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Título: Uma Proposta Quase Indecente.

Autora: Carolyn Davidson.


Dados da Edição: Harlequim Ibérica, Madrid, 006.
Coleção "Narrativa", Nº 109 — 1.6.06
Título original: The Marriage Agreement.
Gênero: romance.
Digitalização: Dores Cunha.
Correção: Fernanda Almada.
Estado da Obra: Corrigida.
numeração de página: rodapé.

Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à


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direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins,
no todo ou em parte, ainda que gratuitamente.

Contracapa: Como poderia casar-se e ir para a cama com ele sem uma
única promessa de amor?
O agente incógnito Gage Morgan estava mais do que acostumado a lidar
com delinqüentes, mas Lily Devereaux não, e necessitava de proteção.
Será que Gage poderia deixá-la ir-se embora quando tivessem feito os
seus votos, cumprindo assim o acordo matrimonial?
A música e os segredos eram os escudos com que Lily se protegia do
mundo. Um grave problema tinha-a deixado arruinada e, por isso, era
obrigada a ganhar a vida a cantar a bordo de um barco que percorria o
rio. Mas esse era o menor dos seus problemas desde que o jogador
Gage Morgan aparecera na sua vida (fim da contracapa).

Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A. Hermosilla, 1


8001 Madrid
004
Carolyn Davidson.
Todos os direitos reservados.
UMA PROPOSTA QUASE INDECENTE
Nº 109 — 1.6.06
Título original: The Marriage Agreement
Publicada originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são
reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin
Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança
com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência. (r) Harlequin y
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DISTRIBUIDOR EXCLUSIVO PARA PORTUGAL: LOGISTA Rua da
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Prólogo

