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O Brasil virou o país do fanatismo?

revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/05/o-brasil-virou-o-pais-do-fanatismo.html

As eleições presidenciais acabaram em outubro de 2014, com a legítima eleição da


presidente Dilma Rousseff.

Desde então, à medida que cada vez mais pessoas aprenderam a escrever
“impeachment”, a reação dos partidários de ambos os lados ganhou contornos ainda
mais radicais. Em meados de março, duas manifestações tomaram conta das ruas das
principais cidades brasileiras: uma a favor do governo, e a outra, maior em número,
contra. Os protestos não registraram confusões, mas foram palco de cenas
preocupantes: faixas com a suástica nazista pedindo a volta da ditadura militar em
plena avenida Paulista, pessoas hostilizando jornalistas ideologicamente
contrários ao movimento e acusações de golpismo para quem é contra o governo.

Durante os pronunciamentos da presidente e de dois de seus ministros na televisão,


milhares de pessoas saíram na janela de casa para promover um panelaço – o
barulho foi tão alto que abafou qualquer possibilidade de ao menos tentar ouvir o que
diziam. Nada contra manifestações, é claro. O problema é que, ao ignorar opiniões
contrárias, as pessoas tendem a aderir cegamente a uma posição, doutrina ou
sistema e a caminhar numa direção perigosa: a do fanatismo.

Há alguns anos a ciência tenta explicar por que, afinal, é tão fácil alinhar-se a um
conjunto de pessoas que encontrou um Judas particular e culpá-lo por todo o ​caos do
universo. Uma prova disso é o paradigma dos grupos mínimos, elaborado nos anos
1970 pelo psicólogo Henri Tajfel, da Universidade de Bristol, na Inglaterra. Ao serem
aleatoriamente agrupados de acordo com critérios irrelevantes, como o pintor favorito,
os participantes do experimento criaram forte ligação entre aqueles que dividiam a
mesma turma, exaltando suas qualidades e hostilizando os rivais. Ao final do
experimento, formou-se o “nós contra eles” – será que alguém aí ouviu algo parecido
com isso no que ficou convencionado chamar de protestos de março?

Ainda no século 19, o pensador francês Gustave le Bon já havia atentado para o
comportamento bizarro das pessoas ao se unirem em grupos, formando uma espécie de
mentalidade única irracional – ou o que o escritor Nelson Rodrigues chamaria de
“unanimidade burra”. Na obra Psicologia das multidões (WMF Martins Fontes), de 1895, Le
Bon escreveu: “Nas grandes multidões, acumula-se a estupidez, em vez da inteligência.
Na mentalidade coletiva, as aptidões intelectuais dos indivíduos e, consequentemente,
suas personalidades se enfraquecem”. É como se, ao se unir aos seus pares, as
pessoas deixassem de usar a razão e passassem a deixar a emoção tomar conta,
tornando-se presas fáceis de manipuladores. Segundo o historiador Jaime Pinsky, autor
do livro Faces do fanatismo (Contexto), o grande perigo das devoções extremas é a
convicção inabalável. “A certeza da verdade do fanático não é resultante de uma reflexão
ou de uma dedução intelectual”, diz o escritor.
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A isso se junta o experimento do psicólogo Philip Zimbardo, da Universidade Stanford.
Há mais de 40 anos, ele resolveu simular o comportamento dentro de uma prisão,
atribuindo aleatoriamente o papel de “guardas” e “prisioneiros” a estudantes. No
entanto, o que deveria seguir por duas semanas durou apenas seis dias. Ninguém ali era
Meryl Streep, mas os participantes do estudo interpretaram tão bem seus papéis que os
“guardas” se revelaram verdadeiros sádicos, humilhando e causando traumas entre os
“prisioneiros”. “Em grupo somos capazes de realizar ações que individualmente não
seríamos”, diz Ligia Mendonça, participante do convênio do laboratório de
psicopatologia clínica e psicanálise da Universidade de Toulouse.

