-1811), a lírica
sentimento e do sobrenatural, experimenta a impotência da palavra. esteticista de Keats (1795-1821), os poemas meditativos de Leopardi
A arte religiosa da Idade Média também havia exaltado a intuição (1798-1837), o verso narrativo de Puchkin (1799-1837), o romance de
e.n1mica, a visão dos olhos da alma, em detrimento do empirismo realis- Manzoni (1785-1873) e stendhal <1783-1842), a obra visionária de Ner-
ta; mas a arte religiosa repousava na comunidade da crença; de modo val (1808-55), a ficção dos americanos Nathaniel Hawthome (1804-64)
que o artista, sendo "subjetivo", era ao mesmo tempo profundamente e Herman Melville (1819-91), o lirismo do espanhol Gustavo Adolfo Béc-
impessoal. Já o artista romântico, contemporâneo do declínio da fé e quer (1836-70). Porém quando o romântico relaxa, voluntariamente ou
dos costumes tradicionais, identificou necessariamente expressão da al- não, a sua atitude de oposição cultural, e perfilha a estética bastarda das
ma com expressão do eu. A inflação do ego é uma das insígnias do es- massas burguesas, o mau gosto e o melodrama invadem a literatura.
tilo romântico. A filosofia idealista celebrara, com Fichte (1762-1814), a Num bom número de grandes obras desse período - no romance de
supremacia ontológica do eu. A linguagem dos românticos tenderá sem- Balzac (1799-1850) ou Dickens (1812-70), na poesia de Victor Hugo
pre à personalização da expressão. No entanto, com Novalis e Schelling (1802-85), no drama de zorrilla (1817-93) - visão critica e qualidade
(1775-1854), que foi o pensador romântico por excelência, a filosofia unt- - artística estão entremeadas de flagrantes concessões à subliteratura: ao
rá o culto do ego ao senso religioso da totalidade. o romantismo tenta- espírito do folhetim ou do poema de "comício". Contudo, em principio,
rá superar a vacância religiosa da modernidade (a ausência de sentido e em contraste com o autor clássico, o escritor romântico é, mais até
global da vida) por meio da conjuração individualfstica do Todo; par- do que seu "antepassado" pré-romântico, um solitário; e por causa dessa
tindo do eu supervalorizado, o artista se propõe a intuição da totalidade. marginalidade é que ele será levado a adotar constantemente o tom da
A poética romântica é cumulativamente expressão do eu e arte do sfm- profecia: o profeta é sempre um outsider, um censor isolado da huma-
bolo, ou seja: da figuração do todo pela obra singular. No romantismo nidade transviada. o mais forte, o mais denso desses profetismos poé-
ma1s puro, o símbolo será sempre emblema de arca.nos, cifra de uma ticos será o verso eólio de Hoelderlin (1770-1843).
realidade superior oculta; logo, a poética do símbolo opera por metáfora, A sociabilidade dos estilos clássicos espalhados as convenções sociais, se
por associações sugestivas, numa espécie de irrestrita confiança no po- exprimia como decoro; os solitários românticos, indispostos com os tabus
der mágico da linguagem. reinantes, conhecerão a tentação da profanação. Em sua modalidade
Repudiando as convenções ·sociais e o reino do racional, o temário plenamente desenvolvida, esse ânimo iconoclasta se encarna no satanis-
romântico privilegiou todas as formas de existência "selvagem": a. infân- mo de Byron (1788-1824) , freqüentação provocadora das fronteiras da
cia, o sonho, o delírio, as paixões, etc ... , acentuando as limitações da moral burguesa. Mas a volúpia da subversão começa pelas formas lite-
consciência adulta, comprometida com a moralidade estabelecida. Em rárias: 0 romantismo revoga as regras de composição e a lei da separa-
parte, o amor pelos comportamentos excêntricos e "heréticos" refletia ção dos gêneros. É claro que o homem romântico, inquieto, impressioná-
a mudança da situação do escritor. Entre o literato setecentista e seus
vel, presa de ideais conflitantes e emo.ções contraditórias, não se podia
leitores havia geralmente uma tácita comunhão de gosto e de idéias. O
conformar com a tragédia ou a comédia puras: só os estilos mesclados,
poeta romântico, que fez da sua arte um instrumento de resistência aos
drama tragicômico de Victor Hugo, as composições em prosa e verso,
costumes burgueses, já se insere num outro tipo de relação: a do divór- 0
cio entre autor e público. Por esse tempo se consuma o aparecimento de. a. combinação dos tons e dos gêneros lhe pareciam capaz de exprlmir a
um público anônimo - o público da grande imprensa - que constitui- heterogeneidade do psiquismo moderno.
rá para o escritor uma atração inebriante, mas também uma incógnita Em lugar da crença em -regras universais de comunicação poética,
ameaçadora, particularmente quando o poeta se consagra a contestar os válidas para qualquer tempo e sociedade - que servira de base aos cla.S-
valores em curso. o romantismo conheceu realizações das mais altas e sicismos -, a mente romântica instituiu o senso da historicidade da arte,

64 65
a interpretação orientada pa1a a singulari.dade, historicamm!e situada, Oitocentos" entendemos naturalmente o período cultural que se estende
das obras e da§ fwmas artísticas. Somente numa épo::a acometida pelo até o âmbito histórico da Grande Guerra de 1914-18, pois só então se
senso da perda da tra1ição, como o primeiro Oitocentos, poderia medrar pode falar, do ponto de vista espiritual, de fim do século XIX.
uma consciência h,istoricista - uma consciência do tempo fascinada pelo o divisor de águas representado pela arte moderna sugere que o
sabor concreto do passado, pela individualidade de cada momento histó- segundo Oitocentos, por baixo da sua pluralidade de estilos, revela uma
rico. O romantü:;mo engendrará, com Walter Scott (1771-1832), a ficção fisionomia una, embora não uniforme. ll: essa unidade que faz com que
histórica. O romance social de Balzac, matriz do romance em sentido tanto o romance de To1stoi ou de Zola quanto o drama de Ibsen, tanto
moderno, não pa.ssa da combinação do narrar em perspectiva histórica a poesia parnasiana ou Baudelaire quanto a obra de Henry James ou
(aplicada à. sociedade do presente) com o motivo bem romântico da con- M.ll-rcel Proust nos pareçam essencialmente diversos dos livros de Kafka,
'tradição entre os valores do indivíduo e os valores da cultura burguesa. Joyce ou Faulkner, de T .S. Eliot, Fernando Pessoa ou Carlos Drumond
Assim, o "realismo" de Balzac, muito influenciado pelos contos visioná- de Andrade. Na outra ponta da linha, a impressão da unidade subja-
rios de Hoffmann (1776-1822), comprova a ocorrência de um realismo cente ao oitocentismo pós-romântico também prevalece: entre Baudelai-
romiintico (na Inglaterra, esta será a posição de Thackeray, autor de re e Hugo, Tolstoi e Scott, Zola e Hoffmann, Prou8t e Balzac, as dife-
"Vanity Fair"). Unida à teoria da literatura como auto-expressão, a renças são, no fundo, mEüores do que as existentes entre Bau\!elaire e
consciência historicista, que serviria de fundamento à historiografia mo- Tolstoi, Zola e !Proust. Dai a necessidade de indicar mais analíticamente
derna, quebrou definitivamente os módulos do discurso literário de ins- em que o segundo Oitocentos se distingue do romantismo.
piração clássica. Para a história da literatura ocidental, este foi o resul- Uma particularidade, contudo, é comum ao romantismo, ao Oito-
tado mais sensível do fim da "idade humanística". centos pós-romântico e à literatura moderna: todos os três são estilos
Em Portugal, o melhor romantis.::no é, em relação ao europeu, bem de oposição cultural. Essa luta sistemática da arte contra as tendências
tardio: consiste nas obras do Almeida Garrett (1799-1854) dos anos 40, dominantes da civilização ocidental, foi o romantismo que a 1naugurou.
e na prosa robusta de Alexandre Herculano (1810-77) e Camilo Castelo AB ra~es da melancolia. romê.ntica estavam na "moléstia" do espírito,
Branco (1825-90). No Brasil, os pontos altos da poética romântica se incapaz de harmonizar-se com a mentalidade pragmático-racional da
encontram na lírica de Gonçalves Dias e Castro Alves e na ficção de era industrial.iSta. Para Goethe, "clássico" significava saúde e "românti-
José de Alencar. co", doença. Se tirarmos a esse dito famoso a sua conotação pejorativa,
obteremos uma excelente pista para a caracterização do romantismo .
Sainte-Beuve, inspirado na frase de Goethe, afirmou que clássicas eram
8 - O complexo estilístico pós-romântico (e. 1850 - e. 1920)
as literaturas "em bom estado de saúde, em harmonia com a sua época";
no romantismo, ao contrário, prevalecia o desacordo profundo entre li-
OS estilos pós-românticos de antes do modernismo - o realtsmo, o
naturalismo, o parnasianismo, o impressionismo, o stmàolismo - !oram
teratura e sociedade, entre as letras e a civilização. Nessa perspectiva,
mais simultâneos do que sucessivos; nenhum dele's se afirmou, como havia o roml!-ntlsmo tem de fato algo de "doente"; menos, porém, no sentido
acontecido com o romantismo, no conjunto dos grandes gêneros literá- de uma doença da arte, do que de uma captação, pela arte, da en!.e rmi-
rios. Na verdade, entre aproximadamente 1860 e 1910, nenhum estilo dade da cultura - do que Freud chamaria de "mal-estar na civilização".
chegou a exercer uma hegemonia semelhante à que tiveram, em seu Ora, essa atitude critica em relação ao destino da cultura se prolongou
tempo, o romantismo ou o neoclassicismo. A pluralidade de estilos - no8 estilos pós-românticos <basta pensar no oposicionlsmo cultural C.e
!enõmeno intimamente relacionado com a saturação do mercado uterã- um Baudelaire, de um Dostoievsky ou de um Ibsen>, chegando ao paro-
rio - é o aspecto mais ostensivo do segundo Oitocentos. Por "segunde xismo na literatura moderna.

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portanto, na modulação dessa mesma atitude básica de oposição


É da entre os individuas e entre as nações. O único "otimismo" que se af1r·
cultural que os estilos pós-romã.nticos se distinguirão do romantismo. Pa- ma na segunda metade do século é o pensamento marxista; significati·
ra começar, na visão-do-mundo e no conceito de imaginação poética. A vamente, porém, trata-se de um otimismo da catástrofe, já que, para
visão-do-mundo romântica repousava, como vimos, na mística do eu e Marx, a aurora da felicidade humana passa necessariamente por uma
da totalidade; quanto ao conceito romântico da imaginação estética, sua fase de terriveis convulsões, marcada pela pauperização daS massas e
singularidade consistia em atribuir à arte um valor de conhecimento, pelo acirramento da luta de classes.
de revelação, que lhe fora negado pelo racionalismo neoclássico. De um Descrente e desconfiada, a literatura pós-romântica será. realtsta.,
modo geral, os estilos do segundo Oitocentos preservaram a nota cogni- isto é, analítica e desmascaradora. A investigação psicológica minará. a
tiva da teoria romântica da imaginação - mas abandonaram a metafi- idealização ao comportamento, tipica da ficção do romantismo, ao passo
sica do ego e do Todo. A célebre divisa de Heinrich Reine: "naturalista que um historicismo arqueológico, positivista, destruirá. o glamour da
em religião, SC>brenaturalista em arte", foi tacitamente adotada pela cor local romântica. A retórica sentimental, o pathos de um estilo
maioria dos grandes escritores do período. apoiado no há.bito de enaltecer emoções ideais <nada mais romll.n-
Na história da filosofia, a "metafísica do ego e do Todo" atende pela tico do que o apelo aos sentimentos do leitor, a procura de um unissono
designação técnica de tdeaztsmo. Mas o espírito romântico foi igualmente afetivo entre autor e público) , se converte em prevenção contra a elo-
"idealista" no sentido vulgar da palavra. Em seu intimo - até mesmo qüência. É preciso "torcer o pescoço da eloqüência", recomendará. Ver-
nas formas agudas do mal du stecle - o romantismo foi otimista. Os laine. Nem mesmo na literatura "decadentista", tão abarrotada de mo-
poetas românticos usualmente qualificados de pessimistas, como Vigny, tivos neo-românticos, o idealismo conseguirá. Sobreviver. Na obra de
eram na realidade uns estóicos; nada têm do pessimismo metafísico de Huysmans, de Wilde, de Viillers de l'Isle-Adam. ou de Barres, o nihilismo
'seus sucessores pós-românticos. Em contraste com a poesia romântica, transparece sob o esnobismo ou a morbidez. O decadentismo foi um ro-
impregnada de ideais, a poesia de Baudelaire e seus herdeiros se carac- mantismo cético; sobre ele se estendia, aliás, a sombra pessimista da
terizaria pelo senso da vacuidade do fdeal (H. Friedrich) . o fracasso das música de Wagner.
esperanças de conquista$ sociais avivadas pela Revolução de 1848 e pela A ruptura da visão-do-mundo romântico-idealista nas letras do se-
"primavera dos povos" assinala o fim do utopismo burguês-humanista, a gundo Oitocentos não poderia deixar de provocar o aparecimento de
partir de 1848, o prestigio do mais completo 'sistema filosófico idealista, uma nova poéttca. o fundamento da poética romântica era, como lem-
o de Hegel (1770-1831), declina rapidamente, enquanto o pessimismo ra- bramos, a doutrina da expressão da alma: o romantismo concebia. a arte
dical de Schopenhauer (1788-1860) conquista ampla audiência. como uma emanação da vida. Já os estilos não-romA.nticos tenderão a
O aspecto do hegelianismo que continuará. influente: o seu caráter sublinhar a diferença entre o viver e o criar, a. heterogeneidade da arte
de filosofia determinista da história, equivalia precisamente a uma ne- em relação à existência. A arte não é mais encarada como "expressão",
gação da fé romântica na onipotência da liberdade. Foi nele, por sinal, e sim como artesanato, como um fazer essencialmente artificial. A reda•
que o critico H. Taine estribou sua noção da literatura como reflexo da ção elaborada e refletida de Flaube~ e dos pa.masianos é o primeiro
"raça, do meio e do momento", que suplantaria, no segundo Oitocentos, grande exemplo do estilo castigado, fascinado pela "palavra exata". Além
a concepção romântica da fantasia "criadora". A imensa repercussão da disso, deixando de equivaler a uma expressão da alma, a criação literá-
teoria da seleção natural, exposta com admirável rigor científico na Ori- ria passa a aspirar à impessoalidade. A novelística realista é naturalista,
gem das Espédes (1860) de Darwin, o "Copérnico da biologia", deu o a lirica parnasiana ou simbolista se querem objetivas; não pretendem
golpe de misericórdia na idéia antropocêntrica da existência e da H1s· ser "confissões" do eu, mas antes mensagens depuradas de toda. aderên·
tória como produtos da liberdade humana. Simultaneamente, o darwi- cia. subjetiva. A egolatria romântica, os artistas do tardo Oitocentos con·
nismo sociológico destruiu a confiança romântica na harmonia profun· trapõem ou um hermetismo aristocrático, signo do isolamento do espírito

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de elite no império das massas alienadas, ou a disciplina igualmente im- fins de propaganda e comunhão afetiva que regiam o lirismo filosófico
pessoal da literatura "participante", desejosa de traduzir os sentimentos e social do romantismo. Com ele, o miolo da "arte pela arte" passou a
coletivos, e não as vibrações da consciência individual: Mallarmé, ou ser a poesia intelectual, alimentada por um utópico impuiso e:lucativo.
Zola.
Seus alexandrinos, cuidados e maciços, se propõem iluminar a ética sau-
Os estilos pós-românticos foram, por ordem de entrada em cena, o dável do humanismo helênico. A seu modo, Leconte de Lisle era um
parnasianismo, o realismo, o impressionismo, o naturalismo e o simbo- "profeta" disfarçado de "historiador"; mas um poeta-profeta ascetice.-
liSmo-"decandentismo". Vamos examiná-los um pouco mais de perto: mente despido da demagógica ,retórica sentimental dos românticos.
O lirismo parnasiano, que se afirma na França por volta de 1865, Os parnasianos de 1865 reverenciavam Leconte de Lisle, mas não
contrapôs o culto da forma ao patetismo romântico. Buscando o voca- chegaram a perseguir os altos objetivos por ele fixados à poesia. Nas
buiário aristocrático, a rima rica e a metrificação impecável, preferindo mãos do único poeta "pensador" da nova geração, Sully-Prudhomme, o
ao fluxo da inspiração o polimento paciente do verso, esses poetas "im- lirismo filosófico virou mera ilustração didática; de resultado, o conteúdo
passíveis" repeliram tanto a lirica de confissão quanto o pathos exorta- pedagógico do poema passou a essência, infestando os versos do pior
tivo da lírica "profética". prosaísmo. Quanto ao mais fiel discípulo de Leconte, o sonetista Heré-
dia, seus "Trophées" renunciam à densidade intelectual em favor de
08 parnasianos propriamente ditos (José-Maria de Herédia, Sully- preciosisticas evocações e::óticas. Os aspectos menores e "turísticos" da
Prudhomme, François Coppée) devem esse apelido às três antologias Antiguidade, da Rena.Scença e da Conquista da América são captados em
poéticas publicadas entre 1866 e 76 sob o titulo de "Parnasse Contempo- "cromos" finamente cinzelados, mas inconseqüentes, rematados por tea-
rain". No Oitocentos francês, esse grupo de Jovens, nascidos por volta trais "chaves de ouro". Com sua versificação "marmórea" e sua concen-
de 1840, constitui uma terceira geração de praticantes do esteticismo: da tração em exterioridades, os parnasianos insistiram no poema oco, bri-
arte pela arte. A primeira vaga de esteticismo fora capitaneada por lhante, porém gratuito. Até em seus momentos menos epidérmicos, como
Théophile Gautier <1811-72), adversário resoluto da conversão do roman- em Leconte de Lisle, o pensamento lírico, soterrado ao peso dos detalhes
tismo à "literatura social" (com a Revolução de 1830, a maioria dos museológicos e da sintaxe morosa, é minguado e rasteiro. A superficia-
românticos é seduzida pela miragem da "arte útil", prestigiada por in- lidade de todo o parnasianismo chega a ser chocante quando se com-
fluentes 11eitas reformistas, como a dos saint-simonianos; Lamartine e para a sua produção poética com o esteticismo de seu contemporâneo
George Sand aderem com entusiasmo à literatura missionária). Nas duas Baudelaire (1821-67) em quem a "arte pela arte" se aprofunda através
décadas seguintes, a religião da "arte pela arte" foi reforçada pela obra do conflito entre o tédio e o ideal, entre a abjeção do spleen e .o trinômio
de dois santos de cabeceira do parnasianismo: Banville e Leconte de Beleza-vicio-fuga - numa incomparável captação artística do sentido
Lisle. Théodore de Banville (1823-91) era apenas um versificador virtuo- humano da vida moderna. O maior pecado do parnasianismo foi ignorar
sistico; nas "Stalactites" (1846) e nas "Odes Funambulesques" (laS7), essa metamorfose possível do esteticismo em critica da civilização.
pretende sacrificar toda expressão de pensamento às acrobacias da "for-
ma nova", obtida pela iima rara e pela abundância de esquemas métricos o parnasianismo ocorre na Alemànha desde a décacla de 50, com a
complexos. Já os "Poemes Antiques" <1852) de Leconte de Lisle (1818-9!) Formk:unst de Munique (Geibel, Lingg, Heyse). No mundo hispânico, o
tinham ambições bem mais· sérias. Republicano exaltado, Leconte de "modernismo" fin-de-stecle de Rubén Dario será um decadentismo de
Lisle viu suas esperanças destruídas com o fracasso social da Revolução técnica entre parnasiana e simbolista <verlaineana> . Parnasiano foi no
de 1848. Desiludido, refugiou-se na poesia arqueológica, compondo "cien- Brasil, p1incipalmente, no verso, o "quarteto" formado por Alberto de
tificamente" quadros históricos e mitológicos da Antiguidade, num tom Olivei: a, Raimundo Correia, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho; na pro-
oratório de ti>.tenções discretamente pedagógicas - conquanto hostil aos sa, a puol:cística ele Rui Barbosa e a ficção de Coelho Neto.

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carniça.do anti-romantismo de Fle.ubert '-- o seu narrar "com escalpelo"
Como estilo definido, o realismo penetra na literatura ocidental na
(Se.inte-Beuve) , dissecando impassivelmente os ideais postiços pot meio
mesma época que o parnasianismo, ou seja, logo após a Revolução de
de uma prosa alheia a todo melodramatismo _.. . ;. é uma "honestidade"
1848. Enquanto mera tendência, já vimos que o elemento realista habi-
ainda romântica na sua própria intransigência. . . Thomas Mann disse
tara o próprio romantismo, em grau eminente na ficção de Balzac e
uma vez que os grandes realistas do século passado recusavam o idea-
Stendhal e em vários aspectos da obra do liberal Heinrich Helne. Na
lismo "por amor ao ideal". F'laubert foi o primeiro deles, o primeiro •
Alemanha - onde o romantismo inaugurado bem mais cedo do que nos
conceber 0 tempo "vivido" dos personagens como fator de erosão exis-
países latinos, se exaure em torno de 1830 - verifica-se também a exis-
tencial, de ruina da felicidade possível, mas sempre frustrada. O mundo
tência de um como que pré-realismo é o estilo de narradores do drama
de Balzac é cheio de conflitos - dai o dramatismo de sua técnica ficcio-
social, materialista e pré-expressionista, de Georg Buechner (Wayzeck,
nal. o de Flaubert se banha numa monótona e incurável "prosa da
1836), e das tragédias "schopenhaureanas" de Friedric Hebbel (1813-63) .
vida" _ e dai a sua álgida "distância épica", tão diversa de sangüinea
Mas o estilo realiste. é uma criação própria da geração francesa de pujança narrativa de Balzac. Com ele, a grisaille melancólica se converte
1820 - Flaubert e Baudelaire - geração que, sem abraçar a conversão
na tonalidade predominante do romance social.
final do romantismo ao liberalismo (Hugo), se mostrará, não obstante,
a me.is resoluta adversária do moralismo farisaico de. sociedade do se- o anti-romantismo de Flaubert, o "burguesófobo" (a palavra é dele
gundo Império, inspirador . do "realismo" mistificante de dramaturgos mesmo), não poupa sequer o irmão-inimigo do detestado burguês: o
como Augier e Dumas filho. Tanto "Les Fleurs du Mal" quanto "Mada· artista boêmio. Em vez de livre fantasia, a arte é, para ele, um árduo
me Bovary", os dois livros-manifesto de 1857, serão censurados pelo re- sacerdócio artesanal: nisso, porém, ·seu "l'art pour z•art" revela af!ni-
gime de Napoleão llI. dades com a ética vitoriana e seu culto do trabalho e do dever. "Madame
Bovary" será o primeiro romance tão elaborado quanto o mais composto
No entanto, o criador do realismo na lirlca, Baudelaire (1821-67),
dos poemas clássicos. Só a arte se salva, para Flaubert, da infinita me-
representante acabado da boêmia "maldita" do meio do século (essencial-
diocridade da vida. Assim, o esteticismo, que fora, em Weimar, uma
mente distinta da romântica boêmia dorée de 1830), ficaria isolado na
literatura do tempo. No estilo de Baudelaire, matriz de toda a poesia paidéia disfarçada, um humanismo "pedagógico", vira, no realismo, um
moderna, o discurso mesclado <Auerbach), isto é, a utilização da lingua- comportamento de evasão - único remédio para .a visão niilista daqueles
gem vulgar e cotidiana no tratamento de temas sérios e "sublimes", se neuróticos anarquistas morais que, como B~udelaire e Flaubert, sufoca-
faz veiculo de. figuração alegórica (W. Benjamin) : da poética que, re- vam nas malhas da existência burguesa.
pelindo o idealismo e a idealização inerentes ao sfmbolo clássico-român- Na França, o realismo seria banalizado nas mãos de Daudet e Mau-
tico, se devota a captar critica, embora enigmaticamente, os efeitos passant; somente o impre"ssionismo, dos Goncourt a Proust, e o natu-
desumanizantes do estilo existencial da granne cidade. No segundo Oito-
ralismo de Zola souberam pre.!lervar a dignidade ética da narrativa flau-
centos, Baudelaire só faria escola através de aspectos superficiais de sua
bertiana. A Bovary alemã foi escrita pelo berlinense Theodor Fontane
poesia (o "satanismo", os temas .dissolutos, etc.) ou, mais tarde, ~o sim-
(1818-98) ; a suiça, por Gottfried Keller (1819-90), autor de Henri<.zue, o
bolismo, através de traços técnicos dissociados do seu realismo.
verde (1855-80). Na Inglaterra, o romance social do desengano estréia
O romance de Flaubert exerceria uma influência bem mais global com George Eliot (1819-80; "Mtddlemarch.", 1872) e alcança sua forma
e imediata. A desilusão de Emma Bovary, a provinciana sonhadora, virou pura com "The Egotst" (1879) de George Meredith (1829-1909), e os
protótipo do desengano europeu depois do fracasso da "primavera dos amargos romances antivitorianos de seu amigo Thomas Hardy (1846·
povos" de 1848. A "Education Sentimentale" (1869) e.profundaria ainda
mais a denúncia do mundo burguês. Já se observou que a mola do en- 1928; "Jude th.e Obscure", 1895).

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Porém foi no romance russo que o estilo· realista frutifi.cou plena- tariava de preferência o universo exterior - o mundo das ações e doa
mente. A desilusão realista se forma des::le o Oblomov Cl857) de Ivan objetos, e não os meandros da consciência..
Gontchárov, e se firma na ficção desencantada e ievemente, pré-tche- Do mesmo modo que o quadro impressionista se propõe captar as
covlanamente, nostálgica do fiauberteano Ivan Turgenev '1818-83; "Pais tis da atmosfera. o estilo hipersensível dos Goncourt
nmdanças mais sU ' i cisão
e Filhos", 1862). Os romances melodramáticos e polifônicos de Fiodor buscava figurar a variedade dos estados mentais com a ma or pre
Dostoievsky (1821-81; "Crime e Castigo", 1866; "Os Demônios", 1870; "Os ossivel. No fim do século, esse idioma literário colorido e nervoso, de
Irmãos Karamazov", 1880), em que as idéias são vividas como paixões, ~intaxe fragmentária e ritmos evocatórios, :fazendo largo uso do imper-
seriam um corpo estranho na. técnica ficcional realista. Na realidade, feito e da metáfora, foi adotado por grandes narradores e .dramaturgo:
representam a subversão do estilo pela estrutura menipéia, carnavalesca ..decadentes" não "românticos" <ao contrário de outros, tipo Villlers d
<Bakhtin) da narrativa. No entanto, Dostoievsky enquadra essa cama- Anton Tchecov (1860-1904) e o vienense Hugo
l'lsle Adam> como o russo . f i tilo
valização da literatura numa perspe<:tiva acentuadamente mística. e cris- th 1 (1874-1929). Em Portugal, impressionista o o es
von Hofmanns a · ua novel!stica. ainda
tológica, e é o primeiro grande pintor da metrópole moderna. Mais do "realista" Eça de Queirós - mesmo G,uando a s lh
z·efinada, a obra romanesca. de Leon Tolstoi (1828-1910; "Guerra e Paz", estava sob a atração dos dogmas naturalistas - e dos contos de Fia o
1864-69; "Ana Karentna .., 1873-76) partilha com o dramatismo dostoievs- d' Almeida (1857-1911) ·
kyano uma grave preocupação com os efeitos do individualismo moderno, i Usmos deterministail haviam reduzido a consciência e
mas possui a.o mesmo tempo algo de goetheanamente "olfmpico": :face Os mat er a d d t .. conserva
mero depósito de impressões. A arte impressionista " eca e:1 e
ao agomsmo espiritual de Dostoievsky e ao niilismo de Flaubert, Tolstoi
a idéia da passividade do espirito, mas explora as conotaçoes morais da
a:firma um panteísmo e um gosto vital equidistantes· da idealização ro-
1né eia do ser humano :frente ao fluxo heterogêneo da experiência -
mê.ntica e do pessimismo pós-romântico. r i à impotência do individuo
inércia que corresponde, no plano ps1qu co,
O termo impressionismo, aplicado primeiro à pintura. de Monet e à ante o crescimento tentacular das redes burocr~ticas, no Estado e na
m'Osica. de Debussy, passou a designar também uma das correntes lite- empresa:· Cansaço da vida e falta de comunicaçao são os temas bá.sic:
rárias do tardio Oitocentos. A principio, chamou-se de impressionista d conto e do drama de Tchecov (Tio vanta, 1899) ; o sentimento e
apenas a écriture artistique dos irmãos Edmond (1812-96) e Jules (1830- f~tração e de exilio da existência natural é um leit-motiv de Hofmanns-
1870) de Goncourt. A "escrita artística" é a linguagem vibrá.til de ro- Louco e a Morte, 1894) ou do jovem Thomas Mann <Tonio
thal (o 1 " bjetivo" dos na-
mances como "Germinie Lacerteux" (1865), nos quais os diálogos e des- Kroeger, 1903). A.o patológico somático, impessoa e o
crições, convertidos em "estenografias ardentes", procuram grafar a ianismo "decadente" fará suceder o mórbido cerebral
turalistas, o impress t (Mann ·
aparência vtvida da realidade humana. Os Goncourt costumavam do- e narcislstico, a atração erótica pela decomposição e pe1a mor e .
cumentar-se, com esmero cientifico, acerca dos ambientes e costumes A Morte em veneza, 1913; Hoffmannsthal: Salomé, 1915).
a serem evocados em seus livros; seu objetivo era, portanto, de !ndole
adulta de dois ingleses . naturalizados, o americano Henry
francamente naturalista, e é significativo que a leitura de "Germinte Na ob ra 1 • Joseph conrad
Lacerteux" tenha sido uma experiência decisiva para Zola. Esquemati- James 0843-1916); "The Ambassadors", 1903) e o po ones .
. ., 1900) do triestino Italo Svcvo (1861-1928, A
camente, pode-se dizer que eles aspiravam a escrever romances natu- (1857-1924· "Lor d J im , • )
C ciênc;a de Zeno 1923) e do francês Marcel Proust (1861-1922 • au·
ralistas (embora não de tese) com uma prosa tão apurada quanto a de
Flaubert. Mas a téenica narrativa desses primeiros impressionistas tam- t:rn~o :famoso roma~-fleuve "A la Recher-:he du Temps Perdu" (1913-~~),
bém se diferenciava da fórmula naturalista: Edmon e Jules se concen- o romance privilegia a análise 1_'5icológica em detri~e~tod:~i:C~~~~st:.
li d as peripécias extenores. Com esse qua e
travam na pintura refinada das impressões subjetivas, dos estados d'alma
doa personagens, ao passo que Zola, cujo pincel era mais grosso, inven-
:e:;rez~i:n~mo engendra o "romance psicológico" de tipo moderno, ou
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seja, de estrutura não-linear. O relato de narrador impessoal e onis-
moral da literatura impressionista é o sentimento da ruina do qúalita-
ciente, usado pelos realistas e naturalistas, é substituído pela história
tivo. Aqui, porém, o "subjetivismo" da prosa impressionista deixa en-
contada do ponto-de-vista do herói-autor <Proust, svevo) ou então, como
trever uma vivência fundamental da cultura moderna, dolorosamente
em James e Conrad, pela narração construída com ponto-de-vista pluri-
intensificada na época da "Segunda Revolução Industrial", quer dizer,
focal, isto é, contada a partir da perspectiva dos vários personagens. Ela-
na volta do século: a vivência do vazio axiológico - da carência de
borando a técnica do "discurso vivido", o romancista procura captar a
valores autênticos - da civilização da máquina e da sociedade de massa,
vida interior dos protagonistas. Mas o impressionismo conheceria tam-
civilização e sociedade na qual a conquista do conforto e da segurança
bém a distância épica, na ironia narrativa de um extraordinário roman-
e o dominio triunfante do homem sobre a matéria se vêem ensombre-
fleuve ensafstico: O Homem Sem Qualidade! (1932, 1952) do austríaco
Robert Musil (1880-1942). cidos pela falta de sabor da vida, pela tendência à uniformização das
idéias e atitudes, pelo desaparecimento progressivo das formas genuínas
O perspecttvismo ficcional se reconhece, de certo modo, no feitio de diálogo e de comunicação. Tal como a poesia de Baudelaire, o ro-
relativista da filosofia finissecular. William James, um dos fundadores mance impressionista exala uma penetrante denúncia do estilo existen-
do pragmatismo - da teoria do conhecimento relativista por excelência cial moderno.
- era irmão de Henry James. No plano da lingua literária, esse estilo
A analogia com Baudelaire (e com os seus descendentes, os &imbo-
prolonga, amplia e aprimora a écriture artist~ de 1860. Nas orações
llstas como Mallarmé e Rimbaud) se estende igualmente a outro aspecto,
"afluentes" de Proust, no estilo metafórico de Conrad, o impressionismo
que é a natureza do público impressionista. O refinamento da prosa
maduro revela ter aproveitado a lição da poética simbolista. Entretanto,
impressionista lhe confere um caráter esotérico, quase hermético. As
o impressionismo, apesar de não ter jamais constituído uma "escola" ou
explorações psicológicas e o experimentalismo técnico dos narradores
sequer um "movimento", é uma corrente estilística autônoma, que não
impressionistas não se dirigiam, evidentemente, ao público habituado ao
partilha, em seu conjunto, nem da mentalidade neo-romântica da maior
"romance bem feito", psicologicamente simplista, centrado nos sucessos
parte do simbolismo internacional, nem das experiências lingüísticas de
exteriores. As sutilezas do romance de James, Proust e Musil requerem
vanguarda de um Mallarmé ou de um Rimbaud. o emprego do mito, do
leitores intelectualmente sofisticados, bem mais sofisticados do que os
simbolo e do metaforismo não foi nenhuma exclusividade simbolista, e,
leitores de Balzac, Dickens ou Zola. Assim, o impressionismo reforçou :-
por outro lado, alguns notáveis prosadores impressionistas, como Eça,
contrariamente à vocação "democrática" do naturalismo - a propensao
perfizeram sua formação estilística independentemente de qualquer con-
tato relevante com o simbolismo. ~te é precisamente~ aliás, 0 caso dos da arte pós-romântica a cultivar aquele "aristocrático prazer de desa-
gradar" de que falou Baudelaire - de desagradar, bem entendido, às
impressionistas brasileiros Machado de Assis, Raul Pompéia ou Euclides
da Cunha. massas mentalmente condicionadas, teleguiadas, da sociedade urbano-
1ndustrial. Fiéis à tradição isolacionista da geração de 1820 <Flaubert,
A percepção do tempo e os ritos da memória são motivos capitais Baudelaire, Leconte de Lisle, E. de Goncourt), os impressionistas desen-
na ficção impressionista: basta pensar nos heróis nostálgicos de Tchecov, cadearam sua batalha. secreta contra a cultura alienada do alto de suas
na "procura do tempo perdido" de Proust, em Dom Casmurro, de Ma- orgulhosas "torres de marfim", sem concessões ao degenerado "gosto
chado, ou nos momentos iluminadores dos personagens de James, qu~ popular".
são quase sempre lembrança crítica, compreensão do sentido da expe- No Brasil, impressionista foi a melhor prosa do tardio Oitocentos e
riência passada. :.G: que, assim como a lírica do fundador da poesia mo- da Belle Epoque: a de Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Raul Pom-
derna - Baudelaire, o romance impressionista parece estar profunda- péia, Euclides da Cunha, Graça Aranha e Lima Barreto; e impressio-
mente ligado ao · senso da perda da qualidade da existência. o perfume nista ainda será, em pleno apogeu do modernismo, o estilo de narradores
como 0 ficcionista José Geraldo Vieira e o memorialista Gilberto Amado.
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O estilo naturalista, concretizado por Emile. Zola (1840-1902) no oi.elo perspectiva naturalista descerra o drama da consciência individual es-
romanesco "Les Rougon-Macquart" (1871-93) é antes de tudo uma ex- magad{I. pela maldição do corpo e pelo peso da sociedade (A Casa dai
tensão literária da mentalidade cíentificista, que empolgara 0 espírito Bonecas, Os Espectros, Hedàa Gabler). No Brasil, a fórmula natura-
europeu no refluxo do idealismo. Após a ruína da metafisica hegeliana lista, que teve o seu. primeiro sucesso com O Mulato (1881) , de Aluísio
o espírito positivista - a glorificação do fato _ domina 0 cenário in: Azevedo, informou ainda a ficção de Inglês de Sousa, Adolfo Caminha
telectual. A civ111zação das máquinas e das massas, que elimina os últi- e Domingos Olimpio.
mos resíduos da educação humanística (haja vista a supressão da cadeira
de retórica nos currículos do ciclo médio) e seculariza as suas institui- o simbolismo nasceu na França t:m tomo de 1870, e floresceu, em
ções e costumes, dá livre curso à religião da ciência. A filosofia de comte quase toda a Europa, juntamente com as correntes "decadentistas", nos
proclamava o advento, na história da humanidade, de uma era "positi- anos 80 e 90. A poética simbolista teve sua maior fonte em Baudelaire,
va", era de ordem e progresso conquistados pela primazia da ciência e seus principais modelos em Stéphane Mallarmé 0842-1898), Paul ver-
sobre o "obscurantismo" da religião e das metafisicas. Repudiando em laine <1844-96) e Arthur Rimbaud (1854-91) . Partilhou com a poesia
bloco o espiritualismo da fase romântica, a "geração de 1870" adere em pamasiana o anti-sentimentalismo, a repulsa à egolatria romântica, o
massa ao empirismo materialista. o culto da pesquisa de Iaboraté;:l.? e gosto pela palavra rara (que não recuará diante do neologismo) e o
da investigação empírica ganha um evangelho influentíssimo com 0 livro culto da forma, substituindo a. mística da inspiração, dominante no
de Claude Bernard Introdução ao Estudo da Medicina Experimenlal baixo romantismo, pelo lavor do verso ou da frase "artística". Mas os
(1865). Zola se inspirou nele para codificar a estética naturalista no simbolistas, insurgindo-se contra o império do imediato e positivo em
ensaio O Romance Experimental <1880). o relato naturalista se define arte, exaltaram o poder de vtdência da poesia - embora nem sempre
não Já como simples observação, mas como autêntico inventário da <ao contrário do que geralmente se crê) em termos espiritualistas.
realidade, como registro minucioso e sistemático da experiência factual. Além disso, os simbolistas opuseram à estética plástica do Pamaso
Mas o "inventário" se pretende "cientifico", e, por isso, ilustra necessa- um constante anelo de musicalidade. "De la musique avant toute chose•,
riamente uma teoria causal - já que o determinismo causalista e ine- pediu Verlaine; e de fato, o simbolismo ductilizou, suavizou e fluidificou
rente ao cientificismo. Dai ser o romance naturalfsta uma narrativa "de os metros "esculturais" dos pamasianos. Essa musicalidade se fazia o
tese": uma narrativa que comprova o encadeamento causal dos aconteci- suporte sonoro do amor ao vago, aos valores da sugestão <contra os da
mentos, mostrando a sua dependência de fatores biológicos ou ecológicos. nitidez descritiva> ; a abundância das reticências, no poema simbolista
O romance de tese, focalizando comportamentos mórbidos, seduziu típico, é apenas o signo externo de uma reticência interior, de uma
aemdnttca da insinuação (e não da declaração>, fundamentalmente dis-
grande parte da produção ficcional do último quartel do século XIX.
Em Portugal, Eça de Queirós (1845-1900), que já conquistara enorme tinta da eloqüência exclamativa dos pamasianos.
prestigio no Brasil com O Primo Basflio (1878), baseou no tema do ata- A moldura sociológica do decadentismo, do simboUsmo e do primeiro
vismo patológico o enredo d'Os Maias (1888). Mas Zola, em seus melho- impressionismo foi a Grande Depressão que, por vinte e cinco anos, até
res momentos, trocou a perscrutação de casos mórbidos pela pintura de as vésperas da Belle Epoque <1895), acometeu o capitalismo ocidental
personagens coletivos, especialmente das massas trabalhadoras como os Nesse periodo, a Europa, fatigada das gilerras e revoluções, sistematiza
mineiros de Germinal, alargando os moldes narrativos do romance euro- o imperiall.smo colonialista e experimenta a "segunda revolução indus-
peu, até então quase sempre ligado à biografia individual ou às histó- trial": com a intervenção do &tado na economia e a. conversão da pes-
rias de famfila. Paralelamente, os naturalistas escandinavos se esmeraram quisa cientifica em força economicamente produtiva, difundem-se o
em ressaltar a problemática ética implicada pela fatalidade do sangue conforto cotidiano das classes médias em expansão, a instrução e a assis-
e pela pressão do meio social. No teatro de Henrik Ibsen (1828-1906), a tência médica; porém todo esse progresso material não mitigaria em