Rio Mississipi. Norte de Memphis, Primavera de 1878

O mensageiro permaneceu oculto nas sombras, sob o corrimão do


navio. Não havia ninguém na coberta, salvo o homem silencioso que
observava e esperava. Observar e esperar era o que melhor fazia. O seu
trabalho consistia nisso e era muito bom no que fazia.
Um homem muito alto caminhava para ele calmamente e o
mensageiro soube que o tinha visto. Ótimo. Tinha ido àquele barco a
vapor que navegava sobre as águas do Mississipi com a única missão de
se encontrar com Gage Morgan.
Morgan tirou um cigarro do bolso do seu casaco e acendeu-o.
Deu-lhe um bafo e depois soltou o fumo para o ar.
— Que notícias tens? — perguntou ao mensageiro.
— Recebi um aviso de Washington hoje. Está tudo decidido. Vão
deixar nas tuas mãos o plano, contudo, querem que saibas que o xerife
de Sand Creek está ao corrente da situação.
— Que disfarce querem que use? — perguntou, com uma
gargalhada suave, como se aquela idéia o divertisse. — Esquece o que
te perguntei.
— Podes ir como um homem casado que enviou a sua mulher com
a sua família para que estejam a salvo.
— Isso não servirá de nada — replicou Morgan. — Não há agentes
disponíveis?
— Estás a pedir demasiado, não achas? Uma mulher como essa é
difícil de encontrar.
— Não, se lhe pagarmos o preço certo.
— Será melhor encontrares uma sozinho sugeriu o mensageiro.
Depois, com um sussurro de despedida, deslizou-se entre as sombras e
afastou-se. Gage Morgan ficou ali, a avaliar a situação.
O que precisava era quase impossível de conseguir, porém, estava
disposto a tentar. O charuto resplandeceu de novo, brevemente, e
depois caiu na água lamacenta pela qual o navio deslizava.
Ao estender as suas cartas diante dos olhos e constatar que lhe
tinham tocado três ases seguidos, Gage Morgan pensou que aquele era
um bom começo. Tinha poucas possibilidades de que lhe calhasse outro,
no entanto, três eram suficientes. Aquela podia ser outra boa noite.
Recostou-se na cadeira, olhou para a pilha de moedas amontoadas no
meio da mesa e esperou.
Uma nuvem de fumo envolvia os homens que estavam a
contribuir para lhe encher a carteira, e Gage sentiu saudades de um
pouco de brisa para lhe acalmar o ardor dos olhos. O uísque, os
charutos e as mulheres faziam sempre parte de um bom jogo de cartas.
Pegou no seu copo e percorreu a borda com o indicador, enquanto
esperava que tomassem decisões.
Os seus cinco companheiros de jogo eram veteranos naquelas
tarefas. Os seus rostos eram como pedra, sem nenhum indício de
emoção visível. O seu também. Orgulhava-se de saber conservar uma
expressão firme, e conhecia a coragem de recusar a si próprio qualquer
brilho de triunfo ou qualquer gesto de consternação.
— Mais uísque, senhor? — uma mulher aproximou-se dele e
olhava para o seu copo meio vazio enquanto falava. Morgan abanou a
cabeça. Então, ela deu a volta à mesa e aproximou-se do homem que
estava mesmo à frente dele.
Morgan reparou no seu vestido vermelho.
Era justo nos lugares adequados e as formas que havia sob o
cetim brilhante eram exuberantes. Tinha as ancas demasiado magras,
talvez, porém, a plenitude do seu peito era suficiente para atrair todos
os olhares. Ele não ia ser exceção, é claro.
Ao olhar para o seu semblante descobriu uma expressão de
prudência. Os lábios não estavam pintados, coisa estranha numa mulher
que viajasse naquele navio, porém, tinha posto um pouco de blush cor-
de-rosa nas faces. O cabelo encaracolado e preto caía-lhe em cataratas
brilhantes até metade das costas e tinha-o preso à altura das têmporas
com duas travessas de prata verdadeira, também incongruentes
naquele lugar.
Aquela senhora devia ter um admirador, pensou Morgan, algum
homem generoso que estava disposto a pagar o que valia. Certamente,
o preço não desceria de três dólares por noite. Sentiu um puxão nas
partes baixas e soube que os meses de celibato o tinham tornado muito
vulnerável aos encantos de uma mulher como aquela.
Bolas, porquê? Era evidente que estava disponível e ele tinha mais
dinheiro do que precisava naqueles dias. Lançou outro olhar para o
vestido vermelho e, depois, voltou a olhar para as cartas que tinha nas
mãos e considerou as suas opções.
— Quantas, Morgan?
O homem que dava as cartas tinha o baralho na mão, Gage
pousou duas cartas na mesa e empurrou-as para ele. Então lhe
entregaram outras duas. A primeira era um três, e a segunda, o ás de
copas, que lhe enviava uma mensagem de sucesso à frente dos seus
olhos. Fez uma ligeira pausa antes de juntar as cinco cartas numa pilha
ordenada e pô-las na palma da mão.
— Eu aposto — declarou um dos jogadores e
pôs uma moeda de ouro de três dólares no centro.
Gage também selecionou uma entre o seu monte de dinheiro e
pô-la junto à do seu adversário. Depois hesitou uma fração de segundo
e acrescentou mais outra, do mesmo valor, com a expressão calma. Ao
redor da mesa, outros jogadores observavam-no com os olhos
semicerrados. O fumo elevava-se por cima das suas cabeças.
— Eu não aposto — replicou um e deixou as cartas de face para
baixo na mesa.
— É demasiado para mim — acrescentou outro e o terceiro
seguiu-o.
— Por mim, é tudo teu.
Os homens levantaram-se a arrastar as cadeiras para trás,
enquanto Gage apanhou as moedas da mesa. Quando estava a acabar,
ouviu um suave gemido de dor e virou a cabeça, enquanto se levantava.
Um dos jogadores que acabava de depenar tinha a mulher do vestido
vermelho presa pelo pulso. Ela, pálida sob o blush, olhava para todo o
lado, como se estivesse à procura de ajuda.
— Vá lá, Lily.
O homem que a agarrava parecia decidido a usá-la como se fosse
um prêmio de consolação e Gage sentiu-se enojado. Estava claro
que aquele jogador ia pagar-lhe com a mulher e, ao ver que a
estava a tratar com tanto desprezo, não conseguiu olhar para outro lado
pelo simples fato de festejar em paz.
— Não acho que a senhora esteja interessada, amigo — afirmou, a
aproximar-se e a olhar para o homem fixamente. — Lily, estás
interessada em passar algum tempo com este cavalheiro? — perguntou-
lhe, com um tom de advertência para o outro homem. Ele não queria
procurar problemas, no entanto, não tinha dúvida nenhuma de que era
capaz de lidar com a situação facilmente, no caso de surgir algum
problema.
A mulher abanou a cabeça e cravou os seus olhos escuros no
rosto de Morgan e transmitiu-lhe uma súplica silenciosa. Então, pôs a
mão no ombro do jogador e cravou os dedos com força nos seus
músculos. A cara do homem encheu-se de raiva.
— Fica aí — ordenou e soltou Lily. — Não és mais que uma
prostituta. Não vale a pena discutir por ela.
A mulher chegou-se para trás, atemorizada, e um segundo depois,
Gage já tinha dado alguns murros ao homem, murros que o atiraram ao
chão. No curto silêncio que se seguiu, apareceram dois empregados e
levaram o pré-tendente rejeitado. À volta de Gage, o murmúrio das
vozes voltou a elevar-se e ele olhou para Lily com curiosidade.
A mulher tentou sorrir, mas estava a tremer.
— Obrigada — sussurrou. — Não tinha a certeza de como sair
desta.
— Quando chegaste? — perguntou-lhe Gage.
— És nova, não és?
— Sim, sou nova — respondeu ela, ainda trêmula e pálida. — O
senhor Scott contratou-me esta manhã, quando atracaram em Saint
Louis.
Gage segurou-a pelo cotovelo e guiou-a para fora para que
apanhassem ar. Quando chegaram à coberta, ela agarrou-se ao
corrimão.
— Estás mal disposta? — perguntou-lhe ele.
— Queres sentar-te?
— Lily? — Era a voz de Ham Scott, o proprietário do navio, que os
tinha seguido. Gage conhecia-o e sabia que era um homem justo,
embora não propenso a permitir nenhum alvoroço no seu negócio. — Há
algum problema? Pensava que tinhas entendido o que te esperava de
quando te contratei.
Ela tremeu e levantou a cabeça para olhar para o homem,
contudo, foi Gage que falou no seu lugar.
— Eu já tinha pedido a companhia da menina, Scott. Houve um
mal-entendido, é só isso.
— Eu não gosto de lutas no meu negócio, Morgan — respondeu o
empresário, com os olhos brilhantes sob a lua, enquanto fixava o olhar
primeiro em Lily e depois em Gage. Lily sabia que tinha de ser agradável
com os homens do navio quando a contratei.
Gage sorriu.
— Está a ser muito agradável comigo e, além disso, eu posso
garantir-te que não terá nenhuma equimose amanhã de manhã.
Ham hesitou, porém, depois assentiu.
— Deixá-lo-emos assim. No entanto, ainda tens de trabalhar mais
uma hora, pelo menos. Não posso dar-me ao luxo de deixar que as
raparigas acabem antes da meia-noite, porque tenho demasiados
homens à espera que lhes sirvam a bebida durante o espetáculo.
Gage assentiu.
— Está bem, compreendo — retorquiu e olhou para Lily com um
sorriso. — No entanto, sentar-me-ei perto para a vigiar, se não te
importares. Eu gostaria que estivesse sã e salva quando acabar de
trabalhar.
— Parece-me bem — respondeu Ham. Depois olhou para Lily
inquisitorialmente.
— Tens a certeza de que já tinhas trabalhado num saloon — Ela
assentiu.
— Sim, contudo, o que fazia era cantar. Ham arqueou uma
sobrancelha.
— Amanhã te ouvirei, quero ver se és boa. Os meus cantores não
servem às mesas, Lily. Talvez isso seja melhor para ti.
— Obrigada, senhor Scott — agradeceu ela. Depois se encaminhou
para o bar novamente, com as costas e os ombros erguidos. Ham Scott
fez um barulho com a língua quando ela partiu.
— Gage Morgan ao resgate — murmurou. Gostas muito disso,
Morgan. O problema é que agora tens de pagar o preço por passar a
noite com essa mulher e Lily chamou a atenção de uma dúzia de
homens lá dentro. Vai ser caro.
— Eu pago pelo que quero — declarou Gage, suavemente e tirou
do bolso uma moeda de ouro de cinco dólares. — Toma. Acho que com
isto te paguei a companhia de Lily até amanhã. Agora, vou vigiar o meu
investimento.
— Diz-lhe que já pagaste por tudo o que queiras. Tens de
conseguir alguma coisa que valha a pena — Ham sorriu. — Chama-se
Devereaux. Lily Devereaux. As francesas são boas no que fazem.
Gage voltou a sentir-se enojado ao ouvir aquilo, contudo, manteve
uma expressão neutra, assentiu e entrou no bar. Sentou-se numa das
mesas e chamou Lily com um gesto. Ela aproximou-se.
— O que deseja? — perguntou ela com voz rouca, como se
estivesse a tentar conter as lágrimas. Gage teve pena dela.
— Só um uísque, Lily. Esperarei aqui até que acabes de trabalhar
e depois iremos para o meu camarote.
Ela hesitou uns segundos. Depois assentiu e virou-se. Gage
observou-a enquanto caminhava para o balcão e, ao reparar que os
olhares dos homens se cravavam nela, sentiu-se tão possessivo que não
soube o que pensar.
Ao fim e ao cabo, tinha passado por muito para conseguir a
companhia de uma mulher para aquela noite. Podia sentir-se ciumento
durante as horas seguintes, porque tinha pagado o preço.
Doíam-lhe os pés e a cara, por ter de forçar o sorriso e mantê-lo
nos lábios. Lily Devereaux pensava que tinha chegado ao limite da sua
resistência. Se não tivesse sido por aquele Morgan, naquele momento
estaria a lutar contra aquele homem que tinha tentado levá-la do bar
um pouco antes. Sem dúvida, o senhor Scott tê-lo-ia permitido.
Também sem dúvida, Morgan esperava que o compensasse de
alguma forma pelo resgate. A lembrança da sua essência permanecia na
sua cabeça, aquele vago cheiro a fumo de tabaco e a fragrância do
creme de barbear, o cheiro de um exemplar masculino disposto a
encontrar uma mulher. Não tinha dúvida nenhuma de que lhe dedicaria
toda a sua atenção, assim que tivesse acabado de trabalhar no bar.
Até naquele mesmo instante, sentia o seu olhar no corpo. Aquele
vestido que trazia era muito justo, e os sapatos ficavam-lhe pequenos.
Era evidente que a última mulher que tinha trabalhado naquele saloon
não tinha muito peito e as curvas de Lily, muito mais exuberantes,
ameaçavam sair do decote. Tentou não prestar atenção aos olhares dos
homens, cravados nela.
Recordou que a sua mãe lhe dissera que os homens só se
casavam com as mulheres que respeitavam e que teria de ser modesta.
Aquilo era verdade. Durante os dois anos anteriores, Lily tinha
acumulado vergonha suficiente para encher uma vida. O soldado da
União que tinha negociado com ela enquanto segurava uma tocha na
mão e a chama se refletia nos seus olhos, tinha-lhe oferecido uma
escolha que, na verdade, não era escolha nenhuma. Depois, ele tinha
mantido a sua promessa. Pelo menos, de certo modo.
Abanou a cabeça, como se com aquele gesto pudesse apagar o
passado da mente.
— Leva as bebidas àqueles três da esquina pediu o empregado do
balcão. Ela olhou para ele atentamente. — Dois centavos cada um, Lily
— informou o homem, ao estender-lhe uma bandeja de madeira e
apontou com a cabeça para três homens sentados numa mesa.
Enquanto se dirigia para eles com as bebidas, as vozes
barulhentas e roucas dos homens sossegaram-se e todos os olhos
repararam em May Kettering, a beleza loira que acabava de subir para o
palco e cuja voz podia rivalizar com a de uma cantora de ópera. Aquela
mulher, voluptuosa e escultural, conhecia o poder que tinha sobre o seu
público. Lily pensou que ir cantar depois dela seria um anticlímax.
Ouviu-a como todos os outros, porém, sabia que o resto dos
homens não entendia nada da letra que estava a cantar. No entanto,
havia qualquer coisa naquela música que lhes chegava diretamente à
alma, e até aqueles que nunca tinham ouvido nem visto uma ópera
ficaram comovidos pela beleza da música.
A última nota da canção de May foi acolhida com uma estrondosa
ovação, e a cantora fez um gesto para apontar para o pianista, cujo
talento também era muito superior ao que se podia ter esperado num
lugar como aquele. May fez uma pausa e a música começou de novo. A
sua voz encheu a sala, dessa vez em inglês, com palavras de amor,
melancolia e dor. Quando acabou, a sala ficou em silêncio durante uns
segundos até que ela saiu do palco, altura em que os aplausos e as
saudações voltaram a explodir.
— Tu consegues cantar assim? — perguntou-lhe Ham, que se
tinha aproximado dela sem que Lily percebesse.
— Nem parecido — admitiu ela. — Tenho uma voz agradável,
contudo, canto sobretudo baladas. Ao lado de May, pareceria uma
menina de escola.
— Não com esse vestido que tens — replicou Ham, a olhar para
ela com um sorriso. — Querida, não te pareces com nenhuma menina
que eu conhecesse na escola.
Ela sentiu as faces a arder e olhou para onde Morgan estava
sentado. Ele estava a observá-los com os olhos semicerrados.
— A que horas posso sair? — perguntou.
— Daqui a meia hora, mais ou menos — respondeu Ham. —
Deixarei que saias mais cedo, já que Morgan pagou adiantado.
Ela respirou fundo.
— O quê? A quem pagou?
— A mim, querida. Pelo que me deu, mais vale que o mantenhas
contente toda a noite.
Ela olhou para ele fixamente.
— O que acontece se não o fizer? Que se passará nessa altura?
— Então não cantarás para mim amanhã e terei que dizer pelo bar
que os teus serviços estão disponíveis quando fecharmos à noite.
— Isso é chantagem. Não me contratou como prostituta, senhor
Scott.
— A quem vais queixar-te, menina Devereaux? Eu sou o dono
deste barco e o que eu digo é a lei. Não vamos atracar em nenhum
lugar pelo menos em dois dias. Eu diria que é melhor que estejas à
altura do que o senhor Morgan espera.
Lily caminhou para o bar, a abrir caminho cegamente entre os
homens que se interpunham no caminho, enquanto tentavam pôr as
mãos em cima dela e lhe faziam sugestões vis. Estava quase a chorar
quando chegou ao balcão e se apoiou, quase incapaz de controlar o
tremor das mãos.
O empregado, um homem chamado John, empurrou uma bandeja
para ela.
— Isto vai para essa mesa ao lado da porta, Lily — pediu,
suavemente. — Estás bem, querida? — perguntou-lhe, a ajudá-la a
levantar a bandeja pesada.
— Não e, além disso, não acho que vá melhorar.
— Oh, oh — replicou o empregado nessa altura. — Aproximam-se
problemas.
— Ajudar-te-ei com essa bandeja, Lily ofereceu-se Gage Morgan,
que se tinha aproximado dela por trás, e o empregado olhou para ele
fixamente.
— Lily não quer problemas, senhor Morgan
— afirmou.
— Eu não vou causá-los — replicou Gage. Só queria dar-lhe uma
mão.
Lily sentiu o seu calor nas costas e observou as suas mãos fortes
quando agarrou na bandeja sem qualquer esforço. Aquilo era quase um
alívio. Quando ele a seguiu até à mesa que tinha de servir, os outros
homens não a incomodaram.
— Dois centavos cada — informou, agradavelmente, e sorriu
quando os homens responderam com rapidez e puseram as moedas na
bandeja, em conjunto com uma gorjeta para ela. Morgan virou-se para
o lado, assentiu quando ela se virou e acompanhou-a até ao balcão
novamente com uma pequena cerimônia que foi o centro da atenção de
toda a sala.
— Obrigada — sussurrou Lily, enquanto ele pousava a bandeja
sobre o balcão de novo.
Entregou o dinheiro ao empregado e pôs a gorjeta no espartilho.
Então ouviu um som sufocado, que Morgan tinha emitido, e olhou para
ele. Ele, por sua vez, tinha o olhar cravado no lugar onde Lily tinha
posto as moedas. Aquele vestido era demasiado pequeno e o decote era
o mais baixo que ela alguma vez tinha usado. Sentia os seios
esmagados, prestes a sair do tecido. Puxou o decote do vestido para
cima, no entanto, não serviu de nada. Morgan pigarreou e olhou para o
empregado.
— Dê-me um copo de uísque, por favor pediu a John, com a voz
estrangulada.
John sorriu.
— É uma mulher linda, não é? — comentou John, enquanto lhe
servia a bebida.
— Sim, com certeza. É muito mais do que todos estes palhaços
merecem.
— Acho que me expressei mal. Ela é uma dama. Soube assim que
abriu a boca esta manhã.
Enquanto John bebia de um gole o licor como se fosse um remédio
repugnante mas necessário, Lily ficou a olhar para os dois homens,
espantada que falassem dela como se não estivesse ali.
— Não sou nenhuma dama, senhor Morgan!
— exclamou, finalmente. — Uma senhora não se veste assim nem
serve bebidas num bar.
— Ah! — exclamou ele, suavemente e tocou na sobrancelha com o
dedo indicador, como se estivesse a cumprimentá-la. — No entanto,
acho que és uma mulher respeitável, Lily. Acho que ainda te comportas
como uma dama, apesar do que tenhas vestido ou qual seja o teu
trabalho.
— Não sou muito boa em algumas coisas replicou, atrevida. —
Talvez te arrependas de ter pagado a Ham Scott pela minha companhia
acabou. Enquanto falava, sentiu que corava, e pensou que,
evidentemente, se sentia envergonhada.
Morgan sorriu lentamente e olhou para ela com os olhos
semicerrados.
— Duvido que me decepciones, menina Lily.
— murmurou e ela percebeu que fixava o olhar mais uma vez no
seu peito, como se conseguisse desenhar a silhueta das moedas que ela
guardara.
Naquele momento, Ham Scott aproximou-se deles e fez um gesto
com a cabeça a Lily. Ela arqueou uma sobrancelha em jeito de pergunta.
— Suponho que já cumpriste o teu trabalho por esta noite no bar
— informou Ham e depois olhou para Morgan. — Tens trabalho amanhã
— acrescentou. — Tens de cantar para mim amanhã cedo.
— Deixarei que durma bem — retorquiu Morgan e segurou Lily
pelo cotovelo. — Vamos, Lily — murmurou ao seu ouvido e guiou-a para
uma porta que estava aberta e dava para a coberta. Quando saíram do
bar, ela parou.
— Antes de ir ao teu camarote, eu tenho que ir ao meu para ir
buscar as minhas coisas.
— Que coisas? — perguntou Gage, ao apertar-lhe suavemente o
cotovelo, como se lhe incomodasse o fato de a perder de vista.
— A minha camisa de dormir, por exemplo explicou e o silêncio
quebrou-se com uma gargalhada suave de Morgan.
— Não vais precisar dela, Lily.
— Também preciso da minha escova do cabelo e de creme —
respondeu ela, quase sem fôlego, enquanto assimilava as suas palavras.
— Não posso ir para a cama sem lavar a cara.
— Está bem — respondeu ele e seguiu-a para o seu camarote.
— Quanto pagaste por mim — perguntou ela.
— Tem alguma importância? — ele deslizou a mão para baixo pelo
seu braço e agarrou os seus dedos na palma.
Lily encolheu os ombros.
— Acho que não, porque de qualquer forma não estarei à altura
das expectativas. Não trabalho nisto, senhor Morgan.
— Já percebi que não, Lily Devereaux apertou-lhe os dedos e ela
sentiu alívio durante um instante, não soube se pela sua resposta ou
pela carícia.
— Como sabes o meu apelido? — perguntou
ela.
— Ham me disse.
— Quando? — perguntou ela e parou junto a uma porta. Depois
colocou a chave na fechadura.
— Anteriormente, na coberta, depois de teres voltado a entrar no
bar.
Ele esperou lá fora enquanto ela entrava no quarto e procurava as
suas coisas às escuras. Partilhava aquele espaço com outras duas
mulheres e era tão pequeno que Lily tinha memorizado o lugar onde
deixara cada uma das suas coisas. Todas elas cabiam na pequena cama
de armar onde deveria ter adormecido naquela noite. Durante aqueles
instantes, lamentou que o seu destino durante as próximas horas
tivesse mudado.
— Já está — retorquiu ela, ao sair novamente para a luz da lua. —
Acho que tenho tudo o que necessito.
Morgan observou o que trazia nos braços e sorriu amavelmente.
No entanto, não resistiu à tentação de brincar com ela.
— Estou a ver que trouxeste a camisa de dormir de qualquer
forma.
Ela assentiu, incapaz de articular palavra. O seu coração batia
acelerado perante a idéia de ter de ganhar a vida de uma maneira que
pensava ter deixado para trás para sempre. Viu de novo a cara do
coronel ianque sobre a de Gage Morgan durante um instante.
Pestanejou e o rosto esfumou-se, no entanto, a sua lembrança ficou-lhe
na mente como um rescaldo brilhante.
— Não sei porque pensaste que eu ia casar-me contigo, Yvonne —
afirmara com uma gargalhada de desprezo. — Achava que eras mais
inteligente. Um homem deve casar-se com uma mulher da sua classe,
não com uma beleza do Sul que nem sequer sabe falar bem inglês.
Lily sempre lamentaria o momento em que lhe tinha cravado o
atiçador da lareira na cabeça. Todas as noites revivia aquele momento.
Desde que o tinha feito, estava a pagar o preço da raiva que a tinha
possuído há dois anos em Nova Iorque.
Fechou os olhos e reparou que Morgan estava a acariciar a sua
face.
— Estás bem? — perguntou-lhe, com os olhos semicerrados.
Depois sorriu ligeiramente. — Não queria incomodar-te, Lily. Não me
importo com a camisa de dormir. Entendo.
Ela abriu os olhos e fixou o olhar no rosto daquele homem. Já não
se parecia em nada com aquele ianque. Até a sua forma de falar era
mais suave e tinha um ligeiro sotaque do Sul.
— Não faz mal — replicou ela, a obrigar-se a sorrir também. —
Trouxe a camisa de dormir para quando tiver de voltar amanhã para o
meu quarto.
— E possível que não te deixe ir embora, amanhã — respondeu
ele, calmamente. — De fato, é possível que te queira ao meu lado
durante toda a viagem.
— Podes fazer isso? — perguntou-lhe ela, enquanto seguiam para
a estreita escada que os conduzia à coberta superior. Começaram a
subir e ela ouviu um murmúrio, uma evasiva.
Morgan parou-a no primeiro patamar das escadas e puxou-a para
ele. Depois pousou os seus lábios na testa de Lily.
— Sim, posso fazê-lo — respondeu e Lily sentiu uma segurança na
sua voz que a levou novamente a um estado próximo ao pânico.
-Mas... Ham...
Morgan silenciou-a com um gesto simples.
Inclinou a cabeça um pouco mais e manteve-a imóvel, ao segurar-
lhe a cabeça com uma mão e, com a outra, apertou-a contra o seu
corpo. Ela sentiu o calor e o beijo longo e úmido de um homem do qual
não ia conseguir escapar. Começou a tremer entre os seus braços,
porém, ao mesmo tempo, sentiu um momento de impaciência tão
grande que a afligiu.
Lily entrou no camarote e parou. Tudo estava às escuras e não
podia continuar. Atrás dela, Morgan fechou a porta e Lily conteve a
respiração ao sentir que lhe punha a mão no ombro para a guiar para o
centro do quarto.
— Não vejo nada — sussurrou ela. — Não vais acender a luz?
Então, ele aproximou-se da mesa-de-cabeceira e acendeu uma
das candeias com um fósforo.
— Melhor assim? — perguntou-lhe.
A luz era demasiado brilhante, pensou Lily enquanto olhava em
seu redor. O camarote era simples, até mesmo espartano. Não havia
nada acolhedor nele. A cama era um beliche bastante grande e ao seu
lado havia uma cadeira onde descansava a mala aberta. Havia também
uma mesa com um jarro de água e uma bacia, uma toalha dobrada com
esmero e os utensílios de barbear. Em poucos segundos, ela já tinha
estudado tudo o que a rodeava e depois olhou para ele, consciente de
que não tinha respondido à sua pergunta.
— Sim, obrigada. Estou bem — afirmou. No entanto, o seu
coração batia rapidamente e tinha as mãos suadas.
— Eu seguro nas tuas coisas — ofereceu-se ele e estendeu as
mãos.
— Não, obrigada. Não é necessário. Diz-me apenas onde posso
trocar de roupa — pediu e ao pronunciar aquelas palavras percebeu que
nem sequer havia um biombo onde pudesse preservar a sua intimidade.
— Aqui mesmo — retorquiu ele, com os olhos brilhantes. Depois,
levantou uma mão e acariciou-lhe a cintura. Tinha os dedos longos,
elegantes e bronzeados. Lily teve um momento de pânico enquanto ele
subia até à linha que afastava a pele do vestido no decote.
— Queres que te ajude?
— Não — recusou ela, a abanar a cabeça com veemência e deu
um passo para trás. — Eu faço-o sozinha — acrescentou rapidamente.
Sabia que uma moeda de cinco dólares era um preço muito alto por
uma mulher cujo valor ainda estava por determinar.
— Está bem — concordou ele, agradavelmente e apoiou-se na
porta para a observar. Os seus olhos pareciam ainda mais escuros à luz
do candeeiro. Passou o olhar pela curva do peito e depois pelas ancas.
Lily sentiu que corava e que lhe ardia a pele e, para disfarçar, virou-se e
começou a tentar desabotoar botões das costas enquanto lhe tremiam
as pernas. Ele aproximou-se e tocou-lhe no ombro suavemente para
parar os seus esforços.
— Lily? Começa com o cabelo — pediu Morgan. — Solta-o por
favor.
— O cabelo? — ela obedeceu e levantou as mãos até às travessas
para o soltar. Os caracóis caíram-lhe pelos ombros e ele pegou numa
madeixa entre os dedos para a acariciar e sentir a sua suavidade.
Os olhos cinzentos brilharam como a prata quando soltou o
caracol e levantou a mão até ao pescoço de Lily. Deixou que a palma se
adaptasse à sua nuca e pôs os seus longos dedos entre o cabelo. Sem
aviso prévio, inclinou a cabeça e a sua boca tocou na pele dela, a abrir-
se para tomar o seu lábio inferior e o sugar suavemente. Emitiu um
suave gemido que avisou Lily do perigo, enquanto lhe passava o outro
braço pela cintura e a puxava contra o seu corpo.
O beijo ganhou um ângulo mais sedutor e ele invadiu o interior da
sua boca. De novo, um gemido áspero avisou Lily que não podia
recusar-se a Gage Morgan e encolheu-se sem conseguir evitar perante a
força do seu desejo.
De repente, inesperadamente, as lágrimas derramaram-se pelas
suas faces e Morgan ficou imóvel. Lily sentiu que os lábios que tinham
exigido a sua submissão se suavizaram e se abriram um pouco, úmidos
e quentes contra a sua boca.
— Não te farei mal, Lily — murmurou ele. com a mão que lhe
estava a segurar a nuca,
fez-lhe uma carícia terna, porém, ela continuou a tremer entre os
seus braços. A sua fragrância, um cheiro de flores misturado com o de
mulher, era uma tentação e Morgan inspirou profundamente. Sentia que
Lily se submetia às suas carícias, contudo, continuava a tremer e
percebeu que a atração que sentia por ela não era mútua. Não tinha
conseguido despertar a paixão naquela mulher.
— Está bem, bolas! — praguejou Morgan, ao ouvir um soluço
quase silencioso de Lily e teve remorsos ao sentir que estava cada vez
mais encolhida sob as suas carícias. Então abriu os olhos e viu que as
lágrimas continuavam a cair pelas suas faces. Franziu o sobrolho e
abanou a cabeça.
— Lily... lamento — desculpou-se e secou-lhe as lágrimas das
faces com ambas as mãos. Tinha intenção de me comportar como um
cavalheiro. Normalmente, não sou tão desajeitado quando estou com
uma mulher — tinha passado demasiado tempo, pensou. Demasiados
meses sem as carícias femininas.
Inclinou novamente a cabeça para ela e beijou-lhe a testa.
— Posso começar de novo? — perguntou-lhe. Nessa altura, sem
esperar resposta, deu-lhe a volta dentro dos seus braços e começou a
desabotoar-lhe o vestido.
— Como conseguiste vestir isto? — perguntou-lhe, enquanto
lutava com os minúsculos botões.
— Uma das raparigas ajudou-me — explicou ela e tremeu
novamente ao sentir as suas mãos na pele, à altura da cintura. — Por
favor, podias apagar o candeeiro?
Ele respondeu num tom divertido.
— Nunca ninguém te disse que há coisas que é melhor fazer com
luz? — perguntou-lhe e fez com que voltasse a virar-se. Sorriu, ao ver
que ela segurava o vestido contra o peito.
— Não vais deixar que te veja?
Lily mordeu o lábio com tanta força que sentiu o sabor do sangue.
Tinha consciência de que ele estava a ter mais paciência do que ela
tinha o direito de exigir.
— Eu disse-te que não sou muito boa nestas coisas — sussurrou.
— Receio que não valha os cinco dólares.
Ele inclinou a cabeça ao mesmo tempo em que o seu sorriso se
desvanecia. Talvez tivesse visto algo nela que o manteve imóvel e os
seus olhos obscureceram-se. As suas palavras soaram ásperas e um
pouco cínicas.
— Quantos homens compraram os teus favores, Lily? Cem?
Cinqüenta, talvez?
Ela engoliu em seco, sem se atrever a responder.
— Sou o primeiro? -Não.
Não era, tinha de ser completamente honesta. O coronel ianque
tinha pagado o preço da sua docilidade cinco anos antes e, no processo,
tinha-a transformado numa prostituta quando a tinha levado da sua
casa.
— Mas não fizeste isto com freqüência, pois não?
— Não. No entanto — redargüiu, a olhar para ele, decidida, —
creio que conseguirei aprender alguma coisa, senhor Morgan.
Ele suspirou e abanou a cabeça. Ainda que continuasse a sentir a
sua tentadora essência, rejeitou a dor que sentia no ventre e abandonou
a idéia de levar aquela mulher para a cama.
— Mas não esta noite, Lily — declarou. — Eu não vou deitar-me
com uma mulher que chora quando a acaricio.
— Se Ham Scott descobrir... — ela interrompeu-se e voltou a
morder o lábio no mesmo sítio onde o sangue tinha começado a secar.
— Não descobrirá — garantiu Morgan e acariciou-lhe o queixo
suavemente. — Não faças isso, Lily. Já fizeste sangue — então olhou
para ela e abriu muito os olhos. — Ou fui eu que fiz?
Que importância teria aquilo?, perguntou-se Lily. No entanto,
abanou a cabeça para lhe tirar aquela preocupação.
Sentia as suas mãos quentes nas costas e, quando voltou a falar,
as suas palavras foram amáveis.
— vou virar-me de costas para que possas vestir a camisa de
dormir calmamente.
Depois, virou-se para a porta e, rapidamente, Lily tirou o vestido e
vestiu a camisa de dormir.
— Agora o que fazemos, senhor Morgan? perguntou-lhe. — Aqui
tenho seis centavos e posso devolver-lhe também um dólar que tenho
no meu quarto.
— Olha para mim — pediu ele com aspereza.
— Não voltes a mencionar o dinheiro. Achas mesmo que eu ia
aceitar?
Ela abanou a cabeça.
— Suponho que não, porém, de qualquer forma, não o conheço.
— Não tão bem como me conhecerás de manhã, Lily — retorquiu
ele. — Nunca comprei os favores de uma mulher e acho que te agradeço
que me tenhas ajudado a não perder o meu recorde.
— Então, o que espera por cinco dólares?
— Acho que quero saber quem é Lily Devereaux — respondeu ele.
— De onde vens e, mais importante ainda, para onde vais.
Lily riu-se sem alegria.
— Lily Devereaux só existe neste barco confessou ela. — É uma
pessoa nova, Morgan.
— O que significa isso? — perguntou ele, sem se alterar.
Parecia que sabia que ela responderia mais facilmente à sua
persuasão que à imposição.
Lily abraçou-se pela cintura e percebeu que Morgan estava a
observar as curvas dos seus seios enquanto os seus próprios antebraços
os levantavam.
— Não olhes assim para mim — pediu, enquanto corava de novo.
— Por cinco dólares devia poder olhar, Lily
— replicou ele, com paciência. — Já te prometi que não terei mais
do que estejas disposta a dar-me livremente.
— Se te dissesse... — começou ela, porém, interrompeu-se e virou
a cara.
— O quê?
De repente, Lily sentira a imperiosa necessidade de conseguir um
pouco de respeito e aquilo a impulsionou a continuar a falar.
— Eu não sou o que tu pensas. Não ganho a vida assim.
— Já tinha percebido. Não sei exatamente o que és, Lily, contudo,
sei que trabalhar num barco do rio não é o teu contexto. Vamos, podes
deitar-te entre os lençóis — concedeu, a apontar para o beliche. — Não
te preocupes, eu ficarei cá fora de momento.
Então, Lily deitou-se rapidamente e tapou-se. Ele aproximou-se e
ficou a olhar para ela. Depois fez um gesto com a cabeça, para pedir
sem palavras que se afastasse da beira da cama e lhe desse um espaço
e sentou-se ao seu lado.
— Agora, a menos que queiras que mude de opinião, menina,
quero que me digas quem é Lily Devereaux — insistiu e esperou. Ela
engoliu em seco e levantou as mãos, num gesto de indefesa.
— Não percebo o que queres saber, Morgan. Sou do Sul...
— Isso já sei, querida — respondeu ele, brincalhão. — Diz
qualquer coisa de novo. Como por exemplo, quem está à tua procura.
Ela empalideceu e ele sentiu-se satisfeito. Parecia que as suas
suspeitas eram verdadeiras. Aquela mulher estava a fugir de alguém.
— Lily? — insistiu. Ao ver que ela não continuava, desceu um
pouco o lençol e começou a brincar com a borda do tecido.
— Ninguém anda à minha procura — respondeu ela. — Fui ao
Norte depois da guerra e estive lá a trabalhar. Depois de um tempo
soube que o tempo frio não era bom e decidi descer mais para Sul, para
casa.
— Onde fica a tua casa? — perguntou-lhe despreocupadamente.
Ela fez um subtil movimento para se afastar, no entanto, Morgan
segurou-a pelo pulso firmemente, com uma força calculada.
— A Sul daqui — respondeu ela. — Não vou dizer-te mais nada,
Morgan.
_ Como chegaste ao Norte? É uma viagem muito longa.
— A principio fui a cavalo e depois de diligência. Finalmente,
apanhei o comboio.
— Está bem. Mais uma pergunta. E quero a Verdade, Lily. Estavas
com um homem?
Ela hesitou e aquela pausa ínfima facilitou a Cage Morgan a
informação que tinha requerido.
Depois, Lily levantou o queixo e nos seus olhos brilhou uma faísca
de rebeldia.
— E se estivesse?
Cage Morgan abanou a cabeça.
— Não importa. Só queria saber se foste sincero comigo.
pontudo, importava, na verdade. Mais do que ele mesmo pensava.
Lily Devereaux tinha segredos e ele tinha começado a sentir uma
tremenda urgência por conhecê-los. Aquela mulher tinha de saber que
trabalhar no saloon de um barco do rio implicava certos riscos. Alguma
coisa, ou alguém, a tinha empurrado a aceitar aquela situação tão
desesperada.
Tudo aquilo era um mistério e Gage Morgan entusiasmava-se a
desvendar mistérios. Co,n um suspiro, fez-lhe um gesto para que lhe
desse lugar no beliche.
_ vou dormir ao teu lado — declarou. Depois, tirou as botas e a
camisa e deitou-se em cima do lençol.
Morgan esperou que adormecesse e depois a abraçou.
Lily acordou, sobressaltada, ao sentir um peso na cintura e o vulto
quente e grande de um homem ao seu lado. Susteve a respiração e,
frenética, tentou livrar-se do braço que a aprisionava.
No entanto, o braço não cedeu e o seu dono murmurou, meio
adormecido:
— Lily, tem calma. Não faz mal. Morgan. Ela pronunciou o seu
nome, decepcionada e assustada ao mesmo tempo.
— Prometeste-me que...
— Prometi-te que não te faria mal, Lily. Além disso, ontem te
disse que ia dormir na mesma cama — recordou ele. Depois abriu os
olhos e bocejou. — No caso de Ham Scott me perguntar alguma coisa,
posso dizer-lhe sem necessidade de mentir que te tive nos braços toda a
noite — replicou, com um sorriso rápido. — Depois de adormeceres —
acrescentou com atrevimento.
— Por favor, deixa-me levantar — rogou, consciente de que
estava à sua mercê. Então, ele segurou-lhe o queixo e fez com que o
olhasse na cara.
— A partir de agora e até que cheguemos ao Golfo, dormirás na
minha cama, Lily.
Ela abanou a cabeça, assustada.
— Porquê? Porque haverias de querer que passasse a noite aqui,
Morgan? Não te servirá de nada.
Ele encolheu os ombros.
— Não sei — admitiu. — Talvez seja porque não quero partilhar-te
com ninguém, apesar de não estares preparada para me dar o que
paguei — afirmou, com uma suave gargalhada.
No entanto, pareceu-lhe que havia algo mais e ficou com os
cabelos em pé. Cerrou os punhos e o queixo.
— Eu pago as minhas dívidas, Morgan. Se quiseres...
Ele endireitou-se com um movimento tão rápido que a apanhou de
surpresa. Segurou-a pelos braços contra o colchão e o seu enorme
corpo ergueu-se sobre ela. Lily sentiu-se como a presa de um caçador.
Olhou para ele na cara e percebeu que tinha os lábios cerrados e um
olhar de raiva.
— Não me deves nada — retorquiu, pronunciando as palavras em
voz baixa. — Já te disse que não vou pedir-te nada — repetiu e, então,
ao vê-la assustada, a expressão da sua cara relaxou-se. — Isto é tudo o
que vou pedir. — murmurou e inclinou-se para ela para juntar os seus
lábios com a boca que desejava. — Só um beijo. Provavelmente, o beijo
mais caro de que alguma vez tenha desfrutado.
— E esta noite? — perguntou-lhe, com medo da sua resposta.
Lily estava assustada de que, se ele se cansasse da sua recusa e a
deixasse livre e, ao mesmo tempo, desprotegida, aquela noite pudesse
proporcionar-lhe coisas muito piores. Por outro lado, suspeitava que, se
Morgan voltasse a pagar para estar com ela, se esperasse que dormisse
na sua cama de novo, possivelmente esgotar-se-ia a sua paciência e ela
ver-se-ia exposta a um perigo muito maior.
Morgan era um homem que podia imaginar como amante. Lily,
que tinha jurado que nenhum homem voltaria a acariciá-la, sentiu-se
relaxada perante aquela criatura masculina que se erguia sobre ela.
— Acho que já o tinha dito. Tu dormirás aqui — repetiu Morgan e
depois roubou-lhe outro beijo e libertou-a.
Lily levantou-se rapidamente do beliche e vestiu o robe que tinha
levado. Depois escovou o cabelo e começou a apanhar as suas coisas.
Naquele momento, ele levantou-se e tirou-lhe o vestido vermelho de
cetim das mãos.
— Eu fico com isso, de momento — declarou. — Acho que
pediremos a Ham que te arranje uma roupa diferente que possas vestir
hoje.
— vou meter-me numa confusão se aparecer sem o vestido —
avisou. — Tenho de cantar hoje de manhã para ele.
Morgan abanou a cabeça.
— Não vais levar este vestido. Veste o que tinhas quando entraste
no barco ontem.
Lily olhou para ele sem acreditar.
— Achava que gostavas dele.
— Eu gosto. No entanto, não gosto que os outros te vejam com
ele.
— Não penses que vais ter a última palavra nisto. Ham Scott não
é nenhum bonacheirão.
— Deixa que me preocupe com isso. Tu volta para o meu quarto
esta noite, quando tiveres acabado de trabalhar.
— Não tenho a certeza de que te possas dar-te ao luxo de me
comprar, Morgan. Nem sequer tenho a certeza de que queiras fazê-lo,
depois de dois dias. Receio que não leves a melhor parte deste acordo.
Até quando sorriu, no seu olhar havia decisão.
— Conseguirei o que quero — afirmou. Consigo sempre.
A porta abriu-se a chiar e ela deslizou para o seu camarote, em
busca de segurança.
— Lily? — Ham Scott estava à frente ela e a sua expressão tingiu-
se de desencanto quando a viu aparecer. — Perdeste o vestido vermelho
durante a noite? — perguntou-lhe.
— O senhor Morgan não me deixou vesti-lo esta manhã.
— Então, terás de o recuperar antes de trabalhar esta noite.
Vamos, vamos! Quero ouvir-te cantar.
May Kettering estava no palco, com um vestido leve de algodão, e
olhou para Lily enquanto cantarolava os últimos compassos de uma
canção.
— Obrigada — agradeceu ao pianista. Aprendeste imediatamente,
Charlie — Depois, virou-se para Lily e cumprimentou-a. — Vem cá,
querida.
Ham ficou a um lado enquanto Lily subia os três degraus do palco
e se aproximava da mulher.
— Eu adorei a forma como cantaste ontem à noite — elogiou Lily.
— Receio que não tenha muito talento comparada contigo. May arqueou
uma sobrancelha.
— Todos temos algum talento, Lily. Eu gostaria de ouvir o que tu
tens para oferecer.
Fez um gesto ao pianista e depois olhou novamente para Lily.
— Conheces Dream With Jeanniel — perguntou-lhe e começou a
cantarolar. Depois cantou uns quantos versos.
— Sim, conheço — respondeu Lily. Então, Charlie começou a tocar
umas quantas notas para dar a Lily o tom da melodia.
Ela concentrou-se em May, consciente de que a sua tábua de
salvação era a influência que a cantora exercia sobre Ham Scott.
Embora não tivesse preparação musical, Lily tinha boa voz e bom
ouvido, e começou a cantar a canção que May tinha escolhido.
Quando Lily acabou de cantar, May sorriu e assentiu em sinal de
aprovação.
— Cantas bem, querida — elogiou, quando se desvaneceu no ar a
última nota. — Baladas são o teu estilo.
Ham aproximou-se da beira do palco e olhou seriamente para a
estrela do seu espetáculo.
— Não era isso que eu tinha em mente, May.
Queria um contraste com a tua forma de cantar. Tu sabes, que
levantasse a saia e mostrasse um pouco as pernas. Uma canção rápida,
com letras que façam desfrutar os homens.
May deu uma gargalhada seca, estranhamente deselegante numa
mulher como ela.
— Não fazes idéia do que os homens esperam de uma cantora,
Scott. Lily tem um corpo que se destacará com o que quer que vista. Se
fizeres com que se perguntem como são as suas pernas, ficarão à beira
das cadeiras a olhar para ela, embevecidos.
— Bem, contudo, de qualquer forma não vais usar esse vestidinho
que tens agora — advertiu Ham rotundamente. — Quero que uses o de
cetim vermelho.
— Não — replicou Morgan, da porta. Aquela foi uma recusa firme
que transmitia
uma certa ameaça. A inflexão do seu tom de voz não podia passar
ao lado.
— Não voltará a vestir isto — Morgan aproximou-se de Ham com o
vestido nas mãos. Vamos atracar em algum sítio hoje, não vamos?
Ham assentiu, bastante irritado. Mesmo assim, conteve a língua,
porque não tinha vontade de discutir com o homem que tinha à frente.
— ótimo, então eu procurarei qualquer coisa para Lily vestir —
assegurou Morgan. Tem de ter um vestido que consiga que os outros
homens desejem tê-la, mas que, ao mesmo tempo, deixe claro que não
está disponível.
— Morgan, não vou investir dinheiro na rapariga para que pareça
o desenho de uma caixa de rebuçados e não se lhe possa tocar. Esses
homens estão dispostos a pagar pelas mulheres que querem.
Morgan ficou tenso e pôs a mão no bolso das calças.
— vou pagar-te pela sua companhia durante o resto da viagem —
retorquiu, suavemente.
— Muito bem. Desde que tenhas dinheiro para isso, é tua —
concordou Ham, depois de pensar por um momento. — Mas vais pagar
um preço alto, Morgan. Já tive várias ofertas.
— Este não é o lugar para falar disso _ advertiu Morgan, em voz
baixa. Depois olhou para Lily e acrescentou — Além disso, parece-me
que a menina também tem de dar a sua opinião.
Ela olhou para o chão, a desejar estar a milhares de quilômetros
dali, e sentiu-se aliviada ao sentir o braço de May sobre os seus ombros.
— Deixem a rapariga em paz — ordenou a cantora. — Tem coisas
mais importantes em que pensar neste momento. Temos de ensaiar.
Moveu os seus dedos longos com um movimento lânguido para os
dois homens e riu-se com uma gargalhada grave.
— Fora, os dois. Podem fazer esse negócio noutro lugar.
Morgan assentiu e olhou pela última vez para Lily, como se
estivesse a pedir-lhe a sua aprovação. Finalmente, o seu olhar parou na
sua cara e ela achou que tinha visto um ligeiro sorriso nos seus lábios.
— Está louco por ti — comentou May sem rodeios. — Deves ter-
lhe dado uma boa noite de...
— Não — negou ela firmemente, enquanto olhava para a outra
mulher diretamente nos olhos. — Não lhe dei nada, exceto conversa e
companhia até ao amanhecer.
May riu-se de novo, sem querer acreditar no que acabava de
ouvir.
— Bem, mas parece que o que fizeste deu resultado, querida.
Procura que não te suba à cabeça, de qualquer forma. Talvez um dia ou
uma noite te peça que lhe pagues pela sua proteção. Nunca tinha ouvido
dizer que Gage Morgan comprasse os favores de uma mulher. És a
primeira.
— Conhecê-lo?
— Veio no barco algumas vezes. Algumas vezes, para ser exata,
durante este último mês.
— É só um jogador ou tem outro trabalho? May encolheu os
ombros.
— Quem sabe? Joga, contudo, não me parece que seja por
necessidade, porque tem dinheiro. As raparigas dariam o braço direito
para que ele lhes prestasse atenção, porém, ele não é assim. Bem, e
agora vamos trabalhar. Esta manhã temos de ensaiar o programa e
ensaiá-lo bem. Ham Scott não te permitirá cantar no palco se não
dominares o público à primeira — explicou e aproximou-se de Charlie
para lhe dizer as canções que iam ensaiar. Um momento depois, May
sentenciou — Depois de te ouvir bem, acho que Ham Scott seria um
idiota se te pusesse a servir cervejas.
— Não sou um idiota — retorquiu o homem que entrava pela
porta. — Dar-te-emos uma oportunidade esta noite, Lily. Será tudo ou
nada.
Atrás dele, Morgan observou a cena com seriedade. Depois, virou-
se e saiu do bar.
Os aplausos ressoaram até ao teto do barco e Lily inclinou-se para
agradecer ao público. Enquanto ouvia sem fôlego a ovação, os assobios
e as saudações dos homens, desfrutou de um momento de puro prazer.
Gage Morgan estava a observá-la com as costas apoiadas no
balcão, com os olhos brilhantes sob os candeeiros de querosene. A sua
presença atraiu-a e, contrariada, Lily dirigiu um olhar para o homem
que estava a reclamá-la como se tivesse direitos sobre ela.
Afinal de contas, tinha mesmo. Já comprara a sua companhia para
toda a viagem. Dera a Ham sete moedas de ouro de cinco dólares cada.
Ela tinha presenciado como o dinheiro mudava de mãos e depois lhes
tinha virado as costas, a sentir-se como uma mercadoria.
Olhou para os homens que se amontoavam perante o palco e
esboçou um ligeiro sorriso. Depois, virou-se e retirou-se pela saída
lateral do palco. May aproximou-se dela por trás e tocou-lhe no ombro.
— Disse-te que adorariam, não disse? Morgan escolheu o vestido
mais adequado para ti, querida — May acariciou com os dedos o fino
tecido turquesa e passeou os seus olhos sábios pela figura esbelta de
Lily. — Tinha-los na palma da mão quando cantaste a última canção —
anunciou. — Aos homens, que estão longe de casa, não importa se são
duros, esta música chega sempre ao coração.
— Ham disse-me que me levantasse a saia e mostrasse as pernas
quando ando — informou Lily.
As suas palavras foram uma humilhação. «Os homens gostam das
pernas. Quanto mais longas, melhor.» Enquanto falava, Lily recordou
que aquele era o homem que a tinha vendido a Morgan como se lhe
pertencesse de corpo e alma.
— Não lhe faças caso — avisou May, com um sorriso. — Eu
recordo-lhe o quanto os homens gostaram de ti tal como estás agora.
Comigo não discutirá.
Aquilo era verdade. Se May ocupava o camarote de Ham não lhe
dizia respeito, pensou Lily, contudo, aquela mulher tinha influência.
— Agora — continuou May com energia, tens de encontrar algum
lugar onde descansar durante uma hora, mais ou menos. O teu próximo
número é às oito — lançou um olhar rápido a Morgan e ele arqueou uma
sobrancelha, a sorrir. — Tenta no camarote de Morgan. Ham não te
incomodará lá.
— Não — replicou Lily. — No entanto, é possível que Morgan me
incomode. Prefiro não me aproximar dele até ser obrigada a fazê-lo.
— Não acho que te incomode entre as atuações — retorquiu May.
— Isso está praticamente garantido. Não tens a chave do seu camarote?
Lily abanou a cabeça.
— Não. Suponho que terei de lhe pedir que me deixe entrar.
— Sim, terás de o fazer. Já não podes voltar para a tua antiga
cama — lembrou May. — Ham deu-a à mulher que contratou — tocou
no ombro de Lily para que lhe permitisse passar para o palco. — É a
minha vez — disse e puxou a saia vestido para a arranjar.
Os três degraus que conduziam para o bar estavam às escuras e
Lily apoiou-se na parede para ter uma referência. De repente, sentiu
uma mão no cotovelo e, sem olhar, reconheceu o cheiro de Morgan e a
submissão firme dos seus dedos. O suave sussurro com que lhe
agradeceu ficou perdido no alvoroço que os homens fizeram quando May
saiu para o palco.
— Vamos — incitou Morgan. — Parece que precisas de descansar.
Lily olhou para ele, quase divertida.
— Deves ter estado a falar com May. Foi exatamente o que ela
disse — respondeu Lily.
Doíam-lhe os pés. De certeza que os sapatos que Ham lhe dera
tinham pertencido à mulher que usava o vestido vermelho. O número
era demasiado pequeno para ela e tinha os dedos oprimidos na ponta.
Lily dirigiu-se para a porta da coberta e Morgan seguiu-a. Respirar
o ar fresco foi um enorme alívio, depois de sair da atmosfera cheia de
fumo do bar, e ela inspirou profundamente enquanto caminhava para o
corrimão. As suas mãos acariciaram a madeira suave e agarrou-se para
ver o rio.
O Mississipi, com as suas águas cheias de lama, era um rio
magnífico. Tinha pensado nisso ao vê-lo, dois dias antes, e não tinha
mudado de opinião. Ao seu lado, Morgan estava silencioso, e deslizou a
mão pelo cotovelo de Lily até ao seu ombro para a puxar para o seu
lado. Ela permitiu. Na verdade, não tinha outro remédio, pensou,
enquanto relaxava contra ele.
— Vais descansar um pouco? — perguntou-lhe, ao aproximar os
seus lábios à têmpora dela.
— Onde vais estar tu?
Ele ficou silencioso um momento e depois deixou escapar uma
gargalhada grave, que fez com que Lily ficasse com pele de galinha.
— Onde achas que vou estar? E o meu camarote, Lily.
— Porque não vais jogar pôquer durante um tempo? — o seu tom
de voz foi áspero, contudo, ela não lamentou nem por um instante.
— Esta noite não — respondeu Morgan e aquilo pareceu ser a sua
última palavra sobre o assunto, porque se virou e começou a andar para
o seu camarote.
Quando chegaram, não acendeu o candeeiro, só abriu as cortinas
para que a luz das estrelas iluminasse suavemente o quarto.
— Não necessitamos do candeeiro, pois não? — perguntou a Lily,
virando-se para ela.
— Eu não — respondeu Lily. — vou tirar estes sapatos horrorosos
e descansar os pés — atravessou o quarto e apalpou o final da cama.
Sentou-se e descalçou-se.
— Queres tirar o vestido? — perguntou-lhe ele, com um laivo do
Sul no sotaque que tomou a pergunta num convite sensual.
— Não, obrigada — ela pôs a almofada sob a cabeça e deitou-se
quase à beira da cama. Desejava com todas as suas forças que ele a
deixasse sozinha, no entanto, parecia que isso não ia acontecer. Morgan
sentou-se no extremo da cama e, com um movimento tranqüilo,
segurou nos seus pés e pô-los no colo.
— Morgan? — ela dobrou os joelhos para tentar escapar das suas
mãos, porém, ele segurou-a e sussurrou para a acalmar.
— Não vou magoar-te, Lily. Se fosse incomodar-te, tê-lo-ia feito
ontem à noite. Deita-te só aí e pensa em coisas agradáveis. vou ajudar-
te a descansar.
Foi o que fez. Quando ela obedeceu, ele começou a massagear-lhe
suavemente os pés, a esfregar os dedos, o peito e a planta com as suas
enormes mãos, sem nunca passar dos tornozelos. Ela fechou os olhos e
abandonou-se ao prazer de a mimarem daquela maneira, que quase
tinha esquecido.
— Em que estás a pensar, Lily? — perguntou-lhe ele, momentos
depois.
— Vais rir-te — respondeu ela. — Estava a lembrar-me de quando
era uma menina e a minha mãe me dava banho à noite, e depois
cortava-me as unhas dos pés e limava-me as unhas. Eu andava
descalça sempre que tinha hipótese e ela dizia-me sempre que as
damas usam sapatos.
— Tiveste uma infância feliz? — Morgan falava em voz baixa e a
sua voz misturava-se com as sombras do quarto, o que criava em Lily
um estado de relaxação de que não desfrutava há pelo menos um ano.
Ela assentiu, embora soubesse que ele não conseguia vê-la na
escuridão.
— Sim. Um lar maravilhoso. Os meus irmãos gozavam comigo
sem piedade, contudo, eu sabia que me adoravam. Ò meu pai... —
então a voz fraquejou e teve de engolir em seco para conter a emoção.
— Pôs-me sobre um cavalo quando tinha dois anos. A minha mãe
repreendeu-o imenso, porém, eu adorei.
— Onde vivias?
Ela saiu do seu sonho e puxou um pé para o tirar das suas mãos.
— Receio que muito longe da realidade. Num lugar para onde já
não posso voltar.
— Da realidade? — ele voltou a segurar-lhe o pé com firmeza. —
Está quieta, Lily — ordenou. — Relaxa mais uns minutos. Quando
voltares a calçar esses sapatos, arrepender-te-ás de desperdiçares a
oportunidade.
— Provavelmente — respondeu ela. Não queria discutir com
Morgan e muito menos tendo em conta que as suas mãos eram tão
quentes e tão suaves contra os músculos que estavam a distender.
— Quando atracarmos a próxima vez, vamos comprar-te um par
novo — replicou.' Depois, mudou de assunto. — Pensavas continuar no
barco até ao final do rio? — perguntou-lhe como se não tivesse muita
importância.
Ela conteve a respiração e pensou rapidamente numa resposta
convincente. Se lhe dissesse que tinha planeado sair do barco assim que
chegassem perto da sua casa, no Louisiana, era possível que ele
protestasse ou até mesmo que dissesse a Ham que a sua empregada ia
escapar. Por outro lado, ela nunca soubera mentir. A sua mãe sempre o
tinha dito.
— Bem, suspeito que não vais contar-me os teus planos, pois não,
Lily? — ele começou a deslizar a mão desde o seu tornozelo até à
barriga da perna.
— Não — sussurrou ela. — Por favor, Morgan
— Vais ficar no barco até ao final da viagem? — perguntou-lhe
novamente, a acariciar-lhe a perna.
-Não.
— Para onde vais?
Ele continuava a massagear-lhe os músculos, no entanto,
lentamente os seus dedos voltaram para o pé e ela deixou escapar um
suspiro de alívio.
— Não sei com certeza — respondeu, instantes depois.
— Para casa?
— Quero ir, contudo, não sei se é demasiado tarde para isso.
— Não se a tua família está preocupada contigo, Lily. Nunca é
demasiado tarde para voltar para casa se as pessoas que te amam
estiverem lá.
Ela riu-se suavemente.
— Olha quem fala. Quando foi a última vez que viste a tua família?
Que aconteceu com as pessoas que te amam, Morgan?
— Eu não tenho ninguém à minha espera em casa — confessou
ele.
— És um solitário?
— Não. Tenho vivido em quartéis com outros homens, mas não
ultimamente.
— Não viveste com uma mulher? — a escuridão fez com que se
atrevesse a perguntar-lhe e depois esperou em silêncio pela sua
resposta. Se esperava alguma revelação do passado daquele homem,
teve uma decepção, porque ele se limitou a pousar os seus pés no
colchão e levantou-se da cama.
— Devo bater à porta dez minutos antes de teres de voltar para o
palco de novo — avisou ele. A sua voz soou remota, fria, como se se
tivesse escondido dela. Num segundo, atravessou o quarto e saiu.
Lily olhou para a janela, onde se vislumbravam a lua e as estrelas.
Aquele homem era diferente. Não se parecia com nenhum outro que ela
tivesse conhecido. Ou talvez se parecesse. Era um pouco parecido com
o seu irmão Roan, aquele homem forte e silencioso que fora lutar com o
outro bando durante a guerra e tinha partido o coração à sua mãe.
Fechou os olhos ao recordar o lugar onde tinha nascido e crescido,
River Bend. As palavras vibraram na sua mente. As imagens da enorme