Além de inspirar o filme The Stanford Prison Experiment (“O experimento da prisão de
Stanford”, em tradução livre), lançado em janeiro nos Estados Unidos, o estudo de
Zimbardo também ajudou na formulação da teoria da identidade social, dos psicólogos
John Turner e Henri Tajfel – o mesmo dos grupos mínimos. Segundo a ideia, quanto mais
inserido em um conjunto, mais o participante acata seus valores. “Quando uma pessoa
pertence convictamente a um grupo, ela adquire uma identida​de social: valores,
objetivos, memórias etc. Essa identidade contrapõe o participante aos que não fazem
parte do seu grupo”, diz o psicólogo Geraldo José de Paiva, da Universidade de São
Paulo.

Seja um cicloativista que vê um inimigo em qualquer objeto de quatro rodas, um


extremista religioso que não concorda com a linha editorial de um jornal francês e mata
os responsáveis, um torcedor de um time que não consegue conviver com alguém
vestindo a camisa do time adversário ou um fã da Apple que olha com desdém para
qualquer aparelho Android, a não aceitação de ideias diferentes e a cegueira causada
pela crença absoluta em “verdades reveladas” ainda insistem em aparecer nas mais
diferentes esferas da sociedade, ameaçando a liberdade e o conceito básico de
democracia.

O TRIUNFO DA BARBÁRIE

Como explicar que a nação de Johann Wolfgang Goethe, Ludwig van Beethoven e Albert
Einstein também tenha se tornado o local onde se realizou uma das maiores atrocidades
da história? Para especialistas, o fenômeno nazista na Alemanha vai além da ideia
de um aparente surto psicótico coletivo. “Um líder carismático como Hitler, que
promete felicidade a qualquer preço, passa a ser uma figura sedutora para uma massa
desacreditada que vive o desemprego, a fome e a escassez de alimentos”, afirma Ana
Maria Dietrich, professora do programa de pós-graduação da Universidade Federal do
ABC. “Em momentos de crise, tende-se a eleger um líder e também a escolher bodes
expiatórios.”

Quando Hitler chegou ao poder, em 1933, a Alemanha passava por um momento de


instabilidade política e eco​nômica: as lembranças da derrota na Primeira Guerra Mundial
ainda eram muito recentes e se refletiam em diferentes problemas, como desemprego,
inflação e fragilidade do sistema político. A ascensão de um líder capaz de resgatar o
sentimento de orgulho alemão e conclamar a revanche pelas humilhações sofridas no
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conflito mundial teve alta aceitação entre as massas. Só faltava encontrar um inimigo
comum e responsabilizá-lo. Spoiler para quem não viveu na Terra nos últimos 80
anos: os judeus foram os escolhidos, assim como outras minorias, como negros e
homossexuais.

"Vemos o ser humano que já perdeu todos os laços de solidariedade. Isolado e sem
consciência de classe ou de família, ele se torna um número na massa e é capaz de
perpetrar as maiores atrocidades como quem carimba um papel"

Para dar conta das aspirações nazistas, criou-se uma verdadeira indústria da morte,
comandada por homens como Adolf Eichmann, que foi capturado em Buenos Aires em
1960. No livro Eichmann em Jerusalém (Companhia das Letras), a filósofa política Hannah
Arendt conta a história do julgamento do oficial, e o descreve não como um “manía​co
assassino”, mas como um ​burocrata a serviço do partido, que tinha obrigação de
obedecer ordens. Quem disser que este é o conceito do termo “banalidade do mal”,
cunhado pela autora, ganha pontos no vestibular da vida.

“Vemos o ser humano que já perdeu todos os laços de solidariedade. Isolado e sem
consciência de classe ou de família, ele se torna um número na massa e é capaz de
perpetrar as maiores atrocidades como quem carimba um papel”, afirma Ana Maria
Dietrich. O extremismo político não respeita as contradições do jogo democrático e
rejeita a ideia de saber lidar com o outro. “No caso do nazismo, a lei de que só o líder
tinha razão e os judeus eram os culpados de todas as mazelas fazia que as reflexões
sobre os problemas perdessem o sentido”, completa.