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a.penas o primeiro ato de um drama civilizacional sagazmente denunciado
nada. a. hostilidade da. arte de elite aos padrões da cultura. burguesa.
por Spengler na sua Decadência do Ocidente: o drama da arte no "ln·
Antiutilitarista e anticientificista, a literatura "decadente" prolonga, e
vemo do espírito", na. civilização urbana, cosmopolita e nostalgicamente
até reforça, a oposição cultural herdada a.os grandes românticos e dos
irreligiosa em que, sob o signo da "era das massas", .a fantasia estética
primeiros pós-românticos - os "realistas" como Baudelaire, Flaubert ou
se abandona aos "problemas artísticos" - aos estilos expenmentats, vo-
Dostoievsky. A Grande Depressão, como que correspondeu, na república
ta.dos a excitar uma consciência coletiva desprovida de força formadora,
das letras, uma não menor depressão interior, a ponto de poder-se afir-
quer dizer, daquele poder de autoplasmação do homem inerente à.s anti-
mar que a segunda revolução industrial não possuiu, como correlato
ideológico, nenhum equivalente ao que representara, para o capitalismo gas grandes culturas.
da primeira parte do século, o evolucionismo meliorista dos Comte, Spen- Principal matriz dos estilos líricos.' individuais do tempo, o simbolis-
cer e Haeckel. mo, que penetraria no território da literatura moderna graças à. exce-
lência da poesia neo-simbollsta (Valéry, Yeats, Rilke, .B lok), assegurou
Com os parnasianos e naturalistas, a literatura. finissecular serê., em
às letras francesas uma posição hegemônica no fin-de-siecle, em con-
geral, pessimista e desidealizante - mas a.o contrário deles, se imbuirá
traste com o predomínio de paradigmas alemães e ingleses que marcara,
de uma intensa nostalgia da fé. Conforme reparou um estudioso do
oitenta anos antes, o advento do romantismo. Mas o primado da fonte
oitocentismo, o critico dinamarquês Georg Brandes, no século XVII,
acreditava-se na cristandade; no XVIII, essa crença foi extirpada; no francesa não obscurece as diferenças no tntenor da literatura de 1890.
XIX, ela passou a. ser pateticamente contemplada, como uma peça de Há simbolismos e simbolismos - e principalmente, existem simbolismos
museu. Uma "peça. de museu" para a qual a intelectualidade huma.nistl- postiços. Jean Moréas, por exemplo, autor do manifesto simbolista de
ca, reagindo contra o "mal-estar da civilização", buscou em vão substi- 86 (que muito contribuiu para a fixação do termo), não passava de um
tutivos dotados de vitalidade histórica. tradicionalista, antinaturalista e clas'sicista, pendant poético da critica
Por outro lado, a sofistificação artística e intelectual dos mestres de Brunetiêre, cujas afinidades estão do lado do reacionarismo de
"decadentes" e simbolistas era, como a dos primeiros pós-românticos, Ma.urras e dos "neo-humanistas" americanos <Irving Babb1tt, Paul Elmer
uma espécie de emblema de status social, exibido por literatos de origem More) - e não do libertarismo de Rimbaud (ex-communard) e do
ou condição pequeno-burguesa (Mallarmé, Verlaine, Rimbaud, Huymans, agnosticismo politico-metafisico de um Mallarmé.
Wilde) num universo cultural ainda marcado por valores elitistas, aris- Também é preciso separar do autêntico simbolismo o estilo deca-
tocráticos. A "dificuldade" culta da linguagem literária adquiria conota- dente: Huysmans de "A Rebours" 0884); a ironia poética de Lautréa-
0
ções heráldicas; por ela, o escritor pequeno-burguês se afidalgava aos mont (1846-70) ou Jules Laforgue (1860-87) ; o esteticismo "pagão" de
olhos do público e de seus pares. No entanto, o próprio requinte da pro- Charles Swinburne 0837-1909), Walter Pater <1839-94), Oscar Wilde
dução literária. da época constituía uma resposta à. demanda do mercado (1854-1900), do primeiro Mamice Barres (1862-1923) e de Gabriele
intelectual. Já muito mais desenvolvido do que nos tempos do romantis- D'Annunzio (1863-1938); e, "last but nçit least", o antidecadentismo "de·
mo, já saturado de temas, gêneros e estilos, o mercado literário do tardo cadente" da geração de 98 na Espanha (Unamuno, Arorin, Baroja, Ma-
Oitocentos exigia dos novos autores o estimulo da novidade; assim, as chado Valle-Inclán) e a dramaturgia pré-expressionista de August
novas vanguardas literárias obedeciam à lei do mercado precisamente strtndberg (1849-1912). Sem dúvida, vários temas e artificios são, com
ao tentar negá-la (W. Benjamin) , fazendo de seus textos a antitese da. a maior freqüência, comuns ao decadentismo e ao simbolismo (como, de
facilidade e dos clichês da subliteratura. resto, ao impressionismo: basta lembrar a "Hérodtade" de Mallarmé e as
"Salomés" de Wilde e, mais tarde, de Hofmannsthal); o próprio termo
. Nesse sentido, as múltiplas estéticas da idade vitoriana, predecesso-
"decadência" foi entronizado por um soneto de_ Verlaine ("Je suis l'Em-
ras imediatas da "arte moderna" em todas as suas formas, representavam
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pire à la fin de la décadence") . Mas um estilo nunca se define, mecahl- alexandrinos de Baudelaire não é nenhum resíduo romântico - e a as-
camente, só pela temática ou pela técnica. o decadentismo niilista ou cese verbal da "poesia pura", do hermetismo lfrico; quanto à "alquimia
hedonista, não conhece o messianismo estético dos simbolist~s, em cujos do verbo" na prosa poética de Rimbaud (estilisticamente "mesclada",
escritos Pulsa uma inconfundível sede de sacralidade _ postura bem como o verso das "Fleurs dn Mal") prenuncia o visionarismo surrealista.
afirmativa, frente ao negativismo e ao tédio "decadentes". E há pelr Mallarmé e Rimbaud - e alguns "decadentes" especiais, como Lautréa-
menos um caso de decadentismo lúdico inteiramente inassimilável à mont e Laforgue - não olham para tráS, e sim para o futuro, para a
rnose stmbolist.a: a obra lógico-humorística de Lewis Carroll <1823-98). literatura de vanguarda do século XX.
No simbolismo radical, não-romântico, a para-religiosidade difusa e o simbolismo de tipo neo-romântico está eminentemente represen-
nostálgica do fim do século vira, com efeito, uma gnose demiúrgica _ tado, nas letras brasileiras, pela líri.ca de Cruz e Souza e Alphonsus de
uma elaboração de arcanos, criação de universos supra-reais. Mallarme, Guimaraens.
que concebeu sua poesia esotérica como um sucedâneo das antigas Vir-
tudes integradoras do catolicismo, contemplava na criação e na leitura
da obra poética <feita obra de arte "total", à Wagner, e construída por 9 - Modernismo (e. 1910 - e. 1950)
meio de uma ascética purificação da lingua) um verdadeiro rito reden-
tor, e no texto, a biblia de uma revelação, profana, mas não menos "Literatura moderna" não corresponde simplesmente à literatura
transcendental. Os românticos haviam posado como poetas-profetas· os novecentista. Enquanto estilo, o modernismo é, exatamente como seus
simboliStas se farão sacerdotes do Verbo. Por outro lado, 0 simbol~mo predecessores aqui analisados, uma ampla convenção, um conjunto de
tenderá sempre a ser um esteticismo intransigentemente artístico _ ao traços definíveis por oposição às convenções anteriores. Muitas obras mo-
passo que os decadentes cederão com freqüência ao eco da "espúria" dernas há que, apesar de seu alto nível literário, não obedecem à con-
confusão romântica entre arte e vida. Mallarmé, Poeta "sem biografia", venção modernista. Alguns estilos pós-românticos (p. ex., o impressio-
e Rimbaud, que teve sua curta fase criadora tão irrevogavelmente se- nismo, o naturalismo, o simbolismo) invadiram a literatura contempo-
guida de esterilidade total, contrastam nesse ponto com Wilde, 0 corifeu rânea, prolongando-se muito além da órbita de suas respectivas hege-
dos decadentes ingleses, que considerava sua vtda sua verdadeira obra- monias estéticas. Os impressionistas Proust e Conrad são, nesse sentido,
Prlma.
modernos, mas não modernistas do mesmo modo que o naturalista Th.
Finalmente, ocorrem divisões importantes dentro do próprio simbo- Dreiser (1871-1945) ou os néo-simbolistas W B. Yeat:S (1865-1939), R. M.
lismo. O lirismo elegiaco de Verlaine, a volúpia da morte no lânguido tea- Rilke (1875-1926), P. Valéry (1871-1945) e J. R. Jiménez (1881-96).
tro de Maurice Maeterlinck (1862-1949), ou a lírica do Mallarmé alemão, Por outro lado, como o pós-romantismo, o modernismo não é um
Stefan George (1868-1933) - para não falar nas estrofes sentimentais do estilo, e sim um "complexo estilístico". Em 1920 como em 1880, a estru-
banalizador da escola, Albert Samain (1858-1900) nem por profetismo tura do mercado literário fomenta de per si a proliferação e fragmenta-
bombástico do verso livre de Emile Verhaeren (1856-1916; "Les Vtlles Ten- ção dos movimentos, multiplicando as vangua:das. De novo, porém, a
taculatres", 1895) - pertencem todos a um simbolismo neo-romântico bem falta de uniformidade não implica necessariamente ausência de unidade
diverso do simbolismo construtivista e não-espiritualista de Malla~é e - de uma unidade que ressalta quando se contraste o conjunto dos is-
Rimbaud - que não podem, de modo algum, ser considerados neo-ro- mos modernistas (expressionismo, imaginismo, futurismo, dadaísmo, sur-
mânticos <a ontologia "negativa" de Mallarmé nada tem a ver com a realismo, etc.), todos surgidos entre 1910 e 1925, com as letras do século
metafísica idealista). O que distingue a sintaxe neogongórica, 0 meta- passado. Dado que a literatura modernista já está preferencialmente es-
forismo neocultista, de Mallarmé da "mescla estilística" (mistura de tom tudada de maneira fragmentadora, optaremor. aqui pela caracterização
elevado, de visão problematizante, com temas e expressões vulgares) dos do que há de comum a seus vá; ias movimentos.

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Muito esquematicamente, a comparação global da literatura oltocen- seu próprio pathos, não se contentando com o simples exílio do patético
tista (romântica e pós-romântica) com a moderna sugere que esta últi- temático. De Rimbaud a Joyce, enom1e parte da literatura moderna
ma apresenta os seguintes aspectos distintivos: consiste em criptoparódias, sátira dissimulada. Toda a arte moderna
tende a brincar com seus temas - mesmo quando os leva terrivelmente
1) a emergência de uma concepção lúdica àa arte. Para os artistas
a sério. A arte oitocentista visava à empatia; a arte moderna persegue
românticos e pós-românticos, a criação estética possuia algo de "religio-
0 distanciamento. A dramaturgia de Brecht (1898-1956), abolindo as
so.., de sotertológico - a arte tinha um compromisso com a salvação,
"identificações" do espectador com os personagens, é a manifestação
<:<>m o resgate espiritual do homem. As palavras com que Nietzsche ba-
mais rigorosa de uma tendência geral da cultura artística de elite na
tizou a música de Wagner: "ópera da salvação" - valem, na realidade,
para quase todas as maiores empresas artísticas do século. Os liricos nossa época.
românticos encaravam o verbo poético como um órganon cognitivo llni- Em estreita conexão com a ojeriza ao patético está o recuo àa ms4o
co, garantia do mergulho no Todo, para revigoramento do ego e rege- tragicizante do destino, cultivada pelos narradores vitorianos de Geor-
neração da alma; e dos narradores como Melvllle, Tolstói ou Proust ge Elit e Zola até Hardy e Tcheoov, e sua substituição pela ótica gro-
aos dramaturgos como Ibsen, a obra de ficção foi investida de poderes tesca, antitrágica, de Gide (1869-1951), Kafka (1883-1924), Thomas Mann
excelsos, relacionados com a procura da verdade e a busca da felicidade (1875-1955), Joyce (1882-1941) ou Borges (n9 em 1889) . Do declínio da vi-
humana. De Novalls e Malarmé, todo o Oitocentos, assimilando o obje- são tragicizante resultou a morte do "herói" e o aparecimento de antl-
to estético a um talismã, a um bálsamo, contemplou na arte uma es- heróis como Gregor samsa, Joseph K. (A Metamorfose, O Processo) ,
pécie de magia superior e salvadora. Leopold Blomm (Ulisses>, ou o Ulrich de O Homem sem Qualtdades, do
Característico dos lideres do "estilo moderno", ao contrário, é o em· tardio impressionista que foi Robert Musll.
penho em moderar as ambições da criação estética. A arte-magia se con- Mas a literatura moderna é também ;ogo quanto à forma, porque é
verte, com eles, em arte-jogo. A atitude estética "religiosa,. - a mística resolutamente experimentalista. A técnica experimental é o verdadeiro
demidrgica dos românticos·, a ascese compenetradfssima de Flaubert, "correlato objetivo" (T. s. Eliot) do espírito de paródia. A arte-magia che-
Mallarmé ou Proust - cede o passo a um ludismo irônico, a uma se- gou a ter - especialmente nas várias seitas pós-românticas - um alto
rledade ambivalente, imbuída do senso da máscara, convicta de que todo grau de consciência artesanal; mas o pleno experimentalismo é uma con-
gesto artístico é transfiguração semiconsciente, imitação necessária, duta reservada ao ânimo lúdico dos modernos. Só com o advento da arte
"mentira" indispensável ao vislumbre da realidade. o romantismo so- moderna ocorre a dessacralização da forma que possibilita o jogo das lin-
brepunha o conhecimento estético ao saber racional; o pensamento de guagens experimentais. o fundamento dessa dessacralização é conhecido:
Schopenhauer, bíblia do pós-romantismo, atribuía à música o dom de é 0 fim da obra-fetiche. K. produção artística transfere as virtudes da
alcançar a verdade, vencendo as ilusões da percepção ordinária; mas os "obra" _ os valores do "bem feito", do bom "acabamento", da forma
estilos modernos parecem ter adotado antes a estética de Nietz.5che, que, "cinzelada", etc. para o domínio das ideologias em eclipi:::-_
colocando a arte sob o signo de DiôniSos, o deus da máscara, nela re- com o estilo moderno, a ênfase na ºobra se transformou em tônica
conheceu uma positiva "vontade de enganar". no processo produtivo - a valorização do jogo estético sucedeu ao enca-
Assim o estilo moderno abandonou a impostação soteriológica do recimento dos seus resultados. E o acento no processo produtivo, selando
processo artístico por um amor "barroco" à arte-jogo - e isso, tanto a agonia da obra-fetiche, provocou uma modificação correlata na atitude
no plano do conteúdo quanto no da forma. Jogo quanto ao conteúdo, do destinatário do objeto estético. Para certas poéticas modernas, o leitor
porque a visão moderna se compraz no tratamento parodistico dos sen- não é mais sujeito passivo de uma "contemplação": é uma consciência ati-
timentos e situações. A lirica moderna instala uma flutuação no seu va, chamada a participar - quase como co-autor - dos ritos simbólicos

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propostos pelo artista. Assim, como perspectiva. sobre a realidade e como da realidade como uma coação, uma limitação das possibilidades vitais do
atitude em relação ao ato estético, a arte moderna aspira à liberdade do homem. toda ela concebeu a autonomia do imaginário em termos de re-
jogo. Com o estilo moderno, a arte parece exercer uma desforra contra volta e~tencial, de "revolução cultural", Com ou sem a utopia da "es-
aquela sombria abstinência de práticas lúdicas que marcara a sociedade crità automática", a atitude surrealista inoculou na arte moderna a mís-
vitoriana. tica da liberdade espiritual, fonte número um da contracultura de van-
guarda. Por isso é que Benjamin definia o surrealismo por sua capacidade
2) a tendência à figuração "mftica". Segundo o ficcionista e critico
austríaco Hermann Broch, a literatura moderna se caracteriza pelo aban- de produzir "iluminações profanas".
dono da figuração individualizadora, adotando em seu lugar o "estilo mí- se a analisarmos à luz das prismáticas implicações do conceito benja-
tico", isto é, a representação de cenas e personagens por traços genéricos, mineano de alegoria surrealista, acharemos menos obscura e desconcertan-
abstratos e despersonalizadores. O estilo "mítico" e·s taria, na sua quali- te a figuração poética de . escritores tão diversos entre si como os liricos
dade de "abstração não-teórica", visceralmente comprometido com a bus- Georg Trakl (1887-1914; "Sebastian im Traum", 1915), Gottfried Benn
ca ética da literatura moderna - com o seu pendor pela ultrapassagem (1886-1956· "Morgue", 1912; "Fleisch" <Carne), 1817; "Statische Gedichte",
dos esteticismos formalistas, insensíveiS à crise moral da modernidade. 1948), Vel~mir Khliébnikov (1885-1922; "Zuravli", 1909; "Feitiço pelo riso",
Broch encontra a quintessência do estilo mítico em Kafka. Mas não seria 1910); Fernando Pessoa (1888-1935), Pierre Jean Jouve (n. em 188'1;
igualmente "mítica", nesse sentido, a figuração lírica predominante no "Sueur de sang", 1933); Eugenio Montale <n. em 1896; "Ossi di Sepia",
centro da poesia moderna, de Eliot e Pessoa e Eugênio Montale e Jorge 1921; "Le occastoni", 1939), E. E. cummings (1894-1962); "Tulips and
Guillén? Chtmneys", 1923; "No Thanks", 1935; "Fifty Poems", 1941), Federico Gar-
3) o predomínio da figuração alegórica. Por alegoria entendemos, com cia Lorca (1899-1936), Jorge Guillén (n. em 1893; "Cántico", 1928), W. H.
Walter Benjamin, aquele figurar poético em que perdura um hiato entre Auden (1907-74; "Poems", 1930; "The Age of Anxiety", 1948), René Char
a representação literária e a intenção significativa. Nesse hiato se aloja a <n. em 1907; "Seus Demeurent", 1945; "Fureur et Mystere", 1948; "Recher-
polissemia fundamental do texto alegórico, que se recusa à identificação che de za Base et du. sommet", 1955) e William Carlos Will1ams (1883-
entre sujeito e objeto, marca distintiva da. consciência do símbolo. Prefi- 1961; "Paterson", desde 1948); os dramaturgos Luigi Pirandello (1867-
gurado pela lírica de Baudelaire - na qual o alegorismo barroco, "cria-
1936; "Sei Personaggi in Cerca d'Autore", 1921; "Enrico IV", 1922; "Tro-
tural" se viu substituído pela alegoria moderna, baseada no senso de de-
varsi", 1932; "I Giganti della Montagna", 1937), Eugene O'Neill <1888-
sumanização da existência - esse enigmatismo alegórico é para. Benja-
1953; "Strange Interlude", 1928; "Long DaY's Journey into Night", 1941)
min, a chave da ficção de Kafka e de todo surrealismo autêntico. Na li-
e 0 metteur-en-scene Antonin Artaud (1896-1948; "Le Téâtre et son Dou.-
teratura surreal lato sensu, o modo de figurar alude sempre ao reprimido,
ble", 1938); e os narradores William Faulkner (1897-1962; "The sound and
à lembrança dos desejos martirizados pelas censuras (tanto internas quan-
The Fury", 1929; "Light in Augu.st", 1932), Louis-Ferdinand Céline (1894-
to externas) da sociedade.
1961; "Voyage au Bout de la Nuit" 1932), Hermann Broch (1886-1951; "Os
A literatura moderna valorizou nos impulsos do inconsciente as livres sonâmbulos", 1932; "A Morte de Virgílio", 1946), Ernst Jünger ("Sobre <U
energias dos instintos bloqueadas pela policialismo ético da civilização vi-
Falésias de Mármore", 1939); Mikkail Bulgákov (1891-1940; "O Mestre e
toriana. Nisso, aliás, os artistas modernos seguiram Freud com ortodoxia
a Margarida", póst., 1966) e Michel Leiris (n. em 1901; "L'Age d'Homme",
impecável: pois Freud singulariza o inconsciente - ou "processo primá-
rio" - precisamente por sua natureza de psiquismo recalcado, censurado, 1939 · "La Regle du Jeu", 1948). Medularmente, kafkeanamente penetrada
que o distingue do mero "sub-consciente". Nesse sentido, toda a arte mo- de ~nigmatismo alegórico em figuração puramente "mítica" é a ficção
derna foi vocacionalmente surrealista; toda ela compreendeu o principio grotesca de Dino Buzzati (n. em 1906; "Il Deserto dei Tartari", romance,

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e o drama "Un Caso Clínico, 1953) e a <lo maior modernista da segunda
10 - Pós-modernismo (e. 1940 - )
geração: Samuel Beckett Cn. em 1906; "Malone Dies", 1951; "En Attendant
Godot", 1953; "L'lnnomable", 1953; "Fin de Partie", 1956). Nestes últimos anos, vem-se afirmando entre a critica a propensão a
!!: licito associar ao predomínio de figuração alegórica uma outra ca- reconhecer o fato "pós-modernista" 4: a emergência, desde o fim da Guer-
r.acterística, esta geralmente reconhecida pela maioria dos estudiosos da ra, de uma cultura literária essencialmente diversa da modernista, embo-
literatura (e demais artes) do primeiro Novecentos: 0 simultaneísmo. De ra dela herdeira e até, várias vezes, epigona. Alguns dos pós-modernos
mais representativos, como Ponge e Bataille, Gadda ou Gombrówicz, Sar-
fato, na lírica e na narrativa modernista, a composição se assemelha fre-
tre e Ionesco, Klossowski ou Guimarães Rosa, são contemporâneos da se-
qüentemente à simultaneidade dos planos na plástica cubista _ com
0 gunda geração modernista; mas a maioria dos autores-líderes do segun-
que se abandona o princípio da continuidade linear na representação dos do Novecent0!5 já pertence àquelas gerações que, nascidas em torno de
acontecimentos ou vivências, mantido até o impressionismo. Nas letras 192-0 ou 30, chegaram à idade intelectualmente adulta num ulll.verso já
modernistas, a mímese "cubista" da experiência vivida parece denunciar bem diferenciado das estruturas sociais do principio do século.
uma irremediável destruição do tempo íntimo, um destroçamento da "du-
Podemos considerar essa diferenciação como o produto da aglutinação
rée". O próprio Benjamin não se cansava de registrar a "baixa do valor
de tendências históricas surgidas ou esboçadas, no OCidente, desde a cha-
de experiência" como sinal típico da desumanização do comportamento mada segunda revolução industrial, nos últimos decênios do século XIX.
na civilização urbano-industrial. Els aqui', aliás, um ponto que deve ser- No período 1930-50, cristalizam-se efetivamente traços tão importantes
vir de divisor estilístico entre o "romance psicológico" introspectivo de quanto a intervenção do Estado na economia e na sociedade (interven-
Proust ou Vi~gínia Wool! (na realidade, ainda impressionista) e, por ção bem ostensiva no fenômeno da publicização do direito privado e na
exemp.lo, o Ulisses de Joyce e o antipsicologismo de Kafka. institucionalização generalizada da previdência social) e a superprivati-
zação da familia - que não desempenha mais funções diretas no apare-
O enigmatismo inerente ao moderno texto alegórico ver-se-ta assedia-
lho produtivo e vê seus membros cada vez mais socializados e encultura-
do, no primeiro Novecentos, por uma esplêndida pletora de perspectivas
dos em esferas sociais extrafamiliares. Forma-se desse moda a "sociedade
criticas. Como nenhum outro estilo histórico desde a Renascença, a lite- de consumo", metamorfose última da sociedade industrial de massa,
ratura surreal-cubista foi a "era da crítica". Georg Lukàcs e Victor Shkló- em cujo âmbito se relaxam consideravelmente os códigos e tabus
vsky, I. A. Richards e William Empson, Leo Spltzer e Ernst Robert cur- da moral vitoriana. Mas a dessublimação resultante não deixa
tius, John Crowe Ransom e Allen Tate, F. R. Leavis e Mikhail Bákhtin de ser repressiva, porque, como nota Jürgen Habermas, "tendencial-
Walter Benjamin e Edmund Wilson, Kenneth Burke e Erich Auerbach• mente, a (antiga) intimidade voltada para o público cede lugar agora a
compõem uma floração única na história da crítica ocidental. Com eles, uma reificação voltada para a intimidade". O sociólogo americano w. H.
a partir de uma riquíssima pluralidade de métodos e preocupações, se Whyte ("The Organization Man", 1957) descreveu o declínio da privacy
forja a crítica imanente do texto literário, só bem mais tarde emagrecida burguesa e de seus hábitos característicos - entre os quaiS a leitura in-
e fetichisticamente desistoricizada pelos formalismos pós-modernistas. dividual - no universo dos abastados suburbia ianques do pós-guerra,
No Brasil, modernista foi o estilo dos maiores escritores do movimen- onde a vida comunitária se ritualiza em detrimento da personalidade in-
to homônimo - Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandei- dependente. o consumo maciço dos meios de comunicação áudio-visuais,
ra, Jorge de Lima, Gilberto Freyre, Graciliano Ramo's, Cornélio Pena; Mu-
rilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade. E desde a publicação nos • "Pós-modernista" não é, sem dúvida, uma etiqueta feliz. No entanto,
anos 70, de suas soberbas memórias - Pedro Nava. ' ante a manifesta impropriedade de outras (como, p. ex., a de "expe-
rimP.ntaiismo"), recomenda-se o seu emprego, ainda que provisório.
88 • 89
e especialmente da televisão, atua como poderoso mecanismo de reforço
. tico do mexicano Juan Rulfo, do cubano
do comportamento heterodirigido, isto é, da conduta em que cada indivi- contemporânea (realismo fant~ J li Cortázar · alegorismo ético da 11-
duo pauta seus gestos pelos dos outros, num conformismo sistemático. A Alejo Carpentier ou do argent nto u º1a da po~ia no português Antônio
ininterrupta apresentação, pelos media, da imagem sedutoramente hedo- - e b al de Melo Ne o, poes
rica de Joao l"A
a r Construção do Corpo, A Pedra Nua") .• retomo ao epos