plantação, da casa branca, dos cavalos que o seu pai criava, os campos
cheios de trabalhadores, tudo se misturou como um caleidoscópio na
sua mente, com os olhos fechados.
Lily cantou quatro canções, sem fazer sequer uma pausa entre
elas. Depois saiu do palco e encontrou-se com Ham, que estava à
espera dela numa saída lateral. Observou-a com o sobrolho franzido e
baixou o olhar pelo vestido.
— Não achava que eles fossem gostar de ti com esse vestido —
resmungou. — Tenho de admitir que Morgan tinha razão. O vestido fica
muito bem com a música.
— Obrigada — respondeu Lily e acariciou o tecido suave da saia.
— É o mais bonito que visto há muito tempo.
— Morgan disse-me que comprou outro, branco e com enfeites
pelos ombros. Espero que mostre um pouco mais.
Lily assentiu.
— Ainda não o experimentei, contudo, suponho que ficará bem,
porque tem o mesmo corte que este.
Ham esboçou um sorriso e inclinou a cabeça para olhar para ela
de cima a baixo.
— Parece-me que Morgan já está bastante familiarizado com o
teu...
— Basta — alguém pronunciou aquela palavra de uma maneira
que fez com que Ham ficasse petrificado. Morgan não ia deixar que o
homem abusasse nem o mínimo e Lily agradeceu.
— Apetece-te beber alguma coisa? — perguntou a Lily, ao virar as
costas ao dono do barco. — Tens de entrar novamente daqui a dez
minutos, não tens?
Ela assentiu e seguiu-o até ao bar. Lily sentou-se numa mesa
junto à parede e Morgan aproximou-se do balcão. A bebida que lhe
levou era fresca e tinha sabor a limão, com um gosto de algo mais forte.
— Eu não bebo — informou ela, depois do primeiro gole.
— Não tem muito álcool — replicou Morgan.
— Tem o suficiente para que relaxes um pouco. Ham tinha-te um
pouco encurralada aqui dentro.
— Acho que não está contente com o teu interesse por mim —
comentou ela e deu outro gole à bebida.
— Então, pior para ele — Morgan sentou-se ao seu lado e pôs o
braço sobre a costas da cadeira de Lily. Era um sinal inconfundível e
deliberado e os homens que estavam a observá-los de soslaio
perceberam. — Não te preocupes tanto — murmurou e levantou o copo
da mesa para lhe oferecer mais um gole.
— Bebe um pouco mais. Sentirás um alívio na garganta com um
pouco de álcool.
Quando Lily subiu ao palco, teve de reconhecer que era verdade.
A música envolveu-a e o pianista observou-a com um sorriso de
satisfação quando entoou as primeiras notas.
Entre canção e canção, Lily ficava silenciosa, sem falar com
aqueles que estavam a olhar para ela. May, pelo contrário, tinha um
repertório interminável de anedotas e uma mente muito rápida e
engenhosa e isso, em conjunto com a qualidade da sua música, fazia
com que fosse a favorita do público.
No entanto, quando Lily cantou naquela noite, viu que a emoção
se refletia nos rostos daqueles homens e. sentiu que ficavam iludidos
com ela. Talvez fosse o vestido, pensou, de corte simples, elegante. Ou
talvez fosse a música. May tinha razão: as coisas simples funcionavam.
O entretenimento daquela noite era formado por três números, o
último era um trio de bailarinas que pôs os homens em pé. Atiraram-se
sobre as raparigas quando elas desceram do palco e, entre gargalhadas
e brincadeiras picantes, tiveram de se defender com unhas e dentes das
mãos dos seus admiradores.
Numa mesa ao fundo havia seis homens a jogar pôquer, homens
que desciam pelo rio com a esperança num baralho de cartas. No
entanto, Morgan cumpriu a sua palavra e não se juntou a eles naquela
noite. De fato, mal afastou o seu olhar de Lily e quando ela recebeu a
permissão de Ham para sair, Morgan seguiu-a da sala à coberta.
— Pronta para ir para a cama? — perguntou-lhe ele, ao passar o
braço pela cintura para a puxar para si.
Ela sentiu um nó na garganta e não conseguiu pronunciar palavra.
Assentiu, com um ligeiro movimento da cabeça e tentou afastar-se dele.
— Não, Lily — advertiu ele, a segurá-la com firmeza. — Se Ham
está a observar-nos, queres que pense que estás a ganhar o salário,
não queres?
— Não me importa o que Ham pensa! — respondeu ela, indignada.
— Mas eu preocupo-me — contradisse Morgan e guiou-a para o
seu camarote. Ela esperou que ele abrisse a porta e depois ficou imóvel,
enquanto Morgan acendia o candeeiro e coma a cortina. Ele ficou a olhar
para ela fixamente e depois abriu a porta e parou um segundo na
soleira.
— Deita-te, Lily Eu voltarei logo.
Ela acordou com o braço de Morgan em redor dela, com o seu
corpo junto a ela sob o lençol e rapidamente tentou lembrar-se de algo
que tivesse acontecido. No entanto, não recordou nada. Tinha a camisa
de dormir no seu sítio, tal como a tinha vestido quando se metera entre
os lençóis, e os dedos de Morgan estavam cautelosamente estendidos
na sua cintura.
Apesar de não saber exatamente porque tinha de considerar
aquilo um território seguro, sabia que, se a sua mão estivesse um pouco
mais acima ou um pouco mais abaixo, seria diferente. A simples idéia de
que aquela larga palma lhe acariciasse o peito ou o ventre fazia-a
tremer.
— Já acordaste? — perguntou-lhe, com a voz rouca de recém-
acordado.
— Sim.
— Queres levantar-te? Lily assentiu. -Sim.
— Não te apetece aninhar-te um pouco contra mim? — perguntou
ele e Lily pensou que estava a gozar com ela.
-Não.
— Muito bem — respondeu ele. Rodou pela cama e levantou-se
com um movimento ágil. Ela agarrou no lençol e virou-se a olhar para
ele. — A menos que te queiras sobressaltar, Lily, será melhor que olhes
para a parede.
Ela virou-se rapidamente, porém, antes não conseguiu evitar ver
as suas formas masculinas. Tinha visto homens com pouca roupa e até
mesmo nus muitas vezes, porque os seus irmãos não eram
precisamente pudicos, contudo, nunca tinha estado junto a um homem
completamente excitado, sem ter em conta o coronel, que tinha usado e
abusado dela sem atenção nenhuma.
A porta do camarote fechou-se e Lily soltou o ar que tinha estado
a conter.
Aquela mulher estava a começar a encher o seu pensamento.
Tinha-o atraído desde o começo e sentia certa cautela da aura feminina
que provinha dela. Talvez até estivesse a arriscar-se a perder a
concentração no trabalho que tinha entre mãos.
Não havia dúvida de que Lily Devereaux era única, um mistério
que teria de desvendar. Era ao mesmo tempo sábia e inocente. Parecia
que em algum ponto da sua vida tinha seguido o caminho errado e se
tinha magoado. Era muito cautelosa e com razão, pensou Morgan
ironicamente. Ele deixara bem claro o que sentia por ela e estava a
comportar-se de uma maneira muito estranha, a permitir-lhe que
mandasse naquela guerra de vontades que tinham declarado.
Passar duas noites com uma mulher sem poder tocar nela era
novo para ele. As mulheres estavam entre as suas coisas favoritas no
mundo. Tinha-as tratado assim, como coisas. com aquele pensamento
caminhou para um lado do barco e apoiou-se no corrimão. A todas,
exceto a uma. Os seus lábios curvaram-se ao recordar a única mulher
que ele podia ter amado.
Ela não tinha estado disponível para ele e algumas vezes tinha
chegado a pensar que tinha medo dele. Ou talvez se tivesse sentido
atraída, sem saber, para aquela parte da sua alma que Morgan
mantinha imaculada. Aquela parte oculta do seu ser que não revelava a
ninguém. Ele conhecia a sua própria força e tinha aprendido a esconder
os seus sentimentos atrás de uma fachada de devoção fria e
inquebrantável para o dever.
Então, afastou-se da única mulher que tinha hipótese de
atravessar a armadura que usava. Até ter visto Lily Devereaux, duas
noites antes, tinha pensado que era imune aos encantos femininos.
Tinha admirado as mulheres que conhecera e em algumas ocasiões
tinha aceitado os favores que lhe ofereciam. No entanto, nunca tinham
significado nada para ele, nunca tinham despertado as suas emoções.
Lily era diferente. Não era o que ele esperava quando a tinha
levado ao seu camarote. Contudo, talvez, afinal de contas, fosse
exatamente o que precisava naquele momento. Tudo dependia do nível
de desespero dela.
— Levantaste-te muito cedo — indicou Ham, que se tinha posto ao
seu lado. Morgan praguejou mentalmente pelo seu descuido.
«Nunca permitas que um homem se aproxime sorrateiramente de
ti», tinham advertido os seus superiores durante o seu treino. Se não
tivesse sido porque estava a pensar em Lily, ele teria ouvido Ham a
aproximar-se. Virou-se para ele com toda a naturalidade.
— Perguntava-me se íamos passar perto de terra hoje.
— Amanhã. Chegaremos a Memphis ao amanhecer.
— Estava a pensar em sair do barco — replicou Morgan. — Talvez
leve Lily às compras.
— Amanhã não. May planeou cantar alguns duetos com Lily e vão
ensaiar de manhã.
Morgan engoliu as palavras que estiveram prestes a escapar.
Pagavam muito pouco a Lily pelo trabalho que fazia. As manhãs deviam
ser o seu tempo livre. No entanto, o instinto disse-lhe que se
mantivesse calado, até que calculasse bem todas as opções que tinha e
pudesse avaliar Lily. Para garantir que podia fazer o trabalho para o qual
precisava dela, tinha de jogar aquela mão com cuidado.
Assim que ele saísse do barco, se finalmente tivesse que se
afastar dela, Lily estaria sozinha de novo, sem ninguém que a
protegesse. Seria muito benéfico para ela que Ham a considerasse
indispensável, ou melhor ainda, um valor acrescentado ao seu negócio.
Encolheu os ombros e olhou para o rio novamente.
— Não importa. Posso encontrar o que procuro sem que ela
venha.
— Estás caidinho por essa rapariga, Morgan
— observou Ham. — Geralmente, não dispensas demasiada
atenção às mulheres. Pelo menos, durante as outras viagens que fizeste
neste barco.
Morgan cerrou os dentes, enquanto pensava no que o homem
acabava de lhe dizer.
— Vale a pena passar tempo com ela — afirmou finalmente. Não
era capaz de admitir, nem sequer a si próprio, que Lily tinha algo que o
atraía inexplicavelmente.
— Bem, é muito bonita, com aqueles enormes olhos escuros e o
cabelo encaracolado — redargüiu Ham, com um sorriso. — Os homens
não tiram os olhos da sua figura. Teve muito sucesso.
— Bem, se não encontrar uns sapatos que lhe sirvam, terá de
cantar numa cadeira — replicou Morgan com aspereza.
Ham encolheu os ombros despreocupadamente.
— Se não consegue usar o que eu lhe dou, terá de comprar as
suas coisas! — exclamou, enquanto acendia um cigarro. — A menos que
tu tenhas planeado ir às compras.
Enquanto o homem se afastava, Gage teve de morder a língua. A
única forma de comprar uns sapatos a Lily era que ela o acompanhasse.
Teria de se certificar que o ensaio com May fosse muito cedo, antes do
pequeno-almoço. De uma forma ou outra, tinha de lhe encontrar uns
sapatos que lhe servissem.
— Nunca tinha cantado antes do pequeno-almoço — resmungou
May, a lançar um olhar para Morgan enquanto subia ao palco.
— Eu vou compensar-te — respondeu ele. May sorriu
amplamente.
— Qualquer mulher seria capaz de cantar por uma manhã de
compras.
— Hum, hum — murmurou Morgan. — Eu só te prometi um
vestido. Um, May.
— Quando as pessoas estão tão mal de dinheiro, um vestido
parece o primeiro prêmio
— afirmou ela, com petulância. — Onde está a tua mulher? —
perguntou May, a olhar para a porta com impaciência. — Temos aqui o
pianista e metade do coro. Só precisamos da estrela do número.
Charlie tocava suavemente e uma nuvem de fumo elevava-se
sobre a sua cabeça em conjunto com a música. Não tinha feito nenhuma
objeção quando Morgan lhe tinha pedido que tocasse tão cedo e estava
a observar a mesma porta que tinha a atenção total de May.
A mulher que apareceu tinha o sol pelas costas e os raios
vermelhos do amanhecer iluminavam-lhe o cabelo. O seu vestido
recortava uma silhueta esbelta na luz e ficou hesitante na soleira, como
se estivesse a estudar as suas boas-vindas.
l — Estou atrasada? — perguntou, a olhar para Morgan.
Ele fingiu que via as horas no seu relógio de bolso e abanou a
cabeça.
— Mesmo a tempo, querida — murmurou e destinou-lhe um
sorriso lento.
Ela caminhou à volta do palco e olhou para May.
— Agradeço-te que te tenhas levantado tão cedo para isto.
Morgan diz que iremos às compras depois de tomar o pequeno-almoço.
— Sim! — exclamou May. — Tu e eu vamos ter vestido novo,
querida — e olhou para os pés de Lily, — e sapatos novos, também.
Os dedos de Charlie deixaram de debulhar acordes e o pianista fez
um gesto a May com a cabeça.
— Vamos começar — informou. — O pequeno-almoço está à
espera.
As lojas estavam cheias de vestidos e de acessórios. O sapateiro
encontrou exatamente o par de sapatos que condizia com o vestido de
Lily. Morgan assentiu, agradado ao vê-lo. Depois de pagar, os três
saíram da loja com os sacos e as caixas nas mãos.
— Achas que já ganhamos o suficiente? perguntou May em voz
baixa a Lily, a falar-lhe ao ouvido.
— Eu ouvi isso — advertiu Morgan secamente. — Se não
voltarmos ao barco agora, nenhuma das duas terá trabalho e eu terei
perdido todos os meus pertences. Não acho que Ham espere muito mais
tempo por nós.
A idéia de escapar daquele barco era um sonho para Lily, contudo,
não podia parar de imaginar a raiva de Morgan se o fizesse. Persegui-la-
ia e encontrá-la-ia, sem dúvida. Tinha pagado pela sua companhia e,
quisesse ou não, ela estava comprometida a cumprir a sua parte do
acordo. com um suspiro agarrou-lhe o braço direito, enquanto May lhe
dava o esquerdo, e dirigiram-se os três para o barco.
Ham estava na coberta. Sorriu entre o fumo do charuto quando os
viu chegar.
— Bem, bem. És um cavalheiro com uma dama de cada lado,
Morgan. Já achava que vocês os três tinha decidido fugir.
— Sabes que não — retorquiu Morgan e ajudou as duas mulheres
a subir a bordo com cuidado. Depois lhes estendeu os pacotes. — Aqui
têm, senhoras — replicou e tocou na aba do chapéu. Depois observou
como cada uma delas se dirigia ao seu camarote e virou-se para Ham.
-Partimos já? Ham assentiu.
— Estávamos à tua espera e das tuas amigas
— respondeu e apoiou os cotovelos no corrimão. — Estás a ganhar
muito nas mesas de pôquer durante esta viagem, Morgan?
Morgan encolheu os ombros.
— O normal. Porquê?
— Perguntava-me se ganhas a vida com isso.
— Ganho o suficiente para o que preciso declarou Morgan, com a
voz suave, porém, ao mesmo tempo, num tom que não dava lugar a
continuar com aquela conversa. Ham olhou para ele especulativamente.
— Ouvi dizer que trabalhas para alguém.
— Onde ouviste isso? — com todos os sentidos alerta, Morgan pôs
a mão no bolso e com a outra inclinou um pouco o chapéu para a cara.
— Estiveste a fazer perguntas sobre mim, Ham?
Ham negou energicamente com a cabeça.
— Não. São coisas que se dizem no barco, durante alguns dias.
Pensei que gostarias de saber o rumor.
— Bem, então, esqueçam isso agora mesmo
— retorquiu Morgan, enquanto se afastava. — Eu trabalho por
conta própria. Não respondo perante ninguém, exceto perante Gage
Morgan.
Aquela não era a maior mentira que dissera na sua vida.
Morgan aproximou-se do corrimão do barco, a pensar na noite que
chegava, enquanto começavam a soltar as amarras do barco. A visão de
uns caracóis morenos e uns olhos pretos apresentou-se perante os seus
olhos. Em frente a ele, viu pendurado um retrato da mulher que estava
a tentar firmemente tirar da cabeça.
O poste era alto e nele havia vários avisos e cartazes. Um deles
anunciava uma peça de teatro na vila e outro era o aviso de que se
procurava um homem por assaltar um banco. O terceiro dos desenhos
era um grande parecido com Lily Devereaux e ainda por cima havia
umas palavras que se liam com toda clareza: procura-se por roubo e
tentativa de assassinato.
Morgan pestanejou, a pensar por um momento que os olhos lhe
estavam a pregar uma partida. Depois abriu muito os olhos e certificou-
se que era verdade. Alguém que tinha pensado que o nome de Lily era
Yvonne Devereaux oferecia cinco mil dólares pela sua captura.
Com um rápido movimento, Morgan saltou pelo corrimão do
barco, aproximou-se do poste e arrancou o cartaz no qual aparecia o
rosto de Lily. Depois dobrou o papel em quatro para o guardar no bolso
e, a fingir despreocupação, começou a andar para o corredor para subir
para o barco de novo. Cumprimentou o rapaz do barco que estava a
apanhar os cabos, subiu à coberta e dirigiu-se para o seu camarote.
«Esta mulher é uma embusteira. Não me disse nem uma só
verdade.»
Levantou a mão para bater na porta do seu camarote, porém,
antes de tocar na madeira, voltou a baixá-la. «É o meu camarote. Não
devia ter de bater à porta do meu próprio quarto.»
Assim, abriu sem olhar e encontrou Lily em frente dele, com os
olhos muito abertos, com os sapatos que lhe tinha comprado nas mãos.
Lily fechou os olhos com força e depois voltou a abri-los, umedecidos.
— Vais tentar começar a chorar? — perguntou-lhe ele
suavemente. — Não funcionará, Lily.
— Não sei do que estás a falar — respondeu ela, num sussurro.
Ele arqueou uma sobrancelha e atirou o seu chapéu sobre o
beliche. Ela sobressaltou-se quando o chapéu passou ao seu lado e
aterrou sobre o colchão, e Morgan percebeu que estava a tremer.
— Não? A sério? — pôs a mão no bolso e tirou o cartaz com o seu
retraio. — Não me mintas, Lily. Tens a certeza que não sabes do que
estou a falar?
Ela abanou a cabeça e os sapatos caíram ao chão.
— Deixa-os! — exclamou ele, quando Lily se inclinou para os
apanhar. Endireitou-se, ficou imóvel e ele aproximou-se e acariciou-lhe
a face. Ao ver que ela fazia um esgar de receio, sorriu.
— Agora tens medo de mim? — perguntou-lhe. O cartaz atraiu o
seu olhar como um ímã e começou a tremer.
— O que é que fizeste?
— Muito bem. O que achas que fiz? — perguntou, com lágrimas
nos olhos.
— Mentiste-me — acusou ele. — Mentiste-me, Lily.
— Não — respondeu Lily, a abanar a cabeça.
— Simplesmente, não te contei tudo.
— Tudo? A única coisa que me disseste foi mentiras, menina
Devereaux. A começar pelo teu nome... — replicou e abanou o cartaz. —
E a acabar com a tua tentativa de assassinato em Nova Iorque.
— Não foi uma tentativa de assassinato defendeu-se ela. — Matei
esse homem.
Ele voltou a olhar para o cartaz.
— Segundo isto, não. Tentaste matá-lo e depois roubaste-o,
contudo ainda está vivo, menina. E está a perseguir-te.
— Está morto — gemeu Lily e depois tapou a boca com uma mão,
como se não quisesse ter pronunciado aquelas palavras.
Morgan segurou-a pela mão e puxou-a para que ficasse de pé.
Depois puxou-a para ele.
— Cala-te. Cala-te e, por uma vez na tua vida, diz a verdade.
Ficou sem força nos joelhos e ele segurou-a com o seu outro
braço. O cartaz caiu ao chão, ao seu lado.
— Conta-me, Lily ou Yvonne ou, como quer que te chames. Quem
pensavas que tinhas morto?
— Stanley Weston — respondeu ela, entre gemidos. — Ó coronel
da União que me levou com ele quando se foi embora da nossa
plantação.
— Quando se foi embora da vossa plantação Morgan repetiu
aquelas palavras alto e depois observou que ela empalidecia e que lhe
caía a cabeça para trás. — Bolas, não penses em desmaiar agora —
advertiu ele e abanou-a uma vez, violentamente. Ela abriu os olhos de
repente. Estavam tão negros que Morgan não conseguia distinguir a
pupila da íris. — Ouves-me?
— Sim, ouço — sussurrou ela e fez um esforço por se manter em
pé. — Estou a ou vir-te
— repetiu.
— Conta-me desde o começo — pediu Morgan, com os dentes
cerrados. — Quem és?
— Lily. Sou Lily Devereaux.
Ele agarrou-a pelos ombros com força.
— Outra vez. Quero a verdade, Lily.
— Yvonne Devereaux morreu quando me fui embora de Nova
Iorque. Eu tomei-me em Lily. Já te disse isso.
— Eu não o recordo exatamente assim, contudo vou aceitar isso
de momento e chamar-te Lily. Depois de te ires embora de Nova
Iorque... Bolas, antes de saíres de Nova Iorque, tentaste matar um
homem?
— Bati-lhe com um atiçador. Vi-o cair ao chão e havia sangue por
todos os lados.
— E roubaste-o?
Ela abanou a cabeça.
— Não. Nunca roubei nada a ninguém. Fugi. Fui-me embora no
meio de um aguaceiro e caminhei até que encontrei um lugar seguro
para passar a noite.
— Onde? — perguntou-lhe ele. — Para onde foste?
— Para uma loja de penhores. Tinha um alfinete da minha mãe e
o agiota deu-me dinheiro
— explicou Lily. Depois respirou fundo para conseguir continuar a
falar. — Fiquei aquela noite num hotel.
— O que aconteceu depois? Para onde foste no dia seguinte, Lily?
— Apanhei um comboio para Chicago.
A voz de Morgan foi um gemido quando repetiu a pergunta mais
importante para ele.
— O que roubaste a Weston?
Ela olhou para ele fixamente e começou a tremer novamente.
— Nada. Achei que o tinha matado e fugi.
— Contudo, segundo este cartaz, és acusada de um roubo. Porque
lhe bateste, Lily? — perguntou-lhe ele e ao ver que estava pálida, sentiu
uma pontada de pena por ela e soltou-a para que se sentasse à beira do
beliche.
— Obrigada — sussurrou ela e pôs as mãos no colo. — Ofereceu-
me uma casa.
— Achaste que isso era uma ofensa? Ela abanou a cabeça.
— Não. Estava furiosa com ele porque me tinha prometido que
nos casaríamos quando nos fôssemos embora da plantação, porém,
quando chegamos a Nova Iorque, começou a adiá-lo várias vezes e
ele...
— O quê, Lily? O que fizeste? — até mesmo antes que ela
respondesse, Morgan já conhecia o final da história.
— Disse-me que nunca se casaria com uma mulher que nem
sequer sabia falar inglês corretamente. Ele já estava comprometido com
uma dama da alta sociedade de Nova Iorque, no entanto, disse-me que
queria conservar-me como amante — contou e quando pronunciou a
última palavra, baixou a cabeça.
— Que não falas inglês corretamente? Disse-te isso? — só de
pensar que, durante os últimos dias, ele tinha estado a desfrutar
daquelas palavras suaves e dos sons peculiares que proclamavam a sua
herança cultural. Esse homem era um idiota — retorquiu com aspereza
e ajoelhou-se ao seu lado. Tinha chegado a hora de tomar uma decisão
e não podia deixar passar a oportunidade.
— Tu serias capaz de confiar em mim? Farias o que te pedisse? —
enquanto ela assimilava a pergunta, Morgan viu como a confusão se
desenhava no seu rosto.
— Não sei o que fazer — murmurou ela e apertou as mãos com
tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. — Achava que ele
estava morto.
— Lily — começou ele. — Lily, ouve-me — os seus pensamentos
voavam do dia presente ao seguinte e ao seguinte, à multidão de
cartazes de «Procura-se» que estariam pendurados desde Chicago até
Nova Orleans. — Não podes continuar a chamar-te Lily Devereaux se
não queres que te encontrem.
— Mas é o meu nome — respondeu ela.
— Se fingires que és a minha mulher, podes tornar-te em Lily
Morgan.
Ela olhou para ele com os olhos semicerrados, com uma
desconfiança instantânea.
— O que acontece depois? Continuarei a fingir o resto da minha
vida?
— Não. Podes servir-me de álibi. Será uma boa cobertura para
mim.
— Uma boa cobertura para o quê? Quem és tu, Morgan? Uma
espécie de criminoso?
— Não. Pelo contrário. No entanto, neste momento preciso de
voltar ao trabalho e se tu agires como se fosses a minha mulher, eu
terei exatamente a imagem de que preciso. Ela ergueu-se e recuperou a
compostura.
— Deixa ver se percebi bem — começou a dizer. — Agora estás
disposto a acreditar em mim, porém, antes não estavas. Agora eu
descobri que tu também tens segredos e estiveste a acusar-me de
mentir.
— Tu estavas a mentir-me — afirmou ele, pacientemente, e
fechou a boca com a palma da mão para silenciar o seu protesto. —
Deixa-me dizer-te de novo. Não estavas a ser totalmente honesta
comigo, digamos. Se te disser agora o que precisas de saber, ajudas-
me?
— Tenho alguma escolha?
— Há sempre uma escolha, Lily. Já te disse isso. Não te lembras?
— Isso era algo sobre voltar para a minha casa — respondeu ela.
— É totalmente diferente. Que se passa se os teus planos forem contra
a lei? Não há nenhuma lei contra fingir ser a esposa de um homem? —
ela parecia tão verdadeiramente confusa que Morgan esteve prestes a
rir-se. Tinha pena que fosse tão ingênua.
— Não acho que te ponham na prisão por fingires que és minha
mulher. No entanto, podem pôr-te atrás das grades por tentares matar
um idiota em Nova Iorque.
— Bem, talvez mereça isso. Eu queria matá-lo e pensei que estava
realmente morto
— respondeu ela.
— Oh, Lily. Se te ouvisses... Esse homem vai procurar-te, querida.
Vai perseguir-te e depois vai destruir-te.
Ela tremeu, contudo, depois levantou o queixo e semicerrou os
olhos novamente.
— Primeiro terá de me caçar.
— Caçar-te-á com facilidade — respondeu ele. — A menos que me
ouças.
— Dar-me-ás garantias, Morgan?
— Não. exceto que tentarei tratar de ti o melhor que possa e não
te pedirei mais do que estejas disposta a dar-me — garantiu
lentamente, com um grau de paciência que não achava que possuísse.
— Estou a pedir-te que finjas ser minha mulher, que me ajudes num
trabalho que estou a fazer. Estou a pedir-te que confies em mim. És
capaz de fazer tudo isso?
Ela observou-o durante uns instantes e, com um profundo suspiro,
respondeu.
— Acho que posso confiar em ti. Ajudar-te-ei com o trabalho que
estejas a fazer. Porém, não vou fingir que sou a tua mulher.
Ele abriu muito os olhos, surpreendido.
— Não vais fingir que és a minha mulher? Foi isso que disseste?
Ela assentiu firmemente.
— Se não confiasse em ti, não estaria neste quarto. No que toca a
ajudar-te no teu trabalho, não pode ser muito mais perigoso que ter de
fugir toda a minha vida de quem esteja a perseguir-me.
— E? Isso não responde porque não queres fingir que és a minha
mulher.
— Uma vez dei ouvidos a um homem que me disse que se casaria
comigo. Arrastou-me para o outro extremo do país e depois me disse
que só me tinha contado um monte de mentiras e eu tinha acreditado
nelas. Da próxima vez que fuja com um homem, terá de casar-se
comigo primeiro ou não irei.
— Queres que me case contigo? — perguntou ele e teve de se
sentir orgulhoso com o seu tom tranqüilo. O seu coração tinha acelerado
no peito ao ouvir aquilo. Assim que o trabalho estivesse acabado, tê-la-
ia na palma da mão e podia ficar com ela e estabelecer-se em algum
lugar.
Lily assentiu de novo.
— Na verdade, não quero um marido, Morgan, contudo, tu terás
de servir, porque não tenho mais ninguém para o lugar. No entanto,
imporei uma condição. Um dia, quando tudo se resolva e tu tenhas
acabado comigo, quero que me leves para casa. Quero que a minha
família pense que me saí bem e ter-te ao meu lado pode ajudar-me a
consegui-lo.
Aquela rapariga não sabia no que se estava a meter e ele não ia
esclarecê-lo. Pigarreou e puxou-a para que se levantasse da beira do
beliche onde estava sentada.
— Tenho algumas coisas para te dizer, Lily. A primeira é que, no
que me concerne, nunca estiveste no riacho, portanto não voltaremos a
falar disso. Algum dia terei de ouvir a história completa do que
aconteceu naqueles dias, porém, não será hoje. Em segundo lugar,
casar-me-ei contigo, no entanto, serás uma esposa real para mim —
informou e segurou-lhe o queixo com a mão para fazer com que o
olhasse na cara. — Sim, menina. Dormirás comigo e não cederei nesse
ponto.
— Tu queres fazer isso comigo? — perguntou-lhe ela.
Ele não conseguiu conter mais a gargalhada perante a sua
ingenuidade.
— Fazer isso não é desagradável entre dois adultos, querida —
replicou e percorreu-lhe o queixo com o polegar enquanto observava
como corava. — Confia em mim, Lily. Não te farei mal e não vou saltar
para cima de ti como se fosse um touro apenas pelo fato de termos
pronunciado umas palavras perante um sacerdote.
Ela mordeu nervosamente o lábio superior e ele esfregou-o com o
mesmo dedo.
— Não faças isso. Ouve-me apenas.
— Já ouvi o que tens para me dizer, Morgan. Concordo. Irei
contigo e dormirei na tua cama. No entanto, nunca me convencerás que
podemos fazer isso de que estás a falar sem que seja eu a que...
— Chega — interrompeu ele, suavemente. Falaremos de tudo isso
depois. De momento, temos de fazer planos. Embora primeiro... soltou-
lhe o queixo e inclinou a cabeça para lhe tocar os lábios com os seus.
Não conseguiu resistir, nem sequer tentou.
— Isto é uma parte do acordo? — perguntou-lhe, hesitante.
— Não. É simplesmente o que se chama selar um pacto entre dois
sócios — e então, antes que ela pudesse afastar-se dele, beijou-a
novamente, cuidadosamente e com ternura, a segurar a sua cara entre
as palmas das mãos e a desliza-las pelo pescoço, pelas costas, até à
cintura e as ancas. Depois subiu de novo e segurou-a pela cintura,
tornando o beijo mais profundo, ao acariciá-la e saborear os seus lábios
com a língua.
Ela respirou fundo quando ele rompeu o contacto, seguiu com os
lábios a forma do seu pescoço e parou a brincar na parte de trás da sua
orelha. Encheu-a de beijos na garganta e chegou até à linha do seu
decote, enquanto sentia que a resposta silenciosa de Lily era muito mais
sedutora do que ele alguma vez tinha imaginado.
— Morgan? — perguntou ela, com um suspiro, a reagir tal como
ele tinha esperado. Morgan levantou a cabeça e sorriu.
— E um beijo, Lily. Só um beijo.
Ela pestanejou e ele libertou-a. Queria esperar pela altura mais
apropriada. Lily seria dele. Aquele corpo exuberante, os caracóis que lhe
caíam pelos ombros e o sorriso trêmulo, tudo aquilo seria dele. Muito
brevemente.
— Tem-me custado muito encontrar-te sozinho ultimamente —
declarou o homem, escondido entre as sombras da coberta, onde
ninguém percebesse que estavam a conversar. Falava em voz baixa,
porém, as suas palavras transmitiam uma certa tensão e Morgan não
conseguiu deixar aquilo passar.
— Sabia que me encontrarias assim que tivesses notícias para
mim. Quanto a estar acompanhado, estou a preparar a cobertura para o
meu próximo movimento.
— Suponho que essa é uma forma de o ver respondeu o
mensageiro. — Eu diria que o teu trabalho tem certos benefícios.
— Não digas nem urna palavra sobre isso avisou Morgan. — Nem
sequer ouviste o nome dessa mulher, se alguém te perguntar.
— Oh, vão perguntar-me. Provavelmente, quando atracarmos
amanhã no porto haverá polícias à espera.
— Não estaremos no barco — respondeu Morgan.
— Imaginava que não. Tenho um bote à vossa espera para vos
levar a terra quando ela acabar o espetáculo.
Morgan tirou o relógio do bolso e viu as horas.
— Muito melhor que ir a nadar. Partiremos numa hora. Tens de
criar uma luta para cobrir a nossa saída.
— Estou há dias à espera de uma luta de bar
— comentou o homem e deu uma suave gargalhada. A tensão
tinha desaparecido e falou com a voz muito mais calma. — Tem
cuidado, Morgan. Embora a idéia de usar uma mulher como cobertura
seja muito boa e seja fácil deixá-la assim que tenhas acabado o
trabalho.
— Exato — concordou Morgan. — Possivelmente, esta é a melhor
idéia que tive.
Apoiou-se no corrimão e observou a corrente do rio enquanto o
outro homem desaparecia na escuridão. Proteger Lily era a sua primeira
preocupação naquela noite e para consegui-lo tinha de a tirar do navio
em menos de uma hora. Depois, teria de encontrar uma pessoa que a
tornasse em Lily Morgan.
O plano desenvolveu-se com facilidade, quase demasiado
facilmente, pensou Morgan enquanto ajudava Lily a descer para o
pequeno bote e lhe estendia depois a mala. Da sala ouviam-se gritos e
pancadas enquanto os homens punham as mesas de pernas para o ar e
se juntavam à luta. Pegou nos remos e afastou-se do barco a pouco e
pouco, para o canal.
— O que fazemos agora? — perguntou-lhe Lily em voz baixa,
quando chegaram a terra firme e saíram do bote.
— Agora temos de caminhar — respondeu Morgan. — Há uns
minutos passamos uma povoação que fica a uns quatro quilômetros
daqui. Vamos voltar e procurar um pastor para que nos case amanhã.
No entanto, esta noite temos de procurar algum sítio onde dormir umas
horas — explicou.
Em quinze minutos, tinha encontrado um pequeno bosquezito
onde as árvores formavam um refúgio adequado para passarem a noite.
Estendeu a manta que trazia na sua mala e Lily baixou-se.
— Estás bem? — perguntou-lhe. Sabia que os sapatos que trazia
não eram os mais apropriados para aquela excursão. Eram feitos para
ser belos, não para caminhar, e naquele momento Morgan lamentou não
ter comprado outros mais práticos.
— Muito bem — respondeu ela, enquanto os tirava com um
suspiro. — Contudo, acho que teremos de procurar outro...
— Par de sapatos. Sim, eu sei — retorquiu ele, com um sorriso. —
Já tinha pensado nisso.
— Bem, pelo menos nisso estamos de acordo — sussurrou ela.
— Deita-te, Lily. Eu usarei a mala como almofada e tu podes usar
o meu ombro — indicou ele, enquanto se estendia sobre a manta.
— Tu achas que ficarei segura, Morgan? perguntou ela
desconfiadamente.
— Devias estar, sim. Já dormiste assim umas quantas noites —
respondeu ele, a sorrir novamente. Ela deitou-se e ele puxou-a para si
com suavidade.
— O que vamos fazer amanhã? Continuaremos a pé ou vamos
procurar algum tipo de transporte?
— Logo se vê quando chegar a manhã — declarou ele. Nas vinte e
quatro horas seguintes teria de encontrar um homem que os casasse e
à noite teria a satisfação de constatar que cada delicioso centímetro de
Lily era dele.
De momento, só podia sonhar.
O pastor, um homem muito jovem, estava a varrer a soleira da
porta da pequena igreja enquanto a sua esposa entrava no edifício com
um ramo de flores nas mãos.
— bom dia! — exclamou, alegremente. Lily sorriu e deixou que
Morgan começasse a falar.
— Disseram-nos que o encontraríamos a limpar a casa — começou
ele amavelmente. Perguntei no armazém se havia uma igreja onde
pudéssemos casar-nos esta mesma manhã e aconselharam-me que
viesse aqui. Disseram-me que provavelmente o encontraria na igreja,
num sábado de manhã.
— Mary? Sai um momento — pediu o jovem, a inclinar-se para a
porta da igreja, por onde a mulher com o ramo de flores tinha
desaparecido um momento antes. Depois virou-se para Morgan de novo.
— Que surpresa! Até teremos flores no altar. Mary apanha-as todos os
sábados do jardim, contudo, no sábado seguinte, volta a encontrá-lo
cheio. Esse milagre fez dela uma crente — explicou, com um sorriso que
fez com que Morgan se risse.
— O que se passa, Ray? — a esposa do pastor saiu pela porta e,
ao ver Lily, sorriu e estendeu a mão para a cumprimentar. — bom dia!
exclamou, afetuosamente.
— Este casal quer casar-se, querida — explicou o pastor. Pôs de
parte a vassoura e limpou as mãos no macaco de trabalho que vestia.
Suponho que devia mudar de roupa primeiro.
— Não é preciso — afirmou Morgan rapidamente. — Na verdade,
não temos muito tempo para estar aqui. Acho que está bem assim,
desde que possamos inscrever o casamento nos registros da sua
paróquia. Queremos tudo legítimo, não queremos, Lily? — perguntou-
lhe e dirigiu-lhe o olhar de um homem que desejava ter o título de
marido.
Ao ver Morgan agir como um noivo impaciente, Lily teve de
engolir em seco. Assentiu amavelmente e sorriu. Aquele homem estava
disposto a causar impressão, para que aquele casamento fosse
recordado na cidade.
— Posso fazer um pouco mais que isso por vocês — retorquiu o
padre. — Tenho um monte de certidões de casamento novas que
acabam de chegar da tipografia de Saint Louis. São muito bonitos. Acho
que vale a pena ter uma coisa assim pendurada na parede e poder dar
aos filhos no dia de amanhã.
Lily engoliu a recusa àquela idéia e assentiu novamente. Aquele
era o trabalho de Morgan, portanto deixá-lo-ia lidar com a situação
como quisesse, coisa que, sem dúvida, ia fazer de qualquer forma. Era
evidente que estava habituado a tratar das coisas. Ela ia achar difícil
pensar sobre as coisas, assim que aquele dia tivesse acabado e fossem
marido e mulher.
Ao pensá-lo, ficou gelada durante um momento, e então sentiu o
peso do braço de Morgan sobre os ombros. Os seus olhos brilhavam
como aço e parecia que a parte cinzenta se tinha tornado em prata
quando lhe lançou i um olhar de advertência.
— Sorri — murmurou ao seus ouvidos, para que só ela pudesse
ouvi-lo. — Age como se foste fosse o dia mais feliz da tua vida, Lily. l
Possivelmente, aquilo era verdade, pensou ela. Quem sabia o que podia
proporcionar-lhe o futuro. Ela sorriu apropriadamente e ele falou em voz
alta.
— Lily e eu queremos formar uma grande família, porém, primeiro
temos que nos casar.
— disse ao padre. — Estás pronta, querida?
— Sim, totalmente pronta — afirmou ela, muito melosa e
sorridente.
— Bem, fico contente por terem vindo logo hoje — redargüiu o
pastor, enquanto os guiava dentro da igreja. — E uma igreja pequena,
contudo, é verdadeira, senhor. Eu sempre digo que todos os casais
deveriam casar-se na presença do Senhor, não acha?
— com certeza, eu sou da mesma opinião respondeu Morgan com
seriedade.
Lily esteve prestes a desatar a rir-se ao ouvi-lo, no entanto,
conteve-se a tempo e olhou para Morgan. O homem estava mais sério
que um juiz, pensou. Era como se pensasse que teria de celebrar a
ocasião corretamente. Ela tinha achado que toda a idéia daquele
casamento fora dela, contudo, não tinha sido preciso arrastar Morgan
nem estava a lutar intrepidamente por fugir e salvar o seu celibato.
Num instante, estavam de pé frente no altar, com o pastor e a sua
esposa. A fragrância das flores envolvia-os e o brilho da luz do sol
através da pequena vidraça que havia no muro rodeava-os. O momento
tomou-se em algo subitamente solene e Lily tremeu.
«Este é o momento da verdade», pensou. «vou casar-me com
Gage Morgan, aqui e agora.»
Era verdade. O reverendo perguntou-lhes os seus nomes e eles
deram a mão. A cerimônia foi breve. Ela deu as respostas adequadas
quando o pastor pediu e, poucos segundos depois, ouviu da boca de
Morgan as palavras que a tornavam na sua mulher.
— Pode beijar a noiva.
Lily elevou a cabeça e olhou para Morgan na cara. Ele beijou-a
com os olhos semicerrados e apertou-a contra ele de uma forma tão
possessiva que ela não teria conseguido escapar nem que tivesse
tentado.
Parecia que Morgan tinha levado o assunto do casamento muito a
sério. Quando afrouxou o abraço, olhou para ela nos olhos e sorriu de
satisfação ao sussurrar o seu nome.
— Lily? Sentes-te casada? — perguntou-lhe e depois inclinou-se
para ela para a beijar de novo.
O que ela sentia era apreensão, embora sentisse que ele a
desejava e que não fazia nenhum esforço por disfarçá-lo.
— Obrigado, pastor — agradeceu Morgan ao pároco. — Se nos
preparar a certidão, seguiremos o nosso caminho.
Depois de o pastor lhes entregar o documento, o jovem casal
tratou-os com atenção com uns bolos de canela recém-feitos e café
quente em jeito de celebração e, meia hora mais tarde, Morgan e Lily
despediram-se, agradecidos, e dirigiram-se para o meio da vila
novamente.
— Acho que vamos para o estábulo — informou Morgan. — Temos
de conseguir uma carroça e um cavalo.
— Sei montar, se quiseres pedir dois cavalos
— replicou Lily.
Ele olhou para o seu vestido e arqueou uma sobrancelha.
Então, respondeu-lhe, irritada:
— Se me comprares umas calças, posso andar a cavalo a qualquer
momento.
Ele deu uma forte gargalhada.
— Duvido, querida. Além disso, quero que pareçamos um casal
normal quando chegarmos ao nosso destino. Vamos integrar-nos numa
existência pacata, Lily, e durante as próximas semanas vão fazer-nos
tudo.
Ela considerou aquilo durante um momento.
Não era o que esperava quando Morgan lhe dissera que a usaria
como cobertura.
— Para onde vamos? — perguntou ela. — O que teremos que
fazer quando chegarmos lá?
— Descobri-lo-ás. Só tens de confiar em mini — informou. Nessa
altura, deixou as duas malas no chão, junto a uma árvore, na
intercessão principal de estradas da vila. Lá estava o estábulo,
resguardado do sol do meio-dia por umas árvores.
Morgan aproximou-se do ferreiro, que estava a arranjar uns
arreios, e o homem levantou-se para o atender.
— Eu gostaria de comprar uma carroça e um cavalo.
— Bem, o que lhe pareceria uma carroça e uma égua? É o que
tenho disponível neste momento.
— Tem espaço suficiente para as nossas coisas? — perguntou-lhe
Morgan, a apontar para as malas.
— Sim. Tem um bom espaço atrás, onde cabem essas duas e mais
ainda.
— Vamos vê-la — retorquiu Morgan amavelmente. Depois virou-se
para Lily. — Porque não vais ao armazém da frente ver se há qualquer
coisa de que precisamos antes de nos irmos embora, querida? — depois
aproximou-se dela e falou num sussurro. — Compra alguma coisa para
comer e uma mala maior para as tuas coisas. E também uns bons
sapatos.
— bom — respondeu ela. — Importavas-te de me dar algum
dinheiro para pagar tudo isso? Eu não tenho quase nada.
— Eu irei ter contigo dentro de dez minutos.
— avisou ele e depois apontou para o armazém com a cabeça. —
Anda, Lily. Temos de nos pôr a caminho.
Ela fez o que Morgan lhe tinha pedido. Comprou pão, presunto,
queijo, carne seca e alguns doces. Depois escolheu uns sapatos fortes e
confortáveis e, dois minutos mais tarde, Morgan entrou para pagar.
Quando acabou, guiou-a para a carroça que comprara, e ajudou-a
a subir para o banco da frente com uma facilidade que a surpreendeu.
Aquele homem tinha poder nas mãos, pensou ela. Eram fortes e
ásperas.
— Dá-me os sapatos. vou pô-los lá atrás, com o resto das tuas
coisas — pediu ele, a olhar para ela. — Onde está a mala que te disse
que comprasse?
— Pensei que não precisaríamos dela. Não tenho mais roupa,
portanto é inútil comprar algo maior para a guardar.
Morgan franziu o sobrolho.
— Eu irei ao mercado para comprar mais coisas amanhã ou depois
de amanhã — replicou ele. — Precisamos de uma mala para as guardar.
— O que é que vais comprar?
— Umas botas para mim, que sejam adequadas para o trabalho
numa quinta, alguns vestidos para ti e... também quero que tenhas uma
arma.
— Uma arma? Não sabia que teria de disparar contra alguém! —
exclamou ela. — Achava que não confiavas em mim o suficiente para
me dares uma arma, depois de teres visto aquele cartaz a dizer
«Procura-se».
Ele olhou para ela com paciência.
— Não tens de disparar obrigatoriamente, Lily. Só quero que uses
a pistola se for necessário. Sabes disparar?
-Sim.
— Outra coisa. Se estamos casados, o lógico é que me chames
pelo meu nome.
— Gage? — perguntou-lhe ela. — Morgan é mais adequado para
ti.
«Além disso, chamar-te pelo teu nome tornaria tudo isto numa
coisa muito mais pessoal, como se fosse um casamento a sério.»
— Gage soa mais a marido — comentou ele.
— Eu quero que representemos um casal típico.
— Está bem. Talvez não te chame absolutamente nada. Isso
resolverá o problema. Afinal de contas, nenhum homem decente ia
querer estar associado com uma mulher que trabalha num saloon, não
achas?
— Oh, não — respondeu ele. — Não me importa estar associado
contigo, Lily. De fato, é um prazer. E quanto ao nome de Gage, suspeito
que antes que tudo isto acabe me chamarás muitas outras coisas. Oxalá
ainda me fales. O melhor que posso esperar é que me chames pelo meu
nome.
O lugar para onde Morgan se dirigia, uma pequena vila do
Arkansas a Oeste do Mississipi, estava a seguir o curso do rio. Os
agricultores e rancheiros estavam a passar maus tempos. Um grupo de
homens que dizia trabalhar para o governo federal ameaçava-os e
roubava-lhes as terras para as revender depois por grandes somas de
dinheiro. As terras pelas quais passava o caminho-de-ferro e os pastos
tinham grande valor naquela época.
— Sand Creek foi uma cidade muito próspera e o seu povo tem
terras valiosas. O problema é estou a roubar muitas delas.
— Sand Creek? O lugar aonde vamos tem mesmo esse nome? —
perguntou ela, com sarcasmo. — Vais contar-me alguma coisa sobre a
confusão em que vais meter-me?
— E tu que pensavas que eu não era mais que um mau jogador.
Não era, querida?
Pelo olhar que lhe dirigiu, Morgan soube que tinha lido o
pensamento Lily.
— Está bem. O que é, exatamente? — perguntou ela e virou-se
para observar a paisagem, enquanto a carroça avançava pelo caminho.
Parecia ter-se arrependido instantaneamente de fazer a pergunta.
— Trabalho para o governo — respondeu ele, depois de escolher
cuidadosamente as palavras. — Quando os homens de S and Creek
foram para a guerra, a falta de dinheiro e a falta de homens da
comunidade fez com que ter uma quinta não fosse um negócio
produtivo. Os agricultores e os rancheiros que ficaram estavam
demasiado afastados uns dos outros e não podiam unir-se contra os
ladrões. Ninguém conseguiu fazer-lhes frente. Foi assim que, uns após
outros, todos foram vítimas de fraudes e roubos de terras. A maioria já
perdeu as suas propriedades.
— Sendo assim, o que esperam que façamos? — perguntou ela. —
Ficamos por aqui à espera que os ladrões nos escolham quando
acharem que chegou o momento?
Morgan abanou a cabeça.
— Vamos trabalhar como se fôssemos um casal, a ocupar o lugar
dos Blair. Tu ocuparás o lugar de Sarah, e eu, o do seu marido Sam.
— Para simplificar as coisas, direi que me chamo Gage. Ter-te ao
meu lado, como se fosses a minha mulher, dar-me-á credibilidade.
— E os ladrões não vão perceber que os agricultores se mudaram
para que nós ocupemos o seu lugar?
— Duvido. Só sabem que as propriedades dos Blair estão mesmo
ao lado da terra que se apontou como a rota ideal para a via do comboio
que irá de Saint Louis a Louisiana e depois para o Texas. Há uma rota
secundária, de fato, que começará a construir-se daqui a um ano, mais
ou menos. — Temos uma coisa a nosso favor. O xerife de Sand Creek
está informado de tudo e vai ajudar-nos.
Ela ficou silenciosa durante um instante e depois perguntou:
— Onde vão viver os Blair enquanto nós ocupamos o seu lugar?
— Irão para a vila. Lá estarão a salvo.
— Eles estarão a salvo e nós no centro do perigo.
— Sim. De fato, essa é a parte de tudo isto que não me agrada,
Lily. Nem um pouco. E também é a razão pela qual quero que estejas
preparada para usar uma arma a qualquer momento, se for necessário.
— Morgan...
— O que é, Lily? O que é que queres saber?
— Sou só uma parte do plano? Recrutaste-me só porque precisas
de mim?
Ele não conseguiu olhar. Cerrou os dentes e agarrou as rédeas
com força. Quando falou, fê-lo contrariado, a medir cuidadosamente o
efeito que cada uma das suas palavras teria nela.
— Começou assim, Lily. Eu sabia que precisava encontrar uma
mulher para me dar cobertura. Tu pareceste-me a pessoa ideal desde o
começo. O problema é que não consigo diferenciar se te recrutei, como
tu dizes, porque me dará muita vantagem ter-te ao meu lado neste
trabalho ou para meu próprio benefício
— explicou e virou-se a olhar para ela. — Quando repeti os votos
na igreja, sabia que eram para mais de uma semana. Quando faço uma
promessa, Lily, não a faço com ligeireza. Visto que te aceitei como
esposa, não vou falhar-te.
— Estás a planear levar-me em todas as tuas viagenzinhas,
Morgan? — perguntou-lhe ela, espantada com o grau de calma que
transmitia a sua voz, quando por dentro estava a tremer.
— Não — respondeu ele, com veemência. Pensarei em alguma
coisa. Tenho um ás na manga. Além disso, esta é a última missão que
cumprirei para o governo.
Puxou as rédeas com força para que o cavalo parasse e abraçou-
a.
— Não vou negar que estou a usar-te como isco. No entanto,
prometi que te protegeria e fá-lo-ei. Tens a minha palavra. Casei-me
contigo porque queria, não só para conseguir a tua cooperação. Podia
ter-te ameaçado que te entregava à polícia se não tivesses aceitado
ajudar-me.
— Penso recordar-me de o teres feito — respondeu ela. — No
barco, quando fizeste aquele agradável comentário sobre o coronel
Weston, que ia perseguir-me.
— Só estava a apontar um fato — corrigiu ele e sorriu. -Além
disso, funcionou, não foi?
— A imagem foi muito vívida, obviamente. Conheço bem o coronel
— retorquiu e tremeu. Ele semicerrou um pouco os olhos.
— Não voltará a fazer-te mal, Lily. Quando tudo isto acabar,
ocupar-me-ei dele.
Fá-lo-ia. Embora Morgan não conhecesse aquele homem, Lily
tinha a certeza de que as suas palavras eram uma promessa que
cumpriria.
— De qualquer forma, tudo isto é irrelevante agora — continuou
Morgan. — Estamos casados, temos um trabalho para fazer e estamos
juntos nisto, quer gostemos quer não. Se não queres continuar, o
melhor é que o digas agora, Lily. Eu preciso da tua ajuda para que
funcione. Cumprirás o acordo?
A carroça seguiu o seu caminho e ela ficou silenciosa, a saber que
ele esperava a sua resposta e, ao mesmo tempo, que não tinha muito
por onde escolher. Estava sozinha e, sem a sua proteção, encontrar-se-
ia numa situação muito perigosa. Coisa de que tinha muito medo.
Não só se encontrava no centro de um erro que poderia ser a sua
perdição, mas também estava à mercê de um homem que assumia a
autoridade. E que, além disso, a atraía de uma maneira que o coronel
Stanley Weston nunca tinha conseguido.
Estava preocupada, porém, recusou-se a admiti-lo perante
Morgan. A sua educação de dama do Sul nunca o teria permitido.
Tinham-lhe imbuído o orgulho dos Devereaux durante mais de vinte
anos e nenhum homem conseguiria que baixasse a cabeça como sinal
de derrota.
— Sim, cumprirei o nosso acordo — concordou suavemente, com
um sorriso. — Afinal de contas, é para o meu próprio bem. No entanto,
assim que tudo isto acabe, quero que me leves para a casa da minha
família e te vás embora, Morgan.
Ele ficou surpreendido perante aquela rés posta, contudo,
assentiu.
— Se isso for o que realmente queres, Lily quando tudo isto
acabar, levo-te para casa.
— E vais-te embora?
— Se for isso que quiseres que faça — repetiu ele, — ir-me-ei
embora.
Passaram a noite num pequeno hotel. O letreiro da porta não
tinha nome, só dizia «Hotel», porém, era a única coisa que tinham
encontrado em vinte quilômetros de caminho.
A sala de jantar era muito simples, contudo, a comida que lhes
levaram era muito apetitosa.
— Obrigado — agradeceu Morgan à empregada e, quando a
rapariga se afastou, inclinou-se para Lily. — Não esperava que a comida
fosse boa, no entanto, fico contente por me ter enganado. A carne
assada tem um aspecto magnífico e cheira muito bem.
— Esperemos que não seja carne de rato respondeu Lily, enquanto
espetava a carne com o garfo para se assegurar.
Morgan ficou em silêncio e ela elevou o olhar para o observar.
— Estás a tentar assustar-me, senhora Morgan? Não funcionará,
sabes? Comi todas as criaturas que o homem conhece. O rato não é o
meu favorito, porém, deixou uma lembrança indelével na minha
memória. Confia em mim, senhora, esta não é a comida gourmet da
qual falamos.
Cortou a carne e comeu um pedaço. Mastigou-o e engoliu.
— Na verdade — ofereceu, — ficarei muito contente por ficar com
o teu prato se não gostares.
Ela deu uma gargalhada. Aquele homem tinha sentido do humor.
Ela nunca teria adivinhado. A carne estava realmente deliciosa, os
legumes demasiado cozidos, mas bons, e o bolo de maçã de sobremesa
incrivelmente suculento e doce.
Comeram em silêncio, a acalmar o seu apetite e, quando
acabaram, Lily percebeu que Morgan estava a olhar com um sorriso e
corou.
— O que se passa? — perguntou-lhe. Depois olhou para o vestido.
— Deixei cair alguma coisa no vestido? Tenho migalhas pela cara?
Ele abanou a cabeça e levantou-se da mesa para se aproximar
dela. Afastou-lhe a cadeira para que se levantasse, como se estivessem
num restaurante caro, em vez de numa hospedaria de vila que nem
sequer tinha nome.
— Não. Estava a admirar uma moça que acaba de desfrutar muito
da comida — confessou. — A visão agradou-me.
— Realmente gostei da comida — respondeu ela e levantou-se.
Estendeu-lhe a mão e, apesar de ser evidente que Lily não precisava da
sua ajuda, gostou que a tratasse com gentileza.
— E a primeira vez que te vejo feliz! — exclamou, enquanto
subiam para o quarto.
— Estou há bastante tempo sem o ser — admitiu Lily.
— É uma pena — respondeu Morgan, — porque parece que é
preciso muito pouco para que fiques contente, Lily.
— Não tive uma vida fácil, Morgan. Não estou a pedir-te
compreensão, só a tentar explicar-te como foram as coisas. Tenho
muitas esperanças de que as coisas melhorem quando tudo isto acabar
e puder voltar para o Louisiana.
— Louisiana? — perguntou ele, enquanto colocava a chave na
fechadura. — Não me tinhas dito de onde eras.
No entanto, já lhe tinha escapado, pensou Lily. A sua mãe sempre
lhe dissera que uma dama se conhece pela sua habilidade em ser
discreta e não abrir a boca e dar só a informação que lhe perguntam.
Ela não tinha estado de acordo com a sua mãe no passado, porém,
talvez tivesse que admitir que o que lhe dissera era verdade.
— Bem, pois sou de lá — confirmou ela. Tentou não se preocupar.
O Louisiana era um território muito grande e assim que ele a tivesse
levado a uns quilômetros de River Bend, despistá-lo-ia e não teria de
voltar a vê-lo nunca mais.
— Nota-se no teu sotaque — comentou Morgan, enquanto se
aproximava da mesinha e pousava lá uma vela. — É muito suave. Tem
qualquer coisa da cadência de Nova Orleans.
— Contudo, não é inglês correto — afirmou ela e sentou-se numa
cadeira, a olhar para ele fixamente.
— Não fui eu que disse isso — recordou ele. Depois virou-se, tirou
o casaco e pendurou-o num cabide. — Será melhor parar aqui, Lily. Não
quero dormir no chão e tu também não vais fazê-lo. Já partilhamos a
cama no barco, portanto faremos o mesmo aqui, está bem?
Ela sentiu-se aliviada. Parecia que aquela não ia ser a noite em
que consumariam o casamento. Ele só queria que partilhassem a cama
e havia espaço suficiente para que os dois se deitassem sem se
tocarem.
— Está bem.
Enquanto ele se despia, ela tirou a sua camisa de dormir da mala
e pô-la por cima para desabotoar o vestido e tirá-lo sem ficar em roupa
interior.
— Estragaste-me a noite — brincou Morgan, a sorrir. — Estive
todo o dia à espera do momento em que te despirias, sabias?
— Não é verdade — respondeu ela, enquanto apanhava a sua
roupa. Dobrou-a cuidadosamente e meteu-a sobre a cadeira a usar no
dia seguinte.
— Não fazes idéia do que estive a pensar durante todo o dia, Lily
— murmurou Morgan. Ele também se despiu e ficou em roupa interior.
Lily virou-se, sobressaltada. Aquele homem não tinha pudor nenhum.
Só porque se casou com ele...
Ouviu a sua gargalhada suave e surpreendeu-se de novo ao
reparar na atração que exercia sobre ela. Meteu-se na cama e tapou-se
com o lençol até ao queixo, com a esperança de que tudo acabasse
naquele momento e pudesse dormir calmamente.
Ele ficou ao lado da cama, deu-lhe a impressão de que estava a
observar a trança que fizera para dormir. Quando falou, soube que tinha
razão.
— Não queres que te escove o cabelo? perguntou-lhe, ao sentar-
se ao seu lado. — Fazes isso quase todas as noites e hoje roubaste-me
o prazer de te olhar. Eu gostaria de te servir de aia.
— Isso seria muito agradável — respondeu ela amavelmente. —
No entanto, esta noite estou cansada — concluiu e moveu-se para a
beira da cama.
— Vem cá, Lily — sussurrou ele. Maravilha das maravilhas, ela fez
o que
Morgan lhe tinha pedido. Virou-se na cama e olhou para ele na
cara.
— O quê? — perguntou-lhe, quase sem fôlego.
— Endireita-te e passa-me a vela — pediu ele.
Lily lançou-lhe um olhar de exasperação.
— Porque não pensaste nisso antes de te deitares?
Ele sorriu.
— Queria que tu a alcançasses por cima de mim — respondeu.
Então esperou até que ela soltasse um suspiro, apoiou-se sobre o
cotovelo e esticou-se para a vela. A chama apagou-se com o seu sopro
e ficaram às escuras.
— Na verdade — começou ele, suavemente,