Apesar de parecerem historicamente distantes, algumas das premissas tota​litárias


do episódio ainda não foram completamente resolvidas pela sociedade. “O
argumento racional faz parte do gênero humano, e o debate entre ideias diferentes é
importante para que as coisas se esclareçam”, diz Jaime Pinsky. “Mas o limiar disso está
na racionalidade: quando passa a ter dogmas, você extrapola a racionalidade e se torna
um fanático.” Qualquer semelhança com o extremismo de discursos entre
“coxinhas” e “petralhas” observado nos últimos meses não é mera coincidência.

O racha entre militantes do PT e do PSDB teve início antes mesmo das eleições do ano
passado, marcadas por discussões intermináveis nas redes sociais, com o fim até de
certas amizades. Este ano, essas discussões entre pessoas pró e contra o governo
ganharam um novo palco: as ruas.

No dia 15 de março, manifestações tomaram conta de 153 cidades do Brasil.


Independentemente do lado, o que se vê em alguns casos é o ódio to​mar o lugar do
debate: como se gritar “Dilma vagabunda” ou desqualificar uma manifestação por
causa da classe social de quem participa fosse argumento. Como lembrou o filósofo
Vladimir Safatle em sua coluna do jornal Folha de S.Paulo, o discurso de conciliação não
funciona na política porque é exata​mente ela que coloca as contradições à mostra. Para

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ele, a “rachadura” do Brasil sempre existiu, com a ajuda da concentração de renda, da
disparidade regional e de preconceitos. “Essa polaridade apenas permitiu que a divisão
se expressasse”, escreveu ele.

FÉ CONTRA FOGO

A psicologia ajuda a entender por que grupos como o Estado Islâmico, o Boko Haram e
a Al-Qaeda são tão implacáveis com aqueles que consideram infiéis. Ao coordenar as
primeiras pesquisas com homens-bomba frustrados (que não explodiram por
problemas técnicos ou por terem sido pegos pela polícia), o psicólogo Ariel Merari, da
Universidade de Tel-Aviv, constatou que os principais fatores que motivavam os
terroristas a tirar o pino de uma granada não eram a religião nem o desejo de vingança,
mas sim a vontade de ser admirado pelo grupo, compensando sua falta de habilidade
social. Ou seja, corresponder às expectativas do meio é um fator mais dominante que a
ideologia. “Eles eram jovens fracos e dependentes, não o tipo de pessoa ideo​lógica”,
afirmou Merari a GALILEU.

Para a tristeza dos conservadores, o islamismo não detém o monopólio do


fundamentalismo religioso. Em maior ou menor grau, grande parte das reli​giões já
ultrapassou a linha do extremismo. Como lembra a professora Maria de Lourdes Corrêa
Lima, do departamento de teologia da PUC-Rio, o conceito do fundamentalismo tem
início no século 20, quando a American Bible League lançou em 12 volumes a obra The
Fundamentals: a Testimony to the Truth (“Os pontos fundamentais: um testemunho
para a fé”, em tradução livre). A ideia era defender os cristãos das ameaças do
liberalismo e do modernismo, que iam de encontro a suas convicções. “O
fundamentalismo se baseia numa visão dualista, segundo a qual tudo o que não está de
acordo com o que o grupo defende é considerado mau. Não entram mais em jogo nem a
reflexão nem a tolerância, mas somente a afirmação categórica de certos princípios”,
explica ela.

Vale lembrar que o fanatismo religioso já despertava o interesse de filósofos, como o


inglês John Locke, no século 17, quando a reforma luterana esquentou o clima na
Europa. Para Locke – ele próprio um religioso –, ao povo era necessário dar as​‐
sistência moral, e não dogmas teológicos. Ele acreditava que representantes de
religiões diferentes pudessem conviver em paz, e que garantir o respeito entre opiniões
divergentes ficaria a cargo do Estado. Mas, para o filósofo, até a tolerância tinha limite.
Por responder a um líder estrangeiro (o papa romano), os católicos, que já haviam usado
os tribunais da Inquisição para queimar desafetos na fogueira, não deveriam ser
contemplados com esse benefício, assim como os ateus. “Os que negam a existência de
Deus não podem ser tolerados de modo algum”, afirmava ele.

