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Figura de impulso, muito usada para marcar o final de uma frase (especialmente
no final de uma peça ou de uma seção), geralmente na voz mais aguda de uma textura,
enfatizando a última nota da melodia. Muitas vezes é a conclusão de um trinado
(recurso típico do período barroco). Abreviada aqui como “Ant.”, é quase sempre
submétrica e normalmente não acentuada.
Do ponto de vista harmônico, é a antecipação de uma nota do acorde seguinte.
Tradicionalmente as antecipações são preparadas por grau conjunto e seguem na mesma
nota, conforme a ilustração:
Figura 1 – Antecipação
RECEITA DE ANTECIPAÇÃO:
- Pegue uma nota de um acorde que esteja localizada em tempo forte (ou parte
forte de tempo) e coloque-a também em uma fração de tempo que a antecede,
mantendo-a na mesma voz e na mesma altura.
2
Figura 2 – Escapadas.
RECEITA DE ESCAPADA:
- Pegue um movimento ascendente ou descendente, na mesma voz, entre notas
de acordes consecutivos1.
- Acrescente entre elas um grau conjunto em sentido oposto. É essencial que a
nota acrescentada não pertença ao acorde em questão.
Piston (1987) aponta uma variação da escapada, à qual se refere como reaching
tone2: nota estranha ao acorde atingida por salto e resolvida por grau conjunto. Os
exemplos a seguir mostram duas notas de acorde e, respectivamente, o acréscimo de
uma escapada (E) e de uma reaching tone3 (RT) entre elas:
1
As escapadas da figura 2b e 2c tomam por base, respectivamente, os seguintes movimentos entre notas
de acordes consecutivos da figura 2a: Si-Dó (soprano) e Lá-Sol (tenor).
2
O autor aponta ainda a semelhança entre estas e a cambiata usada no contraponto do séc. XVI.
3
Em tradução literal seria algo como “nota de alcance”.
3
Figura 4 – Apojatura.
Acima temos o caso mais típico de apojatura: aproximada por salto ascendente e
resolvida por grau conjunto descendente (repare que as notas de acorde no soprano
seguem por grau conjunto ascendente). Alguns autores mencionam também a
aproximação por grau conjunto ou mesmo pela mesma nota (que geralmente faz parte
do acorde anterior).
RECEITA DE APOJATURA:
- Pegue uma nota de um acorde que inicie em tempo forte e troque-a pela nota
que estiver um grau conjunto acima (procedimento mais comum) ou um grau conjunto
abaixo, resolvendo-a em seguida na nota de acorde que estava substituindo.
4
Figura 5 – Suspensão.
Ocorre em tempo forte ou parte forte de tempo, porém é mais suave do que a
apojatura por ser uma repetição da nota que a antecede. Conforme indicado na figura
acima o padrão melódico e métrico da suspensão é composto de três etapas: preparação,
suspensão e resolução. Raramente a fase de suspensão dura menos de um tempo.
Geralmente há uma ligadura entre a nota de preparação e a nota suspensa, mas
segundo KOSTKA & PAYNE (1989) também há casos em que a suspensão é atacada
diretamente (notas repetidas)4. Analisando a suspensão como uma forma suavizada de
apojatura, o mais importante a se perceber, afinal, são os diferentes graus de tensão
dessas figurações melódico-harmônicas: a apojatura atingida por salto é a que mais
enfatiza a nota fora do acorde, ao passo que a suspensão sem ligadura (ou apojatura
preparada) torna essa nota menos chamativa e a suspensão com ligadura suaviza o efeito
mais ainda.
RECEITA DE SUSPENSÃO:
- Pegue duas notas de acordes seguidos em grau conjunto descendente na mesma
voz;
- Prolongue a primeira destas notas sobre o acorde seguinte de forma a fazê-la
ocupar um tempo forte (ou parte forte de tempo);
- Resolva por grau conjunto descendente.
A suspensão é um recurso que permite colocar uma dissonância em tempo forte
(ou parte forte de tempo), tendo sido uma das possibilidades de tratamento dos
4
Quanto a isso Piston (1987) tem outra opinião: a de que as suspensões sempre contêm uma ligadura de
prolongamento e que, do contrário, trata-se de uma apojatura preparada.
5
intervalos de sétima5 sobre o baixo antes destes passarem a ser compreendidos como
nota de acorde6.