— o que queria era sentir os teus sei?s contra mim. Assim... — e
passou um braço em redor do seu corpo. Ela sentiu que o peito dele se
apertava contra o seu peito. Morgan levantou uma mão e segurou um
seio, como se estivesse a medir a sua plenitude e a sua firmeza.
— Por favor, Morgan — sussurrou ela— — Não me faças isso.
— Não vou fazer-te mal, Lily. Nunca o faria. Só quero acariciar-te,
admirar a tua figura e perguntar-me quanto tempo mais serei capaz de
me manter afastado de ti.
— Bem, então não estás a sair-te muito bem. Neste momento
estás a demonstrar muito pouca contenção.
— Oh, querida — murmurou ele, a rir-se suavemente. — Não
fazes idéia de como é difícil.
Ela retorceu-se para escapar do seu braço e sentou-se à beira da
cama.
— Está bem. Não vou estar a perguntar-me e a preocupar-me
todas as noites corri quando vais fazer o primeiro movimento. Avisaste-
me de que isto seria um casamento real, portanto, se vais fazer-me
isso, será melhor que comecemos já — concluiu com aspereza. — Eu
gostaria de acabar com isto o mais rápido possível, se não te
importares.
— Lily, fazer amor contigo não é algo que vá acabar — contradisse
suavemente. — Contudo, este não é o momento nem o lugar adequado
para que aconteça. Será num lugar mais confortável e privado que este
quarto.
Ela voltou a deitar-se e sentiu que lhe passava o braço pela
cintura e que lhe beijava a face.
— No entanto, vou beijar-te. Nada mais que um beijo, portanto
não fiques tão rígida.
Lily acreditou. Por algum estranho motivo, confiava naquele
homem, até naquilo. Relaxou-se sob as suas carícias e a suavidade dos
seus lábios e até sentiu uma breve desilusão quando ele acabou a sua
breve exploração dos seus seios. Ela nunca tinha desfrutado dos
cuidados de Stanley e tinha suposto que as mulheres nunca obtinham
prazer com a intimidade.
No entanto, parecia que Morgan ia apagar-lhe aquelas idéias da
cabeça. A idéia de que ele possuísse o seu corpo ia-se afastando do
sentimento de ameaça e tornava-se cada vez mais na esperança da
sedução e da alegria.
Continuaram a viajar durante um dia inteiro e, quando o sol se
pôs, Lily desejava deixar-se cair numa cama depois de ter comido um
bom jantar. Mal tinham comido todo o dia.
— Tenho fome — murmurou, enquanto se esticava de forma muito
pouco feminina.
— Tens um apetite que não conheço em nenhuma outra mulher —
comentou Morgan. Não sei onde pões a comida. Certamente, não fica
nos ossos.
Ela sorriu.
— Parece-te bem dizer-me que estou esquálida? Embora não me
incomode muito. Engordar não é um dos objetivos da minha vida.
— Não estás esquálida nem nada parecido, Lily. De fato, tens uns
bonitos...
Ela endireitou-se com brusquidão e lançou-lhe um olhar
ameaçador.
— Nem penses em mencionar algo sobre os meus bonitos... —
interrompera. — Já sei como sou. Desde de que tenha a roupa
adequada, poderei passar perfeitamente pela mulher de um agricultor.
— Pois acho que vais ter oportunidade de o demonstrar — replicou
ele, com um sorriso irônico. — Se olhares para lá, verás uma coluna de
fumo. Imagino que vamos encontrar uma casa assim que passemos esta
pradaria.
— A sério? — perguntou Lily e ergueu-se ainda mais sobre o
banco da carroça, a esticar o pescoço para tentar ver a casa. — Talvez
pudéssemos pedir-lhes que nos vendam um pouco de comida.
— Já veremos — respondeu Morgan e agitou as rédeas para avivar
o passo da égua por um caminho que avançava entre erva alta e flores.
Em poucos minutos estavam sob o refúgio de um bosquezito e, quando
saíram dele, encontraram uma quinta. Vários edifícios se erguiam diante
deles.
— Tem bom aspecto — disse Morgan. A carroça saltou um pouco e
Lily agarrou-se ao banco. Quando pararam, a porta da casa abriu-se, e
um homem saiu para o alpendre com uma espingarda no braço. Morgan
levantou o braço e cumprimentou-o com um grande sorriso enquanto
sussurrava a Lily.
— Sorri amavelmente, querida. Precisamos que este homem saiba
que viemos em paz.
Ela fê-lo, consciente de que aquela família, a viver isolada no meio
do campo, teria um receio natural para com os visitantes.
— Posso fazer algo por vocês, amigos? perguntou o homem.
— Precisamos de um sítio para passar a noite. Estamos dispostos
a pagar um preço justo por usar o seu estábulo. Se pudesse vender-nos
um pouco de comida, também agradeceria.
O agricultor observou-os atentamente e depois assentiu, como se
não tivesse encontrado nada perigoso na sua presença.
— Está bem. Podem dormir no palheiro replicou para Morgan. — A
minha mulher, Anna, fez suficiente comida para partilharem. Entrem.
Os quatro filhos do casal sentaram-se num banco junto à mesa e
cederam a honra de ocupar algumas cadeiras a Morgan e Lily. O
agricultor e a mulher sentaram-se também num banco junto ao fogão. A
comida, embora simples, era abundante, tal como dissera o seu
anfitrião.
— Este ano, o pomar vai muito bem — retorquiu a mulher. — vou
apanhar em poucos dias os feijões e as beterrabas.
— E ótimo! — exclamou Lily, enquanto comia contente os legumes
e a carne que tinham servido de jantar.
Quando acabaram, Lily continuou a conversar com a mulher sobre
o pomar e sobre as tarefas de uma quinta, para tentar reunir os maiores
conhecimentos possíveis. Era evidente que a mulher estava contente
por lhe dar conselhos, porque tinha alguém com quem falar.
— Por aqui não temos muita companhia confiou. — Ultimamente,
só apareceram alguns indivíduos, há uns dias, contudo, fugiram quando
Henry lhes mostrou o revólver.
— Ò que queriam? — perguntou Lily, ficando em alerta ao ouvir as
palavras da mulher.
— Disseram que representavam o governo dos Estados Unidos e
que tinham permissão para nos expropriarem as terras para a
construção do caminho-de-ferro. Henry disse-lhes que se fossem
embora e quando tirou o revólver, fizeram-no.
Lily franziu o sobrolho.
— Eles ameaçaram-vos de algum modo?
— Não, porém, não gostei nada da pinta que tinham. Disseram
que voltariam — contou a senhora, com ar de indignação. — No
entanto, Henry voltará a mostrar-lhes o caminho de saída novamente,
se aparecerem perante o alpendre. O governo não tem nenhum direito
de nos tirar as terras. Nós temos as escrituras da propriedade.
— Ofereceram-vos algum dinheiro em troca? — perguntou Lily, a
desejar que Morgan estivesse a ouvir a conversa.
— Sim, o suficiente para que passássemos duas noites num hotel
enquanto procurávamos outro sítio para nos estabelecermos. Henry
disse-lhes que não estamos interessados.
Lily não disse mais nada sobre o assunto, contudo, quando chegou
a hora de se deitar, puxou Morgan pelo pátio para o palheiro.
— Não sabia que tinhas tanta pressa por passar a noite comigo,
querida — brincou ele. Tinha os braços cheios com os lençóis, a colcha e
algumas almofadas, portanto abriu-lhe a porta do palheiro para que
entrasse.
— Tenho de falar contigo — replicou, assim que estavam lá
dentro, num sussurro. Ouve-me, Morgan. Acho que os homens de que
andas à procura estiveram cá há uns dias.
Morgan ficou imóvel enquanto reunia palha fresca para formar o
colchão.
— Tens a certeza?
— Não, claro que não, porém, a mulher de Henry, Anna, disse-me
que vieram dois homens e lhes ofereceram uma quantia miserável pelas
suas terras. Disseram-lhes que o governo as reclamava para construir o
caminho-de-ferro. Henry mostrou-lhes o revólver e foram-se embora,
no entanto, ameaçaram que voltariam.
Morgan assentiu, porém, ficou calado.
— Ouviste-me? — perguntou-lhe Lily. Pôs os lençóis sobre a palha
e, ao ver que ele continuava em silêncio, olhou para ele fixamente.
— O que pensas?
— Deixa-me refletir — pediu. — Não tinha ouvido dizer que a
fraude chegasse tão a Norte. Se for verdade o que disse a mulher de
Henry, tenho de o comunicar.
-Aquém?
Ele abanou a cabeça.
— Agora não, Lily. Deixa-me pensar — retorquiu e apontou para
os lençóis. — Deita-te e dorme, por favor — murmurou. Caminhou para
a janela e ficou a olhar para o céu, como se pudesse adivinhar o que
havia por trás do que lhe tinha contado.
— Não trouxemos as malas — advertiu Lily, a pensar na sua
escova e na camisa de dormir.
— Dorme com o vestido — respondeu Morgan. — Amanhã vamos
a uma pequena vila e comprar-te-ei mais alguns vestidos. Este pode
durar mais um dia, não pode?
— Está bem — respondeu ela, fazendo um esforço para
desabotoar o vestido nas costas. Morgan olhou para ela e aproximou-se.
— Deixa-me ajudar-te — ofereceu. Lily virou-se e aceitou a sua
ajuda com uma facilidade que não teria imaginado uma semana antes.
A sua vida tinha mudado completamente, pensou, quando Morgan
tinha aparecido em cena. Ela tinha pensado que nunca se casaria depois
de Stanley Weston ter quebrado as suas esperanças de uma união feliz.
De fato, jurou que não o faria. No entanto, naquele momento
enfrentava um futuro junto àquele homem que estava a tocar-lhe nas
costas com as suas mãos quentes.
— Já está! — exclamou ele, quando acabou de lhe desabotoar o
vestido e beijou-lhe a nuca.
Como se a tivesse acariciado com as asas de uma borboleta, ela
ficou com pele de galinha e sentiu um tremor.
Imediatamente depois, ele tinha-se afastado e estava junto à
janela. Ela vestiu a camisa de dormir, observando-lhe as costas, os seus
ombros largos e as ancas estreitas.
— Morgan?
Ele virou-se para olhar, com a cara escondida entre as sombras da
noite.
-Sim?
Embora fosse uma resposta simples, ela não soube o que dizer.
— Nada.
— Vai dormir, Lily — ordenou ele.
As palavras soaram ásperas, como se tivesse alguma coisa contra
ela e Lily ficou a olhar durante um tempo. No entanto, foi em vão,
porque ele virou-se para a janela e não voltou a olhar para ela. Ela
guardou a sua imagem em sonhos.
Morgan não se surpreendera perante a história que Lily lhe tinha
contado, porque aquele era o lugar perfeito para roubar um agricultor.
Isolado, sem vizinhos, Henry estava em desvantagem. Sem dúvida, o
homem ter-se-ia sentido intimidado por aqueles que lhe disseram que
eram enviados do governo e Morgan não sabia quanto tempo resistiria
às suas ameaças.
Podiam queimar-lhe a casa ou o estábulo. Aqueles criminosos
usavam todos os métodos de intimidação contra as famílias e até havia
declarações que falavam de homens assassinados em frente das suas
esposas e filhos. Era muito urgente que os apanhassem. Além disso,
decidiu que avisaria Henry do que podia acontecer. Ter urna arma à
mão ser-lhe-ia sempre útil, porém, de certeza que haveriam muitas
ocasiões nas quais Henry teria que ir trabalhar e deixar a sua família
sozinha. A única solução era estender a armadilha a Sand Creek e
esperar que a situação se resolvesse o mais rápido possível.
Embora estivesse bastante calor dentro do estábulo, Lily tinha
adormecido. Ele permitiu-se voltar a fixar o olhar nela. Não podia deitar-
se ao seu lado. Parecia-lhe que ia perder toda capacidade de contenção.
Era um homem que conhecia o valor da abstinência, no entanto, tinha
ao seu lado a sua mulher e isso era um direito legal. Disse para si
mesmo que queria consumar o casamento numa cama decente, na
oportunidade perfeita. No entanto, estava a custar-lhe cumprir a sua
palavra.
Sem dúvida, Lily dar-lhe-ia o acesso ao seu corpo, porém, aquilo
não era o que ele queria. Desejava-a como nunca tinha desejado outra
mulher. Nunca tinha tido uma esposa e tinha-se habituado ao celibato.
Tinha trinta e sete anos e, pela primeira vez na sua vida, estava casado.
Não ia continuar a enganar-se, a dizer para si que aquela era uma
união de conveniência. Nem que, quando tudo aquilo acabasse, a
deixaria no Louisiana.
Também lhe tinha mentido.
Ao observá-la, ficou de novo maravilhado com a beleza obscura da
sua mulher. Aproximou-se da cama para se deitar e, ainda que não
conseguisse dormir ao seu lado, pelo menos tinha de tentar descansar.
Ao inalar a fragrância de Lily, cerrou os dentes para resistir à tentação
de a acordar.
Naquela noite não teria descanso. A única coisa que teria seria o
prazer de causar o calor do seu corpo, a suavidade da sua pele contra a
palma da mão e o fato de saber que ela dormia sem receios.
Henry levantou uma mão para se despedir deles, com expressão
estóica. Tinha-lhe advertido de tudo e, aparentemente, estava a fazer
planos para frustrar as tentativas daqueles homens de lhe roubar as
suas terras. Atrás dele, a sua mulher e as quatro crianças observavam
como o carro deixava a sua quinta. Anna estava quase a tremer de
medo e consternação.
— Não me sinto bem em deixá-los sós — declarou Lily a Morgan,
quando já se afastavam da casa.
— Eu também não — respondeu Morgan com exasperação. — No
entanto, não temos outra escolha. Disse a Henry tudo o que está a
passar-se. Agora é sua obrigação ter uma arma sempre à mão e
defender-se.
Lily ficou em silêncio durante a hora seguinte, porque parecia que
Morgan estava ocupado a pensar em coisas que não ia partilhar com
ela. Aquele dia era perfeito, pensou Lily. O céu estava azul, as escassas
nuvens eram tão brancas que pareciam de algodão e os pássaros e as
borboletas andavam de flor em flor pelos campos que a carroça ia
atravessando.
— Morgan? — perguntou. Quando ele olhou para ela
distraidamente, ela cerrou os lábios. Lamento — desculpou-se. — Só
desejava que isto fosse uma aventura a sério, uma viagem de noivos, e
que não houvesse nenhum risco para nós nem para a gente que vive
aqui — e com a mão apontou para a paisagem que os rodeava. — Tudo
parece cheio de paz e, no entanto, dirigimo-nos para o perigo. Porque
há tanta maldade? A vida seria muito mais fácil se todos seguíssemos as
regras da sociedade e fizéssemos o que está bem.
— Não sabia que me tinha casado com uma sonhadora — replicou
Morgan, secamente. — A vida é real, Lily. As coisas são difíceis e, se
queres ter uma vida decente, tens de lutar por ela. Henry terá de lutar
para conservar as suas terras e isso provavelmente vai exigir-lhe que
empregue todas as suas forças. No final, se a batalha for difícil, a vitória
será mais doce.
— Acho que me educaram para ser uma sonhadora — retorquiu
ela. — A vida era maravilhosa e fácil quando era criança. Mimavam-me,
tratavam de mim e toda a gente com quem eu vivia estava segura. No
entanto, chegou a guerra, e as coisas mudaram da noite para o dia.
— E tu com elas... — concluiu ele.
— Não porque eu quisesse — volveu Lily. Eu teria ficado em casa
até ter encontrado um marido. Depois ter-me-ia mudado para perto da
minha casa e teria formado uma família, exatamente como os meus pais
pensavam.
— Então, porque te foste embora com o teu coronel, Lily? —
perguntou-lhe Morgan.
— Acho que não quero falar disso agora respondeu ela. — Será
melhor noutra altura.
— Está bem — concordou ele, amavelmente.
— De qualquer forma, estamos a chegar a uma vila. Vês aquela
linha escura no horizonte? Eu acho que são casas.
Lily inclinou-se para a frente e protegeu os olhos do sol com a
palma da mão.
— É verdade — confirmou Lily. — De fato, há uma ali, à esquerda,
junto ao rio — continuou. Estava tão contente que se sentou à beira do
banco da carroça. — Vês se há algum hotel ou algum sítio para comer?
— Não te ficou no estômago tudo o que comeste ao pequeno-
almoço? — perguntou-lhe ele, com um sorriso. — Comeste por nós os
dois.
— Não é verdade — respondeu ela rapidamente. — Eu tinha fome
e Anna, que Deus a abençoe, não parava de me dar biscoitos.
— Só estava a brincar, querida — respondeu Morgan. — Vamos
procurar comida. Talvez esteja no armazém ou na cozinha de alguém,
porém, havemos de a encontrar.
O armazém estava no meio da vila, uma pequena localidade
chamada Middleburg, de acordo com um letreiro que alguém tinha posto
à entrada. Além disso, havia um banco, três saloons e uma barbearia.
No entanto, a loja de comida era o negócio mais próspero. Naquele dia
estava cheia de agricultores e de senhoras da vila.
Quando chegou a sua vez, Lily comprou queijo, chouriço, peixe em
salmoura, pão e pêssegos.
Depois, Morgan pediu ao proprietário que lhes mostrasse a roupa
que tinham e Lily escolheu dois vestidos apropriados para a esposa de
um agricultor. Morgan comprou algumas boas botas e pagou a conta.
— Queres comer enquanto viajamos ou paramos para comer em
algum sítio? — perguntou-lhe ele, quando estavam novamente a
caminho, sentados no carro.
— Temos pressa? — perguntou ela. Desejava passar uns minutos
de tranqüilidade, de prazer real. Uma hora junto à estrada podia
proporcionar-lhe isso. Simplesmente, tinha vontade de se sentar sobre a
manta de viagem e comer sem pensar no que ia acontecer no próximo
minuto.
Morgan observou-a e leu-lhe o pensamento. — Porque não
fazemos um piquenique? — perguntou-lhe, enquanto levantava as
rédeas e fazia com que a égua caminhasse para um lado da estrada.
— Podemos fazê-lo?
— É claro que podemos — respondeu ele. Uns minutos depois,
tinham parado o carro junto ao rio que corria paralelo à estrada.
Morgan ajudou Lily a descer do banco.
Depois estendeu a manta sob uma árvore e ambos se sentaram
descansadamente. Lily abriu os pacotes de comida rapidamente e
levantou o pão.
— Acho que temos de cortar os pedaços com os dedos. Não temos
faca — afirmou.
— Eu tenho uma — respondeu ele e tirou uma navalha. —
Provavelmente não está muito limpa, porém, servirá — indicou e tirou
do bolso o lenço para a limpar.
E serviu. Cortou o pão em fatias, abriu os pêssegos e cortou o
peixe em conserva no papel encerado. Abriu também o queijo que
tinham comprado. Muito em breve, tinham frente a eles um grande
festim.
— Isto é maravilhoso — elogiou Lily. — És um homem muito
manhoso, senhor Morgan.
— Muito obrigado, senhora — respondeu ele e levantou o chapéu
um pouco num gesto cortês. Depois deixou-o sobre a manta e pegou
num pedaço de pão. — Já não fazia um piquenique há anos — confessou
depois. Lily sentiu uma certa nostalgia na sua voz.
— Eu também não — admitiu ela. — Desde que a minha mãe
convidava os vizinhos depois da colheita do algodão. Lembro-me que os
homens comiam juntos, nas mesas, e as mulheres e as crianças
sentavam-se também em mantas, na relva.
— Eu teria escolhido sentar-me na relva, contigo, — afirmou
Morgan, ao observar como ela comia um pedaço de queijo com pão.
Comes com prazer. Eu adoro observar-te.
Ela franziu o nariz.
— Estás a gozar comigo, não estás? — acusou-o e ele abanou a
cabeça e franziu o sobrolho.
— É claro que não. Porque haveria de gozar com a minha mulher?
Ela sentiu dificuldade em respirar ao ouvir aquelas palavras.
Sentiu alegria. Ele era capaz de a seduzir simples e facilmente. Ela, que
tinha prometido que nunca voltaria a ter uma relação com um homem,
que tinha sofrido os maus tratos e a crueldade de um homem, estava
meio apaixonada por um estranho que conhecera apenas uns dias
antes.
No entanto, não parecia que ele estivesse a seduzi-la só para
possuir o seu corpo, mas sim para a fazer perder o controlo que ela
tinha sobre o seu coração. Morgan podia roubar-lhe a alma num
momento, porque se lhe oferecesse a mão, ela aceitaria. Se lhe pedisse
que o seguisse, ela levantar-se-ia e segui-lo-ia.
Aquilo assustava-a. Era uma visão dura do que o futuro lhe daria,
quando tivessem de cumprir o acordo que tinham feito, seguindo as
regras que ela mesma tinha estabelecido. «Se isso for o que quiseres,
ir-me-ei embora.» Morgan tinha-o prometido porque ela lho tinha
pedido. Sem um só murmúrio, sem tentar que ela mudasse de opinião,
tinha aceitado.
Naquele momento, em que ele estava a olhar para ela nos olhos,
a sorrir, Lily soube que a vida sem Gage Morgan seria como um dia sem
sol. Tinha-lhe entrado no coração tão rapidamente que quase não
percebeu. Baixou os olhos para a comida e pronunciou urnas palavras
que tinham a intenção de encobrir os seus pensamentos.
— E claro que gozarias, se eu o permitisse acusou. — No entanto,
desta vez não funcionará, Gage Morgan. Estou demasiado concentrada
no meu piquenique para que consigas fazê-lo — acabou, a sorrir, e
voltou a comer.
No entanto, o peixe soube-lhe quase como o papel do pacote.
Ele riu-se perante o seu sarcasmo e apoiou-se num cotovelo para
olhar para ela nos olhos de novo.
— Isto foi uma boa idéia, Lily. Tivemos uns quantos dias um pouco
difíceis e ainda falta muito caminho até Sand Creek. Não sei se
esta noite encontraremos um bom lugar para dormirmos.
Então, rodou até se deitar de costas e pôs as mãos atrás da nuca.
Depois abriu uma pálpebra e olhou para ela com um sorriso.
— Queres acompanhar-me? Podemos dormir a sesta juntos.
Ela abanou a cabeça.
— Não. Um de nós tem de estar acordado, para vigiar.
— De momento estamos seguros, Lily — garantiu ele. — Não me
arriscaria a dormir se houvesse algum perigo. — Bem, de qualquer
forma eu vou arrumar tudo isto e depois darei um passeio por aqui,
enquanto tu dormes.
Naquele momento, precisava de se afastar dele, ainda que fosse
durante uns minutos. Sentia o cheiro do sabão com o qual Morgan se
lavara naquela manhã, conhecia a essência da sua roupa, misturada
com a do feno sobre o qual tinham adormecido. Estava demasiado
confusa. Arrumou a comida, guardou-a novamente na carroça e deu um
curto passeio pela beira de água, a observar o bosquezito que os
rodeava. Naquela área havia uma infinidade de pássaros, esquilos e até,
ao afastar uns ramos, viu alguns veados a pastar calmamente numa
clareira. Pôs-se em bicos de pés e esticou a cabeça para ter melhor
ângulo de visão e, absorta na sua contemplação, não percebeu que
alguém se aproximava pelas suas costas.
— Pareces a figura de proa de um barco que vi um dia nesta costa
— as palavras de Morgan conseguiram que Lily se sobressaltasse e
virou-se com os olhos esbugalhados. — Lamento muito. Não queria
assustar-te. Vi-te aqui, com a brisa a colar-te o vestido ao corpo e a
mover os teus caracóis, e não consegui resistir à tentação de me
aproximar para te acariciar.
— Acariciar-me? — perguntou ela, aturdida, sem saber se era pelo
reflexo dos raios do sol na superfície da água ou pelo desejo que ardia
nos olhos daquele homem enquanto a abraçava.
— Só um pouco — insistiu Morgan, persuasivamente. — Assim.
Inclinou a cabeça e beijou-a docemente. Ela ficou sem fôlego
enquanto ele a abraçava com firmeza. Era muito sortudo, porque as
pernas de Lily tremiam e estava prestes a cair. Apoiou-se nele até que
se sentiu segura.
— Atrais-me como um ímã, Lily.
— De certeza que estiveste com mulheres muito mais sábias que
eu — sussurrou ela. Mulheres que saberão como estar com um homem,
como satisfazê-lo...
— Sim? — perguntou-lhe ele e depois refletiu durante um
instante. — Talvez. Porém, neste momento não me lembro de nenhuma
delas. Só te vejo a ti.
Inclinou-se para ela de novo e voltou a beijá-la mais
apaixonadamente do que na ocasião anterior. Lily retirou-se,
contrariada, e pôs-lhe as mãos no peito.
— Lisonjeias-me, Morgan — replicou, com os lábios trêmulos.
Cerrou-os para disfarçar o seu nervosismo e inclinou a cabeça para
olhar para ele. — Acho que estás a tentar conhecer o meu lado bem.
— Tens um lado bem? — perguntou ele, ajuntar-se ao jogo.
Baixou as mãos até à sua cintura e fez com que se movesse para
examinar o seu rosto por um lado e depois pelo outro. — Pareces muito
bonita de todos os ângulos — elogiou e ela deu uma gargalhada,
contente por ele ter esbatido o momento com tanta facilidade.
— Conseguiste assustar os veados que estava a ver — brincou, a
apontar para a clareira, completamente vazia. — Acho que se acabou o
piquenique e nem sequer dormiste a sesta.
— Não, contudo, descansei um pouco — respondeu Morgan e
soltou-a. Voltaram para o carro, arrumaram a manta e o resto das
coisas e sentaram-se.
Quando a égua começou a andar, Lily virou-se para olhar com
certa tristeza para aquele lugar onde tinham comido. Depois acomodou-
se no banco, a observar o perfil de Morgan, e decidiu que devia
desfrutar do caminho, porque talvez fosse o último momento pacífico
que pudessem partilhar em muito tempo.
Quando chegaram a Sand Creek, Morgan procurou rapidamente a
esquadra de polícia. O homem que estava de pé à porta tinha a arma
como se estivesse habituado a pô-la na cintura todos os dias. A sua
roupa estava gasta, mas limpa. Estava recém-barbeado e tinha o
chapéu um pouco inclinado sobre a cara, como se quisesse protegê-la
do escrutínio dos outros.
Morgan levantou uma mão para o cumprimentar enquanto a
carroça passava em frente ao edifício e o xerife correspondeu ao
cumprimento com o mesmo gesto.
— Lily, tu irás ao armazém no caso de encontrares mais coisas de
que possamos necessitar e eu irei ver o xerife para que me explique
onde fica a quinta.
Ela assentiu e Morgan percebeu que estava nervosa. Trazia um
dos vestidos novos e tinha recolhido o cabelo numa trança. Parecia a
mulher de um agricultor e isso era justamente o que ele precisava.
Enquanto observava como Lily entrava no armazém, sentiu-se satisfeito.
Atou as rédeas da égua ao poste da esquadra e subiu as escadas
do alpendre.
— bom dia — disse ao xerife, a levantar o chapéu. — Acabo de
chegar à cidade e suspeito que é você o homem que eu procurava.
— Pensou bem — respondeu o xerife e estendeu-lhe a mão. — O
meu nome é Caine Harris. E você?
— Sou Gage Morgan — respondeu. — Disseram-me que estava à
minha espera.
— Estava — respondeu Harris. — Não gosto das coisas que estão
a acontecer. Estou prestes a tirar Sam Blair e a sua mulher da quinta e
colocá-los num hotel para que estejam seguros. Acho que chegou
mesmo a tempo— Estiveram a ameaçar-nos durante as duas últimas
semanas e as coisas estão a ficar feias.
— Não pode fazer-se nada legalmente? perguntou Morgan com
aspereza.
— Estamos à espera que dêem um passo em falso. Precisamos de
os apanhar com as mãos na massa para podermos fazer uma acusação
formal. Se estes homens fossem os únicos envolvidos, tudo seria muito
mais fácil, porém, não é assim. Há seis homens que fazem os seus
trabalhos dois a dois e que se movem na direção do rio, entre as
pequenas comunidades de agricultores.
— Eu pensava que o governo se encarregaria de dar uma mão —
replicou Morgan.
Caine Harris assentiu e sorriu.
— Foi o que fez. Enviaram-no, não foi? então olhou para o
armazém e perguntou: Quem é a mulher? Não sabia que trabalharia
com uma companheira. Não é que me pareça má idéia, antes pelo
contrário, encaixará muito melhor no papel.
— É a minha esposa. Está a par da situação e entende
perfeitamente que é a minha cobertura.
— E arriscado, não acha? — perguntou-lhe o xerife. — Tem algum
tipo de treino?
Morgan abanou a cabeça.
— Vou-lhe dar uma pistola e praticar com ela assim que
chegarmos à quinta. De fato, perguntava-me se você poderia
proporcionar-nos uma. Também me daria jeito um cinto.
O xerife cedeu-lhe as armas e depois explicou-lhe todos os
detalhes sobre a quinta e a situação de Sam Blair.
— Muito obrigado — agradeceu Morgan. Agora vou para o
armazém. Provavelmente Lily já acabou as compras e está à minha
espera.
— Morgan, espero que a sua esposa esteja preparada para o que
vai encontrar na quinta dos Blair.
— O que quer dizer? — perguntou-lhe Morgan, desconfiadamente.
— Não é um lugar seguro?
— Vai ver quando chegar — respondeu o xerife, com um sorriso
desprovido de bom humor. — Eu vou para lá daqui a uma hora. Fica a
uns cinco quilômetros da vila pela estrada do Oeste. É uma casa
cinzenta, não muito grande, com um estábulo e mais alguns abrigos. Há
um bosque à frente da quinta, que a torna quase impossível de ver
quando não se conhece.
— Eu encontrá-la-ei — garantiu Morgan. Provavelmente
chegaremos antes de si, porque eu não demorarei muito no armazém.
— Meu Deus, não entendo como é possível que alguém queira
ficar com este lugar — replicou Lily, a olhar em seu redor enquanto a
carroça se dirigia para a pequena casa. Depois passou o olhar pelo
estábulo, uma estrutura de madeira muito cuidada que tinha um
galinheiro ao lado.
Na verdade, a menos que as pessoas quisessem viver naquele
estábulo, o pomar era o único lugar que valia a pena. Os legumes
cresciam em filas ordenadas, bem bonitas, o que falava da diligência de
Sarah Blair. Era uma pena que aquilo não tivesse inspirado Sam para
proporcionar à sua esposa uma casa mais digna.
No entanto, Sam Blair decidira investir o seu dinheiro numa
manada de magníficos cavalos que estavam a pastar num enorme
prado. No meio da extensão havia uma grande lagoa, que explicava em
parte porque a propriedade dos Blair tinha tanto valor. Os pastos eram
abundantes e o gado tinha água em abundância.
O proprietário dos animais estava sentado no alpendre com uma
espingarda sobre os joelhos.
— O que querem? — perguntou-lhes quando se aproximavam, a
levantar a arma. Morgan puxou suavemente as rédeas para que a égua
diminuísse o passo.
— Caine Harris enviou-nos para o ver — respondeu Morgan, a
manter as mãos à vista para que o homem não desconfiasse.
— É você o homem que vai passar uma temporada aqui?
— Sim, sou eu. Apresento-lhe a minha esposa, Lily.
O agricultor baixou o revólver e gritou:
— Sarah! — segundos depois, apareceu a sua mulher, a secar as
mãos no avental. — Estas são as pessoas que vão ficar uns tempos cá.
— O xerife disse que nós íamos para vila explicou Sarah a Morgan,
a chegar-se à frente no alpendre. — Contudo, eu não quero deixar o
pomar, agora que está tão bem.
O agricultor deu uma gargalhada desagradável e afastou a vista
da sua esposa.
— Ela não vale para muito mais, que eu saiba, porém, pelo
menos, é capaz de cultivar comida para pôr na mesa.
Lily percebeu que aquela mulher tinha uma existência difícil.
Quase seria melhor que os ladrões lhe pagassem algum dinheiro para
que pudesse sair daquela cidade e abandonar Sam à sua sorte. Era
evidente que ele não a tinha em grande estima.
— Será melhor que arrumem as vossas coisas e estejam
preparados para quando chegar o xerife. Ele virá acompanhá-los à vila
— contou Morgan. Depois olhou para Lily. — Tens a certeza de que
serás capaz de lidar com isto?
— perguntou-lhe em voz baixa, a olhar de esguelha para a casa
desmantelada.
Ela encolheu os ombros.
— Dormi no chão e tive de trabalhar num saloon. Ficar aqui
durante um tempo não me parece tão terrível. Certamente, haverá uma
cama decente e um fogão onde cozinhar.
Morgan sorriu.
— Não tenhas tanta certeza, querida — saiu da carroça e deu a
volta para ajudar Lily a descer. — Respira fundo, Lily, estás prestes a
tornar-te em Sarah Blair e acho que vais ter umas quantas surpresas.
Caine Harris chegou quando os Blair entravam em casa para
arrumarem as suas coisas. Meia hora mais tarde puseram-se a caminho
na carroça e o xerife seguiu-os a cavalo. Sarah olhou para trás, para o
pomar, e Lily esteve tentada a garantir que ela se ocuparia de tomar
conta dele.
— Pobre mulher — disse a Morgan, triste. Provavelmente, estaria
muito melhor sem Sam — olhou para ele, à espera de uma resposta ao
seu comentário, contudo, Morgan permaneceu silencioso, com o queixo
tenso. Em que estás a pensar?
— Acho que te meti numa boa confusão respondeu ele. — Isto não
era o que esperava, Lily. A menos que me engane, Sam Blair quer
vender a quinta, e está à espera que nós arrumemos as coisas por ele
para estar em posição de regatear um bom preço. Esta terra tem um
valor acrescentado pela água. O homem conhece a criação de cavalos,
isso é óbvio, no entanto, não se incomodou em construir uma casa
aceitável para a sua mulher. Suponho que, assim que tenha uma boa
conta corrente, fugirá daqui e procurará outro terreno onde se
estabelecer.
— Então, porque estava à nossa espera com a espingarda nas
mãos?
— Estaria a fazer uma demonstração de força. Sabia que viria
alguém para o ajudar. Assim que aparecemos, tudo o que teve de fazer
foi ir-se embora e deixar que nós ganhemos a batalha por ele.
— Está bem — concordou Lily, a encolher os ombros. — Isso é
exatamente o que estamos a fazer, não é?
— Sim... esta é a parte do trabalho que me deixa um mau sabor
na boca. Estamos a arriscar as nossas vidas por um homem que deixa
que a sua mulher carregue toda a carga e que não tem ambição
suficiente para ter a sua casa em ordem.
— Quando conseguirmos libertá-lo da ameaça que recai sobre ele,
o que acontecerá?
— Provavelmente, dedicar-se-á à criação de cavalos. É óbvio,
pelas condições em que está esta propriedade, que o negócio de uma
quinta não lhe interessa — declarou Morgan.
A sua voz revelava a raiva que sentia e Lily sentiu-se agradecida
de que não fosse dirigida contra ela. Aquele homem seria um inimigo
formidável. Faria o seu trabalho sem esperar nada extraordinário em
troca, no entanto, Lily sabia, de algum modo, que conseguiria que Sam
Blair tivesse um castigo por deixar que a lei lhe facilitasse as coisas.
— Vamos para dentro — indicou Morgan e segurou Lily pelo braço
para subir o degrau do alpendre.
Era uma grande tábua presa por dois pregos, que rangeu sob o
seu peso.
— Isto será a primeira coisa que vou arranjar — comentou. Depois
entraram na cozinha.
Estava muito limpa, contudo, era muito usada e velha.
Era evidente que Sarah fazia tudo o que podia para manter a
casa, contudo, o seu marido não lhe tinha proporcionado nem sequer o
mínimo para fazer o seu trabalho. Da porta da estufa caiu um prego e
Sarah tinha-a arranjado com um arame. A madeira estava empilhada e
ordenada no chão, no entanto, os troncos estavam mal cortados, como
se tivessem sido cortados por alguém sem muita força.
— Aposto que é ela que tem de cortar a lenha — comentou
Morgan, a abanar a cabeça lentamente.
— Eu diria que todas as coisas estão limpas e ordenadas porque
ela trata de tudo — acrescentou Lily. — Enquanto tu arranjas o alpendre
e a porta de fora, Gage Morgan — retorquiu, como se fosse evidente, —
eu acenderei o fogo e farei qualquer coisa para comermos.
— Sim, senhora — concordou ele, amavelmente. — Já tinha
pensado nisso. Lily? Tenho uma pistola que me deu o xerife. Quero que
a tenhas sempre à mão. Tenho a certeza de que tem de haver um
avental por aí. Veste-o para trabalhar e leva a arma sempre no bolso.
— Está bem. Só tens de me ensinar a disparar para que possa
ameaçar qualquer um que venha com más intenções.
Morgan assentiu e sorriu. Aquela mulher era única. Estava
decidida a lidar com a situação, a fazer o que requeressem as
circunstâncias. Não podia ter tido uma companheira melhor para aquele
trabalho, nem sequer se o governo a tivesse proporcionado. Além disso,
se tivesse sido assim não estaria a desfrutar da companhia de Lily.
Durante os próximos dias podia descobrir se estava apto a ser um
bom agricultor. Dependendo de quanto tempo demorassem os vigaristas
a aparecer, teria tempo para fazer diferentes tarefas, incluindo a de
ordenhar a única vaca que havia em toda a propriedade e a de cuidar
das galinhas.
Foi ao estábulo e pegou em algumas ferramentas para arranjar a
porta da casa e o degrau do alpendre. Enquanto trabalhava, observava
como Lily apanhava alguns legumes do pomar e os punha no avental,
agarrando-os com uma mão.
— Olá! — retorquiu ela, com a cara corada || pelo esforço. —
Pareço a mulher de um agricultor? Não tinha voltado a ocupar-me de
um pomar desde que tinha dezessete anos — explicou. Mostrou-lhe as
cenouras e os tomates que tinha colhido e inclinou a cara para o céu.
— Cheira a terra, Morgan. Não há nada igual.
— Achas que não? — perguntou ele, a desfrutar com o prazer que
Lily sentia. Então, não ; teve outro remédio senão eliminar o seu bom ;
ânimo, ao mostrar-lhe a pistola que tinha tirado da casa. — Lamento ser
um desmancha-prazeres, querida, porém, aqui está a pistola que quero
que tenhas sempre contigo.
— A toda a hora?
— Sim. Se vier alguém e eu estiver no estábulo ou um pouco mais
à frente, não conseguirei ouvir-te nem ver-te. Terás de estar preparada.
Só terás de disparar para o ar e eu aparecerei a correr. Não importa
onde esteja, o disparo ouço de certeza.
Lily foi deixar os legumes dentro da casa e
voltou a sair. Morgan ensinou-a a carregar a arma e a baixar o
percursor para disparar. Depois de praticar um tempo, ambos voltaram
para as suas tarefas e, em pouco tempo, Morgan sentiu o cheiro da
comida que Lily estava a preparar na cozinha.
Abanou a cabeça. Aquilo era só uma antevisão do perigo e não
podia baixar a guarda. No entanto, teve de ceder à tentação de
imaginar, só durante uns minutos, que Lily estava a cozinhar para ele
na sua própria casa e que os votos que tinham pronunciado tinham-nos
tornado realmente em marido e mulher... No entanto, ela tinha
esboçado limites. Morgan teria de a levar para casa. Fá-lo-ia com gosto.
Fosse o que fosse que Lily tivesse de enfrentar no Louisiana, ele faria
parte disso. Quando acabou com o alpendre, observou o horizonte da
porta. O melhor sítio de observação era o estábulo, pensou. Tinha
portas em ambos os extremos e tinha muitas curvas onde podia fazer-
se uma emboscada. O velho Sam esmerou-se ao construir as quadras
dos cavalos, o corredor principal e até o monte onde armazenava a
palha e o feno frescos.
A Oeste havia uma fila de árvores que poderiam proporcionar-lhe
cobertura, enquanto os assaltantes estivessem a uns cem metros da
quinta. Também era possível que se aproximassem diretamente do
alpendre para exigirem aos ocupantes que se mudassem e cedessem a
propriedade ao governo.
Caine Harris tinha-lhe explicado que os Blair não enfrentaram cara
a cara os seus inimigos, mas tinham recebido uma carta a dizer que a
casa tinha de estar vazia a meio do mês. Ainda estavam a dia doze, se
recordava bem, portanto certamente tinham três dias para se
prepararem antes que chegassem os visitantes.
Cortou uma braçada de lenha e pô-la em casa. Depois voltou para
a carroça, para trazer a comida que Lily comprara no armazém da vila.
com aquilo e com o que havia na quinta estavam bem providos para
uma semana. Quando entrou na cozinha, Lily estava a ordenar algumas
latas de conservas.
— Espero que não se estraguem. vou prepará-las para tomarmos
o pequeno-almoço declarou, a referir-se a um pedaço de bacon em
fatias. Pô-las numa frigideira sobre o fogão. — com tudo isto temos
suficiente, Morgan. Eu comprei açúcar e café e Sarah tem aveia e
farinha.
— Há biscoitos para o pequeno-almoço? perguntou ele, consciente
de que estava quase a suplicar.
Lançou-lhe um olhar com os olhos semicerrados.
— Achava que duvidavas da minha habilidade para cozinhar.
— Nem por um minuto — respondeu ele, a levar a mão ao
coração. Então, ela sorriu. Sabes uma coisa, senhora Morgan?
— Não. O quê? — perguntou ela, a voltar para a tarefa de remexer
o bacon.
— Eu gosto de ti. Eu gosto muito de ti, Lily. Ela ficou em silêncio,
a olhar fixamente
para a frigideira. Depois virou-se para ele e Morgan acariciou-lhe a
face.
— A sério? — perguntou-lhe. — Não te importas de te ligar a mim
e depois teres que te ocupar de mim quando acabar este trabalho?
— É claro que me importo — respondeu ele.
— Eu gostaria que as coisas tivessem acontecido de forma
diferente. Oxalá não te tivesse conhecido num barco e oxalá as coisas
fossem diferentes. No entanto, além de tudo isso, e... — começou e
interrompeu-se, incapaz de pronunciar as palavras que tinha na cabeça.
Desfruto de todos os momentos que passo contigo, Lily — continuou. —
Até quando me perguntava até que ponto podia confiar em ti e quando
descobri que me tinha enganado. Até nesse momento, nunca tive a
intenção de te deixar.
— Deixar-me? Não acho que tenhas escolha quanto a isso,
Morgan. Fizemos um acordo a respeito da nossa relação, se bem me
lembro.
— Ainda não temos uma relação — recordou ele suavemente e
soube que remediaria aquele fato antes que tivessem passado muitas
mais horas. Lily não lhe escaparia tão facilmente. Ele era um homem
zeloso das coisas que considerava suas.
Lily pertencia-lhe.
Pelo menos, a cama era decente, pensou Lily.
Os lençóis estavam bastante limpos, contudo, depois de pensar
uns instantes, decidiu que não queria dormir nos lençóis que Sam Blair
tinha ocupado na noite anterior e retirou-os. Foi aos pés da cama e
ajoelhou-se perante a arca da roupa branca. Sem dúvida, o que ali
havia eram os restos do enxoval de Sarah. Havia um pequeno pijama de
flanela a um lado, debaixo de uma colcha de bebê. Não havia nenhum
sinal de crianças em toda a casa e Lily imaginou que a vida do Sarah
estava vazia em mais do que um sentido.
Sentiu uma pena terrível e não conseguiu conter as lágrimas. Ao
secar as faces com uma ponta do avental, sentiu o peso da pistola, que
era um aviso permanente das circunstâncias em que se encontrava.
— Lily? — a voz de Morgan chegou da porta.
— O que estás a fazer, querida? Podia ter-te ajudado com a cama
se me tivesses chamado.
— Lavarei estes lençóis amanhã — afirmou, a pestanejar para que
lhe secassem as lágrimas que tinha nos olhos. — Se achares bem, esta
noite dormiremos sobre a colcha.
Ele não disse nada e no pequeno quarto só se ouviram os seus
passos ao aproximar-se de Lily. Pôs-lhe as mãos sobre os ombros.
— Estás bem?
— Sim, porém, ao procurar uns lençóis para pôr na cama,
encontrei isto — indicou e mostrou-lhe o pequeno pijama e a mantita. —
As duas coisas foram usadas e depois guardadas.
— Não parece que tenha tido uma vida fácil em nenhum sentido.
Espero que esteja a desfrutar da sua estadia no hotel, onde lhe farão as
tarefas e a comida e não terá de trabalhar durante uns poucos dias —
replicou ele e abraçou-a para a consolar.
— Estou bem, a sério. É só uma coisa de mulheres.
— Suponho que não sei muito sobre as mulheres — confessou
Morgan. — Pelo menos, não desse detalhe da feminilidade.
Lily riu-se suavemente.
— Suspeito que tu conheces muito bem as mulheres. Tiveste um
impacto muito grande na minha vida.
— Arrependes-te? — perguntou-lhe ele. — Farias as coisas de
maneira diferente se estivéssemos no barco novamente, no primeiro
dia?
— Provavelmente, não. Tu foste a única pessoa em que podia
confiar, além de May. Ela é uma boa pessoa. Eu gostaria de a ver de
novo, algum dia. Suponho que naquele momento me encontrei entre a
espada e a parede e tive de escolher o menor dos males. Depois percebi
que no fundo és um cavalheiro.
— Não serei um cavalheiro esta noite, Lily avisou ele e começou a
desabotoar-lhe a parte superior do vestido. — Agora temos tempo para
os dois, para pensarmos na situação em que nos encontramos.
— Eu não pensei noutra coisa ultimamente admitiu Lily, enquanto
notava como o último dos botões saía da sua casa. Sentiu as mãos
quentes de Morgan contra a pele, enquanto lhe deslizava o vestido pelos
ombros e o deixava cair no chão. Depois desatou-lhe os laços da
combinação e deixou que se juntasse ao vestido.
— Senta-te na cama e eu tiro-te os sapatos e as meias — pediu
ele, com um sorriso preguiçoso. Tinha uma boca magnífica, pensou Lily,
o lábio inferior mais grosso que o superior, e os dentes branquíssimos.
De fato, aquele homem não tinha defeitos. Era moreno, musculado e
alto.
Ela cumpriu o seu pedido e tirou os sapatos. Depois deslizou-lhe
as meias pelas pernas, lentamente, e Lily encolheu os dedos dos pés
quando ele a acariciou. Morgan riu-se.
— Tens medo, Lily? — ao ver que ela abanava rapidamente a
cabeça, o seu sorriso tomou-se ainda mais largo. — Já sabia que não
disse com satisfação.
Morgan endireitou-se e tirou a camisa e as calças. Segundos
depois, estava completamente nu. Lily baixou a cabeça, sobressaltada,
no entanto, não parecia que ele tivesse problema nenhum pelo fato de
ela o ver daquela forma.
— Acho que podemos desfazer-nos do resto da tua roupa, Lily —
sugeriu com gentileza. Já quase escureceu por completo, querida. Eu
gostaria de acender uma vela para te ver bem, porém, se quiseres, não
o farei para que não fiques incomodada esta noite.
Ela assentiu e permitiu que lhe tirasse a roupa interior, para a
deixar nua por completo.
— Levanta-te — pediu ele. Levantou-se perante ela e esperou que
reagisse. Lily não teve outro remédio senão agradá-lo e quando ficou de
pé, sentiu as palmas das mãos ao redor da cintura.
— Nunca nenhum outro homem te verá assim, Lily — garantiu. —
Agora pertences-me. Prometi que cuidaria de ti e te manteria segura —
o seu tom de voz descontraiu-a um pouco quando pensou naquelas
palavras. Pelo menos, tão segura quanto puder durante os próximos
dias. Farei o que puder.
— Não posso pedir-te mais — sussurrou ela, com a voz trêmula.
— Por favor, Morgan. Não me magoes.
— Agora? — perguntou-lhe. — Achas que eu te faria mal, Lily?
Nesta cama?
Ela encolheu os ombros mostrando um gesto inconsciente de
medo. Parecia que pensava que as necessidades de um homem às vezes
derivavam em maus tratos e que as mãos de um homem podiam deixar
hematomas na pele.
— Por esta noite não quero ouvir o que te aconteceu, Lily, para
que tenhas medo disto. Não abanes a cabeça a dizer que não. Sei o que
o medo pode fazer a uma mulher. Estás a tremer, querida. Seja lá o que
te tiver acontecido, não importa os homens que tenham estado na tua
cama, aqui é onde começa tudo, Lily. De agora em diante só estamos tu
e eu. Não quero que o esqueças.
— Sobre o meu passado... — começou a dizer ela. No entanto,
não conseguiu continuar, porque lhe fechou a boca com os dedos.
— Não quero ouvir.
«Contudo, só houve um homem. Só um homem me possuiu
antes.» Aquelas palavras ardiam-lhe na mente, porém, ele não deixou
que as pronunciasse.
«Não quero ouvi-lo.»
Tinha-lhe prometido que cuidaria dela e se fosse demasiado
orgulhoso para deixar que ela falasse na sua própria defesa, que fosse.
Ela obedeceria.
Morgan inclinou-se para ela e beijou-a com ternura, enquanto lhe
pegava ao colo para a depositar na cama.
com o calor e a ternura que fluíam dele, tirou-lhe o fôlego e
saturou-a até à medula. Mesmo assim, Lily sabia que, além de toda a
paciência daquele homem, havia uma tempestade e que, embora
mantivesse bem agarradas as rédeas da sua paixão no momento, ele
não podia dar-lhe muito mais tempo para que o admitisse no seu corpo.
Lily entrelaçou os dedos no seu cabelo, a deleitar-se com o seu
peso quando ele se estendeu sobre ela. Segura e a salvo. Aquelas
palavras tinham um novo significado com Gage Morgan. Não havia
ameaça nenhuma na sua forma de fazer amor, só a promessa do
prazer. Ela suspirou e ofereceu-lhe a boca para que a beijasse mais uma
vez.
-Lily... és doce...
Ela deixou escapar uma gargalhada suave.
— Não é verdade. Não sou doce. A minha mãe sempre dizia que
sou demasiado descarada.
Ele levantou a cabeça e acariciou com o dedo indicador a covinha
que se formava na face quando sorria.
— À tua mãe não tem a mesma visão de ti que eu. Nunca provou
o sabor fresco dos teus beijos — elogiou ele. Então, esquadrinhou o seu
rosto. — Confia em mim, Lily. O que tu estás a dar-me é doçura, algo
que eu nunca tinha apreciado. E como se fosses completamente nova e
pura.
— O fato de estar aqui contigo, no meio de tudo isto... Não
consigo explicá-lo. Só posso dizer-te que nunca o experimentei antes.
De fato, não sei se estarei à altura do que vamos fazer — retorquiu ela
suavemente, com a impressão de que devia avisá-lo, de algum modo,
que a experiência que tinha reunido naqueles anos era muito limitada.
— Ficarei com o que conseguir — murmurou ele e voltou a
inclinar-se para a beijar. Daquela vez, tocou no seu lábio inferior com a
língua.
Ela permitiu e abriu os lábios para lhe oferecer o que procurava.
Ele deixou escapar um suave gemido, que lhe saiu do peito enquanto
explorava mais e mais. Ao sentir a sua língua, Lily percebeu que o que
antes tinha achado desagradável era uma forma de prazer. A boca de
Morgan deu-lhe as boas-vindas e as suas línguas brincaram enquanto o
gozo que sentiam era cada vez maior.
Depois, Morgan percorreu com os lábios as suas faces e as suas
têmporas, como se quisesse reconhecer cada centímetro da sua pele.
Ela virou a cabeça para um lado e depois para o outro, a desfrutar da
sensação de que um homem descobrisse aqueles lugares. As suas
carícias conseguiram que tremesse e abraçou-se a ele com força.
Morgan endireitou-se um pouco e deslizou o olhar até aos seus seios
para admirar a plenitude que se exibia perante ele.
Moveu uma mão para segurar um dos seios e com as pontas dos
dedos acariciou o mamilo, que se endureceu sob o seu toque. Ele deu
uma gargalhada suave e continuou a brincar durante algum tempo,
enquanto Lily sentia que o prazer se estendia por ela como uma espiral.
Estava a deixar-se levar por todo o calor e pelas sensações que Morgan
conseguia despertar nela, seduzindo-a e mimando-a.
— Gostas? — perguntou-lhe e sem esperar uma resposta que já
conhecia, começou a lambê-la e beijá-la, a observá-la com os olhos
semicerrados.
Ela arqueou-se na cama, a imaginar como ela lhe tocaria desde o
lugar onde ele estava até aquele outro para onde ia levar os seus dedos
daí a uns instantes. Escapou um gemido a Lily que a envergonhou e as
carícias de Morgan tornaram-se mais firmes, enquanto memorizava com
as mãos a forma do corpo feminino, os seus cantos mais secretos.
— Lily — chamou ele, num murmúrio, e repetiu o seu nome
incansavelmente, como se fosse a única palavra que conseguia dizer
enquanto a percorria, com a boca contra a sua pele. Continuou a repetir
até que se ajoelhou entre as suas pernas.
Ela ficou muito rígida e, inconscientemente, tentou escapar de
entre as suas mãos. Teve um ataque de pânico enquanto ele continuava
a acariciá-la no lugar mais vulnerável de uma mulher, lá onde um
homem podia facilmente causar feridas e hematomas se fosse brusco.
— Não vou fazer-te mal — assegurou, repetindo a promessa.
Então, ela tentou reprimir o medo que sentia. Aquele era Morgan, disse
para si. Era o seu marido. Tinha o direito de a usar como ele quisesse.
Até com aquela idéia, continuou a sentir pânico enquanto ele
continuava a acariciar o lugar por onde a penetraria. No entanto,
Morgan fez movimentos cada vez mais lentos e mais suaves e,
finalmente, emitiu um som de satisfação quando sentiu a umidade que
provinha do corpo da Lily, que o avisava de que estava pronta graças à
sua atenção. Com um suspiro de derrota, ela elevou as ancas para o
receber.
No entanto, parecia que ele tinha outra idéia.
Só um dos seus dedos penetrou no calor do seu corpo. Visitou
cada uma das partes do seu interior, a pressionar com suavidade. Ela
não conseguiu permanecer em silêncio e gemeu sem se conter, ao
elevar o corpo com uns movimentos que agradaram extremamente a
Morgan.
Lily sentiu uma necessidade triste, uma ânsia quase dolorosa,
fome de experimentar mais do que os seus jogos estavam a
proporcionar-lhe.
— Morgan? — chamou, sem conseguir resistir.
Aquela não era a sua voz, era um sussurro sem fôlego. No
entanto, ele entendeu perfeitamente o que significava e beijou-a,
profundamente, completamente, enquanto ela se abria sem reservas ao
seu corpo masculino.
Como se estivesse a subir às alturas, Lily viajou para um pico que
ele sustentava, mas que afastava cada vez que ela se aproximava.
Obrigou-a a mover-se ao ritmo que ele marcava até que, numa gloriosa
explosão de calor, chegou por fim àquele êxtase e começou a cair para o
vale novamente.
Então ele encheu-a, oferecendo-lhe também a sua necessidade
masculina, e ela agarrou-se aos seus braços com força para que não a
largasse. No entanto, aquilo não ia acontecer, porque embora ele se
movesse, libertando-a da sua posse, voltava, e com cada investida
levava-a mais até e mais ao prazer, até que soube que não podia conter
durante mais tempo a alegria que lhe oferecia.
— Morgan! — gritou em pleno clímax.
Aquela exclamação deu rédea solta ao movimento de Morgan,
como se lhe tivesse oferecido a liberdade para procurar o prazer que ele
também ansiava. Num momento, derrubou-se sobre ela, e o seu corpo
enorme relaxou. Mesmo assim, continuou a procurar a sua boca, a
beijar-lhe a cara, a deixar-lhe o calor dos seus lábios marcado na pele,
das têmporas até ao pescoço.
Não houve dor, não houve nenhum sinal de desaprovação que lhe
dissesse que não a tinha satisfeito. As suas carícias eram ternas, os
seus beijos suaves, os seus corpos ainda formavam um. Dera-lhe algo
que nunca teria pensado que possuiria. Dera-lhe a segurança de que era
desejada, adorada e valorizada pelo homem que a reclamava como sua.
Não conseguiu conter as lágrimas e chorou.
Parecia que tomar conta de uma casa dava muito mais trabalho do
que Lily alguma vez tinha imaginado. Morgan levou à cozinha vários
baldes de água para lavar os lençóis e a roupa que tinham levado
durante a viagem, e encontrou o sabão numa das prateleiras.
O pátio pareceu-lhe o melhor lugar para levar a cabo aquela
tarefa. Morgan dispôs um banco para ela debaixo de uma das árvores e
Lily começou a lavar os lençóis. Ao cabo de um bom momento continuou
com a sua própria roupa e depois com as calças e as camisas que
Morgan lhe tinha levado com um sorriso, a inclinar-se para ela para lhe
sussurrar ao ouvido que nunca tinha tido uma rapariga tão contente por
atender às suas necessidades.
Ela, no entanto, não olhou para ele na cara.
Parecia que ele tinha levado os acontecimentos daquela noite
muito ligeiramente, no entanto, Lily recordava todas as carícias e os
toques daquela noite enquanto trabalhava. Aquelas lembranças
conseguiam fazer com que corasse.
com muito esforço, lavou toda a roupa, escorreu-a e pendurou-a
numa corda presa de árvore a árvore. Depois levou o balde para dentro
da casa.
— vou ao estábulo — avisou Morgan, embora não quisesse deixá-
la sozinha nem um momento. — Estarei lá, portanto grita se precisares
de alguma coisa — continuou. Então, deu rédea solta à sua impaciência.
— Bolas, Lily! Parece que te fiz algo terrível. Não me falaste toda a
manhã. Sei que não te fiz mal e que ontem desfrutaste do que fizemos.
Então, porque não me diriges a palavra?
Lily atreveu-se a olhar para ele, tentando sobrepor-se à
apreensão. Ele tinha o sobrolho franzido e estava indignado. Lily não
podia suportar que lhe falasse com semelhante frustração, portanto
finalmente decidiu justificar-se.
— Nunca tinha experimentado o prazer que tu me fizeste sentir
ontem, Morgan. Não senti dor nenhuma, só me senti como uma mulher
que é plenamente desejada pelo homem com quem se casou. Foi tudo o
que eu podia esperar, porém, mesmo assim, descobri que não estava
preparada para tudo o que me deste. O meu corpo foi usado pela
conveniência de um homem mais de uma vez e eu não podia saber
que...
— Cala-te, Lily — sussurrou ele, interrompendo a explicação com
gentileza. — Já vi que foste muito cautelosa e suspeitava que havia um
pouco de medo em tudo isso...
— Tinhas razão. Obrigada. Não consigo dizer de outra maneira,
Gage Morgan. Se não voltar a acontecer-me nada de bom na vida,
sempre terei a lembrança desta linda noite em que senti a atenção de
um homem até à alma.
Ele abraçou-a e Lily enterrou a cara no seu peito. Ali ouvia o seu
coração, a bater a um ritmo seguro e constante.
— Espero que nunca lamentes teres-te casado comigo, Lily —
replicou ele, com a voz áspera, como se estivesse a fazer-lhe uma
advertência.
Lily deu um passo para trás e afastou-se dele.
— Isso soou quase como uma ameaça! — o que tinha começado
como uma resposta brincalhona tornara-se verdade quando Lily
vislumbrou um pouco do homem que se escondia atrás da fachada de
Gage Morgan. Pelo menos, o Morgan que todos viam e reconheciam