:m~~;~~:es Rosa; anti-romance dos P~~~~~~es~:s:=:~~~ :~~;:i~~;ti~~:


nista de uma sociedade intimamente repressiva constitui, no nosso tempo,
a nova face da ideologia - a contraparte tardo-burguesa da propaganda
política, ainda mais conformista, das regiões onde impera o socialismo to-
talitário. sé Cardoso Pires; fábulas grot~cas ~:mias Filhv micro-realismo alegé-
da narrativa de Autran Doura o e F ca) Por, esse caminho, os pós-
Assim, com sua base histórica, o velho patriarcalismo burguês, decai Tr · an e Rubem onse ·
rico de Dalton evis • mantendo sua produção literária na
também a opinião crítica, o público afeito ao juízo próprio e ao verdadeiro modernistas ibero-americanos vem t a grandeza do legado moder-
debate das idéias. Eleva-se o nível de instrução, porém se mediocriza o primeira fila do período, sem comprome er
da cultura. Ao lado da postiça "cultura de massa", que se oferece como nista.
"popular", mas é apenas vulgar e ultramanipulada, surge a "cultura mé- - A poesia pós-modernista, que ~ ta ' na Europa, do 1·"Parti"abstrato"
Pris des
dia" (Cl. Greenberg) de camadas sedentas de status, e semp:·e dispostas Choses" 0942) de Francis Ponge, culmina com o surrea
· ismo - 1959) ·
a converter gosto e saber na "meia cultura" <T. W. Adorno) fetiche -
~ encontrará sua maior força, graças à
. " rach itter" - Grade de Linguagem ' •
na "cultura" que funcione como emblema de classe, e não como fator de de Paul Celan (1920-70, Sp
enriquecimento espiritual. mas é nos Estados Unidos que e a . dos modernistas
lêiade lírica quase tão expressiva quanto a
obra de uma p . Moore Wallace Stevens, Hart Crane, W. C.
Pound, Eliot, H. D., Manan~~ Robe;t Lowell ("Li/e Studies", 1959) e
O novo mercado literário espelha essas transformações. Torna-se cada
vez mais elástico e absorvente, mas procura nivelar todas as manifesta-
Williams e E. E. Cumming · t intimistas na capta-
ções criticas ao digerir, numa destrutiva tolerância, todas as denúncias John Berryman ("77 Dream Songs'', 1964) ,bmaes draes americana Elizabeth
e inovações. Esse mercado neofágico, secretamente dedicado ao "envelhe- t co· a pequena o r
tação do cotidiano gro es ' in 1 Sylvia Plath <1923-63;
cimento do novo" <T. W. Adorno) emascula sistematicamente as novas S t h" 1946) e da g esa
Bishop <"North and ou • thk (1804-64· "Words
vanguardas. Comparados com o espírito boêmio e livre dos movimentos ,. tal" de Theodore Roe e •
"Ariel", 1966); o lirismo vege Richard Wilbur ("Ceremo-
/or the Wind") e as estrofes es~irituos~ :everso aluvial e selvagem de
vanguardistas do primeiro Novecentos, a soturna circunspecção; o pedan-
tismo "laboratorial" dos atuais grupos de vanguarda (os cenáculos do ny" 1950· "Advice to a Prophet , 1961) • t" e a partir
' • da beat genera ion, ,
nouveau roman e da poesia concreta, as equipes de "Tel Quel" e "Chan-
Allen Ginsberg ("HowZ"), 1955), g~ru . amente culta dos poetas do
do fim dos anos 50, a escrita osls ensi~bert Creeley Robert Duncan> •
ge", etc.), revelam cruelmente a rarefação do escritor autônomo, o de-
saparecimento progressivo do franco-atirador literário. Para o escritor BlacJc Mountain Group <Charles O on, fs:k: ("A 1-12", 1966).
pós-moderno, a dificuldade de enfrentar esse quadro opressivamente alie- ó ima do "objetivismo" de Louis Zuko y
nante é dupla, porque ele próprio já não dispõe de um antídoto excelente pr x orne a com a narrativa exfstencialista
Na ficção, o pós-modernismo e ç b " a.ldita."
- a formação clássico-humanistica, em franco eclipse nos currículos co- " . Camus· "L'Etranger", 1942) • a o ra m
legiaiS da atualidade. (Sartre: "La Nausée , 1938, . médias "absurdas" do pri-
("J z du Voleur", 1949) as co
Na parte menos industrializada do mundo ocidental, a literatura pós- de Jean Genêt orna .. ) a mística da transgressão
("La cantatrtce Chauve , 1950 •
modernista se defronta com a aceleração do processo de modernização. melro Iones; t me (1897-1962) e a critica literária filosófica de Maurice
Em conseqüência, troca as interrogações críticas ante os traumas iniciais de Georges a a fie ão pós-moderna tem seus pólos no
da modernízação <romance social de 30, poesia crítico-social de Drum- Blanchot. Nos Estados Unidos, a ç ak d nd the Dead") na litera-
mond) pela problematização mítica (V. a nossa IX seção) da exfatência Mailer ("The N e a '
romancista beat Norman hs ("The Soft Machine") e no humor
tura pornográfica de William Burroug
90 •
91
judeu de Saul Bellow <"Herzog"); na Itália, na língua literária cheia de Os gêneros literários
seiva dialetal, situada entre a de ·Joyce e a de Céline, de Carlo Emilio
Gadda <"Quer Pasticciaccio Brutto de Via Merulana"), na neo-retórica de
Giorgio Manganelli (" Aglt Dei Ulteriori") e na neovanguarda de Edoar-
Conceituação e evolução histórica
do Sanguineti ("Capriccio Italiano"). Aos quais conviria juntar três imo-
ralistas de crescente influência: Witold Gombrowicz <"Ferdydurke", "A
Pornografia"), Pierre Klossowski ("Roberte Ce Soir", "Le Baphomet") A problemática dos gêneros, a mais antiga da teoria literária, tam-
e Anthony Burges8 ("Cloclcwork Orange"). O teatro pós-moderno se tor- bém das mais complexas e controvertidas, empenha a.inda hoje o inte-
nou pós-brechtiano nos suíços Max Frisch (Bierdermann e os Incen- resse dos estudiosos, que perseveram na busca de uma conceituação.
diários, 1953; Andorra, 1962) e Friedrich Duenrrenmatt <A Visita da Entre divergências e oscilaçõe·s, o assunto atravessa toda a história da
Velha Senhora, 1955; Os Físicos, 1962), e nos alemães Tankred Dorst literatura e da critica, ora assumindo acomodações de fidelidade e. pre-
<A Grande Imprecação ao pé das Muralhas da Cidade, 1961) e Peter ceitos estáticos, ora desencadeando inovações, com investidas aguerridas
Handke (A Cavalgada sobre o Lago' de Constança). Nos anos 60, salien- e alvoroçadas. o fato é que a questão permanece aberta, a aguçar nossa
taram-se ainda o humor negro do polonês Slawomir Mrozek <Tango)
curiosidade num desafio milenar.
e o "teatro da ameaça" do inglês Harold Pinter <"The Caretaker'', 1960;
"Homecoming", 1965). No Brasil, destaca-se a fusão de costumismo e ex- o primeiro a tomar consciência dos gêneros foi Platfl:.<>, mas cabe a
pressionismo nos dramas de Nelson Rodrigues (Vestido de Noiva, O AristÓtei;s ~ -~n _ menta de suas bases fundamentais na Poética, que
Boca de Ouro). se inicia com a intenção de abordar a produção poética e os seus diver-
Em todas essas vertentes de expressão, as letras pós-modernas se sos gêneros, classificando as obras segundo elementos formais e con-
mantêm, em conjunto, basicamente fiéis ao ludismo, à estética do dis- teudisticos. Assim, o gênero literário pressupõe uma classificação de
tanciamento e à figuração "mítica" do modernismo. Talvez deste se obras consignadas por características afins. Welleck e Warren opinam:
separem, no entanto, no tocante à alegoria. Sendo surreallzante, o al ~­
gorismo. modernista é quase todo de cunho metafórico. Já a alegoria p6l:i- creemas que el género debe entenderse como agrupación de
moderna tende a uma espécie de realismo de vocação metonímica: não obras literárias basa.da teóricamente tanto en la forma. <exlTf~
(metro o estructura específicos) como en la inter!or ac u
procura tanto aludir, pelo recurso ao visionário, às cicatrizes da desuma- tono, propósito; dicho más toscamente: tema y publico) 1 •
nização; procura antes mostrar, para desmistificá-lo, o universo dos
objetos em que desejo e consciência se alienam. Radiografar a cena so- Anatol Rosenfeld alvitra que a divisão das obras literárias por gê-
cial como espectro histórico, isto é, como realidade falsa <embora exis- neros parece proveniente da "necessidade de toda ciência. de introduzir
tente e ativa), eis o programa implícito da estética hiper-realista do certa ordem na multiplicidade dos fenômenos".
pós-modernismo - e o ponto em que ela se faz resposta ao desafio
moral representado pela nobreza humana da sociedade contemporânea. Embora a Poéttca de Aristóteles continue sendo o texto básico p~ra
enfoque dos gêneros, durante séculos vem suscitando interpretaçoes,
0
Brasília, janeiro de 1975. que variam ao sabor do aparecimento de novos modelos literários e se-
gundo a evolução do conceito de literatura.

1
WELLEK, René & WARREN, Austin. Teoria ltterárta. Madrid, Gre-
C:ios, 1959. p. 278.
93
92
Na Idade Média não houve sistematização rigorosa sobre os problE>· o Barroco opta por maior liberdade criadora e advoga as mutações
mas literários, a não ser os tratados de poética trovadoresca, todavia do conceito. Cultiva o hibridismo dos gêneros, proscrito pela norma.ti-'
sem vinculações com as doutrinas dos antigos. No Renascimento, graças vida.de classicista, tendo produzido, entre· outras infrações, a tragico'-
à sedução exercida pela arte greco-latina, a Poética de Aristóteles e a média.
Epistola aos pisões de Horácio promoveram inúmeras discussões do maior --;;;
0
século XVIII, a despeito de as correntes neoclássicas manterem
interesse para o novo espírito critico que despontava. A questão dos gê- compromissos com as doutrinas do Classicismo fra~cê~, a fé no pr~gresso
neros tornou-se então o ponto central da interpretação do fenômeno e a crise dos valores tradicionais sacodem a conv1cçao da imutabilidade
literário. dos gêneros. Além disso, as importantes formas literárias que nascem,
como o drama burguês e uma nova modalidade do romance, jogam por
Aristóteles considera dois modos básicos de produção poética: o~­
rativo e o dramático, não estudando propriamente a poesia lírica. Os terra a tirania da norma.
críticos renascentistas e clássicos, entretanto, com base nos postulados o Pré-romantismo contesta o despotismo clássico e proclama a força
horacianos, incluíram o lírico entre os gêneros e deram início à carrei- criadora do gênio, que o Romantismo desenvolve com características
ra da divisão tripartida da produção literária (lírica, épica, dramática) próprias, sem chegar a banir os gêneros, mas patrocinando ostensiva-
que, apesar das dissensões, prevalece para grande parte dos teorizado- mente a legitimidade da sua mistura. Vitor Hugo, no ruidoso Prefácio
res', até nossos dias. de "Cramwell", põe em rebuliço os baluartes estéticos com imprecações
contra o convencionalismo do padrão de belo cultivado pelos antigos e
.No século XVII,_ admitia-se que cada um desses grandes gêneros se imitado com fervor pelos prosélitos da Antiguidade. Argumenta que, se
subdividia em gêneros menores, severamente distintos e regidos or na natureza o belo coexiste ao lado do feio, não compete ao homem
regras intransigentes e imutáveis_ que comandavam a criação e orienta- retificar Deus e sim seguir o seu exemplo, na aliança dos contrários. Da
vam poetas e críticos, a ponto de o valor da obra ser reputado na depen- união do grotesco e do sublime nasce ~plexidade do gênio moderno,
dência desses cânones. oposto à uniforme simplicidade dos antigos.
Tal posição normativa se alicerçava na crença de que os gêneros Nos fins do século XIX, Brunetiêre, influenciado pelo positivismo
eram e'ssências fixas ou formas exigidas pela natureza, e como os anti- naturalista, adapta o dogmatismo das doutrinas clássicas à teoria evo-
gos realizaram essas formas de maneira superlativa, seus exemplos cons- lucionista de Darwin, encarando o gênero como espéCie biológica que
tituíam os modelos supremos a serem escrupulosamente imitados. nasce, se desenvolve, envelhece e morre. Contra esta concepção, que fo-
Trata-se de uma concepção supra-histórica que nega a possibilidade caliza 0 gênero como entidade substancialmente existente a ditar lels
de desenvolvimento e variações dos gêneros, segundo as exigências de para a atividade criadora, se insurge Benedetto Croce, que minimiza. a
cada época. importância dessas imposições cerceantes.
A inflexibilidade das estéticas renascentistas e classicistas não pon- Nas últimas décadas o problema dos gêneros retorna à arena dos
tificou em termos absolutos e, desde os séculos XVI e XVII, surgiram debates, tendo constituído o tema único do III Congresso Internacional
polêmicas, muitas das quais a propósito de obras que não se enquadra- de História Literária, realizado em Lyon, em 1939. A disparidade de
vam nas delimitações impostas. Na famosa "Disputa entre Antigos e concepções dos trabalhos apresentados atesta o interesse do tema, sua
Modernos", já se desconfiava da intemporalidade dos preceitos aristoté-
atualidade e, sobretudo, suá. inesgotabilidade.
licos e horacianos, uma vez que um novo sentido da historicidade do
homem e da cultura instigava a admissão de novas formas. literárias ou A tendência moderna dos escritores é, cada vez mais, libertar-se dl!S
a adaptação dos gêneros tradicionais às contingências temporais. intolerâncias acadêmicas, em rebeldia contra os principias autoritários,

95
94
em nome de uma originalidade que derruba a ordem preestabelecida e enfoque oferece a vantagem de desfazer a artificialidade da setorlzação
instaura n ovas modalidades, cada vez mais difíceis de serem classifica- rígida, sem cogitar de obsoletas normas e regras a serem obedecidas.
das nas fronteiras dos gêneros.
A questão da terminologia sempre figurou entre os motivos de dis-
Se adotarmos a divisão t1ipartida - lírico, épico e dramático _ crepância para os autores que se ocuparam com os gêneros literários.
como encaixar nesses três compartimentos a multiplicidade da produ- Muitos utilizam a palavra gênero para denominar as mais diversas ca-
ção literária? Como classificar certos contos que adotam o proce- tegorias literárias, .como prosa, poesia, verso, canção, balada, romam:e,
dimento do puro diálogo, peculiar à obra dramática? E certas com- conto, novela, soneto, epopéia, lírica, grotesco, sublime, drama, descrição,
posições dramáticas onde apenas comparece uma per8onagem em ex-
narração etc.
tenso monólogo? E as obras líricas de cunho narrativo ou em diálogo, ou
ainda quando a emoção cede à reflexão? Podemos considerar as subdivisões dos três grandes gêneros em es-
pécies, também denominadas formas, classes ou sub-ramos.
Não teria sentido instituir novas divisões, que cresceriam Ilimitada-
mente, tal a desconcertante diversidade das obras. Como agir diante Espécies da Lírica: soneto, ode, balada, vilancete, rondó, ronde! etc.
do impasse?
Espécies da J!: ica: epopéia, romance, conto, novela.
Emil Staiger parece encontrar a solução para este beco sem saida Espécies do Drama: tragédia, comédia, tragicomédia, farsa.
dos estudos literários, adotando a tradicional tripartição, porém numa
perspectiva aberta, que estabelece a diferença básica enÚ·e a conceitua- Não entraremos em detalhes quanto às espécies dos gêneros, por fu-
ção substantiva e a _filj, etiva,. · girem à finalidade de nosso estudo, a não ser em breves passagens na
. ----- parte relativa ao Drama, a fim de esclarecer certas noções deste ramo .
Os .s ubstantivos Lírica, ll:pica e Drama referem-se ao ramo, em que
se classifica a obra, de acordo com determinadas características formais. Examinaremos os gêneros na sua significação substantiva e adjetiva,
Os poemas de breve extensão que expressam estados de alma, se enqua- a partir de sua essência observada através dos fenômenos estilísticos
dram na Lírica. O relato ou apresentação de uma ação pertence à Jtpica, que nos parecerem mais representativos e que procuraremos exemplifi-
enquanto a representação da ação, movida por um dinamismo de tensão car, tendo em vista a sua melhor compreensão.
se situa no Drama. '
Os adjetivos lirice, épico e dramático definem a essência, isto é, os
traços c~racterfsticos da obra, manifestâdos por seus fenômenos estl- O gênero Urlco
listicol!. --
Toda obra pertence ao ramo genérico cuja essência se revela em A essência lírica
caráter prioriFário, todavia participa também da essência ou dos traços
particulares dos outros gêneros .. Desta feita, uma balada dialogada se A e5sência lirica se manifesta nos fenômenos estilísticos próprios.
coloca sob o rótulo da Lírica, embora a essência dramática também se Quando a obra apresenta predominio desses traços sobre os demais, se
faça notar. Uma peça teatral pode participar da essência do lírico, se situa no ramo da Lírica. Assim se pronuncia Rosenfeld:
tiver transbordamentos afetivos. o romance pertence ao ramo da :itplca,
mas seus diálogos o aproximam da essência dramática e a efusão de Pertencerá à Lírica todo poema de extensão menor, na medida
em que nele não se cristalizarem personagens nítidos e em que,
sentimentos torna-o lirico. ao contrário, uma voz central - quase sempre um "Eu" - nele
Stalger a8severa que nenhuma obra pode ser classificada exclusiva- exprimir seu próprio estado de alma 2.
mente num gênero! partilhando sempre da essência dos demais. Este
2 ROSENFELD, Anato!. O teatro épico. S. Paulo, Buriti, 1965. p. 5.
96
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·De fato, no poema lírico há sempre um eu que se expressa, advin- intitulado "Art poétique" com um verso que ficou famoso: "De la musi-
do dai o subjetivismo atribuído a este tipo de composição. Não devemos, que avant toote chose" <música antes de tudo). Não é sem razão que
entretanta, confundir o eu lírico com o eu autobiográfico, já que o fato tantas vezes se usa a palavra canto como sinônimo de poema.
literário possui um universo fictício, onde os elementos da realidade con- um dos fenômenos estilísticos mais típicos da composição lirica é a
creta entram em tensão com o imaginário, para criar uma nova reali- musicalidade da linguagem, obtida através de uma elaboração especial
dade, atrás da qual o autor desaparece. Portanto, o apregoado subjeti- do ritmo e dos meios sonoros da lingua, a rima, a assonância ou a ~te-:­
vismo lírico independe do eu biográfico. r~ urdidura da camada fônica propicia uma tendência geral para
lt indiscutível a afetividade e a emotividade do clima lírico, sempre &identidade entre o sentido das palavras e sua sonoridade, que podemos
ligado ao intimo e ao sentimento, tornando fluida e inconsistente a re- constatar na "Canção do vento e da minha vida" de Manuel Bandeira:
lação entre o sujeito e o objeto, isto é, entre o eu e o mundo. A emoç~p
e o sentimento impedem a configuracão mais nítida das coisas e dos o vento varria as folhes,
seres que não se fixam, mas fluem sem contornos definidos na torrente O vento varria os frutos,
poética. Quanto mais lirico o poema, menor será a distância entre o ;u
o vento varria RS flores ...
E a minha vida ficava
e o mundo, que se fundem e confundem. Quando aparecem descrições, Cada vez mais cheia
análises, diálogos ou reflexões no poema, instaura-se um distanciamento De frutos, de flores, de folhas.
eiiti=eõ sUfeit()é o obje~o e o c.!fma lírico desvanece com a acentuação
dos traços épic~ ou dramáticos. A insistência dos fonemas fricativos /V/ e /f/ induz a uma aproxi-
mação do som dos versos ao sentido de voragem do vento varrendo as
A atitude fundamental lírica é o não distanciamento, a fusão do coisas num ímpeto distruidor. o significado metafórico do vento na
sujeito e do objeto, pois o e'stado anímico envolve tudo, mundo interior anagem da devastação desencadeada pelo tempo, amplia-se na recor-
e exterior, passado, presente e futuro. Por isso Staiger denomina recor-
rência a.literativa dos fonemas congêneres.
dação a essência lírica, levando em conta a etimologia da palavr~o
latim cor- cordis. Recordação quer dizer "de novo ao coração", isto é, Diversa é a impressão do vento na "Cantiga outonal" de Cecll1a.
aquele um-no-outro, em que o eu está nas coisas e as coisas estão no :Meireles:
eu. Tal integração só se admite numa obra lírica idealmente pura, o
que é inconcebível em termos rigorosos. O poema tende para esta fusão, Outono. As árvores pensando ...
Tristezas mórbidas no mar ...
que será maior ou menor em função do estado afetivo. o vento passa, brando ... brando ...
E -sinto medo, susto, quando
Escuto o vento assim passar ...
Fenômenos estflfsttcos líricos
o a.cúmulo do fonema fricativo sibilante /s/ imprime a.os versos, gra-
ças à sua fluidez, a suavidade de um vento brando, na melancolia da pai-
Music~lida~ - O termo lírico originariamente liga-se a uma espé-
sagem outonal que a rede de fonemas nasais sombreia. A sensação difere
cie de composição poética que os gregos cantavam ao som da lira.
do outro poema, onde o·s fonemas labiais são as próprias chicotadas vio-
Grande parte do que hoje se denomina composição lírica era musicada,
conforme ainda atesta a poesia trovadoresca medieval. Mesmo depois, lentas do vento, que agora se faz apenas um sussurro de brisa.
quando se destinou apenas à leitura, conservou o remanescente dos seu:: o ritmo martelado dos primeiros versos de Bandeira_!eforça _! im-
primórdios, bastando lembrar que uma das características do Simbolis- petuosidade da destrfilçg.9, enquanto em ~ilia a lentidão rítmica se adap-
mo era a aproximação da música e da poesia. Verlaine começa o poema ta ao estado de alma dilu!d~olemente_nwp.a tristeza cansad~.

98 99
Esta aproximação dos elementos sonoros e significativos provém da Todo o campo semântico da cantiga é uma repetição do refrão das
diSposição afetiva lírica que envolve tudo na ausência de distanciamento três estrofes, que se resume na equa ão amor :::: mal, definição da atitu-
da recordação. de trovadoresca medieval:
elementos fntenstficadores
Repetição - Em correlação direta com a musicalidade surpreendemos forma.a oerbafl substantfvos adj. e pron. adi. advérb. e Zoe. ado.
a repetição, entre os traços estilísticos do poema lirico. Aliás, Jakobso~
custa dor tamanha quanto
situa no paralelismo a principal característica da função poética da lin- suportar tnal (3 vezes) todo (3 vezes>
penei pesar (2 vezes) profundo só
guagem, que se manifesta no ritmo, no metro, na estrofação ou nos re- sofri (3 vezes> tristezas mais senão
·cursos sonoros. Não esqueçamos que a palavra verso significa etimologi- padeci dó cada. dia
amar (3 vezes) mágoa. sem par cada hora
camente retorno, volta. muito
Entre os processos mais comuns da repetição, citamos o refrão que o~ significados das formas verbais e dos substantivos giram em

exemplificaremos numa cantiga de amor de D. Dinis a: tomo de sofrimento e amor, intensificados pelos a.dje~vos, pronomes
adjetivos, advérbio~ e locuções adverl?J.8J!.
Quanto me custa, senhora, Quanto ao paralelismo do ponto de vista da rima, notamos que e.
tamanha dor suportar, concordância de sons se repete nas três estrofes, cumprindo assinalar
quando me ponho a lembrar que senhora se encontra no primeiro e último verso de cada. unidade.
o que pensei desde a hora
em que formosa vos vi; Em geral, o poema explora os recursos da homofonia. Segundo Saus-
e todo este mal sofri sure o mecaniSmo ·lin · tico reriousa sobre identidades e diferença!!
só por vos amar, senhora. (ou oposições) a fim de realizar um máximo de diferenciação. Por ser e.
tendência_natural aproximar pelo sentido as palavras de som igual ~.
Desde o momento, senhora, semelhant~. a linguagem corrente evita e. indiferenciação, da qual a
em que vos ouvi falar, linguagem poética tira partido nos efeitos que pretende.
não tive senão pesar;
cada dia e cada hora Na cantiga de D. Dinis, hora e agora se embutem sonoramente em
mais tristezas conheci; senhora, avizinhando seus sentidos. Jl: como se a senhora se fundisse nas
e todo este mal sofrt horas do amante: amar a senhora = mal a toda hora. O tratamento
só por vos amar, senhora. fônico reitera o sentimento fulcral da cantiga.
Devieis ter dó, senhora, A inclusão da senhora no tempo se confirma na construção. sintá-
do meu profundo pesar, tica, onde se repetem as orações temporais, que, ao lado das causa.l.S,
da minha mágoa sem par, permitem uma variação da equação do refrão: tempo do amor = causa
porque já sabeis agora do mal.
o muito que padeci;
O recurso da repetição é sintomático do não · diStanciamento lírico,
e todo este mal sofri
só por vos amar, senhora. na medida em que intensifica e. fusão de todas as coisas no estado
afetivo.
3
BERARDINELLI, Cleonice. Cantigas de trovaaores medievais em por- Desvio da norma gramatical - A repetição, contrária ao uso lln-
tuguês moderno. Rio, Simões, 1953. p. 25. gillstico corrente, demonstra que a linguagem poética provoca um des-

100 101
v!o da norma gramatical. Jean Cohen afirma que a norma do discurso desestrutura as estruturas lingüísticas. A Canción de invierno do paeta
poético é a antinorma, e que o poeta busca intencionabnente o obscure- espanhol Juan Ramón Jiménez elucidará este fenômeno:
cimento e o equivoco, levando a lingua a perder a firmeza. A ambigüi-
Cantan. Cantan.
dade, caracteristica inerente a toda obra poética, decorre muitas vezes 4 Dónde cantan los pájaroc que cantan?
tia violação da norma. Ha llovido. Aún las ramas
están sin hojas nuevas. Cantan. Cantan
O hipérbato, proveniente da inversão na ordem natural das palavras, los pájaros. 4 En dónde cantan
Zos pájaros que cantan?
é uma das infrações mais freqüentes, cometida para satisfazer às exi- No tengo pájaros en jaulas.
gências do ritmo, do metro ou da rima, em prejuízo da clareza. Este& No hay niiios que los vendan. Cantan.
El vall.e está muy lejos. Nada ...
versos de "O navio negreiro" de Castro Alves UU.Stram o caso: Yo no sé dónde cantan
los pájaros - cantan, cantan -.
los pájaros que cantan.
Era um sonho dantesco. . . o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho, A repetição de cantan 13 vezes e pájaros 6 vezes comprova que o
Em sangue a se banhar. discurso, ao invés de se desenvolver linearmente, retorna sempre ao mes-
················································
Negras mulheres, suspendendo às tetas
mo ponto. Na perspectiva lógica, ou a repetição esclarece a mensagem
ou é redundante, sem acrescentar informação nem originalidade. No
Magras crianças, cujas bocas pretas contexto poético, dá-se um aumento de informação porque o diScurso
Rega o sangue das mães
não prossegue: recua e se obscurece, resultando imprevisível, original e
················································
E ri-se a orquestra irônica e estridente ...
ambíguo.
Antidiscursividad! - Susanne Langer denomina discursividade a
A lingua perde a consistência e faz as palavras deslizarem de uma propriedade de uma espécie de simbolismo, o verbal, segundo o qual as
classe para outra, assumindo funções inusitadas. Fernando Pessoa utlli- idéias se enfileiram, como ocorre nas seqüências frasa.is. Existem coisas
za este recurso em várias passagens: que não se adaptam à. linearidade da forma gramatical discursiva, ha-
vendo outra espécie de simbolismo, o apresentativo, que funciona de
Passou, fora de Quando, modo simultâneo e integral. O poema pertence ao simbolismo apresen-
De Porquê e de Passando •.• tativo, porquanto sua significação Dão é linear e sim globalizante.

Entre os exemplos de desvio na regência verbal, citamos alguns ver- Embora a poesia utilize o discursivo, devido ao seu material verbal,
sos esparsos de Mário de Sá-Carneiro: sempre reagiu contra a sintaxe lógico-gramatical, tentando romper suas
imposições. Desde o periodo do Simbolismo, os poetas se rebelaram aber-
tamente contra os procedimentos sintáticos, numa antecipação à. revo-
Desço-me todo, em vão, sem nada achar lução empreendida pelos Ismos dos movimentos vanguardistas, que fize-
Assim me choro a mim mesmo
ram desta questão uma das plataformas de suas reivindicações, em favor
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim de uma literatura desatrelada das amarras tradicionais. A poética
atual se empenha cada vez mais em abolir o discursivo ao suprimir os
De acordo com a sintaxe lógico-discursiva, o pensamento se orga-
~conectivos sintáticos, chegando mesmo, em muitos casos, a ellminar
niza em seqüência, mas a linguagem lirica, em procedimento contrárl~ a frase, conforme se verifica na Poesia Concreta. Cassiano Ricardo em-

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do não ser que, para Pessea; é o das aparências vãs, se insinuam as
pregou este procedimento em várias composições, entre as quais Po!tçõea
mais desconcertantes afirmações, que veremos em alguns versos colhidos
do corpo:
da coletânea:
Sob o azul
sobre o azul porque me destes o sen_!-imento de um rumo,
subazul se o rumo que busco nao busco
subsol
subsolo Quando penso que vejo
Quem continua vendo
O breve poema opera um desdobramento fono-semàntico do sob e Enquanto estou pensando?
azul (metáfora de terra) , na medida em que estes dois termos se diluem
Não compreendo compreender, nem sei
nas demais variações e combinações. o conteúdo significativo espacial da se hei de ser, sendo nada, o que serei.
preposição sob ecoa no prefixo sub- que compõe as três últimas palavras. sonho sem quase já ser, perco sem nunca ter tido,
As duas prepo'sições antitéticas indicam as "posições do corpo", abaixo E comecei a morrer muito antes de ter vivido.
da terra (enterrado), em cima <na superfície) ou a.cima (na estratosfe-
ra), resumindo a parábola do homem no seu irrecorrível destino. Por que, enganado,
Julguei ser meu o que era meu?
Mesmo sem atingir ta.is extremos compositivos, as vivências anímicas
rejeitam a rigidez das construções sintáticas, e repelem o discursivo, que Todas essas contradições corroboram a impossibiliade de se captar
instala o distanciamento reflexivo, incompatível com a essência lírica.
0
poema Urtco através do raciocini~ ois o transbordamento de senti•
A.logicidade_ - A alo icidade caracte ·za p_y~ia liriCllJ, numa in- mentas ultrapassa i jurisdição da. lógiC!l, aprofundando outras c~
ter-relação com os demais aspectos típicos, desde que estrutura lógica alheias ao regulamento codificado.
do discurso expressa as formas da cogitação racional que não se con-
construção paratáti~a - Nas composições mais líricas, predomina
cilia com a linguagem lírica. Naturalmente esta propriedade diz respeito
ao componente do imaginário que integra toda criação artística, entre- 0
\JSo da construção para.tática (orações coordenadas_) sobre a hipotá-
tanto, o poema lírico parece romper com ·mais veemência os estatutos tica (orações subordinadas) . Uma vez que o período composto por subor-
da realidade controlada pela razão. Jl: o que verificamos na definição do dinação requer maior elaboração mental, as relações causais, condicio•
amor, através da série de oxímoros no soneto de Camões, numa das mais nais, finais', concessivas pressupõem o raciocinio lógico e conectante.
bela.S manifestações do petrarquismo renascentista: Justamente onde comparecem tais conjunções, o clima lírico se desman-
Amor é fogo que arde sem se ver; hipotaxe subordinação a uma oração principal estabelece um
ch a. Na • - d
Jl: ferida que dói e não se sente; nexo lógico de dependência, em oposição à liberdade da expansao iu
Jl: um contentamento descontente;
li: dor que desatina sem doer; emoções.
ll: um não querer mais ·que bem querer; As ora ões independen_le_:> e as coordenadas da para.taxe correspon-
Jl: solitário andar por entre a gente; dem melhor ao fluxo da disposição a~. As. orações valem or s~.
Jl: um não contentar-se de contente;
Jl: cuidar que se ganha em se perder justapondo-se sem prioridade, como acontece na emoção lírica, em que
fatos distantes no tempo e no espaço se aproximam e se fundem nas
O oximoro e o paradoxo constituem um dos traços estilisticos mais vivências da alma. Em Meus oito anos de Casimiro de Abreu, a recorda-
notórios do Cancioneiro de Fernando Pessoa, perfeitamente de acordo. ção da infância une 0 passado e presente num reviver repleto de ter-
com o tema do conflito entre o ser e o não ser, eixo da obra. No mundo
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nura. As breves orações coordenadas da estrofe que transcrevemos re- àquilo que conta. Ao invés da imprecisão de contornos do estado lirico,
fletem a justaposição dos fatos, arrastados pela torrente lírica:
0 mundo se fir~ e se oferece à perspectiva do narrador como ob-;eto,
ou seja, etimologicamente, colocado em frente. A categoria do distancla-
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas, clamento instaura aqui~ defrontar-se objetivo, estranho à essência
Trepava a tirar as mangas lirica.
Brincava à beira do mar· '
Rezava às Ave-Marias, ' A palavra epopéia deriva de ~ qu~. em grego, significa reci~.
Achava o céu sempre lindo, com efeito, a situação épica primitiva era a de alguém que narrava um
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar! fato a. um grupo de ouvintes, distanciando-se, portanto, o narra.dor em.
relação ao acontecimento passado, numa posição de confronto.
Conclusllo - Todos os fenômenos estilísticos examinados decorrem da A situação não se alterou na evolução ela epopéia para o romance
essência lírica, a recordação, que funde mundo interior e mundo exte- ou o conto, em que o autor narra. um acontecimento ou entrelaçamento
rior. ~te não-distanciamento impossibilita a observação e a compreen- de ocorrências destinadas não a um auditório e sim aos leitores.
são e cria . um contexto impreciso em que a expressão. lingüística deixa Muito se discutiu sobre a origem mítica da literatura e a função
de ser construida logicamente, fazendo tudo dissolver-se: o contorno do mitológica da leitura, que substituiu, no mundo moderno, a literatura
eu e do mundo e a estrutura da lingua. Assim se justificam a musicall- oral e a narração de mitos na sociedade primitiva. Ouvir histórias foi e
dade, as repetições, o desvio da norma gramatical, a anti-discursividade, continua sendo parte integrante da constituição psicológica do homem.
a alogicidade, a construção paratática.
Mircea Ellade refere-se ao relacionamento de continuidade entre o
~es fenômenos estilísticos Podem apresentar-se em qualquer obra, mito, a lenda, a epopéia primitiva e a literatura moderna, demonstrando
no entanto, somente quando predominam, esta se enquadrará no ramo que os arquétiPQs míticos sobrevivem de certa maneira nos grandes ro-
da Lfrica.
mances da atualidade. As "provas" que devem vencer as personagens
romanescas têm seu modelo nas aventuras do Herói mítico.
O gênero épico
o relato, na epopéia ou no romance, pressupõe invariavelmente a.
A esséncia épica &tuaçáo- de' confronto, J!ropiciacla p_elo distanciamento, inexistente na
atmosfera lírica, em que tudo se dissolve na. transitoriedade das coisas
e nas mutações do estado interior do eu, que nada observa nem fixa
A essência épica se revela através dos fenômenos estilísticos eape.
com nitidez. A atitude épica, ao contrãrio, é de atenção, pois o autor se .
cificos. Toda obra que contém esses traços em caráter predominante,
pertence ao ramo ela ~ica. coloca diante do objeto, segundo determinado Ponto de observaçã~, para
registrar, apontar, mostrar, enfim, apresenta_;-. Por tal razão, Staiger
As obras liricas resultam da fusão entre o eu e o mundo, ao passo considera a gpresentac4o a essência épica.
que as épicas se caracterizam primeiramente por um distanciamento
entre o sujeito (narrador) e o objeto (mundo narrado). convém ter e~ Na Iltada, Homero apresenta os combates dos gregos junto de Tróia.,
mente que todas as vezes que nos referimos a sujeito1 eu narrador au- a ira de Aquiles, a morte de Pátroclo, a luta de . Heitor e Aquiles etc.
Santa Rita Durão apresenta em Caramuru o naUfrágio de Diogo Alvares
tor, objeto, ~. tratamos de entidades fictícias do ~;verso ima~á.-
rio da obra literária. -- - - Correia, suas façanhas com a arma de fogo até granjear a admiração
dos indios que lhe deram o famoso nome, seu casamento com Paragua...
Enquanto o poeta lírico exprime seus estados de alma, envolvendo-se çu etc. Os romances de Balzac, enquadrados sob o titulo geral de "Co-
no que diz, o .!!!!:!ado_r se coloca numa situação de confronto em rela~ médie humaine", apresentam um. documentário ela 'vida francesa desde