Os tipos de suspensão mais comuns, nos quais uma dissonância resolve em um
intervalo consonante, são identificados como 7-6, 4-3 e 9-8 (intervalos da suspensão e
resolução, contados a partir do baixo) 7:
Na voz do baixo acontece a suspensão 2-3 (a única dessas fórmulas mais comuns
que exige movimentação no baixo, pois é nele que a suspensão é resolvida):
5
Outras formas de suavizar a sétima de um acorde: tratá-la como nota de passagem, bordadura ou
antecipação.
6
Vários tratados de harmonia tradicional exigem que a sétima de um acorde seja preparada como nota do
acorde anterior e resolvida por grau conjunto descendente – ou seja, à maneira de uma suspensão.
7
Convenções numéricas que seguem a lógica da harmonia barroca. É importante lembrar que esses
intervalos são contados a partir do baixo e não a partir da fundamental dos acordes.
6
Figura 9 – Outras fórmulas de suspensão geradas pelo movimento do baixo simultâneo ao da resolução.
8
No exemplo 8a a simultaneidade das notas Sol e Lá não chegaria a soar como um choque.
7
Nada mais é do que uma suspensão que resolve para cima. Para escrever um
retardo a única diferença seria partir de duas notas de acorde na mesma voz que sigam
em grau conjunto ascendente (na figura abaixo, Si Dó). O retardo mais óbvio é aquele
que envolve os graus 7-1 da escala (resolução da sensível, única resolução ascendente
de um grau ativo):
9
Alguns teóricos não consideram que o pedal seja um tipo de nota estranha ao acorde. De fato este
assunto poderia ser abordado somente mais adiante, dentro do tópico “Sucessão Harmônica
(Prolongamento Funcional)”, visto que o baixo pedal serve para enfatizar uma função harmônica.
10
Terminologia adotada a partir da prática harmônica da execução ao órgão de tubos, onde o efeito era
obtido com uma nota grave sustentada na pedaleira enquanto a harmonia se desenvolvia nos manuais.
11
Exemplos de pianissimo e fortissimo enfatizados por um baixo pedal na tônica podem ser encontrados
na reexposição do tema na seção final de An Der Schönen Blauen Donau, Waltzer, Op. 314 (“O Danúbio
Azul”), de Richard Strauss.
12
Em passagens dramáticas em que o baixo pedal se estenda por mais tempo, é possível que hajam vários
“acordes estranhos à nota”, incluindo até mesmo modulações.
9
Ou seja, espera-se que o pedal seja preparado e resolvido, conforme pode ser
observado no exemplo a seguir:
Em situações como a deste exemplo vale reparar que, durante o baixo pedal, o
tenor assume a função de baixo. Em um nível localizado a fig. 12 apresenta o
desenvolvimento de uma harmonia a três vozes com ritmo de mínima; em um nível
mais amplo há apenas uma dominante ocupando quatro compassos, ainda que contenha
um encadeamento harmônico interno. As análises desta figura mostram isso de diferntes
formas: na convenção para a cifra gradual, baseada nas indicações de William E. Caplin
(1998) para a análise de harmonias do período Clássico, as inversões consideram o
tenor como baixo13. A cifragem funcional também aponta dois níveis analíticos: um
considerando mudanças de acorde para acorde e outro considerando todo o trecho como
uma região de dominante.
Em cifra popular o melhor é anotar o baixo pedal da mesma maneira que se
anotam as inversões; considerando o mesmo encadeamento acima, a cifra seria: G G7
C/G C#º/G D/G F#º/G G G7. Esta é a cifragem que deixa mais evidente a presença de
acordes que não contém a nota do baixo (ex.: D/G e F#º/G). É corriqueiro que uma
simples nota comum mantida no baixo seja chamada de “Baixo Pedal”, pois o efeito se
assemelha ao deste, mas a presença de ao menos um acorde que não contenha a nota do
baixo é uma característica essencial e que justifica enquadrá-lo dentro das “Notas
Estranhas ao Acorde”.
Quanto ao tratamento das três vozes superiores, devem ser tomados alguns
cuidados: nas tétrades normalmente a quinta é suprimida, mas nos acordes de sétima
sobre a sensível pode-se suprimir a terça (única nota do acorde com pouco poder linear
de atração – grau 2 da escala). A fundamental pode ser omitida quando a quinta do
acorde estiver no soprano ou no tenor (que correspondem às vozes externas nessa
harmonia a três vozes).