como o homem que ganhava dinheiro como jogador. Um homem que
tinha contactos muito suspeitos e que nunca era o que parecia ser.
— Algumas vezes — disse Lily — pareces uma pessoa e, no
momento seguinte, és uma pessoa totalmente diferente. No rio, quando
nos conhecemos, achava que eras um jogador, embora bastante
cavalheiresco. Depois... tornaste-te noutro, mesmo à frente dos meus
olhos. Decidiste que eu podia ser útil e usaste aquele cartaz de
«Procura-se» para me ameaçar. Naquele momento, eu tinha medo de ti
e do que podias fazer-me.
— Não tinhas que te ter casado comigo, Lily.
— recordou ele. — Foi idéia tua.
Ela assentiu.
— Eu sei e naquele momento pareceu-me que as minhas razões
faziam sentido. Pensei que eu também podia servir-me de ti para que
me levasses a casa, porque era o que eu queria quando acabasse a tua
missão. Depois, vi outra das tuas facetas em Sand Creek. A tua
prioridade é caçar esses homens. Não te importa o que custar acabar o
trabalho e, se eu me interpuser no teu caminho, serias capaz de me
sacrificar sem hesitar.
Ao dizer aquilo, viu que ele abanava a cabeça.
— Não te conheço, pois não? — perguntou-lhe, a sussurrar. —
Dei-me a um homem e agora descubro que não é quem eu pensava.
— Sou Gage Morgan, Lily. Sou o jogador e o homem que te
obrigou a meteres-te nesta situação. São um, são o mesmo homem,
com chapéus diferentes — explicou ele e pousou as mãos sobre os seus
ombros para a puxar para o seu corpo. — Sou o teu marido —
continuou, com mais suavidade. — Estou a usar-te e admito, porém,
achava que conhecia o plano antes de chegarmos. Recorda que tu me
pediste isto. Tu vieste aqui por tua própria vontade. Ninguém te forçou
a fazê-lo.
— Sentes algo por alguém? — perguntou-lhe Lily. No entanto, o
que queria perguntar-lhe era o que sentia por ela.
— Não posso dar-me ao luxo de sentir. Isto é um trabalho, uma
missão que tenho de acabar. Se deixar que tu ou outra pessoa me
distraia, podíamos fracassar. Não posso dar-te mais do que te dei.
Quando tudo isto acabar, quando tivermos apanhado esses criminosos,
talvez seja capaz de te dar isso. No entanto, por agora, isto é tudo, Lily.
Lily tremeu. Sabia que estava a ser honesto com ela. Afinal de
contas, nem precisava ser. Já tinha arranjado tudo para seguir em
frente sem ele, trabalhando aqui e ali, poupando tudo o que ganhava e
pondo-se novamente a caminho para o Sul.
— Está bem. Esquecerei que passamos a noite juntos e deixarei
isso de lado como se fosse um erro de juízo da minha parte. Ou talvez o
preço que tenha de pagar pela proteção que tu me ofereceste —
replicou e afastou-se. Entrou no quarto para escapar dele, porém, o
colchão em frente dela recordou-a das horas que tinha passado nos
braços de Gage na escuridão.
Ele seguiu-a.
— Fizeste um acordo comigo, Lily. Desde o começo que te disse
que seria um casamento normal. Agora não tentes quebrar nada.
— Não quero que se repita o que se passou esta noite — replicou
ela.
— Agora és a minha mulher, Lily. Se eu quiser que durmas comigo
e que faças amor contigo, fá-lo-emos. Se quiser que tenhamos uma
luta, resolveremos tudo sobre o colchão.
— Isso não parece muito justo. Quanto pesas, Morgan? Noventa
quilos?
— Mais ou menos — respondeu ele e observou-a de cima a baixo.
— Acho que te ultrapasso em trinta e cinco quilos, senhora Morgan.
Tenho razão?
— Mais ou menos — repetiu ela.
— Achas que terias alguma oportunidade de me enfrentar?
— Nem sequer tentaria.
Lily sentiu-se como se estivesse a ser atacada por um animal
selvagem. Ele tinha um sorriso feroz quando se aproximou para lhe
acariciar a cara. com um só dedo traçou a linha da face e do queixo.
Depois puxou-a para ele e Lily permitiu, abandonando-se à sua
vontade. Um oponente tão esbelto e moreno tornava-se incrivelmente
atraente e uma mulher não tinha qualquer hipótese de ganhar a
batalha.
— De momento, Lily, faz o que te peço. Mantém sempre a arma à
mão e permanece vigilante. Chegaste até aqui. Tenta mais dois dias e
as coisas terão acabado — pediu, a levantar-lhe o queixo com o dedo
indicador para que ela o olhasse diretamente na cara. — Fá-lo-ás?
Ela assentiu e aquele gesto foi suficiente para Morgan. Soltou-a e
saiu da casa.
A arma bateu-lhe na coxa quando começou a andar para o seguir.
No alpendre, ficou a olhar para a corda com a roupa, que já tinha
secado. Aproximou-se para a apanhar e, dez minutos depois, pôs os
lençóis na cama e endireitou as almofadas. Quando acabou, começou a
preparar o jantar.
Acabaram a comida quando entardecia e Morgan levou para
dentro da casa um balde de leite um pouco depois. Também tinha
recolhido os ovos e guardado as galinhas. Os cavalos estavam soltos,
exceto urna égua que coxeava.
— Tem algum problema — explicou a Lily. Não sei o que pode ser,
contudo, deixei-a no estábulo para que passe a noite protegida. Agora
vou sair e ver o que se passa com a sua pata.
— Queres que vá contigo para te ajudar? perguntou-lhe Lily, a
olhar para o estábulo. O sol já se escondera no horizonte a Oeste e no
céu só sobravam reflexos púrpura que se desvaneciam na escuridão.
— Tens medo de ficar sozinha em casa? perguntou-lhe ele.
— Não. Só me sinto um pouco apreensiva, por alguma razão, no
entanto, ficarei aqui a limpar a cozinha se não precisares de mim.
Morgan foi para o estábulo e, num instante, Lily viu o brilho da
lanterna dentro da estrutura de madeira. A égua estava amarrada no
corredor e Morgan ajoelhou-se ao seu lado para lhe examinar a pata.
Lily sentiu-se estranhamente reconfortada ao sentir o peso da pistola no
bolso do avental. Olhou para Oeste de novo e depois mais à frente do
estábulo, para os pastos.
Do outro lado da casa ouviu um suave ruído e depois o relincho de
um cavalo que se aproximava. Saiu para o alpendre e viu um cavaleiro,
com o chapéu inclinado para a cara, muito direito sobre a sela. Antes
que conseguisse tirar o revólver do avental, ele levantou uma mão para
a cumprimentar.
— Boa noite — cumprimentou rapidamente,
— Sou o xerife Harris, senhora — e levantou o chapéu, para
deixar ver um rosto que Lily reconheceu.
— Estava prestes a disparar. O problema foi que não consegui
tirar a pistola a tempo — explicou em jeito de saudação. O sorriso
tremeu-lhe nos lábios ao perceber o que podia ter acontecido se o
cavaleiro não fosse o xerife.
Parecia que ele tinha tido os mesmos pensamentos, porque lançou
um olhar para baixo, onde tinha o revólver apoiado contra a coxa.
— Aconselho-a a virar a pistola para cima, ainda no bolso e
dispare para o ar — avisou. com um só disparo, o seu marido virá como
um raio, senhora Morgan.
— Parece-me que já vem para cá — indicou ela, ao ver como Gage
saía do estábulo e se aproximava com o revólver na mão.
— Boa noite, xerife — cumprimentou. — Não esperava vê-lo esta
noite. Tem alguma notícia para nós?
— Vim depois de escurecer para que, no caso de haver alguém a
vigiar, a minha presença não seja tão evidente...— explicou o xerife a
Morgan. — Vim para vos dizer que anteontem assassinaram um
agricultor a Norte daqui em Middleburg. A sua mulher foi à vila na
carroça ontem à noite. Um das suas vizinhas acompanhou-a para a
proteger. Tinham envolvido o corpo do seu marido numa colcha e
levaram-no a Middleburg para ser enterrado como é devido.
— O que se passou? — perguntou Morgan.
— O que ouvi é que tiveram uma visita. Dois homens que lhes
mostraram uma identificação e disseram que estavam autorizados por
Washington para lhes expropriarem as terras para a construção dos
caminhos-de-ferro.
— Bolas, quantos hectares são precisos para isso? Se existisse
semelhante plano governamental, também haveria fortes compensações
para os agricultores que cedessem as suas terras.
— Bem, a mulher disse que esses tipos já tinham estado na sua
quinta. O velho Henry apontou a espingarda, porém, não teve sorte.
— Henry? — Lily ficou enjoada ao pensar nisso e teve de se sentar
no degrau do alpendre. Morgan aproximou-se e baixou-se junto a ela.
— Acalma-te, querida — murmurou. — Estás quase a chorar.
Respira fundo.
— Henry? — repetiu ela. — É... — sem acabar a pergunta, olhou
para o xerife com uma tristeza infinita. — Conhecemos uma família.
Chamavam-se...
O xerife assentiu antes que acabasse.
— Provavelmente, era a mesma família. A mulher disse que um
casal lhes tinha advertido há uns dias de que estavam em perigo,
contudo, Henry pensou que podia enfrentar a situação sozinho. Estava
errado. Dois contra um não é um confronto favorável. As crianças foram
obrigadas a ver como matavam o seu pai.
— Nós dormimos lá uma noite — explicou Morgan. — Avisei-o do
que estava a passar-se, no entanto, tinha medo que pudesse acontecer
tal coisa. Quase estou surpreendido de que deixassem a mulher ir-se
embora.
— Deram-lhe um cheque de cem dólares e puseram-na na carroça
com o corpo de Henry. Disseram-lhe que tinha uma hora para sair da
propriedade. Teve de sair com pouca roupa e as coisas de que mais
precisava. O problema é que a mulher assinou um documento para
esses homens. A menos que consiga apanhá-los com as mãos na
massa, provavelmente levarão a sua avante. A escritura da propriedade
está em nome de uma empresa. Esses homens trabalham para alguém.
— O governo não pode fazer mais do que está a fazer? —
perguntou Morgan.
— Vivemos quase à beira da civilização respondeu o xerife. —
Washington tem coisas mais importantes com que se preocupar do que
com os problemas de um punhado de agricultores. Além disso,
enviaram-no, não foi?
— Se conseguirmos apanhá-los aqui, fá-lo-emos. São demasiado
inteligentes para tentarem cometer outro roubo numa vila próximo de
Middleburg, porque as pessoas estão avisadas. Mudarão para outra zona
onde ninguém tenha ouvido falar deles. Quando essa empresa tiver em
seu poder as escrituras de propriedade de todos esses agricultores,
poderão vendê-las ao governo por uma fortuna. O estado necessitará
realmente das terras para construir os caminhos-de-ferro.
— Quando começarão a construir? — perguntou Lily.
— Ouvi dizer que no ano que vem. Tenho a certeza de que esses
ladrões não cometerão o erro de repetir o golpe em Middleburg. Virão
aqui. Há três quintas a Sul de Sand Creek e, além deles, os Blair, com
quem já entraram em contacto.
— Bem. Estaremos preparados para os recebermos cá. Você vai
mandar reforços?
— É claro. Enviarei dois homens amanhã bem cedo e ficarão
convosco — respondeu Harris. — Podem ficar no estábulo. Acho que o
melhor será que estabeleçam turnos para dormir e vigiar. Eu manter-
me-ei alerta e se tiver a mínima suspeita ou vir algum estranho, virei
tão rápido quanto conseguir.
— Bem, parece-me que não posso pedir-lhe mais nada. Pelo
menos, Lily e eu não vamos estar sozinhos nisto.
No entanto, aquelas palavras não conseguiram fazer com que Lily
se relaxasse enquanto observava como o xerife desaparecia na
escuridão. Atrás dela, Morgan estava oculto nas sombras, envolto na
escuridão, com todos os seus segredos. Aquele era o homem que a
atraía como a luz a uma traça.
— Não te aproximes da janela, Lily — advertiu Morgan da cama.
Lily conseguia ver, sem se virar, o seu sorriso preguiçoso. — Esses
desgraçados podem aparecer a qualquer momento. Quererão que
assinemos as escrituras de propriedade ou um contrato de compra e
venda. Apesar de, tendo em conta que estas terras não são as nossas,
não podermos assinar nada, pois não?
Aquelas palavras trocistas que queriam dar segurança a Lily não
foram suficientes para que largasse o seu posto junto à janela. Cruzou
os braços e apoiou-se a um lado do parapeito para não se expor no caso
estar alguém lá fora e continuou a observar o exterior.
— De qualquer forma — continuou Morgan,
— não vamos chegar tão longe. Assim que nos exijam que
abandonemos a quinta e que assinemos as escrituras, podemos prendê-
los e levá-los para a vila. Caine tem uma cela preparada para eles.
— Quem é que vai prendê-los? — perguntou Lily, ao voltar para a
cama. Ele estava apoiado nas duas almofadas, com a cabeça virada
para ela e, até à luz suave das velas, Lily via o brilho dos seus olhos e a
beleza nua do homem que a esperava ao seu lado.
— Eu — respondeu Morgan. — Tenho uma ordem de detenção do
quartel-general de Washington.
«Outra faceta do seu interessante passado», pensou ela. «O meu
marido, o agente do governo.» Então, sorriu ao pensar que uma mulher
que fugia da lei podia ter ao seu lado, como protetor, um agente do
governo.
— Não estou muito certo de gostar desse sorriso — brincou ele. —
Eu diria que a mente funciona a mil por hora, a pensar em diferentes
razões para não vires para a minha cama esta noite.
— Diz-me, Morgan. O que aconteceria se o teu chefe descobrisse
que estás a proteger uma criminosa? Perderias o teu trabalho?
— Bem, se estivesse nisto pelo magnífico salário, podia preocupar-
me, porém, o governo não é propriamente conhecido por tornar os seus
empregados em milionários. Não seria uma grande perda. Além disso,
tens de entender uma coisa, Lily. Os homens que estão dispostos a
fazer isto para viver são poucos e vivem longe. Os nossos chefes fazem
a vista grossa com freqüência no que se refere aos seus empregados.
— Até com respeito a uma esposa que tem um prêmio sobre a sua
cabeça?
— Estás preocupada com isso? — perguntou-lhe ele, apoiando-se
no cotovelo, de costas. Deu umas palmadinhas no colchão, ao seu lado.
— Vá, vem cá. Falaremos sobre isso.
— Não é assim tão fácil convencer-me — respondeu Lily. — Eu
gosto de estar aqui, junto à janela. De fato, acho que vou ficar aqui
sentada, durante toda a noite, a vigiar.
— Não acho que isso funcione — respondeu Morgan e, enquanto
falava, levantou-se da cama sem o menor pudor de se tapar.
— Volta para a cama — pediu ela e virou-se para a janela. No
entanto, nada do que viu no exterior conseguiu apagar a visão da beleza
masculina de Morgan. Ele aproximou-se silenciosamente dela, Lily
fechou os olhos e visualizou os seus ombros largos, os seus braços
fortes e o seu rosto de traços marcados.
Reparou que se aproximava e que lhe punha as mãos sobre os
ombros. Passou o dedo indicador pelo seu pescoço e depois passou-lhe
a mão pela nuca para fazer com que olhasse para ele na cara.
Lily notou que ele tinha a sobrancelha arqueada e um sorriso
divertido.
— A cama está muito vazia sem ti, Lily.
— Antes de eu entrar em cena, tu dormias sozinho. Quando me
for embora, continuarás a dormir sozinho. Que diferença faria esta
noite?
— Antes de nos conhecermos não tinha esse problema e se chegar
o momento em que te perca, provavelmente não voltarei a dormir tão
bem como quando estás ao meu lado. No entanto, esta noite, tu estás
aqui e preciso de ti. Vais recusar-te?
Ela teve a tentação de se apoiar no seu corpo e se deixar levar
para reviver os momentos que tinham passado juntos vinte e quatro
horas antes.
No dia seguinte, os seus problemas continuariam lá. Lily sabia que
Morgan estava decidido a cumprir com o seu dever e que ela só ocupava
um segundo lugar. No entanto, naquele momento e naquele quarto, ele
era o homem que a desejava e que se casara com ela porque, de outra
forma, ela não teria ido com ele.
Lily tinha-lhe pedido. Tinha-lhe pedido que se casasse com ela e,
ao fazê-lo, dera-lhe o direito de desfrutar do seu corpo, de procurar o
prazer nas suas formas femininas.
— Lily? — chamou ele suavemente. — Vais deixar-me esta noite?
— Hoje disseste-me que tu tens mais força que eu, Morgan. A tua
força contra a minha. Lembras-te?
— Achas mesmo que eu te levaria para a cama e te obrigaria a
deitar-te debaixo de mim?
Ela abanou a cabeça.
— Sei que não me pressionarias, porém, se o fizesses...
provavelmente a luta não duraria muito tempo. Não estou muito certa
de quanto tempo consigo agüentar contra ti, Morgan.
— Queres descobrir? — perguntou-lhe ele, enquanto se inclinava
para esconder a cara no seu pescoço. Abriu a boca para saborear a sua
pele e tocou com os dentes na carne suave da sua garganta.
— E amanhã? — perguntou ela e fechou os olhos contra a visão do
seu cabelo preto, contra o som dos seus murmúrios roucos enquanto ele
pronunciava o seu nome. Não queria render-se à tentação que
representava o seu corpo. Deixou-se levar pelas suas mãos para a sua
excitação masculina, que ele não fazia esforço nenhum por esconder.
— Amanhã veremos o que acontece — respondeu ele. Amanhã
seria um dia diferente e havia a possibilidade de que só sobrasse aquela
noite. Ela não era uma mulher que questionasse o futuro.
Passou-lhe os braços pelo pescoço e deixou-se levar pela sua
força, oferecendo-se no altar do desejo. Recordou que o que iam
partilhar era a paixão. Amor era uma palavra que não ouviria dos lábios
de Gage Morgan. Era fácil que lhe dissesse que a desejava e ela
acreditaria. Naquela noite só podia esperar paixão e prazer.
— Leva-me para a cama — sussurrou. Ele pegou-lhe ao colo e em
dois passos estendeu-a sobre o colchão cuidadosamente.
Depois, não era mais que uma forma iluminada pela lua, enquanto
se inclinava para que ela o abraçasse.
Os dois ajudantes do xerife eram homens curtidos e fortes.
Chamavam-se Spike e Levi e sem causar qualquer incômodo,
instalaram-se no estábulo depois de mandarem os cavalos para o prado.
Quando Lily foi levar-lhes a comida ao meio-dia, agradeceram com
entusiasmo. Era uma refeição simples, consistente em pão de milho e
sopa, com generosos pedaços de presunto a flutuar no caldo. Os
homens deram-se conta disso e Lily observou-os, satisfeita por terem
gostado.
— Viram Morgan? — perguntou-lhes, ao aproximar-se de uma
janela coberta de teias de aranha.
— Esteve aqui há um momento — informou Levi, enquanto
limpava a boca com a manga do casaco. Lily pensou que devia ter-lhes
levado guardanapos e torceu o nariz enquanto tirava o ferrolho da porta
e a abria.
— Senhora, não faça isso — pediu Spike em voz baixa, como se
receasse que os ouvissem no exterior. Então, para tornar mais enfático
o seu aviso, uma bala passou junto a Lily e incrustou-se no outro
extremo do estábulo.
— Isso veio do outro lado da casa — indicou ela, com calma. —
Acham que Morgan está lá?
— Não sabemos quem pode estar lá e você é agora um alvo fácil
— replicou Spike, a aproximar-se dela para fechar a porta. — Uma coisa
é certa, não foi Morgan quem disparou. Foi um tiro de caçadeira e ele
tinha um revólver — explicou e abanou uma mão imperativamente
perante Lily. — Afaste-se da porta, senhora.
Ela recuou, consciente de que o homem tinha razão.
— Não pensei no que estava a fazer — murmurou e levantou uma
mão para fechar a porta. Outro balázio passou muito perto da cabeça de
Lily, na madeira, e ela perdeu o equilíbrio e caiu para trás, a respirar
entrecortadamente.
— Senhora? — Levi aproximou-se dela e moveu-lhe suavemente a
cabeça. — Não vejo sangue — murmurou, — no entanto, nunca se sabe.
— Estou bem — retorquiu ela e pôs-se de costas para recuperar a
respiração. — Só me assustei, é só isso — acrescentou. Depois sentou-
se e respirou fundo. — Têm de ir ver se Morgan está lá fora. Olhem pela
janela e procurem sobretudo nas árvores que há mais à frente do prado.
Os dois ajudantes fizeram isso, contudo, não conseguiram ver
Morgan. Lily levantou-se, sacudindo as palhinhas do vestido e do cabelo,
e aproximou-se deles.
— Porque dispararam contra mim? — perguntou a Levi. — Não
acho que eu seja um grande problema para eles.
— Mataram um homem há alguns dias, a Norte — informou Levi.
— Não acho que tenham problemas em matar alguém, embora uma
mulher não seja uma ameaça muito grande para eles.
— Acham que sabem que estão aqui?
— Não me surpreenderia — respondeu Levi.
— Não nos cruzamos com ninguém quando vínhamos, no entanto,
esses tipos estão a vigiar-nos. Quererão livrar-se de nós ou talvez
apanhá-la como refém para forçar Morgan a fazer o que eles quiserem.
— Lá vem Morgan! — sussurrou Spike e aproximou-se da porta
para a abrir um pouco. Soou uma chuva de tiros e Lily fechou os olhos,
com medo pelo homem que estava a atravessar o pátio para o estábulo.
Num instante, no entanto, Morgan estava ali, na entrada da porta.
— Lily? — pronunciou o seu nome com preocupação. — Estás
bem?
— Sim — respondeu ela e aproximou-se dele.
— Vim trazer a comida para os homens e nessa altura ouvimos
dois tiros. O segundo vinha da parte de trás.
— Viram alguém? De onde vinham? Do prado? — perguntou,
enquanto abraçava Lily e observava de muito perto a sua cara. — Tens
a certeza de que não estás ferida?
Ela abanou a cabeça com veemência.
— Não, é claro que não. Acho que o pistoleiro estava longe, talvez
mais à frente do prado, no bosque.
— Não me surpreenderia. Provavelmente, há outro a Oeste da
casa. Tentou lançar-me uma olhadela quando eu voltava para a casa
pela estrada — redargüiu. Então olhou para os dois homens que
observavam todos os seus movimentos e soltou Lily.
— Que raios estavas a fazer lá? — perguntou-lhe, irritada porque
ele se expusera ao perigo sem suficientes meios de defesa.
— A tentar forçá-los a fazer algum movimento.
— Estás contente agora? Já o fizeram. Conseguiram apanhar-nos
aqui, entre os dois.
— bom — começou Morgan, demasiado alegremente para a idéia
que Lily tinha da situação, — pelo menos posso comer qualquer coisa
enquanto pensam no que farão depois explicou. Aproximou-se para a
panela de sopa, pegou na concha de sopa e remexeu-a. Parece-te que
tenho tempo para a provar?
Aquela atitude tão despreocupada enfureceu Lily.
— Acabam de disparar para nós e tu tens fome?
Se tinha pensado que assim a acalmaria, enganou-se por
completo. A senhora estava furiosa. A injeção de adrenalina que tinha
sentido ao ouvir os disparos tinha-o empurrado a atravessar o pátio
quase sem refletir. Todos os seus pensamentos tinham estado
concentrados em Lily, se estava na casa ou se ele estava a cometer um
erro ao dirigir-se para o estábulo. Tinha uma boa hipótese e tinha
acertado e talvez o fato de a ver sã e salva fosse a razão pela qual tinha
sentido euforia. O seu alívio fora tão grande que tinha o seu coração
inchado no peito.
— Está bem, Lily — murmurou ele, olhando para ela fixamente. O
instinto dizia-lhe que a abraçasse com força.
— Não, não está. Podiam ter-te dado um tiro. Pensava que eras
mais inteligente e terias mais cuidado.
— Que se passa contigo? — perguntou-lhe ele. — Como fizeste
para sair da casa com a panela de sopa e a frigideira com o pão de
milho? De certeza que a tua pistola ia a saltar no bolso do avental, não
ia?
Ela assentiu.
— Eu não gosto nada disto. Absolutamente nada. Não sabia que
seria tão perigoso — retrucou em voz baixa. — Achava que viriam para
a casa e nos pediriam que assinássemos as escrituras e que nós
podíamos avisar o xerife para os prender.
Ele reprimiu uma gargalhada.
— Pensavas mesmo isso?
— Nunca tinha feito nada assim — replicou ela, encolhendo os
ombros com certa displicência. — Quando dispararam duas vezes para o
estábulo, senti muito medo, juro.
— Espero que sim — afirmou ele e engoliu o terror que estava
prestes a asfixiá-lo ao imaginar o corpo esbelto de Lily deitado no chão
com um buraco.
— Eh, Sam Blair! — de fora do estábulo, uma voz rouca gritou o
nome do agricultor. Tens de sair para lidar com um assunto.
— O que quer? — a voz de Morgan soou áspera, ameaçadora, a
tentar imitar a de Sam Blair.
— Sabe o que queremos. Foi avisado. Tinha de ter tirado as suas
coisas da quinta esta manhã e ainda está cá. Se valorizar a sua vida, ir-
se-á embora com a sua mulher agora mesmo. Tem dez minutos para
sair. A única coisa que tem de fazer é assinar e poderá partir sem
problema nenhum.
— Sim, sim — murmurou Morgan. — Porque será que não
acredito? — então gritou novamente: — Como sei que não vão disparar
e nos vão deixar ir embora?
— Não sabe, contudo, terá de escolher entre isso ou que
queimemos o estábulo convosco aí dentro. Têm dois minutos para sair.
Levi riu-se.
— Não sabem que estamos cá — declarou.
— O que estás a pensar? — perguntou-lhe Spike. — Se sairmos
pela porta, vão disparar contra nós.
— E pela janela de cima? — perguntou Morgan. — Há uma janela
e uma porta. Talvez possam disparar de lá.
— Eu posso subir — ofereceu Lily.
— Não! — gritou Morgan, rapidamente. Quero que estejas aqui em
baixo! Se provocarem um incêndio, preciso que saias o mais depressa
possível.
Levi e Spike já tinham subido as escadas e estavam no alto. O
feno filtrava-se através das gretas que havia entre as tábuas de madeira
e caía no andar de baixo, perante Morgan e Lily.
Ouviram como se abria a janela e depois um disparo que soou
contra a parede de cima.
Morgan empurrou Lily para que entrasse numa das cabinas dos
cavalos.
— Não saias daí — ordenou e virou-se para a porta do estábulo.
Ela observou-o durante menos de um segundo e depois foi para a porta
das traseiras. Lá, moveu a porta com cuidado e apoiou o canhão da sua
pistola na estreita abertura.
Do prado, um homem aproximava-se a usar os cavalos como
cobertura, a baixar-se e a correr de lugar para lugar. Quando o homem
se aproximou da cerca do curral, levantou o revólver e apontou.
Sem hesitar, Lily apontou também e disparou, rezando para não
ferir nenhum dos animais, embora, se isso acontecesse, fosse o menor
dos males. A vida do homem que estava lá em cima era muito mais
importante, pensou, e apertou o gatilho.
Teve a sensação de que a arma lhe explodia na mão. O som
vibrou no seu ouvido e o fumo elevou-se perante ela. No curral, o
homem jazia no chão.
Lily engoliu em seco ao sentir que a bílis lhe subia pela garganta,
enquanto ouvia gritos de homens da casa e o som do seu próprio nome
gritado com raiva.
— Lily! — Morgan estava atrás dela e ela virou-se para olhar para
ele. — Disse-te que ficasses na cabina! — exclamou e agarrou-a pelos
ombros, abanando-a.
Atrás deles, Spike saltou para o chão do estábulo.
— Fique contente por ela não ter ficado — declarou, sem fôlego e
muito vermelho. Derrubou o tipo um tiro, Morgan. Salvou-me a pele.
— Acho que vou vomitar — replicou Lily. Tremiam-lhe as pernas e
o seu coração batia rapidamente no peito. Abriu a porta do estábulo e
saiu, prestes a cair ao chão. Morgan seguia-a e segurou-a pela cintura.
Ela tremeu, consciente de que tinha o lenço apertado na boca e que era
Morgan que a mantinha de pé.
— Estou bem — conseguiu sussurrar, instantes depois.
Seguidamente, olhou para o homem que estava estendido no chão. —
Não o matei, pois não?
— Não, porém, foi uma pena — comentou Morgan, enojado. —
Agora terão de procurar uma corda para o pendurar.
— Vão enforcá-lo?
— Provavelmente. É contra a lei roubar propriedades às pessoas e
matar para o conseguir, Lily. Não se livrará depois do que fez.
— Estão todos bem aí dentro? — perguntou uma voz familiar da
parte da frente do estábulo. Morgan ajudou Lily a entrar e saíram pela
outra porta. Caine estava lá, com o revólver nas mãos, acompanhado
por outros dois homens. Ali, junto à casa, havia um corpo imóvel no
chão.
— Despachamos um deles — afirmou Caine.
— E o outro?
— Fora — respondeu Morgan. — Lily derrubou-o.
Atrás de Caine, um dos ajudantes deu a volta ao homem morto e
tirou-lhe uns papéis do bolso interior do casaco.
— Aqui há uns documentos — indicou. — Parecem umas escrituras
de propriedade.
— Guarda-os — pediu Caine. — Precisamos de tudo isso quando
apresentarmos o outro tipo perante o juiz.
— Há mais a trabalhar nestes roubos — lembrou Morgan, —
contudo, eu só tinha instruções de me encarregar destes dois. Suponho
que, a partir de agora, Sand Creek não voltará a aceitar nenhuma
fraude deste tipo, mesmo que os bandidos apresentem umas credenciais
magníficas.
— Não parecem criminosos — observou Lily.
— Ou melhor, pelo seu aspecto e a sua roupa, parecem
banqueiros.
— Suponho que será para impressionar os agricultores com o seu
fato elegante de cidade
— sugeriu Morgan. — No entanto, sob os seus fatos, só há
criminosos como os que encontraria em qualquer prisão — concluiu e
virou-se para Caine. — Eu farei o trabalho burocrático quando chegar a
Washington. Encarregar-me-ei de que este tipo passe muitos anos atrás
das grades, se é que o juiz não decide enforcá-lo.
— Isto é a fronteira. Provavelmente, o juiz vai querer que o
enforquem — concluiu Caine, rotundamente. — Espero que isso sirva de
advertência a outros da sua índole e Deus sabe que há muitos.
Morgan olhou para Lily e tirou-lhe a arma das mãos. Depois
acompanhou-a até à casa, interpondo-se entre ela e a visão do homem
morto e ajudou-a a sentar-se numa cadeira, porque as suas pernas
continuavam a tremer.
— Não me importa o que digas, Morgan. Eu fico contente por não
estar morto. Não sei como teria conseguido suportar o fato de ter
morrido aquele homem — replicou e apoiou a cabeça na mesa. Segundo
depois, sentiu que lhe acariciava o cabelo e sentiu o calor dos seus
lábios na nuca, porque estava a beijá-la com ternura enquanto lhe
sussurrava palavras carinhosas e ela sentiu um imenso agradecimento
enquanto ele a consolava suavemente.
— Já acabou tudo, Lily. Tu não foste feita para tudo isto.
Arrependo-me de te ter metido nisso — desculpou-se e apertou-lhe o
ombro antes de se afastar.
Ela levantou a cabeça e procurou-o com o olhar. Morgan estava
junto à janela, a observar o exterior, com as mãos nas ancas, com o
semblante de um homem preparado para a batalha.
— Eu vim contigo por minha própria vontade — replicou ela. Por
alguma razão, ele tinha-se retraído e afastado dela naqueles últimos
momentos e Lily sentiu que se abria um abismo entre eles.
— Eu não tinha direito nenhum, Lily — continuou ele. — Podias ter
morrido.
— No entanto, não me aconteceu nada volveu ela, encontrando-se
de repente numa situação de confortar e não de ser consolada.
Levantou-se como se devesse provar que o que estava a dizer era a
verdade. — Estou bem, Morgan, não me aconteceu nada — repetiu e
aproximou-se dele.
— Pus-te uma arma na mão, Lily, e disse-te que a usasses. Não
sabia que eu próprio chegaria tão longe.
— Se eu tivesse sido um agente do governo, este teria sido o meu
trabalho.
— Contudo, tu não és um agente do governo. És uma mulher sem
treino para este tipo de assuntos. Eu aproveitei-me de ti.
— Estás ligado a mim, Morgan, casamo-nos. Ou já te esqueceste?
— Não, não me esqueci. Porém, teria sido melhor que ficasses no
barco e seguisses o teu caminho para o Sul.
Ela sentiu uma dor infinita no peito perante aquela traição.
— Achas mesmo isso?
— Sim. Terias sobrevivido mais uns quantos dias, Lily. Ham Scot
ter-te-ia protegido, porque estava muito contente com as tuas atuações.
E agora já estarias em casa.
Ela sentiu que o sangue lhe fugia do rosto e enjoou-se. Então,
ergueu-se tanto quanto conseguiu e olhou para ele diretamente nos
olhos.
— Não ficarei contigo mais tempo do que precise para fazer a
mala, Morgan. Ainda sei em que direção tenho de ir para voltar para o
Louisiana.
Cega pelas lágrimas, virou-se e encerrou-se no quarto. No outro
lado da porta, ouviu que ele praguejava e se aproximava. À primeira
pancada, ela apoiou-se de costas contra a porta para evitar que ele a
abrisse.
— Vai-te embora! — gritou, sufocada pelo choro. — Não quero...
— Afasta-te da porta, Lily. vou entrar e não quero fazer-te mal.
— Já fizeste — replicou com amargura. Agora deixa-me em paz.
Lily fechou os olhos. Sabia que não conseguiria evitar que ele
entrasse se quisesse fazê-lo. Afastou-se da porta e sentiu uma pontada
de arrependimento quando ele entrou no quarto. Morgan estava pálido e
olhava para ela com uma súplica nos olhos.
— Lamento muito, Lily. Errei. Não devia ter-me casado contigo e
não devia ter-te usado como fiz. Obriguei-te a ir para a cama comigo,
ameacei-te ao dizer que te atiraria para a cama e...
— Tu não me terias forçado — replicou ela, suavemente. — Eu
sabia. Fiz tudo pela minha própria vontade e não só uma vez, mas duas.
Eu também te desejava e tu sabes. Queria saber o que era sentir a
ternura de um homem. Se tu me usaste, eu sou culpada do mesmo.
— Tu nunca terias feito o que te pedi no navio. Disseste-me que
não eras o que Ham Scott queria que fosses.
— Tu nunca acreditaste em mim, pois não? Nunca achaste que eu
não fosse uma prostituta. Era mais fácil levar-me para a cama se
pensasses que já me tinham usado.
— Não é verdade. Eu nunca pensei isso de ti, Lily. Não, assim que
passei a primeira noite contigo e falamos sobre Lily Devereaux. Sabia
que eras uma mulher que tinha sido magoada e que, apesar de tu o
negares, eras uma dama.
Ela sorriu amargamente.
— Não acredito. Durante todo o tempo soube o que pensavas de
mim. Nunca me deixaste dizer-te... — abanou a cabeça. — Já não quero
fazê-lo. Não me importa.
— Dizer-me o quê? — perguntou-lhe ele. — Sobre os homens? —
tinha o queixo tenso e os olhos escuros da raiva. Nem sequer tentou
esconder o que sentia. — Isso teria servido para alguma coisa, Lily?
Essa parte da tua vida está no passado. Não precisas de continuar a
viver nela.
Lily afastou-se dele com o coração partido. A sua mala estava
contra a parede e pô-la na cama. Depois abriu-a e acrescentou a sua
camisa de dormir. Em seguida voltou a fechá-la e olhou para a janela.
— Acho que o xerife e os seus homens acabaram lá fora —
indicou. — Devias sair para ver se temos de fazer alguma coisa antes
que te vás embora.
Morgan aproximou-se da janela e olhou lá para fora.
— Já voltou — retorquiu. — Não saias daqui, ouviste, Lily?
Ela ficou silenciosa, incapaz de lhe mentir. Observou como saía
pela cozinha e depois para o alpendre. Ouviu a sua voz, aquele som
forte e grave que a acompanharia em sonhos durante todas as noites do
futuro. Depois baixou a cabeça para dar rédea solta às lágrimas que já
não conseguia conter.
Morgan lamentava ter-se casado com ela.
Não era mais que um fardo, uma mulher que tinha recolhido para
levar a cabo um trabalho e depois se desfazer dela. Ele não o tinha dito,
no entanto, ela tinha consciência da aversão que sentia pelo seu
passado e sabia, no fundo da sua alma, que ele nunca seria capaz de
superar a recordação do que ela fora. Não podia pedir-lhe isso.
O melhor seria deixá-lo naquele mesmo momento, antes que os
laços que a uniam a ele se tornassem ainda mais fortes. Já se tinha
apaixonado por ele, tinha sentido pela primeira vez o que era o amor.
Ele era tudo o que ela desejava e, no entanto, nunca conseguiria ter. Foi
até à janela do quarto, abriu-a e atirou a mala. Depois, saltou para o
chão, apanhou a mala e pôs-se a caminho rapidamente, dirigindo-se
para as árvores do bosque. Tinha de se despachar para o alcançar antes
que Morgan percebesse que se tinha ido embora.
— Terá de vir à vila para assinar alguns papéis e fazer um
relatório — explicou Caine a Morgan. Já tinham posto os dois homens
sobre os lombos dos cavalos e os ajudantes preparavam-se para os
levarem para a esquadra de polícia. — Já acabou tudo — comentou e fez
um gesto para a casa. — A sua mulher está bem?
Morgan assentiu.
— Sim. Não aceitou muito bem o fato de ter de usar a arma que
você nos emprestou. vou devolvê-la quando voltarmos à vila.
Provavelmente será depois de ela descansar um pouco — e talvez ele
pudesse deixar clara a sua posição, pensou. Persuadi-la de que o seu
casamento podia ser dissolvido com honra, deixá-la sem lhe fazer mal,
assim que a tivesse acompanhado a casa com a sua família.
Um homem com o seu passado não tinha que se envolver num
casamento. Ainda que pensasse deixar de trabalhar para o governo e
procurar outro modo de ganhar a vida, levava com ele lembranças que o
manchavam para sempre. Lily merecia melhor do que ele podia
oferecer.
Observou como os homens se iam embora e, quando os perdeu de
vista, sentou-se no degrau do alpendre. Será que Lily tinha razão no
que lhe dissera? Era verdade que a condenava pelo seu passado? Estava
a usar uns pecados que ele próprio tinha cometido para arranjar uma
causa contra o seu casamento?
Levantou-se e entrou em casa. Tinham de falar sobre aquilo. Ele
precisava conhecer os fatos, afinal de contas, precisava ouvir a sua
história, fosse ou não agradável. Ele não era precisamente um santo.
Estava há muito tempo envolvido em assuntos de morte e erros para
argumentar que tinha as mãos limpas.
— Lily? — parou a meio da cozinha e voltou a chamá-la.
O silêncio era absoluto, contudo, na verdade, não esperava que
ela respondesse. Sem dúvida, estava aninhada na cama. A porta do
quarto estava meio fechada e ele abriu-a completamente. O quarto
estava vazio.
— Lily! — apoiou-se no parapeito da janela e olhou lá para fora.
Viu a relva que crescia no prado, as árvores que o rodeavam e soube,
soube que ela tinha fugido. Olhou para trás e percorreu o quarto. A sua
mala não estava lá.
A correr, saiu da casa e montou numa das éguas de Sam Blair.
Tinha de a encontrar.
O sol já não estava tão alto no céu. A tarde estava a chegar
rapidamente enquanto ela se aproximava de uma quinta que havia no
final de uma estrada. Um cão começou a ladrar, correu para Lily e ela
parou e abraçou a mala para se proteger no caso de o animal a atacar.
Em vez disso, o cão andou à volta dela a correr, farejou-a e abanou o
rabo para lhe dar as boas-vindas. Lily continuou a caminhar e o cão
acompanhou-a com a língua de fora.
Uma mulher apareceu no alpendre com a mão sobre os olhos para
tentar ver quem se aproximava da sua casa.
— Rapariga, o que estás a fazer sozinha por aí? — perguntou-lhe
com o sobrolho franzido.
— Uma mulher sozinha não tem de vaguear pelo campo.
— Eu sei — admitiu Lily e parou para que a mulher pudesse vê-la
bem. — Preciso de um lugar para ficar durante um ou dois dias.
Importar-se-ia se dormisse no seu estábulo?
— Lá não há muito sobre o que dormir — retorquiu a mulher. —
Será melhor que entres acrescentou e olhou para ela com impaciência.
Aquilo foi como um empurrão para que Lily entrasse em casa.
A cozinha era quente e acolhedora e o cheiro do guisado que
estava a fazer no fogão era delicioso. Lily ouviu o estômago rugir.
— Parece que seria bom comer qualquer coisa — sugeriu a sua
anfitriã sem rodeios. Quando foi a última vez que comeste?
— Esta manhã — respondeu Lily. Na verdade, não tinha comido
muito.
— Bem, então vem cá e senta-te — chamou a mulher. — O meu
nome é Agnes Morley. O meu marido está no campo e virá depois para
jantar. Se quiseres, tu podes comer agora.
— Sim, muito obrigada — agradeceu Lily. Sentou-se na mesa e
observou como a mulher enchia um prato do guisado e cortava uma
fatia de pão.
— É apenas guisado — replicou Agnes, contudo, sai muito bem
quando o faço. O pão cozi-o esta manhã.
Antes de provar a comida, Lily sorriu com agradecimento. Depois,
mordeu o pão e comeu uma colher de guisado.
— Está delicioso — elogiou. — Sempre quis fazer pão como este.
Saem-me muito bem os biscoitos, porém, o pão está acima das minhas
habilidades.
— Nada disso — replicou Agnes. — Se sabes fazer biscoitos,
também saberás fazer pão. É questão de prática — sentou-se em frente
de Lily e apoiou os cotovelos na mesa. — Agora, queres contar-me do
que estás a fugir?
Lily baixou a cabeça e olhou para o guisado.
— O que a faz pensar que estou a fugir?
— Uma mulher assim, a andar sozinha por aí, tem de estar a fugir
de um homem — afirmou Agnes.
— Talvez — admitiu Lily. — Contudo, não ficarei muito tempo. Se
pudesse dormir no seu estábulo esta noite, ir-me-ia embora amanhã.
— Já te disse que no estábulo não se pode dormir. Não é nada
confortável. Tenho um quarto a mais e podes dormir ali. Suponho que
ninguém te virá procurar lá, pois não?
— Duvido — disse Lily. — Estamos muito longe da vila?
— De Sand Creek? Não, não muito longe. De vez em quando, o
xerife aproxima-se e conta-nos as últimas novidades. A última coisa que
sei é que estava muito ocupado a tentar caçar uns tipos que extorquiam
os agricultores para lhes roubarem as terras. Nós andamos com cuidado
estes dias, porém, parece que só estavam interessados nas terras
próximas do rio.
— Ouvi dizer que alguns homens ricos do Norte querem construir
o caminho-de-ferro através destas terras — retorquiu Lily.
— Seja o que for que esteve a causar problemas, acho que Caine
terá tudo sob controlo. É um bom homem.
Lily concordou em silêncio com a mulher. Em poucos momentos
tinha acabado o seu guisado.
— Obrigada — agradeceu. — Tinha muito mais fome do que
pensava.
— De nada, filha. Pega na tua mala e trá-la para o quarto. Podes
fazer uma sesta, queres?
A idéia era tentadora.
— Está bem. Acho que o farei.
A cama era confortável e, num segundo, Lily adormeceu. Não
voltou a acordar até ao entardecer e ouviu o som das vozes de homens.
— Uma mulher bonita, morena, que viaja a Pé.
Lily endireitou-se de um salto com o coração na boca. Aquela voz
era a do xerife de Sand Creek. A descrição que estava a fazer era a sua.
Não era que ela se considerasse bonita, no entanto, os olhares que os
homens lhe lançavam davam-lhe a entender que devia ser bonita.
— Não vi ninguém — respondeu Agnes. Porque a procura, xerife?
Está metida em alguma confusão?
— Não, realmente não. O seu marido está à sua procura como
louco. Está frenético de preocupação por ela. Foi-se embora e ele anda à
sua procura desde o meio-dia.
— Hum... — murmurou Agnes. — Foi bruto com ela? Porque
haveria uma mulher de deixar um homem que a trata bem?
— Na minha opinião, um homem que está tão preocupado como
Morgan está neste momento, tem uma grande opinião da sua mulher —
comentou Caine. — Está a cavalgar por todo o campo. Tem medo que
esteja ferida ou que alguém a tenha raptado.
— Duvido. Não há muita gente por aqui que seja capaz de se
aproveitar de uma mulher sozinha — replicou Agnes.
Lily ouviu o ruído de uma cadeira que se movia.
— Está bem, se a vir, diga-lhe que o seu marido quer saber se
está bem — houve uma longa pausa e então Caine continuou a falar.
Tem a certeza que não a viu, senhora Morley?
— o silêncio que se seguiu fez com que Lily ficasse com pele de
galinha. — Está bem — continuou Caine. — Lembre-se de lhe dar a
mensagem se a vir.
— Fá-lo-ei — confirmou Agnes. Depois, Lily ouviu a despedida e o
trote dos cavalos enquanto se afastavam. Minutos depois, a porta do
seu quarto abriu-se e Agnes apareceu na soleira.
— Já imaginava que tinhas ouvido tudo, Lily.
— O xerife disse-lhe o meu nome?
— Sim. Também me disse que um homem chamado Gage Morgan
está à procura da sua mulher, Lily. Eu supus que ela estava a esconder-
se no meu quarto de hóspedes.
— Porque não lhe disse que eu estava aqui?
— Se quisesses que soubesse, tê-lo-ias dito tu própria —
respondeu Agnes.
— Obrigada — agradeceu Lily. Virou-se para agarrar na sua mala.
— Não ficarei mais tempo, Agnes. Não a porei na situação de ter de
mentir para me proteger.
— Bem, se saíres agora, o meu marido vai ver-te e,
provavelmente, irá dizer a Caine que estás cá. Será melhor que fiques
até amanhã. A menos que tenhas dúvidas sobre fugir.
— Tenho dúvidas — admitiu Lily, — porém, acho que é o melhor.
Foi assim que começou a contar a Agnes a sua história. A sós na
cozinha, enquanto o marido de Agnes acabava de tratar dos animais,
partilharam um café, e Lily confiou-lhe detalhes que nunca tinha
pensado que confiaria a nenhuma outra pessoa na sua vida. É claro,
muito mais do que tinha contado a Morgan.
— Não podia ficar com ele e muito menos quando percebi que
estava a tentar quebrar o nosso acordo — explicou ela, a enxugar as
lágrimas com um lenço que Agnes lhe ofereceu.
— Porque não lhe dás uma oportunidade? perguntou-lhe a mulher.
— É óbvio que se preocupa contigo, Lily. Alguma vez te magoou?
Aproveitou-se de ti? Além de te levar para a cama, quero dizer.
Realmente, isso é o que os homens fazem sempre. Até os homens bons,
como parece que Gage Morgan é — hesitou durante um momento e
depois voltou a compor a frase: — Sobretudo, os homens como ele... —
inclinou a cabeça para um lado e sorriu sabiamente. — Pelo que me
contaste, parece que é um verdadeiro prodígio.
Lily não conseguiu conter o sorriso perante o resumo que tinha
feito Agnes.
— É — admitiu.
— Então, porque não o procuras e resolves as coisas entre os
dois?
— Já disse — respondeu Lily. — Ele acha que estive com centenas
de homens. Não quer saber a verdade. Não lhe interessa.
— Eu acho que sim e muito — contradisse Agnes. — Também acho
que devias dar-lhe uma oportunidade para te demonstrar isso.
Na madrugada seguinte, depois de o marido de Agnes ter ido
trabalhar de novo para o campo sem saber que Lily tinha passado a
noite no quarto de hóspedes, a boa mulher aproveitou para levar Lily
até uma vila no Sul de Sand Creek, onde tinha uma conhecida que podia
dar-lhe guarida durante a primeira noite. Quando Agnes se despediu
deu-lhe um abraço e olhou para ela fixamente.
— Pensa no que te disse, está bem? Esse homem não é mau.
Garanto-te isso.
Lily, cansada por tudo o que tinha acontecido nos últimos dias,
dormiu no mesmo instante em que se tapou com as mantas. Quando
amanheceu, a sua anfitriã deu-lhe o pequeno almoço e indicou-lhe o
caminho para o centro da vila antes de se despedir. Lily afastou-se da
casa a despedir-se com a mão.
Brightmoor era um nome imaginativo para uma vila, pensou, ao
passar junto ao letreiro que indicava a entrada da povoação. Era maior
que Sand Creek e tinha muitos negócios, lojas e estabelecimentos.
Embora não quase não tivesse dinheiro, Lily pensou que sempre podia
vender as suas travessas de prata para o conseguir. Antes de o fazer,
aproximou-se de um hotel.
— Quanto custa um quarto? — perguntou ao recepcionista.
Ele olhou desdenhosamente para a pequena mala de Lily e
arqueou uma sobrancelha.
— Viaja sozinha? — perguntou-lhe e quando ela assentiu, ele ficou
a olhar para o livro de registro durante vários minutos.
— Lamento — desculpou-se finalmente, contudo, acho que não
temos nenhum quarto disponível — e lançou outro olhar de
desaprovação ao seu aspecto poeirento e à sua falta de luvas e chapéu.
— Bem, eu aposto que tem — afirmou uma voz atrás de Lily.
Quando se virou, espantada, viu May Kettering, a sorrir, com os braços
abertos.
— Menina Kettering? É amiga dela? — perguntou o recepcionista,
muito mais respeitosamente. — É claro, posso tratar de tudo para que a
menina disponha de um quarto e fique conosco, se me conceder um
minuto — claramente confundido, fez uma confusão com as chaves que
havia nas caixinhas e virou-se com uma delas na mão. May agitou uma
mão sem olhar para ele enquanto abraçava Lily novamente.
— A menina Devereaux ficará comigo — declarou com firmeza e
levantou o queixo, com o braço em redor da cintura de Lily.
O homem só conseguiu assentir quando May segurou Lily pelo
cotovelo e a guiou para a escada que havia no centro do hall.
— O que estás a fazer aqui? — perguntou-lhe May, enquanto
colocava a chave na fechadura do quarto . Quando abriu, puxou Lily até
ao centro do quarto. — Porque andas sozinha por aí? Onde está
Morgan?
— Provavelmente, à minha procura — respondeu ela. — Deixei-o
há alguns dias. O trabalho a que me tinha comprometido a ajudá-lo já
está acabado e decidi fazer o resto do caminho sozinha.
— Não podes andar por aí, de um lugar para o outro — afirmou
May com firmeza. — Ontem mesmo vi o cartaz com o teu nome na
esquadra de polícia.
— O que estava tu a fazer lá? A controlar-me?
— perguntou-lhe Lily. Rapidamente, levantou uma mão num gesto
de desculpa. — Esquece que disse isso, May. Não queria — olhou para a
cama vazia e afundaram-se-lhe os ombros. Simplesmente, estou tão
cansada que não sei o que é que vou fazer no momento seguinte.
— Não te preocupes. Percebi isso assim que te vi — disse May. —
Deita-te um pouco na cama e dorme, enquanto eu penso no que vou
fazer contigo. Penso que o melhor lugar para ti é estar à vista de todos,
Lily. Deixa que pense numa idéia e depois faremos planos.
Sem discutir, Lily deitou-se na cama e adormeceu antes que May
saísse do quarto.
Quando acordou estava a começar a entardecer. Lily levantou-se
da cama e aproximou-se da janela. Ouviu o barulho inconfundível do
saloon que havia em frente do hotel e viu todos os cavalos atados ao
corrimão do alpendre. Os homens entravam e saíam sem parar.
— Já estás acordada? — perguntou May, que acabava de entrar
pela porta. — Tenho de ir ao saloon, contudo, queria vir ver-te primeiro
para me certificar se estavas bem.
— Sim, muito bem — garantiu Lily. — Vais ao saloon da frente?
Estás a cantar lá agora?
— É o lugar mais concorrido de toda a vila — explicou May, com
um sorriso de satisfação.
— O chefe paga bem. Gosto muito mais de estar aqui que no
barco, sempre para cima e para baixo pelo rio. Achava que nunca mais
ia viver em terra firme.
— Surpreende-me que Ham Scott te deixasse partir — replicou
Lily e lamentou ter pronunciado aquelas palavras, porque May cerrou os
lábios.
— Estava a pressionar-me para que lhe desse muito mais do que
eu estava disposta a dar-lhe — retorquiu. — Falava-me em casamento.
Consegues acreditar?
— Isso não é nenhum insulto — observou Lily suavemente.
— Eu nunca voltarei a casar com homem nenhum — declarou
May, obstinadamente. Fui-me embora do barco e nunca voltarei. Isto
passou-se há poucos dias, de fato. Ouvi falar deste lugar com um dos
jogadores que vão no barco. Diziam que estavam à procura de um
cantor e quando me apresentei no bar e cantei, gostaram. O chefe diz
que eu dou classe ao lugar. O que te parece?
— Que tem razão — concordou Lily. — Tu és demasiado boa para
um lugar como este, May. Tenho a certeza de que cantaste em teatros
muitas vezes, não cantaste?
May assentiu lentamente.
— Fazia isso, até que me perdi no fundo da garrafa. Deixei que
um homem se aproximasse demasiado e depois deixou-me. Eu, parva,
achei que conseguia esquecê-lo. Fi-lo, pelo menos cada vez que me
embebedava. O álcool tirava-me isso da cabeça.
— Portanto deixaste os palcos?
— Ou melhor, os palcos deixaram-me — corrigiu May com um
sorriso cansado. — Ham Scott deu-me trabalho e funcionou bem
durante um tempo, contudo, decidi que é melhor seguir o meu caminho.
Agora é melhor despachar-me. Tenho de ir cantar. Quero que fiques
aqui esta noite, Lily. Não mostres a cara lá em baixo. Mandarei um
rapaz trazer-te o jantar, no entanto, não quero que ninguém te veja.
Tenho uma idéia que podia funcionar otimamente. Falaremos depois.
E com isso, saiu.
— É uma peruca? — perguntou Lily, perplexa. May tinha aberto
uma caixa e o cabelo que aparecia era loiro e ondulado. Quando May
tirou a peruca, com muito cuidado, Lily sorriu com curiosidade.
— É a mais cara que alguma vez tive — comentou May,
acariciando-a com mimo. — Não a ofereceria a qualquer um, Lily. No
entanto, acho que devíamos ver como te fica.
— Para quê? — perguntou Lily, perplexa. A idéia de pôr uma
peruca intrigava-a. Na sua família, todos eram morenos e ela tinha tido
certa inveja do resto das meninas quando era pequena, quando lhe
agitavam os caracóis loiros diante da cara. A sua mãe sempre dissera
que a sua filha tinha o aspecto de uma mulher francesa, atraente e
audaz para os homens.
Lily tinha-o constatado no dia em que o coronel ianque a tinha
visto e decidira que podia ficar com ela. Então, quando ele tinha feito a
sua oferta e ela tinha vendido o seu corpo em troca da segurança da
plantação e da sua casa, tinha desejado, com pena, ter sido feia, não ter
atraído aquele homem com as suas formas esbeltas e o seu peito.
Afastou aquela lembrança da cabeça. Sabia que só podia conduzir
à dor.
— Queres que ponha isso? — perguntou a May. — Achas que
ninguém me reconhecerá com o cabelo loiro?
— Essa é a idéia — respondeu May. — Falei com o dono do bar.
Disse-lhe que uma amiga minha estava aqui e ofereci-lhe que
cantássemos as duas. Está disposto a pagar-te se os clientes gostarem
de ti, Lily. Não quer mais nada de ti. Só quer que cantes e que os
homens ouçam.
— May, eu não posso competir com o teu talento — replicou Lily.
— Sentir-me-ia deslocada.
— bom — começou May, — pensei que, se quiseres, podemos
começar com os duetos que cantamos no barco de Ham. Se quiseres
tentar, podias ganhar algum dinheiro para não ficares com a corda ao
pescoço quando te puseres a caminho outra vez.
— Farias isso por mim? — perguntou-lhe Lily, a sentir que os seus
olhos se enchiam de lágrimas.
— Claro, querida. Tu tens uma voz forte e fazes com que a minha
soe melhor. Essa combinação é imbatível. Queres tentar?
A peruca mudou por completo o aspecto de Lily. Não havia dúvida
de que com a sua pele morena ficava bem o seu cabelo preto, no
entanto, a peruca loira, que May penteou de uma forma complicada,
deu-lhe um toque exótico. Os olhos escuros brilhavam e tinha as faces
coradas.
— Estou muito diferente, não estou? — perguntou a May.
— Magnífica. Vamos. Quero ir ver o pianista. Suponho que já se
levantou da cama. vou perguntar-lhe se pode tocar para nós.
Enquanto ensaiavam, o proprietário do bar observava-as de uma
das mesas a fumar um cigarro. Quando acabaram, assentiu, satisfeito.
May e Lily voltaram para o quarto depois de comerem e
arranjaram um dos vestidos de May para que se adaptasse ao corpo de
Lily e pudesse cantar com ele. Quando Lily ficou em frente ao espelho
com o cabelo dourado e o vestido de seda azul, percebeu que estava
irreconhecível.
— Sou realmente eu? — o suave murmúrio de incredulidade fez
com que May se risse. O seu sorriso era triunfante, enquanto dava os
últimos retoques aos caracóis da peruca e punha um pouco de carmim
nos lábios e blush nas faces de Lily.
— Assim estás muito bem — elogiou, satisfeita. — Ninguém te
reconhecerá nem te relacionará com a mulher do cartaz, Lily. Vamos,
antes que se faça tarde.
As horas daquela noite passaram como um suspiro. Lily cantou
três vezes com May e quando as duas se despediram do público, os
homens aplaudiram, levantaram-se e bateram os pés contra o chão para
demonstrarem o seu entusiasmo. Elas sentaram-se numa mesa afastada
e May aconselhou Lily a não fazer caso dos olhares que estavam a
concentrar-se nelas sem cessar.
— Não te incomodarão, desde que percebam que não estás à
procura de homem nenhum explicou May. — Só tens de sorrir
amavelmente a todos eles e a nenhum ao mesmo tempo.
Foi o que Lily fez. Quando voltaram a cantar, fê-lo como nunca,
como se aquele disfarce lhe desse permissão para se desfazer dos seus
medos e expressar todas as suas emoções com a música.
Bem depois da meia-noite, atravessaram a rua a caminho para o
hotel. No quarto, Lily tirou a peruca e pendurou o vestido rapidamente
para evitar que se machucasse.
— Estiveste muito bem — elogiou May, quando estavam deitadas.
— Isto vai funcionar muito bem, Lily.
— Achas que é prudente usar o meu nome verdadeiro?
— Eu só disse que te chamas Lily — respondeu May. — Nem
sequer o chefe conhece o teu apelido. Disse-lhe que eras Lily e ele não
perguntou mais nada.
— Acho que gostaram de mim — murmurou, contente, antes de
dormir. A última coisa que ouviu foi a suave gargalhada de May como
resposta.
— Não, não vi essa mulher — afirmou o xerife, a olhar para o
pedaço de papel. — De qualquer forma, de onde tirou esse desenho? É
de um cartaz?
— Não, é um retraio da minha esposa — respondeu Morgan,
dobrando-o cuidadosamente.
— Bem, se estiver em Brightmoor, eu não a vi. Reconheceria essa
cara se a tivesse visto. E uma beleza!
— Sim — concordou Morgan. — Inesquecível, diria eu.