Não é preciso viajar no tempo para observar a ironia teológica. Parte da militância
ligada a religiões no Brasil atravanca a ampliação de direitos indivi​duais e questões
de saúde pública, como a união civil homossexual e o aborto. Não foi à toa que, no
início de março, um vídeo que mostra fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus

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uniformizados como militares, marchando e gritando frases de efeito assustou muita
gente. Por parecer, de fato, um exército, não faltaram comparações com os
registros de Leni Riefenstahl da ascensão do regime fascista.

Não era para tanto. Segundo a Universal, a única atividade regular dos 4,3 mil jovens
que compõem o projeto Guardiões do Altar é assistir a aulas que “estimulam o debate
e a reflexão sobre aspectos do texto bíblico e do trabalho missionário”. Procurada por
GALILEU, a Universal enviou um texto disponível no seu site e respondeu às perguntas
solicitadas por e-mail com a pérola: “Se restarem dúvidas sobre o acima explicado
[no texto], ficará claro que a pergunta não tem sentido”.

“Eles acham que vocês são uma amea​ça”, afirma Fábio Marton, autor de Ímpio: o
evangelho de um ateu (Leya). Criado em um ambiente religioso, o jornalista foi pastor
mirim e ajudou a exorcizar a própria mãe quando fazia parte de uma igreja pentecostal
conhecida como Igreja Evangélica Exército Celestial. “Foram quatro anos de introspecção,
até que notei uma coisa estranha em ser um robô de Cristo, uma autoaniquilação”,
afirma. Para Marton, um ponto-chave para entender os evangélicos no Brasil é
compreender sua relação com as religiões africanas. “Para os evangélicos, os orixás são
demônios, eles acreditam mais nisso do que em Deus. Esse clima de batalha eles têm
em comum com o fanatismo islâmico”, diz ele.

Para o psicólogo Ariel Merari, apesar de certos tipos de pessoas serem mais fáceis de
influenciar do que outros, os mecanismos de convencimento usados por algumas igrejas
são semelhantes aos utilizados por muçulmanos extremistas – o que muda é a influência
cultural e social. “São processos psicológicos universais que resultam da pressão ou da
vontade de ser apreciado pelo grupo.”

MORTE E PAIXÃO NO CAMPO

Em 2013, Atlético Paranaense e Vasco disputavam uma partida decisiva pela última
rodada do Campeonato Brasileiro. Se perdesse, a equipe carioca enfrentaria o segundo
rebaixamento de sua história. Logo após o início do jogo, os olhos concentrados no
campo voltaram-se para as arquibancadas. Torcedores organizados dos dois times,
rivais de longa data, começaram uma briga que não conseguiu ser contida pelos
seguranças da Arena Joinville. O placar final de 5 a 1 para o Atlético Paranaense foi
mero detalhe frente à imagem de um pai vascaíno que protegia seu filho em meio ao
combate.

Apesar de os torcedores organizados estarem associados a atos de violência, suas


origens são políticas. “As primeiras organizadas surgiram na década de 1960 e foram
influenciadas pelo espírito da época, como um movimento de resistência e fiscalização
dentro do futebol”, afirma Felipe Lopes, que defendeu tese de doutorado no Instituto de
Psicologia da USP sobre o assunto. Mas, enquanto al​gumas torcidas se organizavam
como “fiscalizadoras”, o sentimento de militarização, reflexo da época, também
crescia.

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“Certos grupos eram organizados em ‘pelotões’, e seus dirigentes eram chamados de
capitães. Essa se tornou uma face mais ligada à guerra, machista e militarizada, e a partir
dos anos 1980 essas torcidas deixaram as páginas esportivas para ocupar as páginas
policiais”, afirma o sociólogo Mauricio Murad, autor do livro Para entender a violência no
futebol (Benvirá).