13
Kostka & Payne ignoram essa questão, sugerindo cifrar todos os acordes em estado fundamental,
justificando que o efeito das inversões é alterado pelo pedal e que não existem símbolos convencionais
para representar essa alteração.
10
Figura 14 – Muzio Clementi: Sonatina, Op. 36, Nº 4, I (1797): baixo pedal ritmicamente articulado.
14
Zamacois (1979, p. 278), no item “Ornamentação do pedal”, apresenta também o “acorde pedal” e o
“desenho pedal”. Este último está presente também na música popular na forma de ostinatos geralmente
em um contexto harmônico modal, especialmente no baixo sintetizado de vários estilos de Dance Music e
nos riffs de baixo e guitarra do Rock, quando estes são repetidos exatamente iguais sobre um
encadeamento harmônico – um bom exemplo desse tipo de “desenho pedal” na tônica é o baixo da
introdução de Billy Jean, de Michael Jackson.
11
Ainda do ponto de vista rítmico, o pedal pode durar desde menos de um compasso
até um movimento ou uma música inteira (como a famosa Habanera, da ópera Carmen,
de Georges Bizet). Na conclusão do terceiro movimento (Herr, Lehre Doch Mich) do
Ein Deutsches Requiem, Op. 45, de Johannes Brahms, o baixo pedal na tônica dura
quase dois minutos e meio. O exemplo a seguir mostra um baixo pedal que é definido
por um acorde de apenas um tempo de duração:
Figura 16 – Nota de passagem envolvendo durações desiguais na canção “Cai, Cai, Balão”.
A divisão rítmica da fig. 16 (colcheia pontuada-semicolcheia) é extremamente
comum nas antecipações, modificando o impulso rítmico em direção à nota de
chegada15.
15
Volte a observar e tocar a antecipação da figura 1 desta apostila com essa nova divisão rítmica e
perceba a diferença no impulso em direção à nota de resolução. Observe também o efeito dessa divisão
rítmica em músicas de caráter marcial, como Imperial Attack (John Williams), da trilha sonora de Star
Wars IV – A New Hope (1976).
16
Também conhecida como “Cadência de Corelli” (ainda que não se trate de uma cadência harmônica),
consiste apenas em um traço característico de suas obras, pois na verdade já era praticada por outros
compositores mais antigos.
13
CONTORNO MELÓDICO:
ou
17
Na verdade há aqui também um problema de tradução do inglês para o português: o termo neighbour
tone significa, literalmente, “nota vizinha” e é usado tanto para a bordadura convencional como para o
caso aqui apontado, visto que ambas envolvem notas vizinhas da nota real.
14
CONTORNO MELÓDICO:
ou
18
Alguns autores chamam este padrão de “bordadura dupla”. Entretanto, no presente texto preferiu-se
reservar esse termo para quando acontecerem bordaduras simultâneas em diferentes vozes, visto que é
também utilizado tradicionalmente neste sentido (provavelmente essa confusão venha da tentativa de
traduzir o termo double neighbour tone, usado para descrever essa figuração melódico-harmônica).
Outros termos em inglês comumente utilizados são neighbour group (literalmente “grupo vizinho”; como
o termo neighbour tone é normalmente traduzido como “bordadura”, seria possível arriscar a adaptação
“grupo de bordaduras”) e changing tones (literalmente “notas cambiantes”, visto que guarda semelhanças
com a cambiata do contraponto em espécies).
19
Termo corrente entre músicos de Jazz.
16
Paul Hindemith (1949) informa: “Por exceção, podem surgir notas estranhas a
um acorde que não se enquadrem em nenhuma das categorias precedentes. São
consideradas notas livres”.
Também é comum haver uma ou mais notas antes da resolução esperada de uma
suspensão. A figura a seguir apresenta a suspensão sem ornamentação (a) seguida de
diferentes maneiras de incluir uma nota antes da resolução:
20
É importante deixar claro que aqui a bordadura é somente melódica, pois o Ré é nota do acorde;
considera-se o Dó como Antecipação devido à sua rítmica (posição métrica e duração). Seria possível
também interpretar erroneamente o Dó como uma simples bordadura inferior da nota Ré, pois a teoria
aqui apresentada o permite, mas isso implicaria necessariamente em desconsiderar o efeito musical (isto
é, realizar a análise sem escutar o trecho).