Tinha guardado a esperança de que o xerife a reconhecesse.


Aquela tinha de ser a rota que Lily seguiria para voltar para sua casa, o
caminho mais direto para onde dissera que era o seu lar. Não conhecia o
nome da plantação em que tinha nascido, contudo, fazia sentido que
seguisse o caminho mais transitado para chegar lá. Uma mulher sozinha
corria mais perigo se estivesse afastada da civilização.
Se ele tivesse sido mais inteligente, ela não estaria naquela
situação. Devia ter percebido que ela escaparia. Tinha-a pressionado até
ao limite da sua resistência. Lily tinha-se oferecido a ele e ele tinha
aceitado o presente e depois tinha ferido os seus sentimentos com
palavras de raiva.
«Não devia ter-me casado contigo.»
Tinha dito aquela frase com tanta falta de consideração... Embora
lamentasse tê-lo feito, era a verdade. O fato de ter usado Lily para o
seu próprio prazer era imperdoável. Ela era demasiado suave,
demasiado fina... demasiado vulnerável para um homem como Gage
Morgan.
— Ficarei no hotel por esta noite — disse ao xerife. — Se se
recordar de alguma coisa, por favor, diga-me.
— Sim, senhor — respondeu o homem. Não era freqüente que
tivessem um enviado do governo na vila, pensou Morgan, e estava mais
que disposto a ajudá-lo.
Enquanto jantava, recordou os dias que tinha passado com a
mulher com quem se casou e perguntou-se porque estava à procura
dela. Queria levá-la à sua família e ir-se embora de novo? Dissera a Lily
que, assim que o trabalho em Sand Creek estivesse acabado, se
ocuparia do coronel de Nova Iorque. Tinha esquecido por completo
aquela promessa.
Sorriu. Usaria aquele argumento como incentivo assim que a
tivesse encontrado. Certamente, Lily quereria vingar-se de algum modo
do homem que a tinha feito sofrer tanta tristeza. Morgan sabia que era
totalmente egoísta no que dizia respeito a Lily. Não tinha nenhum
problema em pensar em planos para voltar a apanhá-la na sua rede.
Pagou a conta e subiu para o seu quarto, o
. Dormiu a ouvir as gargalhadas suaves e as vozes das mulheres
que havia no quarto do lado. Não havia nenhum homem no quarto.
Depois ouviu que abriam a porta e saíam. De certeza que eram duas
mulheres da noite, que foram procurar algum cliente.
Quando tudo ficou em silêncio, pensou que talvez ficasse naquela
vila mais alguns dias