A perda da força de instituições que eram fontes de identidade, como sindicatos e


partidos, explica a escalada da violência. Isso fez que as torcidas acabassem se
tornando um dos poucos espaços de reconhecimento social, ainda mais entre os
jovens carentes de lazer e cultura. Nesse caso, a devoção pelo time de futebol se mistura
à lealdade para com a torcida organizada. “O futebol é um dos maiores patrimônios da
cultura coletiva brasileira e fruto de identidade social. Quando essa paixão excede os
padrões de sociabilidade, isso se torna fanatismo, deixando de existir a diferença entre
adversário e inimigo”, diz Murad. Segundo o pesquisador, o Brasil é o país mais
violento do mundo em relação a conflitos entre organizadas: de 2012 a 2014, 71
mortes foram registradas por aqui.

Ainda assim, apenas 7% dos torcedores que pertencem a um grupo uniformizado


participam dos conflitos. “Quem rouba a bandeira de uma torcida rival, por exemplo,
ganha reconhecimento”, diz Lopes. Outra explicação para a violência se deve a fatores
mais racionais, como a disputa pelo poder no comando da própria organização, algo que
acontece de maneira recorrente nas barras bravas, as torcidas argentinas. “Existe a
venda de drogas e álcool, o apoio financeiro de dirigentes, o lucro com a revenda de
ingressos... Então vemos mortes de pessoas mais velhas que estão implicadas numa
disputa pelo poder”, afirma André Luiz Nery, autor de Violência no futebol: mortes de
torcedores na Argentina e no Brasil (Multifoco).

Seguindo os conceitos de Le Bon, Murad destaca a ideia do sentimento de invisibilidade


no meio das massas como causa da violência. “Quando vemos torcedores dizendo que
vão morrer pelo seu time e quando agridem outro torcedor, vemos esse lado irracional”,
diz ele. Já para Felipe Lopes, é preciso tomar cuidado ao afirmar que as manifestações
violentas estão ligadas ao comportamento das massas. “Se a massa é potencialmente
violenta e irracional, você legitima a repressão”, ele afirma. “Mas isso não quer dizer que
a pessoa não aja de modo mais intenso quando está em grupo: é esse contágio que faz o
futebol ser tão interessante de ver de dentro do estádio.”

SIMPATIA PELO CONSUMO

Proporcionais ao aumento do tamanho do iPhone são as filas de consumidores ávidos


por adquirir as novidades da Apple. As aglomerações já são uma atração aguardada não
só por consumidores, mas também por empreendedores do acaso, que chegam a
cobrar R$ 400 por um lugar na fila. Já para viabilizar o dinheiro necessário, a China é a
mais inovadora. Em 2012, um jovem chinês de 17 anos transformou em realidade uma
metáfora ao vender um rim para comprar um iPhone e um iPad. É claro que a euforia
pela marca não se deve somente a seu charme irresistível – o marketing eficiente
também tem seus méritos.
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A campanha de 2006 “I’m a Mac, I’m a PC” deixa evidente a diferença do perfil dos
consumidores da companhia e aumenta o sentimento de pertencer a um grupo
exclusivo. Nos anúncios, o usuário de Mac é retratado como um jovem descolado,
enquanto os usuários de PC são burocratas engravatados. Num artigo para o site Live
Science, Albert Muniz Jr., professor de marketing da Universidade DePaul, em Chicago,
lembra que, nos anos 1980, os applemaníacos já buscavam se diferenciar. “Eles diziam
que, naquela época, era evidente que o pessoal da IBM tinha um jeito: vestia terno
e votava no presidente Reagan. Já o pessoal do Mac tinha outro: vestia jeans e não
votava no Reagan.”