18
Na fig. 26d foi inserida uma nota do acorde de chegada entre a suspensão e sua
resolução.
Também é possível preencher uma estrutura harmônica básica com muitas notas
de passagem (simples ou duplas) em sentido contrário – procedimento bem mais
adequado à escrita instrumental, especialmente para piano. O exemplo 18 mostra o
movimento das vozes externas em uma mudança de posição sobre o mesmo acorde
(18a), e diferentes formas de preenchimento desta estrutura com notas de passagem
simples e duplas (18b até 18e):
21
Na figura 17f são formadas notas de passagem triplas, as quais acabam formando uma tríade de
passagem nas vozes superiores.
19
22
Caso específico de mudança de posição de um mesmo acorde, no qual são intercambiadas entre duas
vozes geralmente a fundamental e a terça de um mesmo acorde.
23
Especialmente em se tratando de bordaduras inferiores, conforme apresentado na apostila de Harmonia
I, p. 29, item 7.2.2
20
Uma variante do baixo pedal, conhecida como pedal duplo, ocorre quando são
usados os graus 1 e 5 da escala simultaneamente, reforçando a função sobre a qual
acontece o pedal (já que uma 5ªJ acima de um baixo reforça os harmônicos deste). Na
análise harmônica do exemplo a seguir as inversões foram cifradas levando em
consideração que o contralto tenha assumido a função do baixo, com exceção dos
acordes de tônica nos compassos 4, 6 e 8 – os quais, de acordo com esta lógica,
funcionariam como I6, contrariando a sonoridade geral do mesmo. Ainda assim, na
maior parte do trecho considera-se uma harmonia a duas vozes sobre o pedal duplo.
24
Formando um acorde intermediário, como será estudado mais adiante nesta apostila, na seção sobre
“Sucessão Harmônica”.
21
a) Quais outros tipos de notas estranhas ao acorde não são estudados nesta apostila?
MODO MAIOR:
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Do inglês Common Practice: período de cerca de 300 anos do tonalismo tradicional (aproximadamente
de 1600 a 1900, segundo Kostka e Payne).
26
Segundo o autor, os demais graus harmônicos seguem a tabela do modo maior.
23
É claro que em muitas músicas tonais ocorrem desvios com relação a este ciclo
(como, por exemplo, nas sucessões I V I e I IV I e na progressão I V IV). Entretanto,
atendo-se ao encadeamento I IV V I é possível enriquecê-lo e variá-lo mediante a
utilização dos demais acordes funcionalmente relacionados a estes (substituições
funcionais). A cifra funcional é a que mostra mais claramente essas relações funcionais
entre o acorde principal e seus substitutos:
Figura 36 – Substituições funcionais no encadeamento das três funções tonais principais em modo maior.
o campo harmônico maior. Uma forma simples de representar esse ciclo e suas
substituições funcionais diatônicas toma por base a analogia entre as forças de atração
tonal e a ação da gravidade terrestre. Nas figuras a seguir, adaptadas a partir das do livro
Basic Studies in Music, de William Baxter Jr., o acorde de tônica localiza-se no solo,
representando a força gravitacional deste; a cada degrau que se desce na escada, vai-se
aproximando cada vez mais do centro de gravidade tonal. Conforme o esquema
apresentado acima, a mesma lógica vale tanto para os acordes das tonalidades maiores
quanto para os das tonalidades menores.
Figura 37 – Analogia entre as forças tonais dos acordes e a força da gravidade terrestre (William Baxter Jr.).
Figura 38 – Encadeamento pelo ciclo das quintas: acordes do campo harmônico maior (Kostka & Payne).
Figura 39 – Encadeamento pelo ciclo das quintas: acordes mais usados em modo menor (Kostka & Payne).
Figura 40 – Sequência melódica sobre uma progressão harmônica pelo ciclo das quintas
a) em Dó menor e b) em Dó maior.
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Talvez porque iii vi pode ser compreendido como Tr Sa, o que é basicamente a mesma interpretação
funcional de iii IV (Tr S).
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É importante observar que nem sempre uma sequência melódica afetará a harmonia, ou seja, nem
sempre o encadeamento dos acordes acompanhará a transposição a partir de um modelo.