para continuar a perguntar, pensou enquanto se lhe fechavam os


olhos. Nem sequer teve tempo de tirar a roupa.
No dia seguinte, acordou cedo e desceu para tomar o pequeno-
almoço. Depois passou a manhã a perguntar aos agricultores e lojistas
se tinham visto Lily. Só obteve respostas negativas, apesar de todos
demonstrarem interesse em ajudá-lo. Completamente derrotado, voltou
para o hotel.
Um banho e um bom barbear conseguiram fazer com que se
sentisse muito melhor e vestiu roupa limpa antes de jantar.
— Vai ouvir as novas cantoras ao bar? — perguntou-lhe uma das
empregadas quando lhe levou a segunda chávena de café.
— Não tinha pensado nisso — respondeu Morgan amavelmente.
Instantes depois, e sem saber porquê, sentiu uma ligeira esperança.
Acabou o café e atravessou a rua para o bar. Ali podia beber
qualquer coisa e observar as idas e vindas das pessoas. A empregada
limpou-lhe a mesa e serviu-lhe um uísque.
Morgan deu um gole ao licor enquanto pensava. Lá fora tinha
anoitecido e estava escuro. De repente, um pianista começou a tocar e,
instantes depois, uma música e uma voz fizeram com que a mente de
Morgan reagisse.

«May Kettering. Que um raio me fulmine!» Apoiou-se nas costas


da cadeira e olhou para o palco enquanto a voz de May enchia toda a
sala. Ao seu redor, todos os homens ficaram calados quando ela
começou a cantar e estavam a olhar para ela boquiabertos, como se a
música os tivesse enfeitiçado.
— Não é muito comum para um bar, pois não? — o proprietário do
bar estava atrás dele, de pé, e fez-lhe a pergunta em voz baixa. — Eu
não achava que fosse funcionar, porém os clientes adoram as suas
canções.
— Eu já a tinha ouvido antes — confessou Morgan, com o olhar
fixo em May, enquanto todos a aplaudiam. — Tem uma voz magnífica.
— Então espere que a outra venha cantar.
— A outra? — Morgan teve de controlar o impulso de se virar e o
ligeiro tremor dos dedos quando levou o copo aos lábios. — Tem duas
cantoras?
— Sim. A outra é amiga de May. Chegou à cidade há alguns dias e
está hospedada com ela no hotel em frente. É tímida e não fala muito,
contudo, deixa-os atordoados com o seu sorriso. Fazem uma boa
parceria, as duas loiras e com vozes que nos fazem ter bons
pensamentos — explicou o homem e riu-se.

Depois, afastou-se e deixou Morgan com o copo meio vazio nos


lábios.
«As duas loiras...» Aquilo deixava Lily fora da situação, pensou,
enquanto pousava o copo sobre a mesa. Observou May enquanto
cantava e depois ouviu-a falar, conseguindo que os homens que
olhavam para ela ficassem em silêncio a ouvi-la.
— Todos gostaram da minha amiga ontem à noite e ela acedeu a
cantar comigo novamente. Não estará muito tempo na cidade, portanto
aproveitem a ocasião para a admirarem — anunciou e virou-se para um
canto do palco com o braço estendido para dar as boas-vindas à mulher
que entrava em cena com um sorriso nos lábios.
— Aqui está Lily, cavalheiros. Desfrutem. Então, acompanhadas
pelo pianista, começaram a cantar.
Se Morgan não as tivesse ouvido antes, se não soubesse o efeito
que tinham no público, teria ficado cativado. No entanto, na sua
situação, ficou furioso. A sua Lily tinha uma peruca loira que ocultava o
seu maravilhoso cabelo preto. Sem dúvida, aquele artefato era de May.
No entanto, até com aquela peruca frisada e arranjada para a
sedução, nada podia afastar os seus olhos da beleza do rosto de Lily
enquanto cantava. Fazia-o com inocência, com um carinho pelas
palavras que pronunciava que conseguiu fazer com que o coração de
Morgan doesse, apesar de a sua raiva ser de proporções enormes.
As mulheres saíram do palco e os homens voltaram para os seus
jogos de cartas. O volume geral subiu de tom. Morgan ficou na sua
mesa e pediu outra bebida. Em menos de uma hora, as mulheres
voltaram para o palco de novo e, daquela vez, ele reparou nas olheiras
de Lily. Parecia que estava há vários dias sem dormir numa cama
decente. Bolas, era um milagre que não tivesse acontecido nada de mal
àquela tola! A música interrompeu os seus pensamentos e ouviu com
atenção até ao final da atuação. May atirou beijos aos homens do
público e prometeu que se veriam na noite seguinte. Depois foram-se
embora.
Morgan sabia perfeitamente para onde se dirigiam.
— Podes ir andando — sugeriu May a Lily. Eu vou falar com o
diretor do hotel. Preciso saber se o meu quarto continuará disponível na
semana que vem e, se não, terei de encontrar outro alojamento.

— Está bem — concordou Lily.


O patamar do segundo andar estava iluminado tenuemente com
candeeiros de querosene e teve de se inclinar um pouco para acertar
com a chave na fechadura. Entrou no quarto, fechou a porta e foi para a
mesa-de-cabeceira para acender a vela. Quando o quarto se iluminou,
distinguiu uma figura escura num dos cantos.
— Olá, Lily!
Ela não gritou nem se assustou. Não correu para a porta. A
verdade era que, pensou com cansaço, nada do que Morgan fizesse
podia surpreendê-la. Nem sequer o fato de que aparecesse a meio da
noite no seu quarto, quando ela pensava que ele não sabia onde estava.
— O que estás a fazer aqui? — perguntou, quase incapaz de
controlar os batimentos do seu coração. Tremeu-lhe um pouco a voz,
porém, era previsível, depois de ter passado a noite num bar cheio de
fumo, a cantar.
Ele estava zangado. Estava pálido e tinha os olhos brilhantes e os
punhos cerrados junto ao cinto das pistolas. Não, pensou ela, abanando
ligeiramente a cabeça, não estava prestes a disparar. No entanto,
Morgan podia fazer-lhe mal só por abrir a boca e pronunciar

umas palavras ásperas. Umas palavras que lhe rasgariam o


coração.
— Eu é que devia perguntar-te isso — respondeu ele.
Ela encolheu os ombros.
— O que importa? — sussurrou, enquanto se deixava cair à beira
da cama. Estava demasiado cansada para permanecer de pé. — Vai-te
embora, Morgan. Deixaste claro o que pensavas há dois dias e eu quero
poupar-te o trabalho de me levares para casa.
— Disse-te que esperasses — recordou ele. Fugiste pela janela e
correste como um coelho assustado. O que se passa, Lily? Não és capaz
de jogar até ao final?
— Deixa-me. Não tens de sentir nenhuma responsabilidade por
mim. Vai-te embora e deixa-me em paz.
A porta abriu-se e May entrou no quarto. Ao ver Morgan, parou,
no entanto, não pareceu demasiado surpreendida por ver que ele tinha
invadido a privacidade do seu quarto.
— Bem, bom — começou com certa ironia. Gage Morgan em
pessoa veio buscar a sua esposa — inclinou a cabeça e olhou para ele
fixamente. — É a tua mulher, não, Morgan? Casaste-te com ela, não foi?
— Sabes que sim, May — respondeu ele.

Como se a sua paciência não fosse suficiente para May também,


tirou do bolso a chave do seu quarto e atirou-a. — Acomoda-te no
quarto
. É mesmo ao lado. Ela apanhou a chave no ar.
— Somos vizinhos? — perguntou-lhe. — Há quanto tempo estás
cá?
— Não importa — replicou ele, desdenhosamente. — O suficiente
para encontrar a minha mulher — continuou. — Deixa-nos sozinhos,
May.
— Se a magoares... — May fez uma pausa e os seus olhos
brilharam, ameaçadores. — Ela não tem de suportar a tua fúria,
Morgan. Está... frágil.
Era uma descrição acertada, pensou Lily.
Naquele momento, sentia-se como se fosse um vidro prestes a
partir-se em mil pedaços se o seu coração não parasse de bater a mil à
hora.
Fechou os olhos com força quando May saiu do quarto. Atrás das
pálpebras, sentiu que as lágrimas lhe enchiam os olhos. No entanto, não
ia chorar. Não ia dar-lhe a satisfação de presenciar a sua tristeza e o
seu medo. Tinha medo do que pudesse acontecer-lhe de manhã e
tristeza pela confusão que ela tinha criado na sua vida e na dele com
aquele estúpido pedido. "Da próxima vez que fuja com um homem, terá
de se casar comigo primeiro..."
— Levanta-te, Lily — pediu ele. Tirou-lhe as mãos do colo e
puxou-a suavemente. Então, franziu o sobrolho. — Tens os dedos
gelados. O que se passa?
Morgan cobriu-lhe as duas mãos com as suas e ela sentiu o calor
que irradiava da sua pele. Teve a tentação de se aninhar contra ele.
— Não serei capaz de agüentar esta noite, Morgan — afirmou,
cansada. — Não consigo.
Ele fez com que desse a volta e Lily sentiu o toque familiar dos
seus dedos nas costas enquanto começava a desabotoar-lhe o vestido.
— Não terás de o fazer, Lily. Só tens de te deitar nessa cama e
deixar que te recorde que és a minha mulher — o vestido caiu ao chão e
depois a combinação seguiu-se.
— Tira a peruca — pediu. — Porque meteste na cabeça que tinhas
de cobrir o cabelo com essa monstruosidade? — a forma depreciativa
como olhava para os caracóis loiros irritou-a e sentiu vontade de se
revoltar.
— Eu gosto bastante — replicou Lily. — Escondo-me atrás dela e
esqueço-me do quanto me assusta estar em frente ao público.
— Não tens de te esconder atrás de nada,

Lily — ele ia tirar a peruca, contudo, ela chegou-se para trás.


— Não. Eu faço isso. May pagou muito por ela. Não permitirei que
a estragues.
— Está bem — cedeu ele, impaciente enquanto ela a tirava e a
pousava sobre a mesa.
— Tenho de tirar os ganchos do cabelo e preciso de o escovar —
explicou ela, numa tentativa de ganhar tempo, de apaziguar a sua raiva.
No entanto, Morgan não o permitiu.
Pôs-lhe as mãos nos ombros e agitou-a durante um instante.
— Bolas, Lily — abraçou-a, levantou-a do círculo de roupa que
havia aos seus pés e depositou-a sobre a cama. Depois baixou-se,
pegou no vestido azul do chão e atirou-o contra a esquina do quarto.
— Não faças isso, Morgan. Vais estragá-lo sussurrou, a observar
como o tecido voava pelo ar e caía no canto, formando um monte
amalucado.
— Não o vais vestir novamente — murmurou ele, enquanto tirava
o cinto e o deixava no chão. Tirou também a camisa e sentou-se à beira
da cama para tirar as botas e as meias. Quando se levantou, ela viu
parte da frente das calças e a evidência do seu desejo. Estava

claro que não tinha nenhuma intenção de recusar a sua existência.


Quando estava completamente nu, deitou-se na cama e rodeou-
lhe a cintura com o braço.
— Encontrei-te apesar de tudo, Lily. Achas que conseguirás fugir
de mini esta noite?
— Decidimos...
Ele silenciou-a pondo a palma da mão nos lábios, com suavidade.
— Tu decidiste. Foste-te embora, em vez de tentares resolver as
coisas entre nós. És uma covarde, Lily Morgan. Sei que te disse que não
devia ter-me casado contigo e ainda o penso. Contudo, a verdade é que
nos casamos e não vou fugir da situação até que tenha feito tudo o que
prometi.
— Se estás a falar da tua promessa de me levares para casa, não
preciso que a cumpras. Consigo lá chegar sozinha.
— Isso não importa de momento — replicou, dando por acabada a
conversa. Inclinou-se para os seus lábios e deu-lhe um beijo que lhe
cortou a respiração. Lily sentiu os lábios firmes contra a sua boca e
depois os dela abriram-se um pouco e sentiu o toque úmido da sua
língua.
— Não — retorquiu e retorceu-se contra ele, afastando a cara. —
Não quero que faças isto pediu, embora soubesse que era uma mentira.
No entanto, se se rendesse à sua sedução, não teria ganhado nada com
a sua fuga. Estaria imersa na mesma confusão, com um homem que
representava o maior perigo da sua vida.
— Neste momento não me importa o que queiras, Lily — declarou
ele, com um gemido que conseguiu fazer com que tremesse.
Voltou a beijá-la e, daquela vez, não lhe permitiu escapar da
carícia, ao segurar-lhe a cabeça com os dedos entrelaçados nos seus
caracóis.

Treze
Não era verdade. Importava-se, porém, não seria capaz de se
afastar dela e sair do seu lado nem por um instante. A necessidade que
sentia pela mulher que estava a abraçar era demasiado forte. Se ela
resistisse, teria sido totalmente diferente. Ele nunca obrigaria uma
mulher a fazer algo que não quisesse.
No entanto, queria persuadi-la. Beijou-a e mordiscou os lábios
exuberantes e o pescoço, onde o coração batia erraticamente de
excitação.
Era suave e doce. Ele saboreou-a, a saber que se renderia às suas
carícias. A sua roupa interior deixava a descoberto as linhas femininas
que ele morria por explorar e Lily tinha o olhar fixo no seu rosto
enquanto sussurrava o seu nome.
Aflito pela necessidade, endireitou-se sobre ela para a observar
enquanto lhe tirava o resto da roupa.