Segundo Carlos Augusto Costa, diretor do laboratório de neuromarketing da FGV


Projetos, 92% dos consumidores mudam de ideia na hora das compras. O desafio das
marcas, portanto, é evitar que isso aconteça. Uma das formas mais tradicionais é a
associação com os trend setters, pessoas que ditam tendências. Ao vermos alguém
renomado ou um ídolo usando determinada marca de desodorante, por exemplo,
tendemos a querer copiar a ação. Culpa dos neurônios espelhos, que fazem que nossa
percepção visual inicie um tipo de simulação interna dos atos dos outros. “Voltando um
pouco às propagandas da Johnson & Johnson, por exemplo, as mães podiam não ter
bebês tão bonitos como aqueles, mas poderiam fazer seus filhos usarem fraldas iguais;
o mesmo raciocínio serve para as propagandas de cuecas, e assim por diante”, explica
Costa.

Isso funciona bem quando temos uma relação emocional acima da média com o
produto. É por isso que para entender o sucesso de uma marca como a Apple é
preciso conhecer os mecanismos da religião. Para Costa, as marcas que causam
euforia têm símbolos fortes e pessoas inspiradoras que disseminam suas filosofias,
como é o caso de Jesus Cristo na Igreja católica. “Nosso cérebro também gosta de uma
novela. Como Buda, Maomé e Cristo, as marcas precisam criar envolvimento”, afirma ele.
Nada que o messias Steve Jobs não tenha feito durante suas pregações.

O CAMINHO DA TOLERÂNCIA

A incapacidade de compreender opi​niões diferentes é uma ameaça à democracia, mas


existe uma forma de combater isso? “A liberdade deve ser sempre a maior possível,
mas isso significa colocar certos limites para garantir os direitos e a integridade de
outros”, afirma Ricardo Bins di Napoli, professor de filosofia da Universidade Federal de
Santa Maria e especialista em temas ligados à ética política. Para que isso seja possível, é
necessário construir uma cultura de tolerância que passe por todos os elementos que
compõem uma sociedade. “É a capacidade de se abster de intervir na opinião do outro,
mesmo que se desaprove ou se tenha o poder para calá-la, cerceá-la ou até prendê-la”,
diz o professor.

A aceitação de valores diferentes é um exercício de autocrítica. Ela cria as condições


necessárias para construir um diálogo positivo para o desenvolvimento de uma
sociedade sem rachaduras, na qual a palavra “respeito” não seja apenas uma estampa
de camiseta. Afinal, qual seria a graça do futebol se o rival fosse extinto? Conflitos nos
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fazem questionar e evoluir. Antes de xingar a mãe dos desafetos, talvez seja
melhor iniciar um diálogo capaz de conter o maior número possível de opiniões. E
isso inclui adicionar novamente aquele amigo excluído do seu Facebook durante
as eleições e os protestos de março. Mais amor e menos ódio, por favor.

GUERRA SEM FIM


A história mostra que barbaridades foram cometidas em nome de várias religiões e
opções políticas

1099 - CERCO DE JERUSALÉM > Exércitos cristãos da Europa iniciaram a tomada de


Jerusalém, que culminou com o massacre de muçulmanos, judeus e cristãos ortodoxos

1478 - INQUISIÇÃO ESPANHOLA > O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi criado
para combater muçulmanos que dominavam parte da Espanha. Milhares de pessoas de
outras religiões foram mortas sob a supervisão da Igreja católica

1572 - NOITE DE SÃO BARTOLOMEU > Organizados pela monarquia católica francesa,
cristãos protestantes foram mortos durante a madrugada do dia 24 de agosto

1792 - TERROR JACOBINO > Mais de 17 mil opositores políticos foram guilhotinados por
ordem do grupo jacobino que liderava a Revolução Francesa

1871 - O FIM DA COMUNA DE PARIS > Primeiro governo operário da história, a Comuna
de Paris foi dissolvida após um massacre que resultou em prisão, tortura e morte de
quase 100 mil trabalhadores

1936 - PROCESSOS DE MOSCOU > Para manter a hegemonia no Partido Comunista da


União Soviética, Josef Stálin inicia a perseguição e o fuzilamento de antigos camaradas
contrários a suas decisões políticas

1938 - NOITE DOS CRISTAIS > O governo nazista instaura uma política de prisão,
assassinato e destruição de propriedades de judeus, sob a coordenação das tropas de
assalto do exército alemão