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o Primeiro Império à Monarquia de JUlho. os romances de José T , __ do Renascimento e do Classicismo adotaram o verso heróico, cuja cesura
do Rego do "Ciclo d c d ....,.....,
a ana- e-açúcar" apresentam a sociedade rural lhe empresta consistência, impedindo que se dissolva no fluxo rítmico
brasileira.
da estrofe.
Cumpre ressalvar, entretanto que a a resenta ão d d . o _ritmo épic_9, m.a is regular que o lirico, relaciona-se com a posiç~
• o narra or não
se confunde com a fotografia da realld~. porque, no microcosmo hna- de distanciamento do _Earrador a fim de apresentar seu relato, o que
ginário da obra llteráril!:, o setor do mundo apresentado é desreallzad também implica na utilização de uma sintaxe lógic~ e de uma linguage~
pela força criadora do artista. 0
onde odem caber os efeitos da discursividade .. lt natural que os efeitos
sonoros não assumam a importância que adquirem na linguagem lirica.
Fenômenos estilf&ttcoa Grandiloqüêncta - A imitação de Homero, toda epopéia digna deste
nome deve dispor de alta quota de episódios espetaculares! batalhas san-
O passad~ - O tempo verbal de quem apre!enta um fato distante grentas, exaltação de heróis sobre-humanos em luta contra a fortuna,
no Passado, é o i:>retérito. Mesmo quando 0 poeta emprega 0 pres~te" intervenções fantásticas dos deuses ou de forças sobrenaturais, enfim,
trata-se do presente histórico. • todo um arsenal de grandiosidade, em estilo grandllogüente e retumban-
O Passado lírico sempre se faz presente pela recordação por revelar k Virgílio foi o primeiro · grande poeta a pôr em prática a lição de
o tempo interior, diverso do passado cronológico épico qde vitalizado Homero, porém com os requintes de uma. cultura. que já se consolidara
pela imaginação, é lembrado pela memória, num defrontar-se 'com 0 fato Nada mais óbvio que a estética preceptiva clássica, tão zelosa em trilhar
distante, temporal e espacialmente. as pegadas dos antigos, virgilizasse sua epopéia.
o tema . da epopéia consiste numa série de acontecimentos pretéri- O decantado "Arma virumque cano" com que Virgillo inicia a Eneida,
tos, quer seJa um passado lendário, como o cerco de Tróia na Ilíada ecoa nas obras de vários autores. o primeiro verso de Os Lusfadas, "As
as aventuras de ur · 8 armas e os barões assinalados", é complemento de "Cantando espalharei
ISses na. Odisséia, que já eram remotos para Homero
da mesma forma que as vicissitudes de Enéias para Virgillo quer ~
trate de uma época mais próxima, como a viagem de Vasco ~a Gama
8 por toda parte" da segunda estrofe.
narrada por Camões. Tasso, que enaltece a libertação de Jerusalém do jugo pagão pelo
exército de Godofredo de Bulhões, também começa sua Jerusalém liber-
P.or se_mover o ~e com maior liberdade no tem o, esta carac- tada virgilianamente:
t~rfst1ca nao lhe é especifica, nem as que veremos nos dois próxim~
itens, devido a razões divel'l!as.
Canto l'armt ptetose e 'l Capitano
_ Alguns elementos da forma exterior _ A disposição afetiva llrica Che 'l gran sepolcro liberô di Cristo
nao consente que o poema se e8tenda, dissipando-se a atmosfera poéti-
<Tradução literal: Canto as armas devotas e o Capitão/ Que o
ca q~ando tal sucede. Dá-se o inverso na apresentação dos fatos na
epopéia e Já Aristóteles assinalara sua ~nsão em comparaftt.:A grande sepulcro libertou de Cristo)
tragédia. - ......., com a
No entanto Ariosto, que no Orlando Furioso parece empenhado em
Ao contrário da variedade dos metros liricos, a obra épica se vale cantar os amores do paladino Orlando (0 mesmo Rola.nd das canções
·apenas de uma espécie. Ar1stóteles reputa o hexâmetro, usado por Ho- de gesta medievais) e de outros cavaleiros tanto quanto suas proezas
mero, o metro mais conveniente para a natureza do assunto da epopéia belicosas, dando talvez preferência aos revezes do coração, promove uma
em virtude de sua gravidade e amplldã9. Pelas mesmas razões os poetS:: significativa reviravolta dos valores épicos, apesar de manter fidelidade

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ma pressupõe 0 afastamento que não significa o · desaparecimento total
à matriz indefectível. O primeiro termo do objeto direto de canto e pri- do autor, presente através das observações pessoais e do entusiasmo de-
meira palavra da obra é donne <mulheres), antes mesmo de armas: monstrado peloSfatos expostos. Camões não se c~nserva impassível ao
se propor cantar os feitos dos "barões assinalados ' que enfrentaram os
Le donne, i cavallier, l'arme, glf amorf,
Le cortesie, Z'audaci imprese io canto "mares nunca dantes navegados":

(As damas, os cavaleiros, as armas, os amores,/ As cortesias, as cessem do sábio grego e do ~rola.no.
audazes empresas canto) . . As navegações grandes que fize!am,
cale-se de Alexandre e de ~raJan~
A narrativa e a ação - Aristóteles estabelece a diferença entre os As famas das vitórias que t1vera.m,
Que eu canto o peito ilustre lusitano
gêneros em conformidade com os meios, o objeto e a maneira da reali- A quem Netuno e Marte obedeceram.
zação da mimesis. Muito embora a múnesis tenha sido interpretada como cesse tudo o que· a Musa antiga canta
imitação, representação ou transfiguração da realidade, desejamos escla- Que outro valor mais alto se alevanta.
recer que a entendemos no sentido de criaçãq. O Professor Eduardo As três orações optativas denunciam o insopitável desejo de engran-
Portella._ é categórico: "imitar é aqui criar". Acompanhando o desen- decer alto valor pátrio, numa contraposição flagrante, fremente de ar-
0
volvimento de sua argumentação, constatamos que o fato literário des- 1 ão à antiguidade, para comprovar a superioridade lusa. Mes-
realiza o real concreto para criar a obra, através da tensão entre o real dor, em re aç d narrado
mo assim 0 defrontar-se objetivo entre o narrador e ·o mun o
e o imaginário. A mimesis é a criação resultante da desrealização do permanec~. Até no romance confes'sional, que trai a inalterabilidade, ::
real. esta sucumbisse inteiramente, não se desprenderia do eu central
Retomando a Aristóteles, segundo o objeto da mimesls, a epopéia. autor uma. humanidade com vida própria.
se ocupa com as ações das personagens nobres e, quanto à maneira, uti- setor do mundo imaginário criado subentende uma ~titude de
0
liza a narrativa, feita na pessoa do poeta, que pode também assumir confronto para a observação da realidade, que solicita a atençao do nar-
personalidades diversas. rador. A obra épica e a romanesca surgem invariavelmente do .cabedal
Portanto, a epopéia pertence a um gênero de composição em que o de observações sobre 0 mundo real concreto que serve de manancial para
poeta narra ações de personagens nobres ou de caráter elevado. Essa. a criação do cosmo artístico.
narrativa de ações, consideradas façanhas sublimes de heróis, sofre um Em referência à. epopéia, staiger pondera sobre o poeta:, que tudo
impacto demolidor com a derrocada das estruturas tradicionais, a partir contempla e apresenta não poder ocupar-se muito tempo com os domi-
do século XVIII. O lugar do herói se viu abalado, nascendo o anti-herói nios interiores, lá que' estes só dificilmente se tomam de .qualidade de
das proezas do cotidiano, da gesta da sobrev:ivência ou da conquista do obletos:
amor. Os tempos épicos, após uma longa evolução, cederam definitiva- <O poeta) Dirige a vista de preferência para for!'- t-. porqu~
mente à "civilização do romance".
Tanto na epopéia quanto ao romance, a ação narrada, sempre a.pre- ~~i·-=:. ~:EEt.~ ?~}~~~~~11;:;
homens maravilhosos, 0 mar, a ~ra ' é r cterístico de
sentada, diz i·espeito a comportamentos humanos e acontecimentos liga- biliário e criações de a~t~ · · Diz~~~~ q~~m {;,~0ª abrem-se os
~~~;sct!e :U~~~:· :ra c:t:!p1ar a· vida em sua plenitude
0
dos entre si e combinados na fábula e na trama, constituindo o enredo.
Inalterabiltda~ - O distanciamento entre o sujeito <narrador) e o diversificada 4.
objeto <mundo apresentado) favorece a inalterabilidade de ânimo d~ • STAIGER, Emll. Conceitos fundamentats da poética. Rio, Tempo
autor que não experimenta as oscilações do estado afetivo lírico. A tra- Brasileiro, 1969. p. 85-86.
111
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Por 1sso a existência épica fundamenta-se no ver, explicando-se a Ariosto infringiu deliberadamente o regulamento da epopéia, mas
profusão de descrições nos poemas homéricos e nas composições típicas Tasso 0 fez sem querer. Temos um Orlando totalmente diferente do altivo
do gênero. ~e ver não se processa sem a inalterabilldade de ànlmo. e provocador Roland das cançõe·s de gesta. Em vez de se empenhar na
Ariosto, na criação do mundo de sonho do Orlando furioso, se detém luta contra os pagãos, abandona seus compromissos com Carlos Magno
multas vezes a descrever minuciosamente os elementos componentes das e parte atrás de Angélica, até enlouquecer de ciúmes.
pe.isagen8 fantásticas, como a ilha de Alcina, onde Ruggero chega mon- Tasso, fruto da mentalidade da Contra-Reforma, está disposto, com
tado no cavalo alado: toda sinceridade, a sublimar as faç~nhas da libertação do Santo Se-
pulcro, porém as paixões desenfreadas dos guerreiros dominam o centro
Culte pfanure e delfcatf com, do enredo.
Chiare acque, ombrose ripe e praH mozu.
o escasso relevo dos heróis épicos, pouco aprofundados psicologica-
Vaghi boschettt di soavi allorf, mente, corroboram a inalterabilidade do narrador, que dirige a vista de
Di palme e d'amentssime mortelle,
Cedrl et aranct ch'aveam. frutti e ftort preferência para o exterior, passando por cima dos conflitos interiores,
Contesti in varie forme e tutte belle, que percorrem uma evolução até açambarcar completamente o rom~ce.
Facean riparo ai fervidi calorf Neste sentido Tasso é precursor do romance psicológico, pois seus guer-
De' giorni estivi con Zor spesse ombrelle
reiros amant~ e mulhere~ apaixonadas expressam a profundidade da
<Tradução literal: Cultivadas planfcies e delicadas colinas/ Claras vida intima nos turbilhões dos conflitos de amor.
águas, sombreadas margens e prados macios/ Lindos bosquetes de suaves
Ioureiros/ De palmeiras e de amenisslmu murtas/ Cidreiras e laran- Desenrolar progre_ssivg - A apresentação da variedade dos fa.t~
jeiras que tinham frutos e nores/ Entremeados em várias formas, todas obse~obedece necessariamente a um desenrolar I>rogr_essivo e m_i!·
belas/ Abrigavam do férvldo calor/ Dos dias estivais com suas espessaa t_iculoso que prende a. atenção do leitor e desvia seu interesse do de-
frondes) . ~.
No início da Ilíada, Homero pretende narrar a ira de Aquiles, o mais
O olhar passeia demora.damente sobre os objetos, que constituem o valente dos guerreiros gregos. Este tema é intercalado da conquiste. de
sujeito (composto de 14 substantivos) do predicado "facean riparo ••• " Tróia, numa infinidade de episódios, batalhas e lutas pessoais, que se
A lnalterabilldade de ànlmo do narrador explica, em arte a au- desenrolam lentamente até o final, quando Aquiles derrota o líder troia-
sência do amor da temática épica. O relato daa peripécias do senti-
no, Heitor, não se concluindo, entretanto, sobre o destino da guerra.
mento induz a um envolvimento emocional, diverso da admiração rev~­
rente diante dos fatos magníficos, cuja majestade por si só impõe uma Na proposição da Eneida, Virgilio anuncia que vai cantar "as armas
distância de mesura. Precisamos também levar em conta que o amor, e 0 varão que, expulso pelo destino das praias de Tróia", se dirige para
para os antigos, ainda não ingressara no circulo dos sentimentos nobres a Itália. Entre a partida de Enéias e o final da viagem, desenrolam-se
e dignificantes. Helena foi o móvel da guerra de Tróia apenas na medida progressivamente suas provações, peregrinações por mares e por terras,
em que o seu rapto desencadeou as beligerantes suscetibilidades de pes- andanças no Inferno, visita à morada dos bem-aventurados no Elísio,
soas que não sabiam cruzar os braços ante o ultraje a seus prlnciplos. desafios de tempestades e guerras, perdas de entes queridos e toda sorte
O amor não conhecia outra finalidade que não fosse a necessidade de de desgraça.
procriar ou a satisfação sexual. Ovídio simplesmente o cataloga como
As mirabolantes aventuras do romance de cavalaria medieval tam-
enfermidade, só vindo a lograr privilégios de coisa sér1a após o estágio
bém se submetem a este tipo de desenvolvimento. Nas várias versões da
purüicatório da poesia trovadoresca medieval.

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Busca do Graal, Galaaz, o cavaleiro sem mácula, enfrenta perigos e ten- Stai er atribui à adi ão o rincipio da composição épica, que Justa.-
tações antes de encontrar o Vaso Sagrado. e em equena ou gr~de escala, textos independentes, sempre voltada.
O romance em geral conserva este traço estilístico, embora 0 inte- para a apre5entação.
resse pelo desenlace da ação seja de ordem diversa da epopéia, surpreen-
dendo-se já o traço dramático que impulsiona a trama para 0 final. conc!u.são - A essência . épica, a apresentação, relacionada à situa-
ção de confronto entre o sujeito e o objeto, é responsável pelos fenõme- .
Uma. vertente do romance moderno, que traduz o tempo interior da nos estilísticos abordados - o pretérito, a extensão, a grandiloqüência,
personagem, com a expressão do inconsciente no seu fluir caótico, é um.a a narrativa, a inalterabilidade, o desenrolar progressivo, a autonomia das
variação do desenrolar progressivo. Com a obliteração da ação e da tra-
ma, o mundo exterior é desprezado em favor da apresentação das visões partes.
Tal e qual acontece na·s composições liricas e dramáticas, não •há
emoções, intuições, através do .fluxo de consciência ou monólogo interior:
obra q,ue alcance integralmente a. essência. do gênero. Somente quando
.o Ulisses de James Joyce é a . manifestação do eu das personagens nas
os fenômenos estilísticos épicos têm primaZia sobre os demais, a obra
11uas mutações, durante vinte e quatro horas. Embora. as vivências inte-
nores ocorram simultaneamente, numa negação do tempo, apresentam- 11e arrola no ramo da Épica.
11e de certo modo em desenrolar progressivo. Neste tipo de romance, em
que se incluem os de Kafka, o interesse do leitor na.o se aguça pu.ra o
O gênero dramétlco
final, e sim para o desenvolvimento, que requer maior atenção, devido à
extrema complexidade.
A ess~ncta dram4tfca
Autonomia das parte~ - A autonomia das partes é traço estilístico A essência dramática 11e apresenta por meio de fenômenos estWsti..,
básico da poesia épica, decorrente do desenrolar progressivo da. ação. Ai, cos determinados que situam a obra no ramo do Drama se esses traços
ss partes são mais independentes que na obra lirica ou na dra~é.tica.
preponderam sobre os demais.
O poema lirico exige uma a.preensão simultânea e globalizante porque
A palavra drama oferece certa. ambigüidade que convém esclarecer.
cada elemento se inter-relaciona com os demais numa estrutura coesa: Além de se referir a.o ramo genérico, é empregada muitas vezes como
metro, ritmo, sonoridade, aspectos morfo-sintáticos, imagens, etc. A obra sinônimo de peça teatral, outras vezes, como resultante do hibridismo
dramática, com o precipitar da. açao para o final, aumenta. a tensão de composicional da tragédia e da comédia. A fim de estabelecer a dis-
tal sorte que cada parte se organiza em função <!_as demais. tinção, o 2·amo genérico pode também se denominar Dramática.
Não é licito afirmar que na obra épica se anule a visão de conjunto, Vimos que o narrador apresenta a ação progressivamente, através
mas ~ particularidad~~ª-9..JmP.Prtante{> que os episódios ganham de descrições e análises, com maior ou menor detalhe, estendendo-se
vida relativa.mente autônoma. O centro do Orlando Furio1Jo é o amor não longamente. Tal procedimento não é adequado à obra dramática, pres-
correspondido do paladino pela belfssima Angélica. :N'wnerosas duplas sionada. a uma economia de meios, devido .ao fator tempo, já que a du-
amorosas circulam no vasto poema, com suas estóri:J.s própria:; e inde- ração da peça se limita a algumas horas. A ação épica ou romanesca
pendentes que, não obstante, se enlaçam ent: e si em conseqüência dos se expande no espaço e no tempo, deslocando-se à vontade de um lugar
fatais desencontros e imprevisíveis encontros cas personagens, cujos con- para outro, do passado para o futuro; a dramática acontece no pal®, no
flitos se ligam tenuemente ao fundo comuri1 da luta medieval dos cris- momento da representação, coagida a uma. seleção de lances num ritmo
tã.oi! contra os pagãos, dentro da ótica rrna:;centista de Ariosto. cênico acelerado.

114 115
A profusão de personagens e incidentes do mundo épico dispersa o
tam 05 detalhes e os episódios numa encenação que durava em média
enfoque do narrador, que se demora em cada parte, importante em s1
três dias e, às vezes, quarenta. Verifica-se uma quebra da tensão dra-
mesma e praticamente alheia ao final. A viSão setorial épica cede à vi-
mática, para a entrada maciça da épica, pois na verdade, os aconteci-
são globalizante dramática, que se volta para o que vai acontecer e ins-
mentos são mais narrados que representados. Não é sem fundamento
tiga a açã-0 para o fitial. Esta preocupação com o desfecho demanda que
que Auerbach aproxima esse espetáculo da grande arte plástica das igre-
as partes se relacionem entre si e com o todo, numa interdependência'
jas medievais, com a visão panorâmica e sucessiva da realidade em
em que nada funciona isoladamente. Devido a ~te caráter basilar, fil!li~
ger denomina~º- a essência dramática. diversas cenas justapostas, como no teatro.
De forma idêntica aos casos anteriores, a essência dramática não se
efetua em sua pureza, mas há autores que timbram no efeito da tensão, Fenômenos estilfsttcos
entre os quais Racine, .cujas peças se desenrolam cerrada.mente, sem
Maneira àramáttca - F'icou claro que, na obra lfrica, a relação entre
manifestações supérfluas, a partir de um momento inicial conveniente-
mente urdido para o desfecho. 0
aut~ mundo i de envolvimento e, na épica, de confronto, num
aumento progressivo do diStanciamento, que reclama a presença do nar-
A fábula de sua tragédia Britlintco se resume no seguinte: o jovem
rador, na qualidade de mediador do relato.
imperador Nero, que por ardis de sua mãe Agripina usurpara o trono a
Na obra dramática, o autor desaparece atrás do mundo criado., ~
Britânico, irritado com sua presença, manda-lhe raptar a noiva, Júnia,
espécie de realidade independente, onde os acontecimentos se desenvol::
por quem se apaixona, embora não correspondido. Agripina, temendo
que o pretendido casamento de seu filho com Júnia abalasse seu poder vem autonomamente, sem a interferência do narra.do;:.
na corte, alia-se ao preceptor de Nero, Burrus, que quase o convence a . Assim se justifica. a necessidade do alco, como representação do
renunciar a seus intentos. Narciso o incita à traição e ao envenenamento mundo, diante do qual o espectador a5slste ao desenvolvlmE1to da aç~
de Britã.nico. Júnla refugia-se entre as vestais e Nero entrega-se ao por intermédio das personagens.
desespero. Para Aristóteles, o objeto da mfmesis recai sempre sobre as ações ~
A peça tem inicio quando todas as forças se acham concentradas personagens, mas quanto à manetrãda sua realização, destacam-se duas
para o desfecho. São brevemente evocados os antecedentes que levaram fundamentais, a. narrativa., que estudamos, e a dramática. que faz as
Nero ao trono e seu reinado de três anos, sob o controle de Burrus e próprias personagens aparecerem e agirem diante de nós. A ação se de-
Agripina. Sequioso de poder, não suporta mais o jugo e Britâ.nico serve senrola através de acontecimentos que revelam as personagens, situadas
de pretexto para a explosão do monstro latente. TUdo converge para o num determinado lugar e numa certa época,
sentimento de rivalidade, ódio e ganância de Nero, desde a primeira A ausência. da. mediação do narrador para a. apresentação dos fatos
cena, intensificando-se o conflito numa tensão avassaladora que arrasta decide a importância capital das personage~ que, na opinião de Décio
inevitavelmente para o assassínio de Britânico. de Almeida Prado, constituem praticamente a totalldade da obta, uma
Muitas vezes a ação se relaxa em episódios desnecessários à meta vez que tudo se passa. através delas.
final e em sacrifício da tensão. o exemplo mais elucidativo encontra-se Lembrando que drama em grego signific~ ~ compreendemos que
nos mistérios, isto é, espetáculos religiosos medievais, como o Mi3tério este é 0 ~lemento n'Ucleãr do teatro, mais relevante ai que na obra épica
de Adão. Esse tipo de teatro organizava uma ampla representação que ou romanesca. O teatro representa a ação, o romance e a epopéia narram
e.barca a história do homem, desde a queda de Adão até o Jufzo Final, a ação. o mesmo objeto ou ação pode ser c"cmcebido segundo a maneir_a
ou então a vida de um santo ou de Jesus, do nascimento à morte. Avul· narrativa ou a dramática, de acordo com a preferência. do autor: a pri-
meira apresenta progressivamente, a segunda representa tensa.mente.

1"16 117
c_oncentraç~ -A tensão dramática, dinamizada pelo alvo a alcan- que escassas referências. os teóricos do Renascimento e do Classicismo
çar, impele a ação e suprime todo exces8o. Deste aspecto provém a con- conceberam a doutrina das três unidades - ação, tempo, lugar - que
centração ou densidade, já defendida por Aristóteles, que atribuía ao se arregimentou entre os estatutos da administração criadora. Essa ati-
mais concentrado um prazer maior do que aquilo que vem diluído,. tude repercute a visão intelectualista da época, que entendia o ato
criador como .Produto do esforço lúcido da razão e sujeito a regulamen-
IPor se achar no :final o objetivo da trama e por existir cada partti
somente em função do todo, não se admite retardamento na ação iieni tação intransigente.
desperdícios de pormenores. A unidade de açfu>, que condensa num todo coeso a ação principal
e as acessórias, acrescenta-se a unidade de lugru,-, numa imposição de
. . . Convém restringir o tempo, economizar espaço e escolher concentrar toda a encenação às vezes numa única sala ou aposento,
um momento expressivo da longa história, um momentQPõüêo ~ a idade de teIDPo, que se restringe no máximo a vinte e quatro
antes do final, e daí desse ponto reduzir a extensao a uma
'!lllidade sensivelmente pall)~el, para que ao lrivés de pârtes; horas e no mínimo à daração real do espetáculo.
grupos coesos, ao mvêsae pa5sagens isoladas, o senfado glooal As regras das três unidades encontraram em Racine seu represen-
fique claro, e nada do que o espectador deva fixar se perca 11.
tante mais genuino. Essa rigidez, no entanto, não é apanágio dos auto-
Foi o que verificamos no Britltnico de Racine, que restringiu o tem- res de gênio, haja vista Shakespeare que. passa por cima das unidades
po do desenvolver da ação, escolhendo o momento expressivo do rapto de lugar e de tempo, modificando a cena e dilatando a ação durante
de Júnia para dar inicio à tragédia, quando os sentimentos de Nero semanas ou meses, sem com isto desmantelar a tensão dramática. As
estavam suficientemente maduros a ponto de evolverem rumo à decisão cenas de Romeu e Julieta se desenrolam em praças públiCM e ruas de
do assassinato de Britânico. Cada parte adensa o encaminhamento do Verona, em vários aposentos e no jardim da casa de Capuleto, na cela
desfecho. A intervenção de Agripina e Burrus atuam no sentido de inci- de Frei Lourenço, no cemitério e no túmulo da família de Julieta. O
tar a obsessão de domínio em Nero, ávido por sacudir a incômoda tutela. tempo se estende por alguns dias, entre o primeiro encontro de Romeu
A súbita paixão por Júnia precipitou a eclosão do monstro, durante tan- e Julieta, o banimento de Romeu, a combinação do casamento de Julieta
to tempo reprimido, que só aguardava um móvel para subir à tona. com Páris, sua simulada morte na data da cerimônia e a morte dos dois
amantes.
As unidades - O imperativo da concentração e do sentido global
Mas a unidade de ação se mantém densa na trama de todos os
mobilizado em direção ao desfecno, se conexiona à unidade de ação,
mais significativa na obra dramática que na épica. Sacrifica'-'se a uni- acontecimentos, em torno da desavença das familias Capuleto e Mon-
dade, caso se entrelacem muitas ações. Isto já era do conhecimento de tecchio, que obstou a união dos jovens.
Aristóteles, para quem a ação deve organizar-se una e inteira, c~ Diálogo - o diálogo é a ~a natural de as personagens desenvol.-
partes de tal modo entrosadas . que a simples supressão ou deslocamento . verem a ação, emancipadas do narrado!". O monólogo não .chega a con-
de uma dela.S basta para transtornar ou mutilar a totalidade. tradizer a situação dialógica,· por constituir recu:::so para a personagem
O teatro medieval carece da unidade de ação, emaranhando-se no expressar os próprios pensamentos, indi'spensáveis ao decurso da trama.
abarrotamento de episódios que dispersam a densidade dramática. o inesquecível monólogo em que Hamlet profere a frase proverbial "Ser
Na Poética, Aristóteles só formula explicitamente o principio da uni- ou não ser, eis a questão", além de ser a expressão da dúvida existen-
dade de ação; quanto às unidades de tempo e lugar, notam-se não mais cial do homem, se insere no dinamismo da peça, sombreada pelo sen-
timento de hesitação da personagem central, após o desmoronamento
dcs valores do seu mundo.
15 STAIGER, Emil. Op. ctt., p. 135.

118 119
Como o gênero dramático assenta na tensão dos · acontecimentos Espécte& do gbiero dram<1ttco
a ontados para o desfecho, a.s ersonagena se armam em fun ão do uJ
há de Vir. Anatol Rosenfeld assegura que, para se produzir uma aç~ - Tragédia - Para Aristóteles, a tragédia é a m!mesis de uma aç!Q
através do diálogo-, este deve contrapor as vontades das personagens, importante e completa,, num estilo agradável, executada por personagens
isto é, revelar atitudes contrárias.
que representam os homens melhores do que são, a fim de suscitar pie-
dade e terror e obter a catarsis dessas emoções.
O que se chama, em sentido estilístico de "dramático" re-
f~re-se. particularmente ao entrechoque de vontades e à' ten- Não pretendemos discutir o significado da catarsis. O efeito catárti-
sao ~nada P?r . um diálogo através do qual se externam con- co da tragédia foi alvo das mais acaloradas discussões, contando-se, des-
cepçoes e ObJet1vos contrários produzindo o conflito G. de o Renascimento até hoje, com mais de 150 posições acerca deste ver-
O entrechoque de vontades entre Nero e os que apóiam a causa de
dadeiro enigma_ Registra-se uma tendência marcante para interpretar
Britânico provoca o conflito que somente o diálogo pode transmitir. a catarsis no sentido de purificação e descarga de emoções.
No século XVII Boileau exalta o "doce terror" e a "encantadora pie-
A ação, provinda do choque de intesses opostos, antes de chegar ao
dade" da tragédia, que deve ser fecunda em nobres sentimentos.
desfecho, passa por momentos chamados_ nó, reconhecimento, perii)é{?~.
clima'? · - Muitas tragédias rastrearam a linha aristotélica. e retiraram seus
argumentos de situações históricas ou lendárias de maior ou menor re-
Entedemos por nó o conjunto de interesses que destrói a situac@
levo, com personagens de excelsos valores morais, selecionadas da aris-
inicial para encetar a ação. O nó de R,omeu e Julieta é o encontro dos
tocracia, classe considerada detentora das virtudes heróicas. Em Fedra,
jovens e seu súbito amor, que entra em conflito com a posição dissidente
das duas famílias. Racine recria, a partir de Eurípedes, a princesa vitima de uma paixão
culpada por seu enteado Hipólito. Não obstante esse amor incestuoso, o
A passagem da ignorância ao conhecimento denomina-se reconhect- próprio autor reconhece, no prefácio da tragédia, os elevados sentimen-
mento, que se realiza, por exemplo, quando Julieta vem informada de tos de Fedra, seguindo à risca o figur.ino das excelências nobiliárquicas:
que Romeu assassinara seu primo Tebaldo e fora banido de verona. nem culpada nem inocente, a princesa se toma vítima da cólera dos
Peripécia é a mudança da ação contrariamente ao que se esperava. deuses. Fedra possui todas as características que Aristótel~ aJ2QIWLpara
Romeu se haVia casado ocultamente com Julieta e agtiardava a ocas~ o herói trã&ko. capaz de despertar a compaixão e o terror.
de tomar o fato conhecido, quando provocado por Tebaldo, mata-o e é Quer obedeça ao receituário classicizante, quer enverede por· .um ca-
obrigado a deixar sua esposa. Em toda peça contam-se vários reconhe- minho mais livre, a tragédia contém sempre personagens que vivem uma
cimentos e peripécias. irreparável desgraça. staiger assevera que "quando se destrói a razão de
uma existência humana, quando uma causa final e única deixa de exis-
O clfmax aparece no ponto culminante do conflito, depois do qual tir, nasce o trágicq"- o~o é o esfacelamento do sentido último e
a trama deve terminar, como, por exemplo, o suicídio de Romeu, ao absoluto de uma existência a ex losão do "mundo" do homem.
supor Julieta morta, levando-a a idêntico fim.
Em Frei Luís de Sousa de Garrett, Madalena de Vilhena, na supo-
Todos esses momentos se expressam pelo diálogo, no dinamismo da sição de que seu marido havia morrido, casa-se com Manuel de Sousa
ação assestada sempre para o desenlace ou desfecho. Ccutinhd, tendo nascido desta união Maria. o regresso do primeiro ma-
rido provoca o extermínio da família porque a desonra destrói a lógica
6
de sua existência: Maria morre, Manuel e Madalena vão "amortalhar-
ROSENFELD, Anato!. Op. Cit., p, 23. se» nos hál';tos religiosos.

120
121
A personagem trágica, quando não se suicida, termina louca ou pros· • MoUêre explorou todos os ridículos humanos, acentuando seus tra-
trada sob os escombros do seu mundo. Fedra, depois de lutar desespera- ços de acordo com o procedimento adotado pela comédia, que exagera
damente contra sua paixão fatídica, não resiste à vergonha e se :Suic!da. a ;im de tirar partido do efeito cômico. Em O avarento, o dinheiro é a
Nero sofre um acesso de loucura a seguir ao assassinato de Briti :r:! co. paixão de Harpagon, a aspiração última de sua existência. No momento
porque perde Júnia, em quem projetou sua ânsia de poder. Madalena e em que 0 velho usurário descobre o furto de seu tesouro, alucinado, gri-
Manuel vão esconder-se, prostrados à beira da ruína de suas vidas. ta por socorro no auge do desespero. Moliere insiste nos excessos da per-
O sentim1mto trágico se estriba num fracasso que derruba o ideal sonagem, tornando a situação engraçada e não dolorosa:
supremo de um ser, como a virtude de Fedra, o poderio de Nero, a hon·
ra de Madalena e Manuel. E o amor de Romeu e Julieta. Ai de mim! ... Meu pobre dinheiro, meu querido di~heiro, ~eu
rande meu adorado amigo! ... Privaram-me de ti .... E visto
Comédia - Assim como o trágico não se encontra só na tragédia, ~ue fo~te arrebatado, perdi minha razão de ser, meu consolo,
minha alegria! . . . Tudo acabou para mim 1. . . Nada !Ilais tenho
mas em qualquer obra que mostre o naufrágio de um homem, 0 cômico a fazer no mundo! ... Longe de ti é impossivel continuar a vi-
também está presente em toda a literatura, desde a epopéia de Homero ver!. .. Não posso mais 1.
aos romances de Cervantes, Balzac ou Machado de Assis. o trágico e 0 o roubo produz a explosão do mundo de Harpagon, que seria trágica.
cômico correspondem a necessidades vitais, os dois pólos entre os quais se 0 objeto da angústia fosse outro. Mas o dinheiro não tem acesso ao
o homem oscila', quando se eleva acima de si mesmo ou rasteja nas pró- território do sublime e circula sob a jurisdição dos valores escorregadios.
prias limitações.
E se por ventura se torna vicio, como em Harpagon, pode levar o homem
Apesar de o côm1co invadir muitas áreas literárias, se apresenta em a derrapar ou se esborrachar, nunca a soçobrar com a dignidade trágica.
sua maior pureza na comédia, concebida especificamente para realçar Tem razão 0 velho Aristóteles ao afirmar que a comédia executa a
seus traços.
mimesis dos maus costumes, pois se compraz nos defeitos mais ridiculos.
Aristóteles conclui que a tragédia mostra os homens melhore·s do ·Esses defeitos se afiguram como sustentáculo do mundo das persona-
que são e a comédia os representa piores, inferiores, fixando o ridículo gens, elementos em torno dos quais giram suas vidas. Por serem defeitos,
gue se encontra num defeito: Compreende-se por que ainda m século são mesquinhos e amesquinham o horizonte do homem. O autor cômico
XVII, época em que a aristocracia goza de prestígio, as per se. nagens os apreende e carrega os seus traços para levar o ridículo à zombaria.
principais da tragédia pertenciam às classes mais altas e as da comédia No Auto da compadecida, Ariano suassuna sublinha caricaturalmen-
venham da burguesia e do povo. As virtudes heróicas, que na tragédia te através das cascatas de astúcias de João Grilo, os preconceitos do
provocam admiração, se transformam na comédia em imperfeições e ca- P~dre, cheio de respeito humano, a hipocrisia melada do sacristão, a.
coetes, alvo de zombaria.
aquiescência passiva do padeiro, a leviandade oca de sua mulher ou o
Na tragédia .e na comédia o olhar recai sobre algo que constitui o enfatuamento medíocre do Bispo.
centro de interesses do homem, o objeto que dá sentido à aventura exis- Na tragédia acompanhamos o aniquilamento do herói que se alçara
tencial. A ~a ridiculariza esse objetivo e, em vez de valoriz;-;~ a altissimos vôos. o homem se investe de grandeza sublime porque as-
derrocada, nega-nie importância e escarnece-lhes a razão de ser. A es- pirou a uma dignidade coerente e profunda.. Na comédia, a pretendida
tupefação trágica cede ao motejo diante do disparate. Naturalmente o dignidade, se não for autêntica, mas superficial, vem desmistificada para
objetivo em que se empenha o herói trágico se inclui _n a esfera das gran- gáudio da platéia.
dezas do homem; o que atormenta a personagem cômica, deita raízes
no terreno das baixezas.
T MOLIERE. o avarento. Rio, Ed. de Ouro, 1965. p. 184.

122 123
cessiveis à representação lógica, passaram a interessar os autores teatrais
A mistura das especzes do género dramático - A pureza dos gêne-.
que, sem conseguirem transpor tais vivências para o plano do diálogo,
ros e a delimitação de suas espécies, ponto de honra da estética clássica,
já ::ofrera um acinte com a tragicomédia barroca. criam nova linguagem para as expressar.

Victor Hugo, no seu prnvocactor Prefácio de Cromwell, se arroja con- Eugene O'Neill em Estranho Interlúdio acrescenta ao diálogo real os
tra as regras que estandartizavam a criação poética, ferindo de morte pensamentos mais recônditos do eu profundo das personagens, supe~­
a famigerada pureza dos gêneros, em desacordo com os ideais de liber- pondo os dois planos. As dimensões do passado e do presente, da re~ll­
dade dos românticos. Promove a dissolução das fronteiras e prega um dade e da alucinação se permeiam, sem demarcações nítidas, em Vestido
hibridismo que amalgama o mais elevado sublime da tragédia ao mais de Noiva de Nelson Rodrigues.
imprevisível grotesco a que possa chegar a comédia. o tempo linear do teatro tradicional vem substituído pela simulta-
Para Victor Hugo, a sumidade poética do seu tempo é o drama, "que neidade das vivências do tempo interior. As formas oníricas do incons-
funde num mesmo sopro o grotesco e o sublime, o terrível e a bufonaria, ciente, desconexas logicamente, anulam as leis do tempo e do espaço, em
a tragédia e a comédia". oposição à tensão da essência dramática; eliminam a situação dialógica
que segurava o conflito e a ação d,o teatro tradicional. Atualmente vários
Sem tanto estardalhaço, mas numa oposição sistemática e conscien-
autores relegaram a segundo plano as situações passíveis de serem vi-
te à tragédia clássica, o chamado drama burguês do século XVIII des-
vidas pelo diálogo, em concessão à prioridade das vivências inconscien-
monta os marcos divisórios, numa posição daqui e dali ao mesmo tempo.
tes e não comunicáveis.
Hauser declara que a mera eYJstência de um drama elevado cujos pro-
tagonistas eram os burgueses, expressava a pretensão dessa classe em As visões do eu profundo configuram a. mesma atmosfera irreal do
ser levada a sério, como a nobreza. Com isso dá-se uma relativização e romance contemporâneo, também sob o impacto da descoberta das zo-
depreciação das virtudes heróicas aristocráticas, passando o burguês, que nas subterrâneas do homem, que invadiram a. literatura e abriram no-
antes só aparecia em cena com finalidade cômica, a assumir trágicos vos temas para o enigma do ser.
destinos.
A influência das regras que nortearam as doutrinas clássicM, decor-
O melodrama também já se antecipara aos românticos, em idêntica rentes das interpretações de AriStóteles, provinha em parte da necessi-
disposição anticlassicista, numa mescla de patético e brutal, em lingua- dade de criar a verossimilhança, largamente discutida na Poética. A ~
gem ora trivial, ora empolada. rossimilhançQ. produz no. espectador a ilusão de viver a ação cênica. Uma
das car~cterfsticas da dramaturgia moderna, a ruptura da ilusão, não
Essas investidas contra a dramaturgia preparam lentamente o ca-
deixa 0 espectador se identificar com o que se passa no palco, induzindo-o_
minho para a dissolução da estrutura rigorosa que susteve as produções
a se diStanciar da cena para observar e julgar, sem os envolvimentos
teatrais até o século passado. A ação que, durante milênios, forneceu o
emocionais de outrora.
suporte do drama, atinge agora, muitas vezes, os extremos da inação na
qual os antigos heróis se deseroízam em anti-heróis. Em Seis P ersonagens à Procura de Autor, Pirandello dissipa a. ilusão,
com uma ação que é em parte a busca de ação pelas personagens que
Da atitude dos protagonistas decorria o conflito, num encadeamento
invadem a cena, declinando suas razões para poderem representar.
de acontecimentos entrelaçados por uma lógica de causa e efeito. o tea-
Brecht, no intuito de impedir os atores de se transformarem nas perso-
tro clássico devassa o íntimo das personagens, ancorado no porto segu-
nagens, faz com que eles saiam do papel, rompendo o espaço e o tempo
ro da rsicologia racional. Essa garantia de penetração começa a vacilar
ilusório da peça, como no Pequeno Organon, para conversarem entre si
a partir das descobertas psicanalíticas de Freud, que fazem aflorar o
ou se dirigirem ao público. No Auto da Compadecida, de Ariano Suassu-
mundo dei inconsciente. As profundezas das regiões abissais do eu, ina-

124 125
na, depois que as personagens morrem, assassinadas pelo Cangaceiro, o Anatol Rosenfeld empreendeu um arguto estudo sobre o traços épi-
Palhaço explica ao público que a cena vai mudar e manda os defuntos cos no teatro, em que a mediação do n~rador se faz sentir cada vez
se levantarem a fim de ajudarem a modificação do palco. Quando tudo mais intencionalmente.
está preparado para o julgamento, no outro mundo, Palhaço quer saber Ora, 0 palco não é privilégio do Drama, haja vista a encenação de
dos atores quais os que estavam mortos e ordena: "Deitem-se todos e composições liricas. Estaria a Épica caminhando para o palco? O teatro,
morram". as tendências épicas, não estaria fadado a se tomar mais épico
Cada época possui seu estilo, expresso em todas as produções cultu- com Su tar
do que dramático? ;a: cedo para. responder. Talvez até para pergun ·
rais e artísticas, que evoluem, acompe.nllando o calendário histórico. To-
do texto literário está indissoluvelmente preso ao contexto histórico e
social do tempo e se conjuga às demais manifestações culturais, numa
Epilogo
ge.ma de características afins.
A evolução industrial, tecnológica. e cientifica de nosso século ver-
Várias tentativas foram feitas no intento de interpretar a tríplice
tiginoso alterou o comportamento do homem, que vive hoje sob o signo
divisão dos gêneros como logicamente necessária, transpondo as fron-
da mundança, num repúdio ostensivo a tudo que traz a chancela do pas-
udo tradicionalista e decrépito, estranho aos recentes valores instaurados. teiras do território literário.
11: natural que os gêneros literários sofram o infiuxo da voragem re- Victor Hugo aproxima 0 desenvolvimento da espéeie humana ao da
formadora e busquem formas inéditaa, que se adptem à nova visão de poesia, dividido em três periodos, na. seguinte correlação:
mundo. Assim se explica a urgência d.e instaurar modelos literários ori-
ginais na Lírica, na ltpica e no Drama. idade fabulosa _ > lirice. --> juventude
O homem de nossos dias é um ser perdido num universo sem fron- --> épica _ > virilidade
antiga.
teira$, à procura de s1 mesmo, à espera das respostas para as novas per- moderna - > dramâ.t1ce. - > velhice
guntas oriunda de sua inquietação de sempre.
Eduardo Portell~ define com muita propriedade a literatura como Segundo Victor Hugo, a sociedade humana. começa a cantar o que
"uma forma de manifestação totalizadora do real, de tudo aqUilo _que ~"· nbe. (lirico)depois canta 0 que faz (épico) e por fim pinta o que
·Estruturando-se o real nas relações globais do homem com as coisil.S, :nsa. (dramá.~ico), devendo tudo na vida passar por essas três !ases,
concluimos que todas as inovações da literatura são as tentativas do es- sem exclusividade de nenhuma delas:
critor para. revelar a nossa realidade palpitante e às vezes apocallptica.
n 11
a tout dans tout; seulement il eztste dans chaque choseY.n:
élément générateur auquel se subordonnent tous les autres, et qui
Conclus4o impose à l'ensemble son caractere propre 8 •

A tensão que constitui a essência dramâtica, caracterizada por fe- (Tradução: Há. tudo em tudo; apenas existe em cada coisa um
elemento gerador ao qual se subordinam todos os outros e que
nômenos estilísticos apropriados, não parece corresponder às realizaçõe8
impõe ao conjunto seu caráter próprio)·
do teatro moderno. A recordação e a apresentação, mesmo nas mais
arrojadas composições, persistem essencialmente na Lirice. e na ltpica.
Terá o Drama chegado a uma encruzilhada de sua trajetória? s HUGO, Victor. Cromwell. Paris, Nelson, Editeurs [a. d.], p. 30.

127
126


·b'lidades fundamentais da existência huma:
roático representam as possi 1 . . .
Numa outra pe:·spcctiva, mas dentro da concepção unificadora, Ja- correspondendo aos três níveis descritos por Cass1rer.
kobson dete~mina a co:-resi:ondência entre as estruturas lingüísticas e os ~. A evolução do homem primitivo ao moderno registra o percurso do
gêneros literá7ios: ç1· gurativo e ao lógico, que por sua vez se correla-
estágio sensorial ao .i
Lírica - 1~ pessoa (função emotiva da linguagem): o eu fala cionam às gradações sílaba, palavra e frase, ~n1ância, juventude - e m~-
. d presente e futuro. Apesar de vistas em sucessao, nao
J;;pica - 3ª pessoa (função referencial> : fala-se de algo tundade, passa o, - · l damente· só
Dramática - 2~ pessoa (função conatival: fala-se a alguém se admite considerar nenhum nível dessas gradaçoes iso a ,
na sua unidade indissolúvel. .
Da mesma forma que os gêneros, uma função lingüística não se Os planos do sensorial, do intuitivo e do lógico conv~ve~ no h.omem
arroga privilégios de exclusividade, só de predomínio sobre as demais. sílaba e a palavra na frase. Ident1co fenomeno
da mesma forma que a , t do
Na composição literária pontifica a função poética da linguagem, entre- se observa nas dimensões temporais: a criança contem a s~men e t
tanto, em consonância com o relevo das outras três funções, temos a • • ç• ·a Não é poss1vel cor ar
j ov
em 0 velho prende suas ra1zes na m.ianc1 . .
determinação dos gêneros. ' t s e um depois por ser
uma fatia do tempo e fragmentá-la de um an e '
estrutu ra unitária em que coexistem passado, pr_ esente e
Verificamos que Staiger se preocupa sobretudo com a essência dos . o tempo uma ól d um
gêneros. Além de "conceitos fundamentais da poética", a que·s tão envol- futuro. Tal raciocínio corrobora a impraticabili~ade ~o monop 10 e -
obra, mas sua existência s1multanea com a prepon
ve a problemática do Homem: gênero em qualquer
<A Poética) se anuncia como uma contribuição da Ciência da derância de um deles.
Literatura para o problema da Antropologia Geral, quer dizer, Em resumo do exposto acima, apresentamos o seguinte quadro:
ela esforça-se para provar como a essência do homem ap!!.rece
nos domínios da criação poética 9. épico dramático
lirico
<apresentação) <tensão)
<recordação)
Cassirer, ao estudar a evolução àa linguagem, estabelece o seu de-
senvolvimento em três níveis: sensorial, figurativo e lógico. A partir do
principio de que a consciência lingüística, originariamente, se vincula à 1
V
l
V
l
V
consciência mítica, a fase sensorial assinala a criação dos deu.ses mo- figurativo lógico
sensorial
mentâneos, quando a emissão oral não possui designação fixa. Na etapa
figurativa, a palavra. no seu sentido mitice, se concebe na qualidade de
ser substancial. Isto quer dizer que a palavra ainda não se arvora à
V
\ l
V
\
V
frase
condição de signo de um objeto, mas é o. próprio objeto, numa identifi- silaba palavra
cação concreta. Somente após um lentíssimo caminhar do concreto para
o abstrato, o homem atinge o grau de elaboração do signo lingüístico
que, ao invés de unir o nome a uma coisa, remete-o à sua representação \
V
l
V V
maturidade
mental; nesta última fase, a lógica, a palavra se destaca do objeto, infância juventude
abstratiza.-se e se torna conceito, veiculo do pensamento.
Ora, as esferas do sensorial ou emotivo, do figurativo ou intuitivo, \

-----
do lógico ou conceitua! constituem a realidade do ser humano, a sua V V V
própria essência. Para Sta!ger, os conceitos do lirlco, do épico e do d~-

» STAIGER, Emil. Op. ctt., p. 197.


passado
'
presente
~
). EsstNca J>O HOlllE?4
futuro
t/
129
128
A recordação lírica, como diz Staiger, "é uma volta ao seio matemo
no sentido de que tudo ressurge nãqileie estado pretérito do qual _ Ap.álise da narrativa
a1,.,.,n~" p 1st ... emer
~ . or o se associa ao passado, à. infância, ao grito emotivo silá-
bico do estágio sensorial. A apresentação épica toma presente, defrol!J&
de nós. a ocorrência relatada; 8.§. coisas desfilam ante os olhos do nar-·
rador, revestido do encantamento surpreso da ~entude, em_gue a Este capitulo pretende ser uma introdução didática às principais
palavra assume sua força na descrição do ~do descoberto. A te~ teorias sobre a narrativa, inadvertidamente rotuladas sob o nome co-
dramática proleta oara o fuj;uro o acontecimento,_ numa visão m~ mum de Estruturalismo. o que se denomina atualmente "Análise estru-
que conexiona logicamente os fatos, como as pálavras na frase.
tural da narrativa" é uma pesquisa dispersa, conduzida individualmente,
Assim, a problemática dos gêneros, longe de s; restringir ~os âmbi- com acusadas divergências (o que, longe de constituir um defeito, pos-
tos da História e da Critica literárias, invade as áreas histórica social sibilita um diálogo construtivo), ainda em pleno processamento.
antropológica, llngülstica, filosófica. Os vários ramos do conhe;imento' •
diversificados nos seus setores específicos, dão-se, todavia, as mãos rum~ Se investigarmos suas origens longinquas vamos encontrar a Poética
ao tesouro escondido no fundo dos tempos, num empenho com~ em e a Retórica aristotélicas e sua posteridade clássico-moderna; mais re-
decifrar o enigma do Homem: a sua Verdade. centemente e de maneira direta, a influência dos Formalistas russos,
que a tradução de T. Todorov contribuiu para expandir. Esse grupo he-
terogêneo (poetas, folcloristas, lingüistas, críticos literários) trabalhou,
em torno dos anos 1920-25, especificamente sobre a forma, esquecendo
temporariamente o conteúdo e, de certo modo, reduzindo a literatura ao
seu ser lingüístico. Disperso o grupo, seu espirita reencontrou-se no
Circulo de Praga, essencialmente nos trabalhos de R. Jakobson.
~ evidente que a "Análise da narrativa" recebeu forte impulso do
recente e extraordinário desenvolvimento da Lingüística. Não lhe faltou
também o apoio das pesquisas de Jakobson sobre a mensagem "poética"
<no sentido forte e etimológico da palavra, que ele contribuiu para re-
lançar), nem dos trabalhos do antropólogo Lévi-Strauss sobre os mitos,
abordando, sob outra perspectiva, problemas análogos aos estuda.dos por
Propp.
Em suma, podemos dizer que o "Estruturalismo" constituiu-se como
uma atitude de critica literária quando a mensagem foi buscada no
código, depreendida da análise das estruturas imanentes ao texto e não
mais como expressão de um referente externo.
Que este capitulo de mera introdução a algumas pesquisas funda-
mentais de um certo tipo de critica literária atual desperte o interesse
do estudioso e o leve ao texto do próprio pesquisador.

130
131
1 - Vladimir Propp e "A Morfologia do Conto"
1_ b AustNcIA. Um dos membros da familia se afasta do lar (viagem,
O interesse do livro de Propp, Morfologia do Conto, só apareceu trabalho. guerra, visita, ou morto, - esta, forma reforçada de
realmente quando a lingüística e a etnologia adotaram métodos de aná- afastamento), criando uma situação de perigo virtual.
lise estrutural. Desde a sua divulgação no Ocidente .1, essa pesquisa tor- 2_ c INTERDIÇÃO: inclui seu conteúdo e forma, personagens envolvidos,
nou-se a base indispensável para todo estudo visando a definir modelos motivação. Geralmente, a ordem, súplica ou conselho visam a pro-
estruturais da narrativa. Propp foi o primeiro a tentar descobrir a es- teger a futura vitima da cilada do Mal e, de certa forma, com-
trutura do conto a partir do estudo da fonna ( = Morfologia) e fundar pensar a carência de proteção nascida do afastamento. Mas a
assim a especificidade do gênero <contos maravilhosos 2 russos). Antes narrativa PQde também propor uma prescrição <ir para a flo-
dele, dominavam concepções que pretendiam uma classificação por Has- resta, p. ex.) em vez da interdição.
sunto" (Aarne) ou uma descrição dos "motivos", como unidade inde- 3 - d TRANSGRESSÃO: a interdição é violada, o que possib1lita ao Agres-
componiivel da narrativa (Veselovski). Propp mostra a não-pertinência sor sua entrada em cena. No caso da prescrição, - realizá-la
destes critérios e, ao analisar um corpus de 100 contos populares russos, terá as mesmas conseqüências que desrespeitar o interdito: fa-
descobre que o desenrolar das estórias coincidia sensivelmente, embora cilitar o contacto da futura vítima com o Agressor.
os motivos variassem: é que os nomes e atributos dos personagens di~ 4 - e !NTEl1PELAÇÃO. O Ag:-essor tenta obter informações sobre a futura
verg1am, mas não os seus atos. ~ a constância destas "funções", definidas
vitima ou objeto precioso.
do ponto de vista de sua significação para o desenvolvimento geral da 5 - f INFORMAÇÃO . A informação é obtida, o segredo traido.
narrativa, que garante a unidade estrutural do gênero em questão. Para
6- g LoGRO: o Agressor tenta enganar a vitima para apoderar-se dela
chegar até elas, lPropp fracciona o texto em uma série de ações enca~
.deadas, do tipo: os pais se ausentam, proíbem os filhos de sair de casa ou de seus bens .
7- h CUMPLICIDADE. A vitima se deixa enganar e assim conclui com o
estes desobedecem, o dragão rapta a. princesa, etc. Todos os predtcadol
refletem a. estrutura do conto; os sujeitos e complementos constituem e Agressor um pacto que resultará em dano próprio, ou executa
trama. Ao fim de seu trabalho pioneiro, Propp levantou o esquemE seus conselhos.
básico do conto folclórico russo: 31 funções, que se seguem cronologi·
Até aqui, trata-se apenas de uma preparação à ação, que só se en-
camente, formando uma grande sintagmática. Ei-las:
gajará a partir da função 8. Notamos ainda que as funções 2 e 3, 4 e 5,
o- a SITUAÇÃO INICIAL. Não é propriamente uma função; geralment
6 e 7 apresentam-se copladas, obedecendo ao principio binário de esti-
introduz o futuro herói <nome, nascimento miraculoso, cresc~ mulo/reação . .
mento anômalo, dons e qualidades excepcionais) ou futura viti
a _ A DANO e/ou cAl!tNCIA. o Agressor prejudica um dos membrrni da
ma, definindo-lhes a. composição familiar; faz menção a profe
família: rapto, roubo, assassinato, transformação mágica, subs-
elas, relata um estado de prosperidade vigente ou perdido, suger
tituição, ameaça de canibalismo, extorsão, guerra devastadora.
tempo e espaço indefinidos (Era uma vez ... em algum lugar ••. ) etc. Alguns contos, entretanto. podem iniciar-se com uma Si-
tuação de carência, o que justifica uma busca de satisfação
O livro surgiu em 1928,. em russo. li\ tl'ad. ocid.: 1958 Cingl.). Poste análoga à que se segue quando o Agressor provoca um dano.
rlores: it. 1966 - ingl,' 1968 - fr. 1970. · 9 - B MEDIAÇÃO. o dano é divulgado ou a carência é reconheciilil.
2 No sentido de .a cusar interferência do sobr1matural Cgeralment como premente: apelo ao Herói para que restabeleça o equi-
feérico). líbrio rompido, ou permissão para que ele parta. Esta catego-

132 133
ria de personagem é então apresentada quer como herói-agente, 21 - Pr PERSEGUIÇÃO. O Herói é perseguido em seu trajeto.
quer como herói-vítima. Neste último caso, seu papel é passivo
e sua partida decorre de um "momento de transição" (p. ex. é 22 - Rs SocoRRo. o Herói se desvencilha de seus perseguidores, graças
levado para a floresta e secretamente libertado). Pois o que in- aos auxiliares mágicos recebidos, à sua astúcia ou interferência
teressa à. estrutura do conto é o deslocamento do Herói do providencial.
lugar onde vive. Alguns contos terminam com a volta do Herói, são e salvo.
Outros propõem uma reduplicação: o objeto recuperado é no-
io - e EMPRESA REPARADORA. O Herói-agente aceita ou se dá a missão vamente roubado e nova busca tem lugar. Ainda outros dão

11- t de recuperar o objeto perdido e/ou solucionar a carência.


PARTIDA (do Herói). 23 - O
prosseguimento à narrativa desenvolvendo novas funções:
CHEGADA INCÓGNITO. O Herói volta à casa ou chega a um país
O grupo ABC t constitui o nó da trama que motiva 0 pos- estrangeiro sem se dar a conhecer.
terior desenvolvimento da ação. A narrativa se faz segundo 24 - L IMPOSTURA. Um Falso herói pretende ser o autor da façanha
uma lógica causal: o consecutivo é lido como conseqüente. realizada.
12 - D PRIMEIRA FUNÇÃO DO DOADOR. O Herói é submetido a provas pre- 25 - M TAREFA DIFfcn.. Uma tarefa difícil é proposta.
paratórias por um novo personagem, agora introduzido: 0 26 - N REALIZAÇÃO DA TAREFA. Só o verdadeiro Herói é capaz de cumprir
Doador, - que, gerahnente, ele encontra por acaso em seu a tarefa imposta.
caminho. 27 - Q RECONHECIMENTO. o Herói é reconhecido, graças à marca rece-
13 - E REAçÃo DO HERÓI. A reação do Herói diante do possível Doador bida <17), ao fato de ter obtido êxito na difícil tarefa (26) ou
pode ser positiva ou negativa. Em caso de satisfazer às exi- simplesmente pelos parentes dos quais se perdera há longo
gências da prova, ele recebe o "objeto mágico"; caso contrário, tempo.
ou se desqualifica <Falso-herói) ou haverá reduplicação das 28 - Ex DESCOBERTA. O Falso herói ou o Agressor é desmascarado.
provas.
14 - F 29 - T TRANSFIGURAÇÃO. O Herói recebe uma nova e mais nobre apa-
TRANSMISSÃO. Realiza-se o dom do auxiliar mágico, que pode
rência: riquezas, trajes reais, palácios.
ser um animal (cavalo, águia) ou objeto (anel, espada) ou sim-
plesmente, qualidades extraordinárias que o Herói passa a 30 - U CASTIGO. O Falso herói ou o Agressor é punido.
possuir (força superior, poder mágico). 31 - W CASAMENTO. O Herói se casa e/ou sobe ao trono, ou ainda, rece-
15 - G DESLOCAMENTO ESPACIAL. O Herói é transportado ao local onde be valiosa retribuição.
se encontra o objeto de sua busca.
16 - H LUTA. Confronto entre o Herói e o Agressor. Todas estas funções não estão obrigatoriamente presentes em um
17 - I MARCA. O Herói recebe um sinal em seu corpo e;ou um signo mesmo conto, mas seu número é limitado (31 no máximo) e a ordem
exterior <anel, lenço). em que aparecem costuma ser respeitada. Pode acontecer porém que uma
18 - J VITÓRIA. O Agressor é vencido. função se realize de maneira idêntica a uma outra, em virtude da assi-
milação de suas formas; neste caso, a identificação das funções se fará
19 - K REPARAÇÃO DO DANO ou da CAKÊNCIA. Encerra-se aqui a primeira considerando as suas conseqüências: não há porque confundir uma pro-

20 - ! fase <e a principal) da ação do Herói: sua missão foi cumprida.


VOLTA. O Herói retorna e, em geral, pelos mesmos meios que
empregou para chegar ao local ' Juta.
va (que Greimas chamará de qualificante) de que resulte a recepção
do objeto mágico com outra (principal) que exprima a reparação do
dano, ainda que ambas se passem do mesmo modo.

134 135
A partir da análise de Propp, Claude Bremond tenta definir o qua-
Assim Propp vai definir o conto "maravilhoso" como "uma narra-
dro das possibilidades lógicas da narrativa em geral, correspondendo à
tiva construida segundo a sucessão regular das funções citadas em suas
sintaxe dos comportamentos humanos. Como Propp, ele considera a
diferentes formas". Mas, ao mesmo tempo, ele insiste que determinadas
junção como unidade básica, o átomo narrativo, mas, ao contrário do
funções são especificamente exercidas por um tipo de personagem (dra-
russo, nega a implicação necessária da seqüência das funções. Segundo
matis persona) e constituem a esfera de ação de cada um. Reconhece
ele, três fases resumem qualquer processo narrativo:
sete 3 : Agressor, Doador, Auxiliar, Princesa e seu Pai, Mandante, Herói
e Falso herói. a) virtualidade (que pode ou não atualizar-se). iPara que uma ação
Imensas são as perspectivas abertas pela visão original de Propp: eventual se realize, seu agente deve possuir: informação, moti-
todos os trabalhos de semântica estrutural vão sofrer sua influência. vação, meios de executar o projeto.
Ele descobriu o caráter binário da maioria das funções (interdição/ b) atualização (que pode ou não atingir sua finalidade). Jl: a fase
transgressão; carência/recuperação; luta/vitória; interpelação/informação; da estratégia.
reconhecimento do herói/descoberta do traidor; punição/recompensa, c) conseqüência (positiva ou negativa).
etc.), intuiu a possibilidade de uma tipologia do conto pelos traços dis-
tintivos dentro do quadro de elementos invariantes do gênero (por exem- Esta seqüência elementar é sempre contada do ponto de vista de um
plo, a relação de distribuição complementar em que se encontram, ge- personagem e do papel que este assume (agente ou paciente). Abre:se
ralmente, as duplas H-J e M-N, que parecem excluir-se mutuamente), portanto a possibilidade de um encadeamento de nova tríade ~e funçoes,
definiu a sintagmática da narrativa como o restabelecimento de uma na perspectiva de outro personagem, pois os acontecimentos sao reparti-
situação de equilfbrio, romp-ida pelo dano ou por uma carência. dos segundo a dicotomia melhoria x degradação. Eis um exemplo de
Quando surgiu a tradução inglesa da Morfologia do Conto, a obra seqüência complexa, cada uma com as três fases:
de Propp foi favoravelmente acolhida por Lévi-Strauss, apesar das cri- possibilidade de causar
a)
ticas que originaram a célebre polêmica entre os dois 4, Pesquisando dano
sobre um problema análogo (o mito), mas segundo uma perspectiva pa-
radigmática (como veremos), Lévi-Strauss acusa Propp de dar o código
sem a mensagem (oposição "formalista" x "estruturalista"), de negligen- \
V
ciar o contexto etnog-ráfico e propõe o principio da transformação para b) atualização do dano
reduzir a diversidade das funções a certas constantes.

R E. Souriau tenta demonstrar que qualquer situação resulta da rela- \


ção de for_ças essenciais, de origem cósmica, que são as 6 "funções- V a) Dano a reparar
dmmaturg1cas" dos personagens: 1 - Força temática. 2 - Bem
desejado. 3 - Receptor. 4 - Oponente. 5 - Arbitro. 6 - Força com-
c) êxito da ação >
plementar. Ex.: combinatória destas forças em uma situação de ten- 1
taçã? (cf. gênesis) : Eva - 1 e 2 (Eva se oferéce, tanto quanto a
maça); Adao: 3 - 4 - 5 (Adão será o possuidor do bem desejado V
embora em um certo momento lhe oponha sua recusa" ele é árbitro' b) Empresa repe.radora
na medida em que pode escolher entre o sim e o não); Serpente:'
6 (~djuvant.e de Eva:>. A partir do inventário de Propp e Souriau,
Gre1mas vai construir seu modelo actancial (Ver infra). 1
O texto de Lévi-Strauss ("La structure et la forme") e a respoi;t e. V
de Propp encontram-se em apêndice à edição italiana de "Morfo- e) Vitória
logia della jiaba". Torino, Einaudi, 1966.
137
136
Para conseguir a melhoria de um estado degrada ..o
A "' por obra do O esquema de Dundes consegue classificar, com muita economia, um
gressor, o Herói deve afrontar uma série de obstáculos
i e necessita de material difuso, fazê-lo entrar em um quadro formal comum. Resta. a
me os ade~uados para vencer: dai o aparecimento de outros agentes cbjeção de ter ele pecado às vezes por .simplificação excessiva.
como o aliado (cf. o Doador e o Auxiliar) A '
t · empresa reparadora pode
er o c~á~er. de ~a negociação (implicando em um processo de sedução .2 - Lévi-Strauss e a estrutura do mito
ou de intzmzdaçao), ser francamente agressiva (luta) ou comport
uso da astúcia e da dissimulação. ar o o artigo de Lévi-Strauss "The structural study of Myth", publicado
em 1S55 e integrado à sua "Anthropologie Structurale" em 58, teve a re-
Bremond faz uma análise exaustiva das alternativas que decidem
percussão de um verdadeiro manifesto. Reagindo contra velhas interpre-
a cada passo, o desenrolar da narrativa· sempre fiel à vis- bil t '
de ad - • ao a eral tações retomadas pela etnologia (como as que reduziam o mito à ex-
c a açao, demonstra as articulações fundamentais <estruturas ló i- pressão do inconsciente coletivo, à divinização de personagem histórico
cas) de situações infinitamente diversificadas. g
cm vice-versa, a uma grosseira especulação sobre a cosmologia) e tam-
Importa notar entretanto que a descendência legitima de Propp es- bém contra a invasão de explicações parciais de ordem psicanalítica e
tá. representada pelo americano A. Dundes G, que aplicou a um corpus ;Sociológica, Lévi-Strauss declara que o caráter específico do mito pro-
de contos indígenas americanos o método de análise dos contos folclóri- vém de sua estrutura permanente: O mito é a-temporal e seu valor in-
;os russos. "É bem verdade que, sob a influência de Pike, ele tenta rede- trínseco está na eficácia contínua dos acontecimentos que relata, váll-
:ir uni~ade mínima da estrutura do conto, batizando-a de mottfe-
ª dos simultaneamente no passado, presente e futuro <comportamento
exemplar, diria M. Eliade).
a, mas, fiel ao mestre russo, reconhece a . constância da dupla Dano/
Empresa reparadora como centro energético também do conto america- A substância do mito não se encontra nem no estilo, nem no
no. Entre essas duas funções <ou motifemas), intercalam-se, segundo modo de narrar, nem na sintaxe, mas na história contada. O
mito é linguagem, mas uma linguagem que trabalha em um ni-
Dundes, outros pares também proppianos; vel muito elevado, onde o sentido chega, se podemos exprimir-
nos assim, a decolar do fundamento lingüístico sobre o qual ele
Tarefa difícil / Realização da tarefa começou por rolar. e
Interdição ; Transgressão Por isso, o sentido de um mito não deve ser · procurado ao nível ha-
Logro / Cumplicidade bitual da expressão lingüística: ele depende, não de elementos isolados
que entram em sua composição, mas da maneira como estes se com-
~e ~~::;i:e~l é sempre a passagem de um estado de desequilíbrio ao binam. E ainda mais: as unidades constitutivas do mito não são as re-
nam . . undes demonstra que certos contos americanos cambi- lações isoladas dos elementos entre si, porém, os feixes dessas relações
tarefa
a seqüência DANO ->
Tarefa difí 11
c -->Realização da (mitemas). Pois são as relações entre os mitemas que decidem o sentido
di ão - > SUP~ESSAO DA CAR:IJ:NCIA com a seqüência de Inter- do mito e possibilitam sua leitura.
qu~sta~reV~olaçao: a transgressão compromete o equilíbrio recon- Praticamente, estes feixes de relações se descobrem quando se su-
rênci . narrativa a possibilidade de contar ainda: outra ca- perpõem diferentes variantes de um mesmo mito. Como em uma parti-
a e virtualmente, nova empresa reparadora. . . E assim, indefini- tura de orquestra, o sentido se lê, ao mesmo tempo, horizontalmente
damente.
(episódios míticos, sucessão temporal dos acontecimentos) e verticalmen-
te (feixes de relações, existentes em cada variante e independentes na
5
DUNDES A The mor h l
"Folklore' Feilow
s
eommunícations",
P o ogy. of North Amertcan inc!ian
195. Helsink:i, 1964.
follctalu.
e LEVI-STRAUSS. Anthropologie structurale p. 232. O grifo é nosso.
138
139
diacronia). A primeira leitura; nos dá a estória ("melodia") a . d mes próprios da linhagem de ll:dipo insiste sobre uma certa dificuldade
sua s· 'f' - f 1 , segun a
_ igm icaçao pro und~narmonia"), - segundo a metáfora musi::al em andar, traço característico dos homens no momento da emergência,
tao cara a Lévi-Strauss. IE:ste ilustra o método com 0 exemplo d it ' e freqüente em mitologia) . Estas duas últimas interpretações se confir-
de ltdipo: 0 m o
mam pela existência de situações idênticas em mitos dos indígenas ame-
I II III ricanos. Qual o sentido que se depreende desta análise do mito de .itdi-
IV
Cadmo busca po, concentrada sobre os feixes de relações paradigmáticas? Observamos
sue. irmã
Europa inicialmente uma homologia (analogia de relações) :
Cadmo mata
o dragão 1 : II : : III : IV
Os Spartoi
se exter minam que lemos: a supervalorização dos laços de sangue CD está para a sua
Labdacos (coxo)?
Laios (desajeitado)? desvalorização (!I) assim como o esforço para escapar à crença na au-
Édip<> mata :f:dipo <pés inchados)? toctonia (Ili) está para a impossibilidade em que se encontra uma so-
ll:dipo se seu pai Laios
casa com sua 1':dipo vence a ciedade de reconhecer a geração biológica do homem CIV) , nascido de
mãe Jocasta Esfinge que
morre dois Cmacho ~ fêmea) . Estabelece-se assim uma correlação. O problema
inicial não é resolvido, porque a dificuldade é intransponível, racional-
mente; mas é substituido por outra relação contraditória menos extre-
Etéocles e mada, pois o pensamento mítico tende a uma progressiva mediação das
Polinice se
matam (irmãos) oposições exclusivas colocadas inicialmente. Lévi-Strauss considera o mi-
Antigona enter- to como um instrumento lógico destinado a operar uma mediação entre
ra o irmão Po-
linice, violando antinomias inconciliáveis: por isso uma necessária ambigüidade aparece
interdição no interior do processo dialético destinado a diluir a oposição funda-
mental.
Importa esclarecer desde logo que, para Lévi-Strauss, "o mito se de-
o mito se apresenta, antes de tudo, como um questionamento em
fine pelo conjunto de suas vernões". Nenhuma possui maior autenticida-
torno dos problemas fundamentais do homem. Não são raros os que pro-
de que outia, a despeito das diferenças: a procura de uma versão origi-
curam uma mediação entre a Vida e a Morte. Entre os exemplos possi-
n:l é pois um fa!so problema. Mas cria-se um outro: a impossível soma
veis, Lévi-Strauss oferece este quadro, voluntariamente simplificador:
d_ todas as versoes, aspiração utópica do mitólogo. A análise estnitural
deve, entretanto, levar em conta o maior número possível de narrativas Oposição binária Triade media- Tríade media-
que se liguem, direta ou indiretamente, ao mito-objeto de estudo. Dentro inicial dora I dora II
deste postulado, Lévi-Strauss considera que a versão freudiana do mito VIDA
de ltdipo faz parte integrante da leitura da peça de Sófocles, e não he- Agricultura Herbívoros
sita ainda em interpretar o mito grego à luz de exemplos americanos. Necrófagos
. Retornemos ao exemplo proposto (quadro). Da distribuição paradig-
Caça
matica su?ra-citada, ele depreende o traço comum de cada coluna:
I - relaçoes de parentesco supervalorizadas; II - relações de parentes- Predadores
co desvalorizadas; III - negação da autoctonia humana (monstros cto- Guena
MÓRTE
nianos vencidos == recusa da crença que os homens emergiram da Terra) .
IV - persistência da autoctonia humana (a etimologia provável dos no: 1 LltVl-STRAUSS. Anthropologie structurale p . 248.

140
141
A agricultura é fonte de vida, pois pressupõe o uso alimentar das plantas p'>rém, estas definições são muito relativizadas: de um lado, há uma
cultivadas; porém possui um caráter periódico, isto é, consiste em uma. reorganização mítica da Natureza (Cultura "natural") ; de outro, a Cul-
alternância de vida e de morte. A caça proporciona alimento, mas con- tura tenta apresentar-se como o "natural", o que se impõe por si mes-
traditoriamente nega a vida, pois implica na destruição do animal. A guer- mo, invertendo 11.&.~lm, sua imagem ("pseudo-physis"). A linha de demar-
1.
ra uma caça em que o homem se substitui ao objeto caçado. Os ne- cação entre os dois campos não é bem definida. Segundo Lévi-Strauss a
crófagos são como os . predadores <consomem alimento animal) , porém proibição do incesto e o fogo da cozinha são elementos que operam a
deles se distinguem porque não matam o que comem; os herbívoros for- passagem de um estado a outro. Q CRU, por exemplo, pode Sofrer Uma
necem um alimento animal, sem con·sumi-lo entretanto. Estes conceitos~ transformação cultural passando pelo fogo e tornando-se cozroo, ou uma
como tantos outros, fazem parte do que Lévi-Strauss chama código: or- transformação natural para o PUTRIDO.
ganização dos conteúdos investidos na armadura <estrutura narrativa.. Considerando que todo mito <entendido como o conjunto de suas va-
invariante), mas que pré-existem à sua manifestação no mito. A men- riantes) procura operar uma mediação entre termos em oposição irre-
sagem (significação própria de um determinado mito) só pode ser en- dutível, Lévi-Strauss propõe esta fórmula para sintetizar a dinâmica
tendida, se levarmos em conta o sistema de códigos subjacentes à orga- do processo:
nização da narrativa. A título de exemplo, o código alimentar que infor-
ma uma série de mitos indígenas brasileiros estudados por Lévi-Strauss Fx<a) : :Fy(b) ~ Fx(b) : .F a-1 Cy)
poderia apresentar-se, parcialmente, sob esta forma arborescentes:
EXplicamos: o primeiro termo (a) exorime. em ligacão com o contexto.
o pólo negativo, uma vez que é definido como uma função (sentido ma-
~CRU-------.: COZIDO temático) de /X/; como tal, representa a situação de deficiência que

----
animal
<Jaguar>
fresco
vegetal
-.............
<veado)
--- ----
animal
<abutre)
pútrido
vegetal
(tartaruga)
exige uma transformação. A outra função /y/, dada como positiva e Por-
tanto oposta à primeira, especifica · o termo (b), que representa o herói.
Este aparece como mediador porque é suscetível de assumir também a
função negativa (ambigWdade) na segunda parte da fórmula e, por con-
seguinte, no processo mítico de solucionar o problema inicial. Observa-se
Este esquema nos leva à oposição fundamental que Lévi-Strauss des-
uma permutação de funções e de termos: (a) dado inicialmente como
cobre à base de todos os mitos, se os considerarmos do Ponto de vista da.
termo, inverte-se /a-1/ e se toma função; /Y/ que é primeiramente fun-
humanidade: NATUREZA x CULTURA. n Apesar da extrema fluidez dos con- ção de (b), converte-se em termo, figurando o resultado final do pro-
teúdos at1ibuídos a estes termos, a Natureza pode ser conceituada com<> cesso. Essa permut1:1.çã.o indica, no dizer de E. Kongas e P. Maranda,
um estado primordial, um "continuum" indistinto onde se desenvolve- que o resultado não é um simples retomo cíclico ao ponto àe partida,
riam livremente as relações do homem com os outros seres e com <> anterior à instauração de valores negativos: além da supressão da força
mundo. A esta espontaneidade viria impor-se um princípio organizador~ perturbadora, revela algo mais adquirido em suplemento, o despertar de
articulando prescrições e interdições (regras) e provocando o apareci- um novo vigor.
mento de sistema8 de significação: é o processo da Cultura. Na prática,.. A fórmula de Lévi-Strau.ss se apresenta muito operante nos mitos
em que o mediador tem êxito em sua empresa, mas -parece não convir
a GREIMAS. Du sens. p. 196. àqueles em que se registra um fracasso do herói ou àqueles que não têm
processo de mediação. A titulo de exemplo, tentemos aplicá-la à narra-
• Cf. LltVI-STRAUSS. "Mythologtes". III. p. 152-3. Em Pensée sauvage: tiva da Redenção humana operada por Cristo; podemos propor o seguin-
entretanto, ele reconhece sobretudo o caráter metodológico da dico~
tomia. te Investimento:

142 143
Morte (homem) : Vida (Deus) - Morte (Deus) : Não-homem (Vida) vanos papéis, isto é, pode participar de um
teiior da narrativa, um ou t
ll: preciso entender aqui o lexema Vida na acepção de Vida eterna (fun- o mais campos funcionais coerentes dentro da sintaxe narrativa e or-
ção positiva y), atributo exclusivo de Deus, na fase (inicial) de caréncia u ACTANTE (A) Não existe entre os dois ~onceitos ~a
nar-se assim mn · t' definida
ressentida pelo homem. Este, desde o drama do Paraiso, se encontrava - simples· wn actante (unidade mínima da ·narra iva, .
ad equaçao · . - egundo a ter-
em wn estado de deficiência, condenado à Morte (função negativa x>, o no sentido lógico-matematico e nao s
por sua f un Çã • - . um ou vá-
sem salvação eterna. O herói mediador precisa congregar em si as duas inologia de Propp) -, pode manifestar-se no d15curso por á
funções contrárias: Cristo é Deus e Homem, assume os pecados da hu-
m t d assumir 0 sincretismo de v -
Iios atores e, inversamente, um a or po e
manidade e seu estado, incluindo a morte / Fx (b) /. Pelo seu sacrifício nos actantes:
redentor, abre-se uma Nova Aliança entre Deus e o Homem: este é ago-
A1 A A ..
ra um Homem novo, liberado de sua hereditária escravidão ao pecado, ""-' 2y ~
já Não apenas homem, mas filho de Deus, com direito à Vida etema. ª1

o ator é assim o lugar de conjunção das estruturas narrativas e dis-


3 - A. J. Greimas e a gramática da narrativa
' is é ele que assegura o investimento semântico dos papéis
curs1vas, po .
Tentando conciliar a perspectiva sintagmática de Propp com a vi- actanciais e suas transformações ao longo do percurso narrativo ..
são paradigmática de Lévi-Strauss, A. J . Greimas é levado a propor um Simplificando ao máximo o processo de elaboração da narrativa, sob
modelo de previsibilidade para a descrição das estruturas narrativas. A o duplo aspecto das estruturas narrativas (coluna l) e da componente
gramática transformacional de tipo ternário io (S - V - 0) forneceu ropomos este esquema, que desenvolvemos a
semântica (coluna n) ' P
o modelo: o Verbo exprime uma relação entre dois elementos, Sujeito e
seguir:
Objeto. Mas o discurso, embora inteiramente constituído de frases, se
situa para além da frase: exige uma gramática da narrativa, que vai 1
u
buscar no modelo lingüistico o consenso cientifico.
CONFIGURAÇÃO DISctmSIVA
Greimas distingue três níveis de representação e análise de narra- ESTRUTURA ELEMENTAll
tividade.: /\.
1 - o nivel da manifestação: o discurso \ 1
2 - o nivel das estruturas narrativas
V
l'ERCURSO FIGURATlVQ
J>ROGM'MA NARRATIVO
3 - o nivel da estrutura elementar de significação /\.
A primeira dificuldade (didática) é estabelecer a distinção entre o
que chama ATOR e ACTANTE. O primeiro (a) é uma unidade léxica do dis-
\ 1
V

-----
curso, definindo-se como uma entidade figurativa (antropomórfica, ou FORÇAS ~TICAS

------
l'Al'ÉIS ACTANCIAIS
outra), animada e suscetível de individualização. Pode assumir, no in-
ATOR.

;io Cf. TESNIERE, L. "Esquisse à'une syntaxe structurale". iParis, Klin-


cksieck, 1953.
1 _ ESTRUTURAS NARRATIVAS
145
144
mo ator <a dupla postulação para o Bem e para o Mál: Dr. _Jekill . e
Greilnas opera uma redução de ordem paradigmática ·sobre o inven. ossivel ainda que o Destinatário/Sujeito seJa
tário das "funções" de Propp 'tl e formula, com notável economia, o seu Mr. Hy d e, p. ex. ) . É P óº 1 -
seu próprio Destinador, impondo-se um fazer <ex.: o her i age m
modelo estrutural da narrativa. A esta considera como uma série (e não
pelido por seu sentimento de honra).
sucessão, portanto sem vinculo temporal) de enunciados concatenados,
definidos pela relação formal ( = função) entre os actantes que os cons- Os a éis actanciais são definidos pelo investíme-tito modal (s~-
tituem. Podem ser de dois tipos: P P b poder _ modaliZados em 29 grau, pela categoria
gundo o querer, sa er, • d tiva
a) F: querer (S --> Ô> do SER ou PARECER) i2 e pela posição no desenrolar a _narra .
O Sujeito é modalizado pelo querer; a característica do Objeto é a mediação necessária entre o ator (unidade do discurso~ e
de ser desejado pelo Sujeito. A "distância" entre os dois actantes cria Asseguram grama narrativo
o Actante (unidade da estrutura) e desenham o pro .
a tensão geradora da narrativa, o Objeto sendo um valor virtual, - reimas é constituído por três tipos de sintagmas (que
Este, segundo G • . .
da ordem do ter (conquistar um tesouro, p. ex.) ou do ser (ex.: tor- recobrem a tipologia dos enunciados acilna descrita> .
nar-se magnânimo) -, que o Sujeito procura atualizar: dai a fre-
qüência com que se encontra, nas narrativas, o motivo d!). "busca".
A realização do querer implica entretanto em um saber e/ou poder 1) sintagmas contratuais: F<D 1 --> "
O - > D)
2
jazer: por isso os papéis actanciais da competência do Sujeito são 2) sintagmas de desempenho ("perfonnance > } 0)
suscetíveis de serem assumidos por afores nomeados "adjuvante" ou F<S ->
oponente", segundo exerçam sua influência a favor ou contra a lcjunção (partidas e retornos)
3) .sintagmas de d ~
obtenção do O\Jjeto perseguido. Para tornar mais claro o funcionamento deste modelo. narrativo: ten·
Existe ainda um tipo de enunciado descritivo (ex.: o herói parte) , taremos exemplificá-lo com os dados essenciais da estória de Ant1gona,
mas que subentende a. modalidade do querer, em suas duas eventua- na versão de Sófocles.
lidades: - O herói quer partir = F: querer; s (herói) --> O
(partida do herói)
- Alguém quer que o herói parta = F: querer S (Alguém)
A _ Sintagmas contratuais
--> o (partida do herói)
O contrato instaura os valores (axilologia) e propõe um programa
b) F: comunicação <Dl --> o --> D:.!) anência mas a Uberda-
É uma simulação lingüístir,a da comunicação não-lingüística de um virtual de ação. É uma ordem que aspira à perm , -
""'"' atualizar-se pela transgressao
Objeto (mensagem ou outro) que um Destinador faz a um Destina- de (teórica) do D2 é preservada: e1a· """'e . -
tário. É freqüente, mas não necessário, que um mesmo ator exerça ou ruptura do contrato proposto, provocando uma transformaçao de va-
sucessivamente o papel de Destinatário e o de Sujeito; neste caso, lores e dando lugar à narrativa.
deve-se observar a conformidade (euforia) ou não-conformidade
(disforia) do seu fazer com a comunicação recebida: havendo uma falso 0 secreto e 0 mentiroso, sem
12 Distinção entre o verdadeiro, o 'considerando apenas o universo
disjunção, define-se o papel de Anti-Sujeito, desdobramento por relação com referentes extei:nos, ma:s .. ersonagem" se faz passar
contradição do actante Sujeito. É que a narratividade se apresenta. semântico interior à narrativa. 'Ff· ·m':1
por herói (modalidade do parecer ,
é ~ impostor (falso herói) ;
nserva incógnito (herói
como uma estrutura polêmica, às vezes até no interior de um mes-
0 verdadeiro herói <modalidade< d~e;> c~m:Ucada como verdadeira,
em segredo); uma mensagem sa r •
m GREIMAS, A. J. Sémanttque structurale. p. 172-221. mas é mentira, etc.
147
146
Em Antigana, reconhecemos inicialmente o contrato e ll: canônico o deslocamento do herói entre o lugar onde foi perpetra-
0
Dl o
Leis divinas
-------> D2 do o dano para o local onde vai realizar a sua missão (sintagma de
respeito Humanidade disjunção) .
o Sangue aos mortos familia 1 - A prova qualificante tem aqui o caráter de luta simulada (dis-
cussão) entre Antigona e sua irmã Ismênia. Ambas são D 2 prioritárias
li: um contrato "não-escrito", cujo Dl é, ao mesmo tempo, a Justiça de do C0 ; Antígona deseja que a irmã assuma, com ela, o papel de S deste
Hades (deus dos mortos) e o imperativo do Sangue, que faz da raça um contrato e, por conseguinte, de Anti-Sujeito do C1 • Mas Ismênia se des-
Ser trans-temporal onde o Mesmo se perpetua em um só bloco. o Obje- qualüica (pelo medo e inércia) revelando-se indi..<>n& representante da
to se resume aqui nas honras fúnebras devidas aos mortos, no seu di- estirpe de :Édipo: toda a responsabilldade do Sangue recai sobre Antígo-
reito inalienável à sepultura. Compete especialmente à familia cum- na, que sai da prova com uma qualificação valorizada (coragem e ge-
prir esse dever religioso, que não admite exceção, entre os gregos. nerosidade, - esta palavra empregada aqui no sentimento forte e eti-
Esse contrato "natural" será rompido Por Creonte, que instaura uma mológico: de "boa sepa" = .genos> Paralelamente, Creonte se qualifica
nova ordem política: contrato C <= C ) como Anti-Sujeito de C0 e Dl/S <inclui-se entre os Tebanos) de C1 na
1 0
Dl O sua fala ao Coro: pretende ele o apoio destes anciãos para realizar o
--------> D2 seu programa punitivo, mas estes se esquivam à ação, pretextando o peso
o Estado deixar dos anos. Nota-se uma homologia:
Creonte Tebanos
insepulto
Polln1ce N
Antigana ci:eonte
Creonte representa o Tirano grego: congrega 0 saber e 0 poder, con-
fu~de-se com o Estado, impõe como lei sua decisão pessoal de punir 0 Ismênia Coro
traidor de Tebas, impedindo que lhe dêem sepultura. Recusando c
0 2- A prova principal apresenta-se duplicada:
ator Creonte assume o papel actanclal de Anti-Sujeito, e impondo c , ~·de
Dl da nova ordem. A instauração de novos valores, contrários ao~ pri-
a) Antígona parte, de madrugada, para o campo onde jaz in-
meiros <opasição: antes x depois>, cria um estado de carência, especial-
sepulto o corpo do irmão. Repara o crime, executando so-
mente ressentido por Antigona, a irmã do morto, e a obriga a agir para
bre o cadáver os ritos funerários. Tem como adjuvante a
solucionar o dano sofrido. Tem inieio a "performance".
própria noit.e que a esconde (metonímia de Hades, o inW-
B - Sintagmas de desempenho e disjunção sivel) ; como oponente, os guardas de Creonte.
Mas, chegado o dia, a ação se revela. É a vez de Creonte
Os Primeiros definem o estatuto diacrônico da narrativa. Grelmas sentir como inaceitável a transgressão de suas ordens: faz
reconhece três tipos, segundo suas conseqüências especificas: _ re-descobrir o cadáver e procurar o criminoso.
1 - Provas qualificantes, caracterizadas pela aquisição das moda- b) Antigona retorna, ao meio-dia, paza refazer seu ato toma-
lidaões <querer, saber e/ou poder) que permitirão 0 fazer. nado inoperante pelos adversár:os. Desta vez é ajudada por
2 - Prova principal, que pretende a recuperação dos valores alie- Zeus, ultrajado pelo espetáculo da podridão humana: uma
nados.
tempestade de areia obriga os guardas a fechar os olhos,
3 - Prova glorificante, que trata do reconhecimento do herói e/ou enquanto o herói refaz suas libações. Passado o vento, An-
PUnição do anti-herói. tígona é vista e aprisionada: é herói vencido, caido em
poder de Creonte.
148
149
3 - Prova glorificante. Diante de Creonte, seu Anti-Destinador, An·
tfgona só pode figurar como Anti-herói. Inúteis se tornam as interven- - uma relação de implicação se estabelece entre sl e s2 ou inversa-
ções de Ismênia e de Hémon, pois eles não têm competência para reco- mente; do mesmo modo entre s2 e SI' e vice-versa. Ex.: a não-Vida
nhecê-la como herói e só podem segui,.la na morte (de ·modo virtual no implica. na afirmação dos valores da Morte.
primeiro caso, atualizado,. na segundo). Impõe-se estruturalmente a in-
tervenção de uma inStância superior, a Voz explícita das "leis-não-escri-
tas" a que obedece Antigana: Tirésias. Este "aparece" para reconhecer Além da articulação dos conteúdos investidos, o esquema semiótica
o justo direito <Dike) da ação de Antígona e profetizar o castigo do An- permite, graças à sintaxe das operações prescritas, captar a dinâmica.
ti-herói Creonte. Desesperado e só, diante dos cadáveres da mulher e do da produção de sentido: o processo de manifestação e transformação de
filho, Creonte reconhece a supremacia da Dike que ofendera: dá-se a valores é previsível, pois o modelo postula um percurso orientado: con-
reintegração dos valores, momentaneamente alienados, e a narrativa se tradição --> implicação, ou, se preferirmos, negação e afirmação.
inscreve como um equilíbrio reencontrado: No exemplo dado, leríamos assim a trajetória de Antígona: abandono
operador operador da Vida como valor (s 1 ), já que não se acatam mais as leis divinas e
~~~~~~~~-> C.. = e, naturais d·e respeito aos mortos; a escolha heróica do cumprimento des-
Creonte Antígona
sas leis \enterro de Polinice: sl), cuja conseqüência sobejamente co-
O conceito de estrutura narrativa pressupõe, segundo Greimas, uma
nhecida é a condenação à Morte (s2). Importa notar que, para Antigana.,
instância fundamental em que a substância sêmica recebe suas primei-
o valor positivo se encontra na Morte, onde ela realiza sua vocação de
ras articulações e se constitui em forma significante. Esta Estrutura ele-
mentar, de caráter binário ($ 1 x S 2 l, pode ser desenvolvida segundo as Amor ("Eu não nasci para o ódio, mas para o amor") e se reúne aos
relações prescritas pelo "esquema semiótico'', que apresentamos já inveis- de seu Sangue.
tido para facilitar sua compreensão:
MORTE II - ESTRUTURAS DISCURSIVAS