1965 - GOLPE DE ESTADO NA INDONÉSIA > Após a tomada do poder pelo general
Suharto, o Partido Comunista da Indonésia foi extinto depois do massacre de quase
meio milhão de militantes

1975 - O KHMER VERMELHO > O regime comunista liderado por Pol Pot obrigou os
moradores das cidades do Camboja a migrar para o campo, fazendo cerca de 1,5 milhão
de vítimas

2001 - 11 DE SETEMBRO > A organização terrorista Al-Qaeda, alegando agir em nome da


religião islâmica, realiza o maior atentado da história em solo norte-americano,
causando a morte de 2996 pessoas

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2014 - ESTADO ISLÂMICO > Grupo fundamentalista proclama a independência de
regiões da Síria e do Iraque, as quais passariam a ser regidas por sua própria
interpretação da lei sagrada islâmica

COMO CRIAR UM FANÁTICO


Muitos fatores levam as pessoas a cometer atos de intolerância, mas alguns fatores
ajudam a compreendê-los

1. Ao separarmos o mundo em categorias como “cristão” ou “fã da Apple”, nos incluímos


em grupos que correspondem a nossas necessidades

2. Em um coletivo, somos sugestionados a exaltar pontos que o beneficiam, ignorando


as fragilidades e tudo o que vai contra suas ideias e criando assim um inimigo a ser
combatido

3. Esse sentimento de conexão é aumentado pelo poder das narrativas. Nosso cérebro
precisa de histórias, como a de Jesus Cristo, por exemplo, para criar relação emocional

4. Quando o grupo é uniforme, ele cria uma mentalidade coletiva, com os mesmos
valores e objetivos. Sentir-se parte do grupo é o que psicólogos chamam de identidade
social

5. Os que têm identidade social intensa abrem mão de outras referências, estreitando
sua percepção e reforçando as emoções que os ligam ao grupo

6. Sob influência do meio (e, em muitos casos, de um líder carismático), multidões


podem lutar por benefícios comuns, como direitos civis, ou por catástrofes, como a
ascensão do nazismo

7. Com o devido incentivo, as pessoas são capazes de fazer em grupo coisas que não
fariam sozinhas

POLÍTICA NO DNA
A partir de análises de estímulos biológicos, o norte-americano John Hibbing,
coordenador do Laboratório de Fisiologia Política da Universidade de Nebraska-Lincoln,
afirma que nossas opções políticas nem sempre estão relacionadas a decisões racionais

Como essa pesquisa foi desenvolvida?


Medimos movimentos musculares, padrões cardiovasculares e estímulos cerebrais,
correlacionando essas análises biológicas às opiniões de cada pessoa a respeito de um
amplo número de temas políticos controversos. Indivíduos que apresentavam uma forte
ativação na região cerebral da amígdala quando expostos a estímulos negativos ou
nojentos tendiam a adotar posições políticas conservadoras, relacionadas a segurança e
tradição.

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Então é possível dizer que o cérebro pode determinar nossa visão política?
Não, “determinar” é um termo muito forte neste caso, mas os padrões de ativação
cerebral estão relacionados a nossa orientação política. Temos certas predisposições
inconscientes que se espreitam em nós, e geralmente elas ajudam a determinar
preferências políticas particulares em temas sociais, como nossa opinião a respeito de
imigração. Quando apresentávamos imagens desagradáveis, como casas pegando fogo,
pessoas usando o banheiro ou um homem comendo minhocas, o estímulo na região da
amígdala era maior em pessoas com opiniões conservadoras. Essas medições biológicas
se corresponderam bem em relação a opiniões políticas, porém menos nas questões
econômicas.

O fanatismo político é potencializado por condições predeterminadas do cérebro?


Pessoas que têm sentimentos políticos intensos possuem uma assinatura biológica
diferente e identificável. Em nosso trabalho, focalizamos as diferenças entre pessoas de
esquerda e de direita, mas também estamos interessados nas diferenças entre os que
são politicamente apáticos e aqueles tão envolvidos que podem cometer algum tipo de
violência com motivos políticos.

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