Voltemos a visualizar o esquema geral do processo de elaboração da


/\ narrativa. Para manifestar-se no discurso, as estruturas narrativas ne-
cessitam de investimento semântico. O ator é o lugar em que os papéis
1 actanciais selecionam as forças temáticas. Manipuladas segundo o pro-
grama narrativo, elas desenvolvem percursos figurativos, que definem a
82 isotopia ao aiscurso. A configuração discursiva representa as "formas do
NÃO-MORTE
conteúdo" em toda a sua virtualidade; são as forças temáticas que, ex-
plorando o plano lexemático 1s da língua, realizam algumas das possi-
Suas propriedades formais são estáveis e precisas:
- sl e s2 mantêm entre si uma relação de contrariedade: um termc
pressupõe o outro, mas se excluem reciprocamente. Ex.: Vida e Morte :ia Lexema: organização sêmica dotada de uma figura nuclear relativa-
mente estável, a partir da qual se desenvolvem outras virtualidades.
- sl e sl são contraditórios: .a asserção de um impulso na negação do realizadas ou não conforme o contexto do discurso. Ex.: cabeça (le-
xema); extremidade <figura nuclear); quebrar a cabeça (sema con-
outro: a não-Vida é a negação dos valores positivos da Vida. textual) . Cf. Sémantique structurale, p. 43 sg.

150 151
bllidades de expansão de certas figuras do discurso u, autorizando certos menta desses dados ordena-se segundo a perspectiva marxista-le!l.inista
percursos figurativos; excluindo outros: fundam assim a especificidade do renovada por Althusser. Influência dominante exerce também a proble-
cliscurso como forma de organização do sentido. Para exemplificar, re- mática da desconstrução do signo, operada por Derrida (conceitos de
tornemos a Antígona: o Sangue é ai uma das forças temáticas domi- "escritura e diferença") , e a "lógica do significante", definida por Lacan.
nantes, assumida pelo ator Antígona quando executa o papel de Sujeito b) o estatuto da Semiótica. Inicialmente definida como "ciênc~a
do contrato C 0 e Anti-Sujeito de C 1 ; decide o percurso figurativo do geral dos signos" <Saussure), a semiótica viu inverter-se a sua relaça.o
herói e o integra no movimento irresistível para o Mesmo, que caracte- com a Lingüística: de englobante pas·sou a englobada <Barthes: "Elé-
riza os mitos do ciclo. tebano: dá à Morte de Antfgona o sentido de ments de Sémiologie") , pois qualquer sistema do significação só é acces-
conjunção (definitiva> com o Mesmo, re-citando o destino de l!:dipo, sivel através da lingua. Além disso o desenvolvimento espe~ac~lar da
determina sua preferência por Polinice em detrimento do amor de Hé- Lingüística (gramática generativa e transformacional) contnbmu para
mon, marca Ismênia pela fraqueza de sua presença. nesse ator. fortalecer uma tendência a aplicar modelos lingüísticos aos estudos se-
Na aplicação de seu método de análise das estruturas narrativas mióticos. Sob 0 impu1<;o da dialética marxista, Kristeva redefine o esta-
Greimas postula o emprego conjug~do dos métodos dedutivo e indutivo tuto especifico da semiótica como ciência das práticas signif~cantes,
como abordagen8 complementares: partir da teoria (modelo de previsi- devolvendo-lhe sua primeira amplitude. Este conceito de prática, de
bilidade) e descer ao texto, mas também remontar deste, através das capital importância, merece u!l1 apelo à explicação de Althusser:
estruturas discursivas, para conferir a validade do modelo narrativo.
Por prática em geral entenderemos todo processo de transf~­

4 - Julia Kristeva e uma Introdução à (sua) semanãllse


\ mação _ ~fetuada p~lo trabalho humano e utilizando determ -
na.dos 'meios _ de uma matéria prima em um produto. O Jle-
mento determ~ante do processo não é nem a matérla-p ma
nem 0 produto, rr.as a prática, no sentido restrito, o momento
do trabalho de transformação. <Pour Marx>
Se, por um lado, a omissão, neste capitulo, das teorias de Julla \
c) o conceito .de "texto" (e de semanálise como ciêncià do "texto")·
1

Kristeva, - um dos mais ilustres e promfssores representantes do cha-


mado "grupo Tel quel" -, seria imperdoável, por outro, -il. sua aborda- Definir uma estrutura lingüística (tradicionalmente designada por
gem requer uma prévia e efetiva soma de conhecimentos diversificados, texto) como uma prática semiótica abre duas possibilidades para a sua
o que transforma em utopia qualquer pretensão a uma sintese didática. abordagem:
Por isso, tentaremos ·apenas abordar o seu conceito fundamental de 1 _ Tratá-la como um discurso, isto é, como objeto de comu:_iicação
"texto". (e de consumo) dentro do circuito autor-obra-público. lt a posiçao tra-
A r.omplexidade da.S pesquisas de Kristeva pode ser reconhecida em dicional, que esquece 0 trabalho de produção e só vê seu efeito. A obra
três níveis de crescente especificidade em torno do problema "texto" é julgada na sua qualidade de substituto do real, que lhe . ga:~nte o
a) A utilização de um vasto dispositivo teórico-científico abrangendo sentido, sendo seu referente externo (problema do verossiffill) "· Esse
diversos dominios (lógica matemática, filosofia, epistemologia, lingüistl- discurso a Ungüistlca estrutural pode descrever.
ca, teoria literária), que se articulam uns sobre os outros. O remaneja- _ considerá -la como um processo de produção de sentido, p~vi­
2
legiar 0 que é fundamental na linguagem poética (poesia == criaçao) :
trabalho de transformação da matéria-prima que é a lingua. Porque
u Por analogia com o conceito de figura em Hjelmslev <Prolégomenes): 0
Unidades menores do que o Ste e o Sdo saussureanos, tomadcis sepa- se faz como um tecido, uma textura, Kristeva lhe chama "texto". Para
radamente; não-signos que podem formar um número ilimitado de descrever 0 ">i.écanismo de :Seu funcionamento interno apela para a lógi-
novos signos e novas combinações. Ex.: in-trans-porta-vel.
153
152
ca matemática: o "texto" se defin
e como uma /Unção d di
elementos lingüísticos que constit . e ferentes B) geno-texto: trabalhando sobre o significante, sobredetermina, gra-
• uem um sistema de -
engendrando o seu sentido: ,i.. (X conexoes múltiplas, ças às relações de transposição, a estrutura manifestada pelo feno-
dos de conjunção" pelos qua'fs el i •.·• xn). O que importa são os "mo- texto. A função comunicativa deste, aquele opõe a produção àe
es se relacionam criand
.sua "significância". Dai o duplo postulado: ' o o espaço de sentido. No jogo, sem limites nem centro, das articulações de signi-
a) relação do "texto" com a língua é de ficantes, os sentidos insistem <Lacan), despontam, tecem a espessu-
trutivo-construtiva) : ele a questiona ordem redistributiva (des- ra do "text.n".
t· d
lSmo e sua representação, a . • a transforma., desfaz o automa-
Iicantes. re-inventa, praticando um jogo de signt. Em sua tentativa de estabelecer uma tipologia dos "textos", Kristeva
introduz o conceito de ideologema: função <sentido matemático), defi-
b) ele é uma t
permu ação de textos, uma intertextuaztdade· nida no conjunto da intertextualidade, pela qual a história. e a sociedade
enunciados, tomados a outros textos . vários
se lêem na produção do "texto". Distingue três tipos:
tróem no espaço da significância ' se cruzam: se relativizam, se des-
negação) d . lt uma escritura-leitura (função ou 1) 1deologema do sfmbolo, - que caracteriza a sociedade européia até
o corpus anterior e sincrônico: assim parti.. d .
:o:7~:::a~s se escreve nele. Nesta perspectiva, Autor . ,~p~ei~rh:~~ri:ã: o século XIIl. Os simbolos assumem as transcendências universais,
mas apenas as evocam por marcas: são unidades de restrição <Ex.
como entidades fora do texto .
e receptor de um objeto po· to . ' - respectivamente emissor nas canções de gesta, o herói representa a "coragem", a "virtude",
s em circulação _ m
uma "conexão de textos" onde o "t t " , as como o lugar de etc., que não se reduzem entretanto ao personagem-símbolo) . Sua
ex o em tela se escreve ou re-escreve. lógica é anti-paradoxal: as oposições são exclusivas <o bem e o mal
Dentro desta perspectiva generativtsta .
creve ao nível da manif t - ' o sentido do "texto" se ins- são incompativeis; o pensamento mitico, p. ex., não soluciona, ape-
es açao, mas é verdadeiram t d nas oculta a oposição inconciliável 'colocada inicialmente: a media-
remontarmos "verticalmente" à . . en e escoberto se
ções possíveis em um espaço ~u~ szgni/zcilncia <o sem-fim das opera- ção pr-0posta afasta o problema. sem resolvê-lo).
sentido). Dai o desdobrament a e o de autodestrUição e produção de 2) ideologema do signo, desde o séc. XIII ao XX, e que se identifica
o proposto:
A) com o romance. Em comparação com o anterior, refere-se a entidades
~:n:texto: o discurso manifesto, que reflete o processo de sua Pro- menos vastas, mais concretizadas, - ao imediatamente perceptível,
ç _e, ao mesmo tempo, procura dissimulá-lo. Depósito d que é elevado ao nível de finalidade transcendental (Ex. a conquista
operaçao que não se lê em nenhum outro lu ar e uma do objeto amado, transformado em busca da felicidade suprema}. A
Jacente de práticas significantes onde o senti:o ~e:::Se jogo sub- oposição inicial é resolvida. por uma conexão do tipo não-disjunçifo
materialldade da lfn a na própria
gua -, a superfície estruturada insiSte em <paradoxo aceito), o que implica o aparecimento de uma série de
mUflá-la sob a função comunicativa da língua O discurso :a- figuras da ambigü.idade, definindo o percurso romanesco como uma
o(s) sentido(s} efetivamente criado(s) pelo "text.o" enco re transformação.
fazendo ler um
sen tid o "evidente"• "natural"• o que é um l ogro. '
3) o ideologema do trans-signo, que se está con8truindo e. partir do
séc. XX. Procura ainda definir-se, mas já se caracteriza. pelo ques-.
:u Cf~ "La productivité dite texte" ln.
munications", 11. · · "Sémiotike". ou na revista HCom- tionamento da "literatura" <e da texto social burguês) através do
trabalho de escritura no "texto".
154
155
~isteva nos fornece, como exemplo prático de suas teorias uma gressivos, porque recusam a lógica do signo (relação Ste/Sdo) e se ins-
análise do romance Jehan q,e Saintré 16, do qual extraímos este ~odelo crevem no espaço diálogo do trans-signo, Sollers, um de seus represen-
que esquematiza o processo de estruturação do "texto". tantes, afirma de maneira pertinente:

l!: lá, nesta significância onde tudo se anuncia e se repele, mas


indica e encontra uma escritura à sua medida, que a literatura
de hoje tenta situar-se 11.
geno-
texto
5 - Roland Barthes e • anállll8 textual

Barthes reconhece duas tendências capazes de englobar a diversi-


teno-íl-- dade de abordagens que caracteriza o estado atual das pesquisas sobre a
texto atores citações situações análise da narrativa:
':::------' narrativas
l - a que procura estabelecer, a partir de um corpws representativo,
~ i'.11portante notar que a redefinição da linguagem poética propost& um modelo formal, uma gramática da narrativa. Essa estrutura
porrKristeva,. s~rge no momento em que um certo tipo de "escritura" se bá.sica, definida sob a forma de articulações lógicas, uma vez pro-
rea iza na pratica. Mallarmé, Lautréamont, Roussel, Pound e outros ain- jetada sobre o texto, aumentaria a sua lisibilidade.
da, rompem com a "literatura" tradicional e seus "textos" . i 2 - a que considera cada narrativa como um "texto" (pelo menos
à representa - t ' , i enunc ando·
çao, ornam-se a inscrição de sua própria prodl!ção "Les ' quando ela a isso se presta), como um processo de produção de
Chants de Maldoror" e as "Poésies" de Lautré t f . sentido, um espaço de signtficdncia, onde se cruzam outros textos
pl . amon o erecem um exem-
o convmcente: são textos-diálogos: toda seqüência se faz em rela ã~ <intertextualidade) , e que se inscreve na História, não por deter-
a uma outra, de um outro "corpus" e seg d ç minismo, mas por citar 1s o seu código. Essa análise "textual" não
't - . . , . • un o uma dupla orientação ·
ci açao Crennmscencia de outra escritura) e aplicaçéfo <transform - . pretende descrever a estrutura da obra, mas descobrir o processo
operada sobr~ esta escritura). Um livro (outro) está constantem:~~:·. móvel de sua estruturação, na abertura de sua significância.
presente
. _ no livro (em tela) e é a partir dele , em f unçao
-
de ou em opo--
siçao a ele, que "Les Chants de Maldoror" e "Poésics" Situando-se na segunda perspectiva, os trabalhos de Barthes nos
semiologia dos ri· se escrevem. A
. para~igmas -, proposta por Kristeva ao perfilhar con- oferecem, não um modelo, mas um exemplo de leitura do plural de sen-
ceitos dos Anagramas de Saussure, e que implica três t~ses: tido des-velado no "texto". Principio da maior importância, pois não se
1 trata de estabelecer o sentido do texto, nem mesmo de lhe dar um, mas
- . a linguagem poética repousa sobre a infinitude do código.
2 - o texto-literário é duplo: escritura-leitura. de apreciar a disposição da obra para a pluralidade. Sentido não é aq.u1
3 - o texto-literário é uma rede de conexões,
u SOLLERS, P. "Critique de la poésie". ln~ "Logiques". Paris, Seull,
- é um i~trwnento próprio para o tipo de leitura que exigem muitos: 1968.
textos da llteratura contemporânea: "textos" de ruptura, "textos" trans- ,n Barthes Joga com o sentido que este verbo possui em tauromaqu1a.;
segundo a analogia evocada, citar significa aqui: chamar (outro
u "Jehan de Saintré" romance d A d 1 texto) a comparecer e, ao mesmo tempo, esquivar-se lentamente de
KRISTEVA: "Le Úxte du rom~n".' e a Sale, escritcr em 1456. cr_ ter com ele um encontro brutal.
156
157
um significado pleno, como na acepção corrente da palavra; é essencial- "esqaecfmento" de alguns, pois a leitura não visa a fundar uma verdade.
mente uma correlação, isto é, remete a um outro momento do texto a. encerrar o texto em um siStema, mas a re-vela:r possibilidades de sua
<correlação intra-textual) ou a um outro lugar da cultura, necessário abertura. ~as disposições operatórias consistem em:
para a leitura da narrativa (correlação inter-textual). Ao conceito de 1 _ Fragmentar o texto em unidades de leitura <Zexfas), - segmentos
intertextualidade, tal como o define Kristeva, Barthes acrescenta a co- contiguos e, em geral, bastante curtos, seccionados de maneira ar-
laboração trazida por textos posteriores para a compreensão da obra. bitrária e em função da comodidade do leitor para observar a dis-
como fez Lévi-Strauss, citando Freud na leitura que propõe do mito de tribuição dos sentidos.
ll:dipo, veiculado por Sófocles.
2 _ Inventariar os códigos. Semiologicamente, toda conotação aponta
Entre os textos "legiveis", Barthes distingue os que oferecem um
par?- um código, - a articulação de uma voz que participa da tex-
" plural triunfante" (são "uma galáxia de significantes, não uma estru-
tura da narrativa, uma organização supra-textual de notações que
tura de significados"; reversíveis, seus .sentidos não se submetem a ne-
impõem uma certa idéia de estrutura e cuja instância é essencial-
nhum principio de decisão e têm como medida as possibilidades da lin-
mente cultural~ o código (que não será jamais reconstituído) 6 a
guagem) e os que dispõem de um plural modesto (são simplesmente
forma do já-visto, já-lido, já-feito que constituem a escritura do
polissêmicos, comportam um excesso, não de sentido, mas de funciona-
mundo, o Livro.
mento do sentido). Os primeiros, representados por certas obras da
literatura moderna que pretendem ficar no jogo sem-fim de significan- Em s;z, onde faz a análise textual de uma novela de Balzac, Sarra-
tes; os outros, encontrado:; na tradição de uma escritura clássica. stne, Barthes encontra cinco códigos, que enumeramos a titulo de
O acesso a esse plural parcimonioso se faz graças à conotação. Em exemplo:
quatro páginas de S/Z. Barthes, com admirável virtuosismo, faz o pro- 1 - Código hermenêutico: é a voz da Verdade. Exige do leitor uma ati-
cesso da conotação, considerando-a a partir da definição de Hjelmslev: tude de decifr amento. Consistem em seguir, ao fio da narrativa, os
"sentido segundo, cujo 'significante é constituído pelo signo ou primeiro termos formais que constróem um enigma: seu centro, sua formu-
sistema de signüicação, que é a denotação" 21. lação, o retardamento de sua resposta, enfim sua revelação. Para
que a ·n arrativa dure, ei:tre a pergunta e a resposta, - um espaço
..Ste Sdo de "reticência", feito de logro, equivoco, falsas pistas, desvelamentos
--> conc;itação
parciais, etc. Retardar a verdade é constitui-la, pois esta nada mais
Sdo é do que aquilo que se espera e se obtém ao final da narrativa.
--> denotação
Conclui que é preciso conservá-la como instrumento de acesso às corre- 2 _ Código sêmico ou significados de conotação: voz da caracterização.
laçõe~ imanentes ao texto, como marca da disseminação (limitada) de Reconhecer os semas com que o discurso constrói personagens, lu-
sentidos sobre a comunicação linear do discurso, cujo fraseado tem jus- gares, objetos. A ilusão de indlvtdualidade é dada pelo Nome pró-
tamente por função neutralizar o poder revelador do "texto" sob a evi- prio, que funciona como pólo de atração dos semas constitutivo&
dência aparente do sentido denotado. do personagem; este é apenas um "ser de papel'', um produto do
Para proceder à análise textual de uma nanativa, Barthes propõe discurso. Por isso o que parece obedecer a motivações psicológicas
uma série de "disposições · operatórias", - expressãp que ele prefere a <verismo dos caracteres) decorre, em verdade, de uma imposição
"método", pois este pressupõe um sistema lógico visando um resultado estrutural: é o "texto" que decide.
cuja validade pode ser conferida. Ora, o que pretende Barthes é ler um
texto, encontrar nele sentidos, sem pretender à exaustão, e mostrar como
u ct. BARTHES, R. "Eléments de sémiologfe", publicado em apêndice
à edição Gonthier de "Le degré 2éro de l'écrtture", e em "Commu-
despontam (não onde chegam), sem se preocupar em demasia com o ntcations", 4.

158 159
sl por uma relação de dupla implicação <pressuposição recipro-
3- O código simbólico. No texto de Balzac, o campo simbólico é 0 corpo
ca) chama-se seqüéncia. Esta pode ser "nomeada". Ex.: VIAGEM
humano, cujas transgressões constituem a trama da narrativa (Zam-
<seqüência): 1. partir, 2. viajar, 3. chegar, 4. permanecer
binella é um castrado que "contagia" Sarrasine, como a narração
de sua estória "contagia" a dama com quem o narrador estabele- <mlcleos) •
c~ra u~ contrato: revelação do enigma x satisfação sexual). Três b) catálise: são "expansões" que preenchem o espaço narrativo en-
vias dao acesso a esse campo simbólico: a retórica, com a figura tre os núcleos. A narrativa, como a frase, é infinitamente cata-
da Antitese; a da castração, com a destruição do desejo sensual lisável, pois o seu término é um ato arbitrário e externo, não
e de criação artística; a econômica, com o ouro sem origem dos obedece a nenhuma lei estrutural. Ex.: TEATRO: 1. entrada no
.
Lanty e a recusa de uma troca de valores, ao final da narrativa. edifício; 2. entrada na sala; 3. localização na sala; 4. subida do
pano; 5. audição da abertura; 6. entrada da vedette; 7. sau-
4- O código cultural ou de referência: "a grande voz da pequena ciên-
dação da vedette; 8. solo da vedette; 9. saída do teatro; 10.
cia". A citação do Livro, do saber estereotipado ou convencional de
volta à casa. Nessa seqüência, as funções l, 9 e 10 são nuclea-
tipo literário, histórico, psicológico, fisiológico, etc. <todas as for-
res; todas as outras são catálises, pois sua funcionalidade é ate-
mas de ideologia). Ex.: a beleza de Mariannina não é descrita, mas
nuada: são apenas consecutivas, não conseqüentes.
evocada como "a beleza da filha do sultão no conto da lâmpada
maravilhcsa". 6 - Seguir passo a passo a estruturação do texto, através do reconhe-
cimento de seus códigos, sem pretender reconstruir a sua estrutura.
5- O código das ações: a voz do Fazer. Refere-se à organização de
Realizar uma leitura em que o texto se explique, isto é, no sentido
tudo aquilo que aparece como propriamente narrativo, "do que .se
etimológico, se desdobre e mostre a pluralidade de sentido que es-
passa". Geralmente apresentado segundo uma ordem lógico-tempo-
conde a aparência "natural" do discurso. Sarrasine, diz Barthes,
ral <o que vem depois é sentido como causado pelo anterior: con-
é a narrativa de um contrato <de narrar), que não será. cumprido
fusão própria à narrativa. entre consecutivo e conseqüente) cons-
titui a mais forte armadura do legível e material privileg~do para
por causa de uma "epidemia" de castração, que desregra a norma
doo sistemas estabelecidos, baseados na oposição binária (dar /rece-
a análise estrutural. Barthes sugere entretanto, ao contrário de
Greimas, p. ex., que uma lógica cultural preside a organização da ber - masculino/feminino).
narrativa: a lógica do provável, do empírico, do já-feito ou já-escri-
to, - em resumo, do estereótipo. Esse código congrega as "funções"
<sentido proppiano), que podem .ser de doiS tipos: 20

a) nucleares: abrem, mantêm ou fecham uma alternativa canse-_


qüente para o desenrolar da estória; representam os momentos
de risco da narrativa, suas verdadeiras articulações: são neces-
sárias e suficientes. A uma série lógica de núcleos, unidos entre

~0 Em S/Z, Barthes refere-se de passagem à análise das funções tal


como propôs em L'analyse structurale du récit ("CommunicatiÕm"
8) Deixamos propositadamente de lado essa síntese didática feitá
em 1966 (facilmente accessfvel ao estudante mesmo em traduvão)
para nos determos em sua posição atual. '
161
160
Silo Bernardo, de Oracilia.no Ramos, podemos ler, no plano manifesto,
Semiologia e literatura a história. do latifundiário Paulo Honório e os diferentes aspectos de suas
relações de dominação. Por trás desse plano, que parece da.r conta. de
.uma realidade social, descortina-se na análise um outro, onde os fatos
Toda literatura implica numa semiose, isto é, num processo de signi- "objetivos.. narrados pelo próprio Paulo Honório revelam-se 1ee.lmente
ficação cuja produção está ligada ao valar artístico. o alcance profundo como fatos que já entraram estetiza.dos no romance, para falar, não de
desse valor deve ser buscado na articulação do texto literário com a um mundo simplesmente histórico, mas trans-htstórico, onde circulam
História. Em outras palavras, o valor artístico de uma obra parece valores éticos esquecidos ou recalcados.
residir na maior ou menor apreensão que o texto realiza de. situação do Percebe-se assim que a semiose literária transcorre num grau dife-
ser humano confrontado com a realidade da História e do Inconsciente rente da produção significativa do plano da. língua. A semiose llteré.ria
<em especial, o mito, mantido pelas . formações discursivas do Incons- pel'tence, na verdade, a um segundo grau, que tem na. língua <o discurso
ciente>. Isto não significa que o texto literário contenha a figuração da da ideologia) o seu plano de expressão, sua. matéria-prima. vamos tomar
aparência da estrutura social (ou seja, do real histórico) , mas que con- como exemplo comparativo uma outra arte, a pintura.. Na. obra intitu-
tém aquilo que ficou latente na História, já que não foi dito pela lingua- lada. Guernica, de Picasso, a matéria-prima trabalhada. (o plano de ex-
gem. Assim, a obra indica uma falta, uma ausência, que repercutem no pressão) é o conjunto de traços, manchas, cores, que nos leva à percepção
homem. lt, portanto, uma lacuna da História que transparece, como de imagens de corpos de homens e animais despedaçados, aniquilados. O
palavra não-pronunciada, no texto literário. quadro rompe com formas estabelecidas pela. pintura clâssica para se
A História não entra tal e qual no texto, mas irrompe em seu sen- reproduzir a realidade. Mas não podemos de modo nenhum afirmar que
tido profundo. Quando se diz que a literatura é essencialmente forma 0 sentido dessa obra esteja apenas na subversão de um plano de expres-
é preciso esclarecer bem o que isto quer dizer. Forma ai não signific~ são anterior, pois ela alude claramente a um episódio histórico (bombar-
o código das convenções genéricas nem o repertório dos artifícios lite- deio e destruição de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola). Não
rários - não sendo, conseqüentemente, mera oposição a um conteúdo podemos, por outro lado, afirmar que se trata de uma imagem de Guer-
<significado), localizável no plano da referência, no real histórico. o que nica, pois o que vemos é sobretudo o horror que deveria despertar o
se pretende realmente dizer é que a literatura implica num discurso acontecido naquela. cidade. Em suma, vemos poesia nascer do rastro de
simbólico, que não analisa o mundo histórico em sua imedia.tez (assim morte da força. Sentimos eI).tão que, na obra, a forma não se reduz ao
como o faz a linguagem comum), mas da maneira especifica da arte, plano de expressão, pois inclui, indiSsociavelmente, um conteúdo arti-
criando os seus próprios significados e apontando para os sentidos la- culado com o real histórico e com a história. das formas de expressão.
tentes ou recalcados pela História: o não-dito. Tal recalcamento é ope- Do mesmo modo, a arte literária. busca sempre um real através de
rado pelo código, que subordina a mensagem lingüística às regras do seu plano de expressão (no caso, a mensagem lingüística). Esse "real"
jogo histórico, instituindo uma verdade ilusória. A arte literária, em _ que está. além da lingua e só aparece na tensão da mensagem lin-
contrapartida, produz a sua significação de um mOdo tal que se a.oram güística com um outro sistema - aponta sempre para a palavra nã.o-
caminhos para a percepção da dissimulação e da mistificação operada.S dita latente na História. Uma leitura critica do texto literário terá de
pela linguagem comum (regida em última instância por um código, a pesduisar, portanto, a semiose literária, que não se confunde com o pro-
língua> com relação aos fatos do mundo. cesso de significação verbal ..(meramente lingllistico) no texto.
O valor artístico de um texto não se acharia, portanto, em seu sen- 1 - A signlllcação semiológica - :S justamente uma Semtologia da
tido literal ou manifesto, mas no sentido profundo gerado por sua di- Significação que p1opõe em seus trabalhos o critico francês Roland
mensão simbólica, o lugar do recalcado pela Ordem. Um exemplo; em Barthes. E para entender a proPoSta, é preciso explicitar a noção de

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significação. Na Visão de Jacques Berque, a significação é 0 poder do Embora reconheça esse fato, Barthes sublinha a força operatória
sinal - v1sual ou verbal. As civilizações poderiam ser descritas como da significação e vai fazer exatamente dela o objeto de sua Semiologia
campos semânticos ou sistemas de sinais sociais dotados de polivalências <só que, como a significação a que ele se refere independe de qualquer
que, por sua vez, se abririam para as diversas sistematizações: econõ- conteúdo, a Semiologia fica sendo apenas uma teoria das formas> . lll
mi~a, histórica e outras. A Semiologia, ciência dos sistemas de sinais fora da Lingüística que Barthes vai buscar, em seus primeiros trabalhos,
sociais, deveria ocupar-se primordialmente da polivalência dos sinais. o objeto de sua metalinguagem semiológica. Inicialmente, ele recorre à
Para Berque, a significação é termo que designa algo mais profundo mitologia. Com efeito, em sua obra Mitologias, a significação aparece
<embora obscuro) que o sinal, jamais passando por critério de transpa- como o próprio mito. A narrativa de romance, a reportagem, a fotogra-
rência inteligível, como acontece na IJngüistica depois de Ferdinand de fia de jornal, o anúncio publicitário, finalmente os objetos da civiliza-
Saussure. A partir do mestre suíço, a IJngüiStica tem procurado situar ção ocidental são suportes miticos - signijicaçôes. Na moderna sociedade
a estrutura da significação, tanto no· nível dos monemas isolados quanto industrial, o vertiginoso desenvolvimento dos veiculas de comunicação
em suas combinações sintagmáticas. de massa confere grande atualidade a e·sse campo mitico, donde a su-
Retomando as reflexões de Saussure, Barthes define signfjicaç4o posta necessidade histórica da análise semiológica.
como processo de união do significante (plano de expressão _ forma Entretanto, apesar de bui!car fora da Lingüística o objeto da Semio-
fOnica ou visual ou sonora - da comunicação) ao significado (plano logia, Barthes acha difícil imaginar um signo cujo significado esteja
de conteúdo, objeto da comunicação concreta). :s, pois, no ato de pro- fora da linguagem articulada, à qual o homem parece condena.do. Assim
dução do signo (total associativo de significante e significado) que se sendo, o semiólogo se veria obrigado a recorrer ao modelo lingüístico
localiza a significação. Mas, como ele mesmo faz questão de frisar a como mediação necessária para a análise de todo e qualquer fenômeno
simples "colagem" do significante ao significado não esgota 0 ato ~e­ de comunicação humana. Isto não significaria copiar a ciência da lin·
mântico (ou seja, o ato de revelação da significação), pois a relação do guagem, mas procurar extrair da Lingüística conceitos analíticos para
signo com outros signos gera um valor, que dinamiza a significação informar a pesquisa semiológica. lt precisamente este o sentido dos El.e-
dando-lhe mob111dade no conjunto dos signos. ' mentos de Semiologia. Os "elementos" (lfngua/fala, sfgnificante/signtji-
No signo casa, por exemplo, o significante será a sua forma fônica. cado, sistema/sintagma, denotaçáo/conotaç4o> são empréstimos feitos à
O significado é a representação lingüística abstrata do significante casa IJngüistica Estrutural.
- é a "casa" a que nos referimos concretamente no discurso. Quando, Vamos reexaminar os elementos que nos interessam aqUi.
através de um corte (arthrosis) no corpus lingüístico, nós associamos
wn significante a um significado, prodUZimos simultâneamente uma· sig- 2 - Significante/significado - Já foi dito que significado e signi-
nificação. O resultado, neste exemplo, é o signo CASA, total associativo ficante são, para Saussure, as duas faces do signo. Este é, em última
dos dois termos. Mas nos sintagmas casa comercial e Casa dos Orleans análise, uma expressão fónica que nos permite analisar uma realidade.
e Bragança, que têm sentidos diferentes, começamos a perceber que a Mas o termo signo é bastante ambíguo. O filósofo Charles Sanders
relação entre significante e significado toma-se obscura com a mudança Peirce, para. quem "todo pensamento é um signo", procura ir além da
de contexto. O signo casa mudou de valor (logo, de sentido), ao mudar relação significante/significado, introduzindo um terceiro elemento, o
de sintagma. ll: que, explica Barthes, o signo vale por seus contornos, interpretante, que é o signo de um signo e cujo objeto não é o mesmo
suas vizinhanças. A conclusão a tirar dai é que, na teoria da linguagem, do signo primeiro. Assim, para iPeirce, "signo ou representame é um Pri-
não se deve exagerar a importância da significação como relação formal meiro que está numa tal genuína relação triádica com um Segundo,
já que o sentido do agrupamento das unidades é mais rico que o se~ chamado seu Objeto, de forma a ser capaz de determinar que um Ter·
isolamento. ceiro, chamado seu Interpretante, assuma a. mesma relação triádica <com

164 165
(a) sinal - o relatum não tem representação psíquica, sendo além
o Objeto> que ele próprio mantém em relação ao mesmo". Nesta linha, disso imediato e existencial; (b) fndice - não tem representação psiqul-
a stnta:re <relação do signo com outros signos) é um primeiro; a se- ca. e não é imediato nem existencial; (c) sfmbolo - a representação é
mlinttca <relação do signo com o objeto) é um segundo e a pragmáttca analógica e inadequada Ca Justiça ultrapassa a balança, o Cristianismo
<:elação do signo com o Interpretante) é um terceiro. Em Teoria da vai além da cruz, etc.) ; Cd) signo - a relação é arbitrária e exata <não
Linguagem, Peirce é tão importante <talvez mais) quanto Saussure. Tem há relação intrínseca, natural ou simbólica entre a palavra livro e a
sido grandemente esquecido ou então muito mal lembrado. A sua obra imagem livro, que no entanto é recoberta sem falhas por seu relatum> .
reclama wn estudo sério e poderã ganhar a.inda maior atualidade se Para os seguidores de Ferdinand de Saussure, não há. grande con-
confrontada com a teoria psicanalitica de Jacques Lacan, que está apa- fusão, em Lingüistica, entre signo e seus termos afins. O signo é uma
rentemente mais próximo de Peirce que de Saussure. realidade de duas faces <significante e significado), que não se confun-
Voltando à ambigüidade do termo stgno, Barthes observa que ele dem com o todo. Mas, para Barthe::i, o signo semiológico distingue-se do
se insere numa. série de termos afins e rivais ao mesmo tempo: stnal, lingüístico. Como? Para responder, é preciso referir-se às noções de for-
indtce, fcone, sfmbolo e alegoria. Estes termos têm acarretado contradi- ma e substância introduzidas por L. Hjelmslev. Forma é o que se pode
ções entre vários autores, principalmente no que toca a tndice e sfm- descrever exaustivamente sem o apelo a critérios extrallngüisticos. A
bolo. O próprio Barthes, que se dispõe a aclarar o assunto, é acusado substância, ao contrário, é um fenômeno lingüístico que necessita de
pelo lingillsta Georges Mounin de confundir índice com sinal. Para Mou- premissas el~tralingüísticas para a sua descrição. A forma é dada pelo
nin, existe uma distinção entre fndtce ou stntoma e sinal. Diz ele que plano de expressão, pelos significantes; a substância, pelos significados.
tanto um como outro seriam "fatos imediatamente perceptíveis, que nos Mas a~bo·s <substância e forma) se reencontram tanto no plano d,a
fazem conhecer qualquer coisa acerca de um outro fato que não o é", expressão quanto do conteúdo. Há, assim, uma substância de expressão,
sendo conseqüentemente signos. Mas apenas o sinal seria produzido in- uma forma de conteúdo, etc.
tencionalmente com o objetivo de servir de signo. Deste modo, as pala· A diferença entre o signo lingiilstico e o semiológico estaria. preci-
vras da língua seriam sinais, enquanto nos sistemas de segundo grau samente no nivel da substância. Acontece que muitos sistemas semioló-
predominariam os índices-sintomas. gicos têm uma substância de expressão cujo ser n.ão está na significação
Vejamos, no entanto, a explicação de Barthes. Para ele, o elemento (processo que une significante e significado), mas no uso. li': a sociedade
que transforma a função de utilidade (o valor de uso) em significação.
comum a todos aqueles termos é que eles se referem necessariamente
vamos tomar como exemplo o cartão de crédito. A sua substância, ou
a uma relação entre dois relata, duas representações. Mas como esta
seja, a sua função primeira, está no seu fundamento utilitário: a faci-
caracteristica não basta para uma distinção entre todos, ele fornece lidade de crédito, a. não-manipulação da moeda. Mas a sua. posse signi-
outra'., sob forma da alternativa presença/ausência: fica stat us (pelo menos, até há algum tempo atrás), já que só é outor-
<a> a relação implica, ou não implica, na representação psíquica de gada a privilegiados na distribuição da renda nacional. O cartão de
um dos relata; (b) a relação implica, ou não implica., numa analogia crédito desvia-se, ass~ de sua função simplesmente utilitária para sig-
entre os relata; <c> a ligação entre os dois relata <o estimulo e sua res- nificar posição social. ~ a sociedade que confere significação de status
posta) é imediata ou não; Cd) os relata coincidem exata.mente ou, ao ao cartão. Barthes propõe designar o signo semiológico (que Mounin
contrário, um "ultrapassa" o outro; Ce> a relação implica, ou não im- chama de índice ou sintoma) , de origem utilitária, como função-stgno.
plica, numa relação existencial com aquele que faz uso dela. E res·s alta: "Desde que existe sociedade, todo uso é convertido em signo
desse uso". o uso do aparelho de ar condicionado não se dissocia do
Adotando a terminologia de Wallon, que põe de lado fcone e alego-
signo do calor, a capa impermeável é também o signo da chuva, e assim
ria, Barthes chega às definições segut:r

167
166
Para Barthes, um sistema conotado é aquele cujo plano de expres-
por diante. Como seriação e padronização presidem à produção dos são (plano dos significantes) já é constituído por um sistema de signi-
objetos na sociedade industrial moderna, tais objetos são sempre "as nüicação. Por exemplo, na linguagem comum, o signo pedra comporta um
execuções de um modelo, as paroles <atos de fala) de uma lingua, as significante, um significado, sendo a significação o ato de união dos dois
substâncias de uma forma significante" Uma vez constituído o signo, o planos _ ato esse regido por um valor. Isto pode ser representado por E
grupo social pll.'lSa a falar dele como se fosse um objeto de uso. Mas ai (plano de expressão ou dos significantes) R (relação) C (plano do con-
então, essa nova funcionallzação Já precisa de uma segunda linguagem teúdo ou dos significados) : ERC. Temos ai a denotação de pedra, ou se-
<conotada> para existir. ja, aquilo que, no valor semântico de pedra, faz parte da experiência co-
Vamos dar mais um exemplo. Na Bahia, até alguns anos atrás, o
mum dos usuários da lingua portuguesa.
vatapá servia apenas pare. alimentar, era um prato com simples valor
de uso. As nece"ssidades de expansão do turismo levaram as entidades E a conotação? Nasce quando ERC <a. denotação ou primeiro sis-
turfstica.s a mitificar a culinária baiana. E, subitamente, o vatapá deixa tema) torna-se o signüicante ou plano de expressão de um segundo sis-
de ser uma mera utilidade alimentar e passa a signüicar comida batana tema. ou seja, 1) ERC = E (RC). Este é o caso chamado por Hjelmslev
para turistas. Passa a ser signo <índice ou sintoma, diz .Mounin) de de semiótica conotativa e indica um caminho fecundo para o estudo da
baiantdade. Ao comer vatapá, o visitante conhece, antropofagicamente, literatura. Efetivamente, a semiose da arte literária tem uma natureza
a Bahia. A função do vatapá no sistema culinário baiano (se se aceita conotativa que parece ajustar-se à demonstração da semiótica conotativa
que a culinária constitua realmente um siStema) já passou para a ordem de Hjelmslev. A pedra de Drummond é um bom exemplo. Mas é preciso
da conotação. E é precisamente a linguagem segunda da conotação que atentar bem para o fato de que a semiose literária não é instaurada pelo
vai nos permitir falar hoje de vatapá. Reencontrar a função-signo é re- simples desvio ou transgressão do emprego comum de uma. palavra. A
definir antropologicamente aquela parole da "língua" culinária baiana. falha do sistema semântico é uma abertura para o fenômeno da pro-
Em termos de literatura, o que se pode inferir de tudo o que foi dução da significação literária, mas esta não se reduz à simples liber-
dito? Pode-se inferir que, embora a literatura não se confunda com dade de uso de palavras ou de combinação das unidades sintagmáticas
esses "siStemas" <mobiliário, culinário, vestimentar, etc.) sugeridos por da lingua. Assim, quando Guimarães Rosa (no conto Darandina, em Pri-
Barthes, existe em principio um termo comum, que é a transformação meiras Estórias) prefere "voz tonifluente" a "voz tonitroante e fiuente",
do valor de uso (primordialmente comunicativo> da lfngua num siste- não está exercendo uma mera liberdade associativa - o que seria um
ma segundo de significações - as significações literárias, o espaço co- puro fato de discurso. Guimarães construiu aqui um paradigma de mo-
notattvo. A língua é a matéria-prima do processo produtivo em segundo nema criou uma nova oposição, mas num segundo sistema de unidades
grau da significação literária. lingWsticas significantivas, transgredindo a articulação que normalmente
se produzia entre tonitroante/fluente e o sistema lingüístico português.
3 - Denotação/conotação - Essa "produção em segundo grau" le- Evidentemente, essa transgresão subverteu o sentido original dos sintag-
va-nos à dicotomia denotação/conotação. Martinet entende por conota- ma8 combinados, e tal subversão deu maTgem àquilo que tradicionalm:n-
ção tudo aquilo que, no emprego de uma palavra, não integra a expe- te se chama de "criação literária": a significação artistice.. A "criaçao"
riência comum dos membros da comunidade lingüística. A palavra pedra implica sempre nwn "escândalo de estrutura" (Barthes) , mas é preciso
no repertório poético de Carlos Drummond de Andrade não tem o mes- reafirmar que nem todo escândalo da estrutura é necessariamente arte.
mo sentido de pedra expressa na linguagem cotidiana comum. As cono- Em outros termos, não é a mera invenção de palavras, o desvio puro e
tações seriam, para Martinet, tudo o que a palavra pode "evocar, suge- simples da norma lingüística comum, nem o apelo direto à conotação,
rir, excitar, implicar de modo claro ou vago em cada um dos usuários que caracterizam um texto literário. Existem conotações també~ na lin-
individualmente". Assinala, porém, que muitas das nossas conotações pro- guagem co!"''lm. A semiótica conotativa em que se inscreve a literatura.
vêm diretamente da literatura, enquanto instituição.
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"lise ·uma centena de contos folclóricos russos, Propp
não deve ser confundida como um processo acumulador de conotações, Após sub me t er à an .,.
pois implica num processo transformador, com grandes especificidades, estabeleceu algumas constantes temáticas:
tendo a linguagem comum como matéria-prima. A "pedra" de Drum- a) um rei dá de presente a um herói uma águia, que o conduz a
mond e o "tonifluente" de Guimarães não constituem a significação li- outro reino; - dá a sutchenko um cavalo que o leva a out ro rem · o·•
terária em si mesmas enquanto palavras consideradas isoladamente, mas b) um anci ao •
enquanto unidades de um espaço conotativo, de um sistema de segun- c) um feiticeiro dá a Ivã um barco, que o leva a outro reino;
do grau. . d) uma princesa dá a Ivã um anel mágico, do qual saem rapazes.
Pode ocorrer que o primeiro sistema se torne não o plano de ex- que 0 levam a outro reino.
pressão, mas o plano de conteúdo <ou significado) do segundo sistema: Como se vê, apesar da mudança dos atributos ~os personagens, suas
ERC = <ER) C. Este é o caso da metalinguagem, definida como um sis- - ões são as mesmas Baseado nas funçoes elementares <con-
funçoes e aç ·
tema "cujo plano de conteúdo já. é constituído por um sistema semió- ·d adas como unidades constitutivas do conto), Propp chega a uma
tica". Um . extmplo de metalinguagem é a p;ópria Semiologia. :~P~~ogia da narrativa, que pretende dar conta das ações dos contos ana-
Os significantes da conotação chamam-se conotadores e podem ser lisados. antropólogo Claude Lévi-Strauss, ao descrever e interpretar
0
formados por diveri;os signos denotados. Desta formr, as unidades do os mitos aproxima-se do método de Propp, embora ultrapassando-o cri-
sistema conotado não têm necessariamente a mesma extensão do siste·· ticamen;e. Para Propp, 0 conteúdo dos contos é permutável e arbitrá!io.
ma denota.ao: para significar "nordestinida.de" \trata-se de apenas um sig- Para Lévi-Strauss, que não separa fonna de conteúdo, tudo nos mitos
nificado mítico, referente à propriedade de ser nordestino), o comediante é ao mesmo tempo, sintaxe e vocabulário, gramática e léxico,
na televisão faz um discurso (constituído de vl.rias múdades denotati- ' os semiólogos franceses _ A. J. Greimas, Claude Brémond, Roland
vas) em "sotaque do Norte", abrindo exageradamente as vogais. Esse Barthes, T. Todorov e outros "7'" têm procurado sintetizar as abordag:s
significado seria, para Barthes, um "fragmento de ideologia", estando de 1Propp e Lévi-Strauss, aplicando-as na literatura, filmes_ ou nas ~
estreitamente ligado à cultura e à História. A ideologia seria a forma dos versas produções textuais da indústria cultural. A preocupaçao dominan
significados da conotação, enquanto que a retórica seria a forÍ:na dos t e é a da lógica do desenvolvimento sintagmático da narrativa, ou seja,
conotadores. reduzindo-se abstratamente os textos narrativos, procura-se enfeixar as
ações narradas em conceitos proposicionais, a fim de melhor identificar
4 - O Caminho de anális~ semiológica - Do que foi dito, infere-se as suas relações temporais, lógicas e espaciais.
c:aramente que a literatura não é uma metalinguagem. Nesta última, o Há li"eiras variações entre as linhas de trabalho dos cl.iversos semió-
plano do conteúdo já é um sistema semiótico. Na literatura, o p1·imeiro logos Ba~heS'. por exemplo, preocupa-se com os aspectos técnicos da
siStema semiótico é o plano de expressão. A literatura não se limita a narr~tiva enduanto Todorov tenta catalogar as ações obrigatórias na
falar da língua <como faria uma metalinguagem), mas através e.a lin- ~ visando a elaborar um repertório básico dos modelos de ações.
guagem comum (usada como matéria-prima), ela fala do que não foi narrativ , b""i d pesouiSas por
o semiólogo alemão J. s. Schmidt vê três linhas """ cas e -
dito na História, em seu particular espaço conotativo. parte do grupo francês: .
Uma vez caracterizado o caminho da conotação, a escola semiológica (1) ·a análise das técnicas da narrativa (Barthes):
francesa tem procurado tratar a literatura como um sistema estrutura- (2) a análise das leis ou regularidades que regem o "universo" nar-
do, em cujos componentes elementares estaria assentada a significação rativo <Bremond)' da lógica das ações <Todorov) .' da. lógica das relações
da obra. Na realidade, esta questão começou a ser levantada pelos for- possíveis entre personagens (E. Souriau, Greimas); f
malistas russos, em torno da década de 20, tomando-se clássico no (S ) a análise das relações entre unidades narrativas e sua mani es-
assunto o trabalho Morjologia do Conto Popular, de Vladimir Propp. tação no discurso (relação histórico-narrativa-discurso) ·

171
170
A paraJiteratura vés de seu próprio vazio, como se a vertigem se apoderasse do texto
antes de se comunicar ao leitor.
Utilizando a expressão clicherizada e a significação linear, a parali-
O termo paraliteratura é proposto por Tortel i para abarcar a enorme teratura de imaginação recusa a tensão verbal e, conseqüentemente, tudo
massa escrita reconhecidamente não literária. o prefixo "para" centraliza o que constitui a ação literária. Mas o leitor não reclama da falta de
a dupla acepç~o de_ próximo de e em oposição a. A finalidade principal tensão, ele não pode senão se alienar totalmente na massa do texto. Tor-
dessa nova des1gnaçao é esvaziar as denominações comuns de subliteratura tel arrisca a hipótese de que o poder de fascinação que informa estes
e infraiiteratu:-a que, além do tom pejorativo, têm a desvantagem de vin- textos, provém do fato de serem eles os únicos, nos dias de hoje, a rete-
cular a paraliteratura à literatura propriamente dita numa relação de de- rem em suas linhas a imagem do desejo permanente da espécie humana,
pendência, impedindo o estudo de um vasto campo da escritura dentro a intimidade com o poder supremo. Esse desejo que foi projetado nas
do qual o espaço literário é uma ilhota. Conceber a paraliteratu~ como figuras mágicas e divinas, e agora é assumido pelo herói por nós e em
algo~ e1:1 si, outra coisa que não "má literatura", é 0 primeiro passo para nosso lugar, na medida em que os antigos detentore·s do poder supremo
detfü mmar suas leis e estudar o funcionamento de seus inúmeros sis- são pouco a pouco aniquilados pela racionalização de nossos sonhos.
temas.
A partir destas perspectivas teóricas, decorrem as discussões e os
Colocado em termos abrangentes, verifica-se de imediato 0 enorme estudos de vários aspectos da paraliteratura de imaginação no citado
e variado campo da paraliteratura, indo do simples panfleto de propa- livro dirigido por Jean Tortel, como o melodrama, o romance popular,
ganda e do jornal de moda.S à estória em quadrinhos e ao romance po- as fotonovelas, as estórias em quadrinhos, o romance policial, etc.
licial, das receitas de culinária à telenovela, acolhendo em seu seio uma Aqui nos preocuparemos, embora sumariamente, com o lirismo pa-
incalculável variedade de gêneros e modalidades de expressão. Dai a di- raliterário, procedendo ao exame de um setor específico da para.litera-
ficuldade de, no momento, explicitar as leis que presidem a articulação tura lírica, a Música Popular.
dos sistemas paraliterários.

Tortel propõe uma distinção de caráter geral entre a paraliteratura A teoria paraliterãria
didática - ao lado de que agrupa todos os escritos intencionalmente
Tentar desvincular da literatura propriamente dita todo o acervo
aliterários ou antiliterários, cada um com seu estilo, sua maneira própria
da escritura de massa é, à primeira vista, muito importante, já que as&m
de falar, com o fim específico da comunicação interindividual ou social seria possível tomar a para.literatura objeto de um estudo especifico que
- e a paraliteratura de imaginação, cujo poder de fascinação se exerce pudesse determinar as suas características. Acontece que, no momento
por meios pobres, através da linguagem mais esquemática e sumariamen- atual, isso é ainda impossível. Encarar a para.literatura como algo em
te possível, que é a linguagem da "má literatura". si, como objeto especifico, implica em concebê-la como um tipo parti-
A fascinação reconhecida na para.literatura de imaginação se exerce cular de discurso, cuja especificidade deve ser buscada em função duma
a partir da contradição entre a ausência de uma linguagem verdadeira tipologia geral dos discursos. A partir dai, atendendo à particularidade
do discurso paraliterário, elaborar uma teoria capaz de dar conta da es-
e o poder estranho do relato narrativo; realiza-se por uma espécie de
pecificidade paraliterária do texto. Somente assim poder-se-ia construir
ausência da escritura no interior de si mesma, que faz precipitar-se atra-
o objeto para.literário, distinto de outro qualquer objeto de estudo.
1
TORTEL, Jean. "Qu•est-ce que la paraltttérature" In _ _ et al11 No e·stágio atual, ainda não é possível tal perspectiva. Se no âmbito
"Entretiens sur la Paralittérature". Paris, Plon, i970. · · do literário mesmo, a controvérsia teórica responde pela completa inde-

172
173
finiÇão de seu objeto, quanto mais no campo paraliterário. se 8 litera- Enquanto não se pensar o discurso parallterário no quadro geral dos
tura que é reconhecidamente um tipo particular de discurso, por não discursos e definir-lhe a especificidade, o que se pode fazer é tão somen-
ter definida sua especificidade, acata toda sorte de teoria como literária te enfocar o vasto material paraliterário a partir duma teoria cientifica
quanto mais um campo reconhecidamente heterogêneo e sem limites pró~ qualquer e transformá-lo em objeto da ciência cuja teoria foi emprega-
prios definidos. da para construí-lo. Podemos aplicar uma teoria sociológica e construir
um objeto social, ou uma teoria da comunicação e construir um objeto
De nada adiantará. reconhecer a existência autônoma da parallte-
comunicativo, e assim por diante. E isso de nada adiantará se se preten-
ratura sem definir sua especificidade. Todo o acervo paraliterário con-
tinuará. sendo objeto da sociologia, da psicologia, da comunicação, da de definir de algum modo a especificidade da para.literatura enquanto
antropologia cultural, e nunca se definirá como objeto paraliterário. um tipo particular de discurso.
Os estudos mais avançados do material parallterário dizem res- Isto posto, não resta a menor dúvida de que podemos também, a
peito à cultura de massa e à comunicação de massa, correspondendo a partir duma teoria literária, examinar a paraliteratura em comparação
duas versões da paraliteratura: como objeto cultural, tomada a partir com a literatura. Só que ao invés de estarmos contribuindo para a espe-
duma teoria da cultura, e como objeto comunicativo, tomada a partir cificação da paraliteratura, estaremos, evidentemente, precisando me-
duma teoria da comunicação. E nada de estranho há nisso. De fato a lhor o campo da literatura. Para que o nosso estudo perdesse o caráter
para.literatura circunscreve funções cultural e comunicativa primordial- literário e assumisse um caráter paraliterário, seria necessário que lan-
mente. E mais. A parallteratura utiliza signos verbais e recursos retóri- çássemos mão duma teoria da para.literatura e não da literatura.
cos, desempenha função social, veicula mitos, ideologias, etc., podendo Reconhecendo, dado a carência da formulação teórica, as limitações
ser tomada como objeto lingüístico, social, e assim por diante. De nada de um estudo da paraliteratura, optamos pelo estudo do poético num se-
adianta isolá-la do campo literário, em que é vista negativamente, e tor de dominio tipicamente paraliterário. Nossa intenção será mostrar
circunscrevê-la no âmbito de qualquer outra ciência. Su& indefinição en- que um setor paraliterário lírico, a exemplo de outros, está sendo inva-
quanto coisa em si permanece. A única maneira de estabelecê-la como dido pela poesia propriamente dita. Para isso, a partir duma teoria do·
objeto dum estudo especüico, é pensá-la enquanto discurso, elaborando discurno poztico, abordaremos o setor Música Popular, apontando el:!l seu
um corpo teórico capaz de definir o objeto paraliterário como tal. campo a incidência duma linha poética, ao lado duma linha lírica pa-
Parece-nos também importante esvaziar o tom pejorativo atribuído raliterárla.
aos recursos utilizados pela paraliteratura de imaginação, só por serem Primeiramente, teceremos algumas considerações sobre o discur,so
rejeitados pela lit· A especificidade da paraliteratura deve ser poético e, só então, de posse desse corpo teórico, passaremos ao estudo
buscada exatamen~e naquilo que a separa da literatura e não naquilo em sumário da Música Popular, levando em consideração apenas a letrn
que dela se aproxima. l!: necessário, por exemplo, reconhecer, em contra- poética.
posição à literatura, o caráter não criativo da paraliteratura, a lineari-
O discurso poético
dade e a referencialidade que respondem pela transparência da obra pa-
raliterária, a ausência da tensão verbal e o não questionamento de sua Num livro que reúne uma série de artigo"s críticos sobre o texto P<Jé-
significação, a emoção fácil pela sentimentalização das relações do co- tico, de autores diversos, Greimas 2, a título de introdução, considera o
tiàiano, tudo isso cerno próprio da paraliteratura e não apenas como ex- estado atual dos estudos de poesia, ao tempo em que elabora um corpo
cludente da literatura. Mas nada disso terá importância sem uma teoria teórico capaz de dar conta do fato poético.
que, partindo da especificidade do discurso paraliterário, articule todo~
2 GREIMAS, A. J . et alii. ·~Essais de sémiotique poétique". Paris, La-
esses elementos num sistema de relações. rousse, 1972.

174 175
. Inicialmente, trata de aspectos gerais, optando pela natureza par- rárquica do texto, e não como simples divisão sintagmática. ll: uma ope-
ticular do fato poético que, por essi. razão, não pode ser integrado a uma ração de construção do objeto poético que emerge e toma forma a par-
teoria geral da literatura, considerado como um subconjunto literário de tir do estado de coisw; em que se a.presenta. E a decomposição do signo
textos. Considera a insuficiência do conceito de literariedade para carac- que é o discurso poético, põe em jogo as articulações paralelas do signi-
terizar o discurso literário, já que literariedade traduz um conceito cul- ficante e do significado: o significante estará presente como nível pro-
tural e, portanto, variável de cultura para cultura, tanto pior se a ele sódico do discurso e o significado como nivel sintático.
se inclui o poético. E para delimitar o objeto da semiologia poética, apon- O nivel prosódico reúne as diferentes manifestações supra-segmen-
ta-lhe as seguintes características: tais do plano da expressão, tais como, matrizes comencionais, metro,
a) que o discurso poético não é coextensivo ao conceito de litera- rima, verso, forma gráfica, disposição do texto, espaços em branco, etc.
tura; o nivel sintático, como manifestação do plano do contelldo, corres-
b) que é indiferente, em princípio, à linguagem em que se ma- ponde ao nivel prosódico da expressão. As relações entre os dois fornece
nifesta; um conjunto de articulações suficiente para segmentar e circunscrever
c) que seu traço intuitivo, como discurso ao mesmo tempo "poético o objeto poético.
e sagrado", provém de efeitos de sentido característico duma classe par- A concepção do discurso poético como signo complexo e o reconhe-
ticular de discursos. cimento da leitura como operação de construção do objeto, não é apenas
Desse modo, Greima~ desloca. a problemática. do fato poético para uma medida operacional, mas a própria verificação do postulado funda.-
o quadro duma tipologia geral dos discurses. E aponta a correlação do mental, ou seja, do isomorfismo do plano da expressão e do plano do
plano d~ expressão e do plano do conteúdo, como postulado que define conteúdo.
a especificidade da semiologia poética. A partir desse postulado, reto- Greimas adverte, ademais, que esse isomorfismo se daria no nível da
mando considerações formuladas em outros trabalhos seus considera as estrutura profunda entre as figuras (semas e femas) , dirigindo as posSí-
possibilidades de leitura e os niveis do texto, tecendo com~ntários sobre veis aproximações prosódicas e sintáticas no nível de manifestação.
a organização poética.
Conforme se pode verificar, inclusive mediante a prática de análise,
Dando prosseguimento ao estudo, vem a. postulação do discurso poé- a formulação teórica de Greimas pretende suplantar o nível puramente
tico como um signo complexo. O signo, tomado na tradição saussureana lingüiStico para ler o nível poético do texto lirico.
como reunião de um significante e um significado, tem dimensão sintag-
mática variável: pode ser uma palavra, uma frase e até mesmo um dis- A música popular
curso, desde que se manifeste como unidade discreta. o reconhecimen- o setor Mllsica Popular apresenta-se com todw; as caractersticas do
to, sob aparência de signo lingüístico complexo, dum objeto poético não lirismo paraliterário. De um lado, não há criação perante a Música eru-
é a descrição exaustiva do signo até o esgotamento de suas articul~ções dita, e, por outro lado, não há também criação na letra que é rejeitada
e sim uma operação de construção do objeto que emerge e toma form~ pela literatura. Junte-se a esse traço básico, o caráter referencial e a li-
a partir do estado de coisas em que se apresenta. nearidade da mensagem, a ausência de tensão verbal e o não questiona-
A delimitação transforma o texto em signo poético manifesto, mas mento da sua significação, a emoção fácil e a sentimentalização como
é a leitura, cuja primeira etapa é a segmentação, que, impondo as pró- forma de alienação e evw;ão.
prias articulações do texto, o transforma em signo, depois, estabelecen- Em termos estruturais, reduplica as estruturas comunicativas ro-
do as relações do texto, o transforma em objeto. mânticas, já esgotadas, produzindo mensagens redundantes como con-
A <divisão do texto em partes ou segmentos, que é a. primeira etapa vite à evasão das relações cotidianas. Reafirma a perspectiva subjetiva.
da leitura, se apresenta como projeção de uma. ordem sistemática e hie- diante das paixões não correspondidas, das traições. sentimentais, dos

176 177
pular, compositores cujas obras se sustentam diante duma abordagem
arrufos com as namoradinhas. Tecnicamente, utiliza canais de comun1-
poética, na qualidade de objetos poéticos que são, enq':anto as obras de
caçáo de massa, o que garante sua rápida ~ifusão, facilitada, em termos
outros muitos compositores, se submetidas a investigaçao poética, se re-
de penetração popular, pelas informações redundantes de sua mensagem.
De acentuado caráter comercial, sua classificação depende da consa- velam como produtos parallterártos que realmente são.
gração pública, dai a propaganda que se faz do produto, cujos traços Tomemos um exemplo, o poema. Agora falando sério de Chico Buar-
simplificadores apontados são a garantia de seu sucesso de consumo. que, e verifiquemos como, aplicando a. teoria do discurso poético, impon-
Pelo caráter de evasão, mediante a alienação da realidade circun- do ao texto &uas própriaa articulações, vemos emergir o objeto poético.
dante, é que se pode explicar o consumo da Música Popular estrangeira,
em que o não entendimento da letra carece de .qualquer importância. J!: Agora. falando sério
que o vazio da significação verbal já vem preenchido pela redundância eu queria não cantar
da mensagem, que é o vazio maior do produto. a cantiga bonita
No entanto, o que desejamos assinalar é que, nun dado momento, que se a.credita
por motivos que já discutimos em outro lugar s esse setor pare.literário é que o mal eiipant&
invadido pela poesia propriamente dita. Pode-se dizer que de repente e Dou um chute no lirismo
por circunstância várias, toda uma geração de bons poetas escolhe a um. pega no cachorro
Música Popular e não o livro, como canal de comunicação. Convém fri- e um tiro no sabiá.
sar a enorme distância existente entre a poesia e a letra poética, e assi- Dou um fora. no violino
nalar o aparecimento de um grupo de jovens poetas que não apenas faço a mala e corro
equiparam a letra poética à melhor poesia, mas fazem dela a ma.is sig- pra não ver a banda passar
nificativa expressão poética do momento.
Abre-se então, no setor Música Popular, duas linhas distintas e até Agora falando sério
contraditórias. De um lado o lirismo para.literário, referencial e linear, a eu queria nã.o mentir
emoção fácil do lugar comum, a reduplicação dos padrões românticos. não queria. enganar
De outro lado o lirismo poético, a tensão verbal~ o questionamento da driblar, iludir
sua própria significação, a criatividade. De um lado o discurso parallte- tanto desencanto
rário e de outro o discurso poético. Delimitar os dois lados não é tão fá-
cil como pode parecer, pois, se a delimitação é visivel nos extremos, tor- E você que está. me ouvindo
na-se quase imperceptível em outros pontos. Há autores cuja obra está quer saber o que está havendo
a meio caminho ou na fronteira. E há mesmo compositores que utilizam com as flores do meu quintal?
a. clicherização imposta pela poesia como processo criativo aparente. Só o amor-perfeito traindo
a análise minuciosa de grande parte desse material pode esclarecer. In- a sempre-viva morrendo
teressa-nos apenas assinalar a .coexistência da poesia e do lirismo pa.ra- e a rosa. cheirando mal
llterárlo no setor Música Popular. E, partindo do discurso poético como Agora falando sério
definido anteriormente, podemos constatar, no âmbito da Müsica. Po- preferia não falar
nada que dist~aú:se
a SILV~, Anazildo Vasconcelos da. A poética de Chico Buarque: a ex- o sono dific11
pressao subjetiva como fundamento da silmificação. Rio de Janeiro como acalanto
SOph<>B, 1974 • - .
179
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- falar") e assim não produzir o enunciado poético
Eu quero fazer silêncio mentir/preferia na0 f
("dou um chute no lirismo, etc./o amor-perfeito traindo, etc/quer~ a.~
um silêncio tão doente
zer silêncio, etc.") para que com o seu silêncio a poesia se enuncie < ago
do vizinho reclamar
e chamar polícia e médico ra falando sério") .
e o síndico do meu tédio Trabalhando sobre a consciência do ato criador co~o um . processo
pedindo pra eu cantar ento ou seja de exteriorizaçao/intenorização,
de desve1amento/velam • '
. t - invés de desvelar ("o mal, o desencanto, o sono
cuja mamfes açao ao .
Agora falando sério o mal, driblar e iludir o desencanto, distrair e
difícil") vela-os (espantar
eu queria não cantar 'fícil). o Eu lírico propõe a inversão do processo, ve-
acalentar o sono d l • . ·
falando sério. lando sua enunciação para desvelar a enunciação da poesia.
representar os três primeiros movimentos
o poema faz do ato criador a matéria mesma da elaboração poética, Graficamente podemos
e se realiza enquanto questionamento da sua própria significação. A assim:
tensão verbal referencia o dilaceramento do EU lírico, sujeito da enun-
ciação, diante da tentativa de converter a poesia em signo verbal e da. Recusa do Enunciado
Recusa da Enunciação
consciência de que o poético escapa a qualquer tentativa de verbalização.
Dai decorre o dilaceramento do EU lirico que tenta resistir à solicitação ll \
da poesia à exteriorização poética ("eu queria não cantar"), por ter a V
consciência de que a sua. enunciação quebra o silêncio que é a enuncia-
V pela agressão ao processo
desejo de rejeitar
ção da poesia.. Certo de que sua enunciação encobre a poesia ao invés de de exteriorização (chute,
a. solicitação à tiro), pelo esvaziamento
exteriorizá-la, propõe silenciar para que no seu silêncio possa surpre- exteriorização poética
ender a enunciação da poesia. das imagens poéticas e pela
que ao invés de desvelar
proposição do silêncio
O poeta investe contra o processo lirico ("dou um chute no lirismo") vela outra vez

~
para calar as imagens líricas ("o amor-perfeito traindo/a sempre-viva
morrendo/a rosa cheirando mal") e atingir o silêncio maior da poesia.
E a referência expressa a dois de seus poemas anteriores, a banda e sa-
biá, referencia a intenção de fecundar toda a sua obra com o silêncio
da poesia, dando-lhe nova significação mediante a reelaboração poética.
Podemos dividir o poema em quatro movimentos, do seguinte modo: Velamento do EU lírico'Ç...........___
\ ~ AGORI\ F/\LANDO SÉRIO
Primeiro movimento - 1• e 2• estrofes
Segundo movimento - 3• e 4• estrofes . V /
Terceiro movimento - 5• e ~ estrofes Desvelamento da poesiaL::
Quarto movimento - 7' estrofe Verifica-se então a anulação do EU lírico como condição .para !a.-
o próprio enunciado ("Agora falando sério"), que é a poesia, enun-
Nos três primeiros movimentos, verifica-·se o desejo do EU lirico de :~:-r-se mediante a inversão G.o processo da criação poética.
recusar a enunciação poética ("eu queria não cantar/eu queria não
181
180
~e o Eu lírico, enquanto sujeito da enunciação, encobre 0 ser da
poesia, a estrutura do poema pl'opõe a inversão do processo isto é A Bossa. Nova surge no panorama. artístico como movimento de na-
lar o EU lirico Para no si~ncio de seu enunciado, surpreende; a enu~c~:~ tureza. musical que se impõe pela necessidade de renovação ritmica e
ção da poesia. melódica dos padrões vigentes. Aberta a todas as posibill~ades de cria-
ção e renovação, nisso reside a maior importância da Bossa Nova. E toda
_ Jl: constatação disso o quarto movimento. De um lado há reitera- essa inquietação criativa de que era portadora, atingiria inevitavelmente
çao do EU lírico em fazer silêncio ("eu queria não canta;") e ªd t a letra que deveria veicular uma mensagem poética também à altura das
lado ve T , e ou ro
' n ic~-~e que o enunciado ("Agora falando sério"), perdendo a inovações musicais. Isso já se verificaria, desde o inicio, nas letras de
.mar~a do SUJeito da enunciação, a supres.são do "agora", reduz-se a enun- João Gilberto, Newton Mendonça, Ronaldo Bõscoll, Tom Jobim e outros.
ci~ça~ de si mesmo: FALANDO SÉRIO, como inversão do processo da O triunfo foi rápido e definitivo. E em pouco mais de dois anos, o mo-
criaçao poética.
vimento já se tornava clá.sico, vítima da estabilização de suas próprias
--->velamento do EU Lírico inovações. E tudo estaria consumado, não fosse o aparecimento de um
FALANDO SÉRIO grupo de jovens poeta.S dispostos a lutar a batalha decisiva da Bossa
~desvelamento da poesia Nova: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Capinam, Edu Lobo,
Geraldo Vandré, Sidney Miller, e outros.
inversão do processo de
:il': na priínefra metade da década de 60 que a luta se desenvolve
desvelamento/velamento
em todas as frentes. Sendo a Música Popular, como já fizemos notar, se-
do ato criador.
tor paraliterário, o maior obstáculo está constituído pelas própria. carac-
~ teristl cas do produto paraliterário, tais como: a linearidade da mensa-
do :uAL1A~~ a enunciação da própria poesia em face do silêncio
SÉRIO é gem, a referencialidade, a emoção fácil, a ausência de tensão verbal, o
inca no enunciado poético.
não questionamento da significação. A dificuldade estava em vencer o
Esta consciência do ato criador aparece nesse e em outros poemas vendável da gravadora e o gosto do cantor, para impor o novo produto,
que, tomados como poéticas, articulam a evolução criativa da obra poé- portador de caracteristicas tão diferentes.
tica de Chico Buarque.
Como se sabe, até por volta da década de 50, atrlbuia-se a música
ao cantor que a gravava, o nome do compositor não ganhava o conhe-
Movimentos da música popular cimento público. O sucesso era do cantor, o que evidencia a total depen-
dência do autor a êle e à gravadora, que determinavam a qualidade do
ll: inegável a atenção que a Música Popular Brasileira vem desper- produto. :t contra isso que o grupo vai lutar. O primeiro golpe já fora
tando nas_ duas últimas décadas. E essa atenção merecida deve-se exa- dado pelo próprio João Gilberto ao instituir o intérprete no lugar do
tament~, e o _no~o pensamento, a tomada do setor Música Popular pe- cantor tradicional. E o segundo e decisivo golpe contra o controle da
la poesia autentica. Falou-se muito na década de 60 em 1 - gravadora e do gosto do cantor é desfechado no momento em que os
M· · p ' . evo uçao da
usica . o~u 1ar, e houve mesmo quem dissesse que Chico Buarque e~a próprios autores passam a gravar suas músicas. Com isso eles preen-
neto artistico de. Noel Rosa. Melodicamente não sei até onde isso é ver- chem a imagem intermediária do cantor e ganham a identificação ime-
da~e. Mas, .p~eticamente, o movimento Bossa Nova está ligado muito diata com o público. E, sob este aspecto, não faltou a importantíssima
mais à tradiçao. poética do Modernismo de 22 do que a qualquer tradição contribuição dos festivais na divulgação da imagem do compositor-autor-
por ventura existente na Música Popular. Principalmente na sua fase intérprete e na criação do clima de inquietação e agitação, numa espé-
decisiva.
cie de reedição do clima poético de 22.

182
183
pretendeu salientar que a para.literatura, devido -ao espaço cada vez
Vencida a luta decisiva, _c ada um segue o curso de sua produção poé- maior que ocupa no campo da escritura, está a merecer um estudo pro-
tica, num processo de atualização e sedimentação dos valores conquis-
tados. No final da década de 60, Caetano Veloso lançaria ainda um fundo.
novo grito de guerra com o Tropicalismo, acentuando ainda mais o ca- Falam muito na crise atual da arte, mas os gêneros para.literários
ráter intelectualizado que invadira a Música Popular a partir do movi- desenvolvem-se cada vez mais. Será crise mesmo ou sufocamento? Dian-
mento Bossa Nova. E o saldo de tudo isso é, no presente momento, a sig- te duma arte que se volta sobre si mesma e isola-se no questionamento
nificativa obra poética de alguns compositores que terão de figurar ao de sua linguagem, que se caracteriza pelo experimentalismo, que lança
lado de nossos melhores poetas, sem nenhum favor. seus signos no seu próprio vazio, qual a saída possível? Sendo a llter~­
tura apenas uma ilhota perdida no enorme espaço da escritura parali-
Mas o resumo que fizemos daria a impressão errada de que o setor
- · como insistir na demarcação de suas fronteiras? A paralltera-
t eraria,
Música Popular teria sido conquistado, definitivamente, para o campo ist é li
tm;a se mantém do literário, não poderia ocorrer o inverso, o • ª. -
literário, se não completássemos com duas palavras sobre o movimen-
teratura não poderia estar assumindo os gêneros .tipicamente para.lite-
to Jovem Guarda.
rários, a exemplo do que apontamos na Música Popular, como forma de
Na verdade houve a invasão poética no campo da Música !Popular, garantir sua existência? como justificar as designações correntes como
mas não a sua descaracterização para.literária. Daí a coexistência, que bom romance policial, a. boa telenovela, o bom filme, a boa música. e
0
assinalamos no início do trabalho, de duas linha:;;: de um lado o lirismo
tantas outras?
poético, cujo quadro sumário acabamos de traçar, e, de outro lado, o li-
rismo para.literário que, na fase decisiva da invasão poética, foi susten- Muitas respostas ainda terão de ser dadas.
tado pelo movimento Jovem Guarda.
A Jovem Guarda - cuja denominação evidencia sua ligação com a
tradição para.literária, a Velha Guarda - assume as características ex-
ternas da Bossa Nova. Isto é, superado o cantor, a Jovem Guarda lança
também o intérprete, superados os ritmos tradicionais, a Jovem Guar-
da busca ritmos novos, sintoniza a expressão vocabular com o momento,
e assim por diante. Convém frisar que Isso não quer dizer que se possa
atribuir criação ou mesmo inovação ao movimento Jovem Guarda. A
apropriação de recursos cristalizados é bem uma característica paralite-
rária, já que a paraliteratura, recusando a ação criativa, se sustém da
retórica clicherizada e do lugar comum literário. Desse modo, e é o que
nos interessa assinalar, a Jovem Guarda representou uma resistência
contra a descaracterização paraliterária da Música Popular, imposta pela
Bossa Nova, garantindo a coexil!tência pacifica das duas formas líricas.

Conclusão

Nosso estudo é reconhecidamente sumário e parcial, ma.S não podia


ser de outro modo pelas razões que já discutimos. De qualquer modo,
185
184
BURNSHAW, Stanley. The three revoZutions of modern poetry. In:
~sewanee Review", 1962. 2 v.
CAMPOS, H. de. Morfologia de Macunaíma. São Paulo, Perspectiva, 1973.
CANDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira. S. Paulo, Martins,
1959. 2 V.
- - - - - et alii. A personagem àe ficção. S. Paulo, Perspectiva, 1972.
Bibliografia sumária CARNEIRO LEAO, Emmanuel. Fundamentos teóricos da poética. Apon-
tamentos de aula de um curso de igual nome, na Faculdade de Letras
da UFRJ, 29 semestre, 1971.
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