— Gage... — sussurrou de novo. Pôs-lhe as palmas das mãos nos


braços durante um momento e depois cobriu os seios, que ele deixara à
vista, num impulso de pudor.
— Eu gosto que sussurres o meu nome murmurou ele. Pegou-lhe
nas mãos suavemente e segurou-as por cima da cabeça, apoiadas na
almofada. — Diz novamente, Lily — pediu com a voz rouca.
— Gage, por favor — sussurrou de novo. Já não havia resistência
nela. Quando ele desceu o olhar até aos seus seios, ela corou ainda
mais.
— Lily, esta noite vamos tocar o céu! — exclamou, a sorrir. — Não
vais chamar May, pois não? És demasiado educada para incomodar o
hotel inteiro, não és? — perguntou, quase ironicamente, e depois
reparou no seu cabelo, nos caracóis que se escaparam dos ganchos e
lhe faziam cócegas na pele.
— Sabes que não o farei — respondeu ela, instantes depois.
— Porque me desejas, Lily? — procurou com os dedos o resto dos
ganchos e tirou-os. O cabelo derramou-se pela almofada e ele acariciou-
o com uma mão.
— Porque tu me transformas em alguém que não reconheço.
— És o que és, Lily. Eu só saco de ti a paixão que tu mantiveste
reprimida durante tanto tempo. Se te soltar as mãos, vais portar-te
bem? — perguntou-lhe, enquanto se inclinava para lhe beijar o ombro.
— Portar-me bem? — perguntou ela, num tom de incredulidade.
— Estou debaixo de um homem que parece bastante decidido a que faça
o que ele quer. Achas que vou precisar de me portar bem?
— Sim, só o tempo que preciso para te convencer.
— Pedi-te para não fazeres isto, Gage — declarou, repetindo o seu
pedido. — Quero que te vás embora e me deixes em paz, agora que
ainda consigo afastar-me de ti. Sou capaz de ganhar dinheiro para
voltar para casa. Não preciso de ti.
Talvez fosse verdade, pensou, ao levantar a cabeça para olhar
para os seus olhos pretos.
— Contudo, eu preciso de ti — confessou ele.
— Preciso que fiques comigo o tempo suficiente para me redimir,
querida. Disse-te que resolveria as coisas com o teu coronel ianque e
disse-te que te acompanharia a tua casa. Tu tens de ficar comigo até
que essas duas coisas estejam resolvidas.
— E entretanto? Irás para a cama comigo? — perguntou ela e
depois deixou escapar um suspiro. — Solta-me as mãos. Não vou
resistir.
— Isso não é suficiente. Quero que sintas o mesmo que eu, Lily.
Quero que os dois o desejemos...
— Eu não sei como fazer isso — sussurrou ela, abanando a
cabeça. Embora ela estivesse a recusar ceder, soltou-lhe as mãos. Ela
respirou fundo e cerrou os punhos sem os mover da almofada. — Eu
desejava-te, Gage. Desde o começo, embora soubesse o que pensavas
de mim. Achava que serias capaz de fazer com que me sentisse pura
novamente, que esquecesse as minhas lembranças.
— E consegui? Desfrutaste do que partilhamos, Lily?
Ela assentiu e fechou os olhos.
— Sabes que sim.
Ele inclinou-se de novo para a beijar, suplicando-lhe com os lábios
a entrada para a doçura da sua boca e ela permitiu, abrindo-se para ele.
Se ele tinha pensado comportar-se como um cavalheiro, a idéia
desvaneceu-se ao primeiro toque da sua língua. Se tinha querido
seduzi-la lentamente, através dos sentidos, aquilo tomou-se impossível
quando ela inclinou a cabeça para receber melhor o seu beijo.
Quando ela levantou os joelhos para lhe rodear as coxas, Morgan
sentiu o calor da sua suavidade contra a sua excitação. Teve uma
sensação de triunfo quase primitiva e o seu coração saltou-lhe no peito.
Ela não recusou as suas carícias e não derramou nem uma
lágrima. Lily era uma mulher demasiado honesta para negar o que o seu
corpo lhe pedia. Devido àquela integridade, Morgan sentia-se
imensamente agradecido.
Com movimentos lentos, Morgan obrigou-se a seguir um ritmo
que desse a Lily o maior dos prazeres. Que desfrutasse era importante,
o mais importante, pensou Morgan, a rogar que depois ela não
lamentasse o que tinham feito. Naquele ponto, teve êxito. A sua mulher
abraçou-se ao seu corpo e, mais uma vez, Morgan ouviu-a sussurrar o
seu nome enquanto estremecia no êxtase. Imediatamente, ele mesmo
se rendeu perante a força da sua libertação e ela abraçou-o.
-Gage...
Ele enterrou a cabeça no seu ombro e acariciou-a suavemente, a
segurar-lhe a cabeça para a beijar ainda mais vezes. Não era suficiente.
— Senti a tua falta, Lily. Fazes parte de mim. Nunca conheci uma
mulher como tu e, se Deus quiser, nunca voltarei a procurar nada
diferente para encontrar um pouco de paz na minha vida.
Ela continuou em silêncio entre os seus braços e ele sentiu certa
impaciência. Teve de admitir que necessitava que Lily lhe confirmasse
que os seus sentimentos também estavam implicados naquele
casamento. Precisava que reconhecesse que ele era importante para
ela, embora talvez só fosse pelas suas próprias razões. Afinal de contas,
tinha-lhe prometido que a levaria para casa.
Talvez se ele fosse capaz de a libertar do estigma do passado, se
ele pudesse descobrir algo e esclarecer a sua inocência... Talvez ela
aceitasse o seu casamento.
— Estás acordada? — perguntou-lhe em voz baixa, enquanto lhe
beijava a testa, desfrutando da serenidade que tinha encontrado nos
seus braços. — Estás bem, Lily? — perguntou ao não obter resposta,
com certa preocupação. Deitou a cabeça para trás para olhar para ela
na cara.
— Sim, estou bem — murmurou ela. — Contudo, sinto-me como
se acabasse de sair de um redemoinho. Acho que gostaria que não
fosses tão bom nisto, Gage. Consegues que me sinta como uma virgem.
«No entanto, ambos sabemos que não és.» Aquele pensamento
chegou-lhe à mente sem que ele conseguisse evitá-lo. Tinha consciência
de que aquilo não devia importar. Ele tinha demasiados segredos
próprios e Lily nunca lhe tinha perguntado quais eram. Por outro lado,
Lily tinha-se oferecido para lhe contar o seu passado várias vezes e ele
tinha-lhe negado a purgação e a paz interior que aquilo lhe teria trazido.
— É evidente que não desfrutaste muito nas mãos de outros
homens — comentou ele, a sorrir. Em certo modo, dava-lhe a sensação
de que era inexperiente, de que não conseguia aceitar a alegria inerente
nas carícias de um homem e ele perguntou-se se nunca tinha sentido a
verdadeira paixão antes de o conhecer.
— O que vais fazer, Morgan? — perguntou-lhe suavemente Lily e
tirou-o dos seus pensamentos. — Eu disse a May que ficaria com ela
mais uns dias e não vou quebrar a minha promessa.
— Falaremos disso amanhã — respondeu ele, com o primeiro
esboço de um plano na cabeça. — vou visitar o xerife para falar com ele
— afirmou. Deslizou uma mão e pousou-a na sua cintura para a puxar
para o seu corpo, e sentiu o delicioso contacto dos seus seios contra o
peito quando ela se aninhou.
— Dorme, Lily. Eu também preciso descansar. Deixou-me
esgotado ter-te visto em palco, estar preparado para disparar contra o
primeiro homem que pensasse em tocar em ti. Não acho que queira
passar todas as noites de guarda.
Falava a sério. Ver a sua atuação noite após noite ia ser quase
insuportável, no entanto, não conseguia pensar em afastar-se do bar
durante o tempo que ela passasse no palco.
O xerife abanou a cabeça ao ouvir a história de Morgan. Enquanto
rebuscava numa gaveta, parecia um pouco sobressaltado. Encontrou um
papel dobrado e desdobrou-o.
— Não o pendurei — disse. — Não conseguia acreditar que uma
mulher assim tivesse tentado matar um homem.
— Sabia disso quando lhe mostrei o retrato, não sabia? —
perguntou-lhe Morgan. — Já tinha visto o cartaz.
O xerife encolheu os ombros.
— Sim, tinha-o visto — confessou. Dobrou novamente o cartaz e
Morgan tirou-o das mãos.
— Quero que notifique as autoridades de Nova Iorque que esta
mulher está cá, na sua vila.
— Está cá? Em Brightmoor? — perguntou o homem, surpreendido.
— Não vi nenhuma beleza morena como esta por aqui.
— Tem uma peruca loira — explicou Morgan.
— Vá ao Red Dog Saloon e a ouvirá cantar.
— Essa cantora chama-se May — explicou o xerife. — Estive lá há
três dias e vi-a, porém, não se parece em nada com esta outra mulher.
— Não ouviu dizer que May tem agora uma amiga que trabalha
com ela?
— A amiga chama-se Yvonne Devereaux.
— Exatamente. Para piorar o problema, é a minha mulher.
Quando lhe expôs o plano que tinha inventado, o xerife sorriu
largamente.
— Enviarei um telegrama hoje mesmo. Vai para este tipo? —
perguntou e apontou para o nome que havia no cartaz. — Aqui diz que
ela tentou matar o coronel Stanley Weston. É um herói de guerra ou
algo do gênero?
— Não. É um indivíduo da pior espécie. Não posso explicar-lhe
muitas mais coisas. Só tem que notificar as autoridades e tenho a
certeza de que elas entrarão em contacto com o bom coronel.
— Como queira, senhor Morgan. Eu tento sempre ajudar os
agentes do governo que passam por aqui. Não vemos muitos, no
entanto, tenho a certeza de que você é o que apanhou alguns dos
bandidos que roubavam as terras aos agricultores, a Norte daqui.
— Esse foi o meu último trabalho para Washington — contou
Morgan. — Agora estou de férias. Acho que passarei uns quantos dias
cá, até que tenha notícias de Nova Iorque. Vamos ver no que dá.
Os olhos do xerife brilhavam com bom humor.
— Ultimamente, estivemos muito aborrecidos por cá, senhor
Morgan. Parece-me que as coisas vão animar! — exclamou, ao
estender-lhe a mão. — Eu trabalharei para que seja assim.
Lily estava há quase uma hora a engomar o vestido de May e mais
ou menos o mesmo tempo a tentar acalmar o aborrecimento da sua
amiga pelo comportamento de Morgan.
— Portanto atirou o vestido para o canto, não foi? — acusou May.
— Nota-se que ele não tem de trabalhar muito para comprar roupa.
Suponho que te convenceu com palavras doces para que fosses para a
cama com ele continuou, dirigindo um olhar de censura a Lily. — Esse
homem tem uma minha de ouro, está claro. No entanto, nunca deu
nenhuma oportunidade às outras raparigas do barco. Sentava-se numa
mesa e ganhava montanhas de dinheiro a apostar. É um jogador.
— Certamente, o dinheiro não acabou — comentou Lily. — Não
gasta muito, porém, parece que tem suficiente para tudo — acrescentou
enquanto continuava a engomar. — Não me conta muitas coisas sobre
ele. Nem sequer sei de onde é a sua família.
— De algum sítio do Sul — afirmou May. Nota-se um pouco no
sotaque.
— Talvez seja do Texas — aventurou Lily. Então, olhou para a
tábua de passar a ferro e disse: — Isto arrefeceu muito, não serve para
nada — segurou noutro ferro, que tinha envolvido numa toalha grossa, e
continuou a engomar cuidadosamente.
— vou tratar de aquecer a outra — ofereceu May.
Quando se aproximava da porta, esta abriu-se e Morgan apareceu
do outro lado.
— Vais a algum lado? — perguntou à cantora. Lily levantou a vista
para olhar para ele. Brilhavam-lhe os olhos e tinha um sorriso nos
lábios.
Ele despediu-se amavelmente de May e segurou a porta para que
saísse.
— Estarei lá em baixo algum tempo, Lily anunciou ela. — Talvez
até vá comprar qualquer coisa para comer enquanto espero que me
aqueçam o ferro.
Morgan fechou a porta atrás dele e apoiou as costas nela.
— Lamento ter machucado o vestido — desculpou-se.
— A sério? — perguntou-lhe ela, com uma sobrancelha arqueada.
— Esta noite vou cantar no Red Dog Saloon, Morgan.
— Voltamos para Morgan, não é? Eu gosto mais que me chames
pelo meu nome.
— Já tinha percebido — respondeu ela, agudamente. — Se
quiseres que esse tipo de coisas continue, é melhor que me dês
liberdade avisou, retesando o queixo, e ele sorriu sem conseguir evitá-
lo.
Lily não percebia que aquilo era precisamente o que ele precisava.
Não havia nenhuma oportunidade de que tirasse a peruca, contudo, ele
podia desmascará-la quando chegasse o momento.
— Falo a sério, Morgan. Fiz uma promessa e eu cumpro as minhas
promessas. Espero que não me causes nenhum problema com isto.
— É claro que não. No que me diz respeito, posso esperar mais
uns dias. Descansarei e esperarei por ti até que acabes de cantar.
Suponho que uma semana basta, não basta?
— Não vais interferir? — perguntou ela, hesitante.
— Não, a menos que tu chames interferir o fato de ver as
atuações de uma mesa do fundo. Nisso não admitirei discussão.
Ela ficou a olhar para ele durante um momento, enquanto refletia.
— Está bem. Não discutirei. No entanto, tenho a incômoda
sensação de que estás a tramar alguma. Cedeste com muita facilidade.
— Só estou a tentar ser um cavalheiro, querida — replicou Morgan
e aproximou-se para lhe dar um beijo na nuca.
— Comporta-te — pediu ela, com aspereza. Não vamos fazer isso,
Gage Morgan.
— Muito bem — respondeu Morgan, com um sorriso. — Disseste,
querida. Se voltares a chamar-me Gage outra vez, deixar-te-ei sozinha
um tempo.
— Está bem, porém, volta antes de comer, Gage — ordenou ela,
ironicamente. — Terei de comer qualquer coisa se quero ter forças para
esta noite.
Com isso, ele ficou satisfeito. Garantiu uma semana para pôr em
marcha o plano ao qual estava a dar os últimos retoques.
Os dias passaram lentamente. Morgan dedicava-se a vigiar no bar
enquanto Lily e May cantavam e depois acompanhava-as aos quartos do
hotel.
Lily rebelava-se quando sentia que ele se comportava demasiado
possessivamente, quando os seus longos dedos puxavam o decote do
seu vestido para cima para que mostrasse menos as suas curvas no bar.
No entanto, quando chegavam ao quarto que tinham passado a
partilhar, massageava-lhe os pés, e ela só conseguia cantarolar de
prazer.
— Acho que estou a mimar-te demasiado replicou ele, na quinta
noite que passavam em Brightmoor. — Pergunto-me que outro homem
se sentaria calmamente enquanto a sua mulher se passeia num palco
perante tantos homens e depois passaria mais de uma hora todas as
noites a fazer com que se sinta confortável.
Ela bocejou e esticou-se, mostrando toda a beleza do seu corpo
sob a nova roupa interior que lhe tinha comprado. Parecia que os
cuidados que lhe dedicava tinham conseguido fazer com que se sentisse
mais segura do papel que representava na sua vida e tinha florescido
sob o seu cuidado.
Observou como encolhia os dedos dos pés e depois os esticava por
completo. Tinha a planta curva e o tornozelo muito fino.
— Tens uns pés muito bonitos — elogiou, a levantar o objeto do
comentário para o observar à luz da vela. O seu movimento também
expôs a perna sob a combinação e ele sorriu enquanto desfrutava da
visão daquelas curvas envoltas na musselina.
— Além disso, cheiras muito bem — continuou suavemente e
inclinou-se para lhe esfregar o pé com o nariz. Ela riu-se e quando olhou
para ela, riu-se ainda mais. — Penso que isto devia ser levado a sério —
acrescentou, ao fazer-lhe cócegas na planta do pé. Ela puxou a perna
para se libertar da tortura e sentou-se na cama.
— Talvez penses que vais conseguir alguma coisa, porém, não
será assim — retorquiu Lily, com os olhos semicerrados, como se
duvidasse das suas técnicas de sedução.
— Desculpa? — perguntou ele, com certa arrogância.
— Já conheço o ataque, Gage Morgan. Achas que ao fazer-me
uma massagem nos pés vais ganhar...
Ele aproximou-se dela como um raio e beijou-a.
— Bem, não acho que ganhe um lugar no Céu, porém, estava a
pensar numa hora no Paraíso, aqui mesmo, agora.
Os seus olhos encheram-se de lágrimas, de repente, e ele
agarrou-a e sentou-a no colo.
— O que disse? Seja lá o que for, lamento muito, Lily.
Ela abanou a cabeça e secou os olhos.
— Não te preocupes, Morgan. Sou um pouco parva e agradecia-te
que não me prestasses atenção.
Morgan abraçou-a e fez com que virasse a cara para ele.
— Nem sonhes, menina.
— Está bem. Só estava a pensar que parece que conseguimos
roubar uns quantos dias, contudo, tenho medo de que, quando sairmos
daqui, o nosso tempo juntos... — então soluçou e não conseguiu
continuar. Morgan sentiu que a emoção lhe enchia o peito.
— Isto não tem de acabar, Lily. Só depende de ti. És tu que tens
de tomar a decisão final quando nos formos embora daqui. Eu já te
disse o que penso.
— Não quero falar disso agora — pediu Lily. Esticou-se para a
almofada e tirou um lenço que deixara ali debaixo. — Ainda lamentas
que nos tenhamos casado? — perguntou-lhe, enxugando as lágrimas.
— Lamento ter-te metido em tudo isto — respondeu ele. — Já te
disse a semana passada que não devíamos ter feito esse acordo. Mas...
no entanto, as coisas são como as fizemos, Lily. Acho que teremos de
viver com isso.
— O que estás a planear? — perguntou-lhe Lily. — Vi-te a falar
com o xerife duas vezes e sei que está a passar-se qualquer coisa.
Ele não queria assustá-la ao mencionar o coronel Weston, no
entanto, não podia deixar que ela se assustasse se o encontrasse de
repente, na vila. Se ele estivesse certo, o bom coronel estava a caminho
de Brightmoor. Um homem cuja simples menção assustava tanto Lily
devia ter cometido atos horríveis contra ela. Não achava estranho que o
tivesse atingido com um atiçador. Morgan tinha a certeza de que o
homem estaria à procura de uma vingança pessoal e estava preparado
para o enfrentar.
— Tenho algumas coisas para fazer — replicou ele.
— Muito bem, com isso já descobri tudo respondeu ela com os
olhos semicerrados.
— Descobrirás logo que aconteça, querida. Tu continuas com o
que estás a fazer e eu encarregar-me-ei do resto do plano.
O suspiro que ela deixou escapar foi de cansaço. Aninhou-se
contra o seu peito e ele sentiu que assentia.
— Está bem, Morgan. Não vou discutir contigo. És o homem mais
obstinado que alguma vez conheci.
— Achas isso mau? Sabes que não levo as promessas com
ligeireza, Lily. Cumpro sempre a minha palavra. Quando disse que
cuidaria de ti, falava a sério. Ninguém te vai magoar.
— Não podes lutar contra a lei, Gage — sussurrou ela. — Se
Weston trouxer um mandato de captura, terás as mãos atadas.
— Não acredito! — exclamou e o seu olhar tomou-se frio. Sabia
que tinha um aspecto formidável quando se enfurecia e as palavras de
Lily tinham-no enchido de raiva. — Farei o que for preciso para te
proteger. O bom do coronel não sabe que terá de enfrentar um homem
que joga sujo. Aprendi todos os truques, Lily, e vou usá-los para ter
vantagem.
— Bem. Estou contente por não seres tu quem está a perseguir-
me.
— Ah, mas estou — brincou ele, mudando o tom de voz. — Em
todos os sentidos possíveis. Ter-te-ei na cama, numa cadeira ou contra
a parede, Lily. De qualquer forma que possa.
— Contra a parede? — ela olhou para o outro lado do quarto,
como se estivesse a tentar imaginar-se em tal posição e depois sorriu.
Estás a gozar comigo, não estás? Queres envergonhar-me.
— Queres que te ensine como se faz? — perguntou-lhe ele, ao
inclinar-se para lhe tocar no nariz com o seu, sussurrando as palavras
sedutoramente. Esteve prestes a ter êxito na sua tentativa. No entanto,
depois de um momento, ela abanou a cabeça.
— Acho que acredito em ti — admitiu Lily. No entanto, a parede e
uma cadeira não são os meus lugares preferidos.
— Um dia destes mostro-te, querida — volveu ele. — Não te
esqueças que cumpro sempre as minhas promessas.
Ela olhou de esguelha para a cadeira do quarto e depois olhou
para ele de novo.
— Talvez na cadeira — sussurrou. — Acho que sei como faria para
que isso funcionasse depois abanou a cabeça novamente. — Contudo,
na parede não.
Era muito inocente, pensou Morgan. Uma mulher que tinha sido
usada e não cortejada. Uma mulher cujo corpo fora explorado por
homens que não se preocupavam nada com ela, que a tinham usado
para obterem o seu próprio prazer.
Naquele momento, jurou em silêncio que ele não pertenceria
àquele grupo de homens que se uniram para ferir Lily. Ela não
conheceria a dor nas suas mãos.
— Morgan! — o xerife aproximou-se de Gage, enquanto ele saía
do hotel, a agitar uma folha de papel na mão. — Acabo de receber um
telegrama de Nova Iorque. O nosso amigo está a caminho. Aqui diz que
saiu há quatro dias. Irá de comboio até Saint Louis e depois virá para cá
imediatamente.
— Parece que tem pressa em apanhar a minha mulher.
— Se trouxer um mandato de captura, é possível que tenhamos
problemas — avisou o xerife. — Não posso desobedecer à lei. Você
sabe.
— Tem validade um mandato de Nova Iorque na sua jurisdição?
— Hum... Não sei. Terei de perguntar ao juiz. Sempre podia
demorar alguns dias a descobrir, não podia?
— Eu farei isso por si — ofereceu Morgan. Sei como funcionam
estas coisas e há sempre alguma forma de impedir o oponente. Daria o
que fosse preciso para lhe pôr as mãos em cima — declarou. Então
lançou um olhar para o xerife, que silenciosamente prometia a sua
cooperação. — Sei o que está a pensar — continuou. — Porém,
cumprirei a lei, aconteça o que acontecer.
— Quero que esteja aleita hoje — pediu o xerife. — Eu vigiarei o
porto quando chegar o barco seguinte. Se o tipo vier para cá, descerá
para terra num bote, se é que o capitão do barco não tem a intenção de
parar na vila.
Morgan dirigiu-se para o bar e ouviu o som do piano enquanto
atravessava a rua. As portas estavam abertas e ele entrou e esperou
que os seus olhos se habituassem à escuridão do interior do bar.
— Entra — convidou May, que estava junto ao piano. — Lily vem
agora. Temos de ensaiar algumas canções. Está tudo bem? —
perguntou-lhe, a olhar para ele com atenção.
Morgan forçou um sorriso e assentiu.
— Perfeitamente. Estou a passar o tempo até que Lily cumpra a
sua promessa de cantar contigo.
May olhou para ele com os olhos semicerrados.
— Não sei porquê, contudo, acho que ocultas qualquer coisa,
Morgan. Eu diria que te convém continuar com este joguinho mais uns
dias.
Ele fingiu que se surpreendia.
— Porém, May, não podes estar a duvidar da minha palavra.
Ela abanou a cabeça sem acreditar em nada.
— Tens muita lábia, Gage Morgan. É possível que tenhas Lily
atordoada, contudo, eu não vou engolir isso.
— Lily não está atordoada! — exclamou uma voz atrás deles e
Morgan virou-se para admirar a sua mulher.
— Não te tinha ouvido entrar — disse ele, a estender uma mão
para Lily. Ela aproximou-se dele.
— Há algo que tenha de saber? Não me enganes, Morgan...
Ele puxou-a e guiou-a para o balcão do bar, afastando-se um
pouco de May e do pianista.
— Lily, poderás confiar em mim? — perguntou-lhe e deu-lhe um
beijo suave e persuasivo, a pedir a sua confiança.
— Confio em ti — respondeu ela. — Sei que me protegerás até
onde sejas capaz, Morgan.
No entanto, não sei qual é o limite da tua capacidade.
— Eu também não, porém, vamos descobrir brevemente, se é que
a minha intuição é correta — advertiu ele e depois largou-a e virou-a
para May. — Anda, ensaia, Lily. Eu estarei por aqui.
— Amanhã de manhã vai passar um barco pela vila — informou o
xerife naquela noite, em voz baixa, por detrás da cadeira de Morgan. A
sala estava cheia de homens que iam à cidade aos sábados para
celebrarem o fim da semana de trabalho e gastarem o que tinham
ganhado. No entanto, nenhum deles estava perto o suficiente para ouvir
o xerife.
— Estará lá a vigiar? — perguntou Morgan. Devia ir cedo ao porto?
— Se quiser... Contudo, eu acho que, se esse seu amigo estiver
no barco, ele não o conhecerá. Estará pendente de me encontrar.
— Suponho que irá diretamente à esquadra de polícia.
— Sim. Se eu estiver à sua espera posso adiantar-me a ele —
anunciou o xerife. Depois ficou em silêncio, porém, Morgan sentia a sua
presença, e imediatamente o homem sentou-se ao seu lado. — É uma
mulher excepcional, não é?
— Sim — respondeu ele.
Aquilo era um eufemismo, pensou. Se alguma vez se perguntasse
qual seria o fim do seu celibato, não imaginaria que a causa seria uma
mulher como Lily.
Tinha pensado voltar um dia para o Texas, para as imensas
propriedades que a família tinha lá. O rancho que dirigiam o seu pai e os
seus irmãos era próspero e rico. Aquele era o lugar onde tinha nascido e
tinha sido educado. O lugar que tinha deixado para escapar das suas
restrições e procurar um horizonte mais amplo para ganhar
independência e reputação e não dever tudo ao nome da família.
Sorriu para si mesmo. Estava a pensar em voltar para casa. Aquilo
era o que o casamento fazia aos homens. Fazia-os pensar num lar,
numa lareira, numa família. Lily era a mulher com quem queria acordar
todas as manhãs durante o resto da sua vida.
Ela estava no palco, a cantar. Aceitaria a oferta da existência em
que ele pensava? Ouviu a segurança que transmitia a sua voz enquanto
se levantava para harmonizar com a de May e viu que sorria aos
homens que estavam sentados, literalmente, aos seus pés.
Teve um ataque de ciúmes que quase lhe cortou o fôlego. «É
minha», pensou. Aquelas palavras estavam gravadas na sua mente e na
sua alma. Nunca deixaria que lhe arrebatassem a felicidade que lhe
tinha proporcionado.
Como um só, o público levantou-se para aplaudir o final da
atuação e Morgan aproximou-se da saída lateral do palco para receber
Lily quando desceu as escadas.
— Muito bonita — elogiou Morgan, ao passear o olhar pelo seu
corpo e pelo seu rosto quando estava à frente dele.
— A música?
— Tudo — murmurou ele e levou a sua mão aos lábios.
Ela corou, uma pincelada de cor nas faces que denotava o seu
deleite. No entanto, as suas palavras eram trocistas.
— Pareces um cavalheiro esta noite, Morgan. Ao que se deve?
— Parece que fazes aparecer o melhor em mim — replicou
enquanto a guiava para a porta e depois para o alpendre. — Ou talvez o
pior — acrescentou. — Está a ser muito difícil afastar as mãos de ti e
teria sido capaz de matar qualquer homem que se metesse contigo. Vou
ficar muito contente quando te libertar dessa peruca.
— Eu também — concordou ela, a sorrir. Pica-me a cabeça. No
entanto, para cantar... É como se fosse uma pessoa diferente no palco.
Não sou a Lily Devereaux que conheceste no barco. De certeza que não
sou a mulher que era quando saí de casa.
Olhou-o nos olhos, como se estivesse a pedir-lhe compreensão.
— Não sou a mesma mulher, Morgan. Renasci.
— Eu sei — retorquiu ele.
Chegaram ao hall do hotel e o guarda que vigiava à noite
cumprimentou-os amavelmente. Passou-lhe um braço pela cintura e
subiram juntos as escadas até ao segundo andar.
— Quanto tempo falta, Morgan? — perguntou-lhe enquanto ele
abria a porta.
— Não sei. Talvez amanhã. O xerife pensa que o nosso homem
talvez chegue no barco de amanhã de manhã, cedo.
Lily entrou no quarto à frente dele e quando Morgan fez o gesto
de acender a vela, ela deteve-o ao pôr uma mão sobre o braço.
— Sem luz — sussurrou. — Só tu e eu, na escuridão, por esta
noite. Por favor.
Cobriu-lhe a mão com a sua e fez com que se virasse para lhe
desabotoar o vestido.
— É claro, menina Lily — concordou com um sorriso e beijou-lhe a
nuca.
Naquela manhã, o xerife observou o bote que se aproximava do
barco. Era ocupado por um homem alto, moreno e rígido, que parecia
um militar. O visitante ajustou o chapéu, pegou na mala do fundo do
bote e saltou para terra. Encaminhou-se para o centro da cidade. O
xerife pôs-se a andar atrás dele.
A alta figura de outro homem emergiu do alpendre do hotel e
atravessou a estrada.
Os três convergiram em frente à esquadra de polícia e o visitante
olhou para Morgan, a avaliá-lo.
— É você a lei nesta vila? — perguntou-lhe, num tom cortante,
com sotaque de Nova Iorque em todas as sílabas.
Morgan abanou a cabeça.
— O representante da lei está atrás de si, senhor.
O ianque virou-se para o xerife e, ao sentir-se rodeado, voltou a
olhar para Morgan, desta vez com os olhos escuros e as costas ainda
mais direitas e rígidas que antes.
— Receio estar em desvantagem — disse a Morgan. — Conheço-o?
— Não teve esse prazer.
O homem estendeu o braço e apresentou-se.
— O meu nome é Stanley Weston, de Nova Iorque.
Morgan não aceitou mão que tinha feito tanto mal a Lily.
Weston arqueou uma sobrancelha e virou-se para o xerife.
— Suponho que foi você que mandou o telegrama, não foi? Vim
com um mandato de captura para levar Yvonne Devereaux.
— A sério? — perguntou o xerife, com um sorriso nos lábios e os
polegares a pender dos bolsos. — Deixa-me dar uma olhadela?
Weston tirou um documento do bolso do casaco e entregou-o ao
xerife.
— Aí tem. Essa mulher tentou matar-me e roubou as jóias da
minha mãe.
— A sério? — repetiu o xerife e deitou um olhar para os papéis.
Depois lançou um sorriso sardônico a Weston. — Tem provas?
Stanley Weston afastou o cabelo da testa e mostrou-lhes uma
cicatriz.
— Graças a Deus, não me atingiu com uma arma. Do contrário,
ter-me-ia morto.
— Bateu-lhe com o quê? — perguntou o xerife e aproximou-se
para examinar a cicatriz.
— Com um atiçador — respondeu e virou-se mal-humoradamente
para Morgan. — Quem é este homem? — perguntou. — O que tem a ver
com tudo isto? Achava que teria a menina Devereaux sob custódia,
senhor. Agora vejo que ela continua livre.
— Exatamente. Sabe onde está a sua mulher, senhor Morgan? —
perguntou-lhe o xerife, despreocupadamente.
— O que tem a ver a sua mulher com isto? — perguntou Weston,
cada vez mais irritado. Então, semicerrou os olhos e cedeu a Morgan
toda a sua atenção. — Você casou-se com ela?
— deitou a cabeça para trás e deu uma gargalhada, a mais feia
que Morgan alguma vez tinha ouvido. — Bem, eu não gosto de lhe dizer
senhor Morgan, contudo, vai presenciar como levam a sua mulher com
uns grilhões.
A arrogância daquele homem foi mais do que Morgan conseguiu
suportar.
— Onde pensa que a vão levar? — perguntou-lhe, consciente de
que as suas palavras estavam a avivar a chama da raiva do outro
homem.
— Para uma bonita prisão de Nova Iorque respondeu Weston. — A
companhia não é do melhor, tenho ouvido dizer, contudo, suponho que
Yvonne se sentirá como em casa. Muitas mulheres do seu calibre vivem
nessa prisão.
O xerife teve que se interpor entre os dois homens para que não
dessem rédea solta à sua raiva.
— Já chega. Vamos entrar na esquadra da polícia. Temos de falar
disto.
— Não há nada para falar — respondeu Stanley Weston. Cada
palavra estava carregada de desprezo. — Essa mulher vai apanhar o
próximo barco que vá para Norte. Tenho a ordem que me dá autoridade
para a levar perante um tribunal.
— Olhe, Weston. Essa mulher é muito respeitada aqui e tem de
saber que não irá a lado nenhum até que o nosso juiz apareça daqui a
uns dias na vila e dê uma olhadela a esses papéis dos quais você está
tão orgulhoso.
Weston congestionou-se de raiva, contudo, conseguiu controlar-se
e não contradisse o xerife.
— Como queira — balbuciou. — No entanto, quero que coloque
essa mulher numa cela até que apareça esse juiz. Ela escapará se tiver
a mínima oportunidade.
— Não, enquanto tenha trabalho a fazer contradisse Morgan. —
Não tem nenhuma necessidade de fugir de si, ianque. É uma cidadã
honesta e respeitada desta vila.
— Há quanto tempo está cá? — perguntou Weston,
desconfiadamente.
— O suficiente — respondeu o xerife. — Bem, senhor Weston. De
momento, eu gostaria de ver alguma prova das suas acusações contra a
senhora Morgan. Não vou permitir que a ponham num barco e a levem
para Norte se não houver uma boa razão para isso.
— Se souber o que lhe convém, deixar-me-á levá-la hoje mesmo
— ameaçou Weston e atirou os documentos sobre a mesa do xerife. —
Penhorou jóias que tinha roubado à minha mãe. Viram-na a sair da casa
onde tentou matar-me e um amigo meu seguiu-a. Pareceu-lhe que agia
de uma maneira estranha e rapidamente decidiu descobrir o que estava
a acontecer.
— Tem algum desenho das jóias que empenhou? — perguntou
Morgan, como se fosse um fato.
— Melhor ainda, tenho o alfinete — replicou. Abriu a mala e tirou-
o de um saquito de tecido para dar ao xerife. — Veja. O meu amigo foi à
casa de penhores e recuperou-o.
— Parece-me autêntico — retorquiu o xerife, a examinar o alfinete
muito perto.
— É claro que é. A minha família é muito conhecida em Nova
Iorque. A minha mãe tem uma grande coleção de jóias.
O xerife olhou para ele fixamente.
— Tem a certeza que isto pertence à sua mãe? O que estava a
fazer a senhora Morgan em casa da sua mãe?
Weston deu um passo atrás.
— Ela não estava em casa da minha mãe nesse momento.
Morgan pigarreou para limpar a garganta.
— Talvez seja melhor que traga Lily para que dê uma olhadela à
jóia — sugeriu.
— Eu acompanhá-lo-ei ao hotel — redargüiu o xerife, a caminhar
para a porta. Como se fosse um pastor a guiar as suas ovelhas, afastou
amavelmente Morgan da tentação de passar junto a Weston.
— Está a mentir com descaramento — replicou Morgan
entredentes, enquanto caminhavam para o hotel.
— Provavelmente está, contudo, todos os documentos estão
assinados e são oficiais.
— Ela não vai a lado nenhum — e se tivesse de o fazer, faria com
que o desgraçado do Weston encontrasse o seu fim na vila de
Brightmoor, pensou Morgan. — Lily não irá com esse homem num
barco, xerife. Não enquanto eu tiver uma arma.
— Não vamos ter um tiroteio na rua, Morgan. Não o permitirei.
— Não será um tiroteio — afirmou ele ao entrar no hall do hotel.
— vou dar-lhe um tiro.
— Então teria de o prender — afirmou o xerife, a abanar a cabeça.
— Agora suba. Traga a sua mulher, Morgan. Eu espero por vocês aqui.
Ao descobrir que Stanley Weston estava em Brightmoor, Lily
empalideceu.
— Bolas, Lily! Parece que estás prestes a enfrentar a forca.
Achava que ontem à noite tínhamos esclarecido tudo. Estou nisto
contigo e não permitirei que esse desgraçado ianque ponha a mão em
cima de ti.
Não era compaixão o que viu no olhar de Morgan, mas uma
decisão tão forte que parecia que lhe saía do próprio coração.
— Está bem, Morgan — concordou ela, então. Virou-se e vestiu
um vestido simples que tinha engomado no dia anterior.
— Por favor, aperta-me os botões. Ele aproximou-se e abotoou.
— Pronta?
— Quase — respondeu Lily. Pegou numa escova e escovou o
cabelo para trás. Depois, com uns ganchos, prendeu-o num coque e,
num minuto, disse-lhe:
— Já estou.
Desceram juntos a escada e Lily viu um pouco de tristeza na cara
do xerife quando olhou para ela. Aquilo não era um bom presságio para
ela, pensou e, em silêncio, amaldiçoou o homem que estava à procura
da sua vingança.
— A tua vida desceu de nível, Yvonne — afirmou Weston, quando
a viu na esquadra, a olhar de cima a baixo o seu modesto traje.
— Parece-me que isso depende do ponto de vista de cada um —
respondeu ela, embora Morgan lhe apertasse suavemente o braço e a
puxasse para si. — Eu diria que minhas condições de vida melhoraram
consideravelmente desde que deixei o posto de amante no teu
repugnante ninho de amor.
Ele congestionou-se de fúria e cerrou os punhos.
— Falarás de forma muito diferente quando te tiver sob custódia e
te levar para Nova Iorque para que enfrentes um tribunal! — gritou
Weston, num tom carregado de ódio.
— Por acaso é um crime que uma mulher se proteja a si própria?
— perguntou-lhe.
— É um crime matar um homem a sangue frio — respondeu ele,
raivoso.
— Ah, porém, eu acho que tu estás vivo e a abanar o rabo.
— Não porque tu não tentasses matar-me com aquele maldito
atiçador — afastou o cabelo da testa de novo e Lily observou sem dizer
uma palavra a cicatriz.
Por nada do mundo estava disposta a admitir que o medo a tinha
tocado ao ouvir as suas palavras de condenação.
— Usaste-me como se fosse uma escrava acusou. — Mentiste-me
e aproveitaste-te de mim. Tinha de escapar.
— Eu nunca te menti — replicou ele. — Levei-te comigo, tirei-te
daquele buraco que chamas a tua casa, e tu agradeceste-me mais de
uma vez por isso.
— A única coisa que te agradeci foi que não queimasses a casa da
minha família e todos os seus pertences. Tu e os teus homens
embriagados — incriminou ela, a cuspir-lhe as palavras na cara. —
Disseste-me que te casarias comigo e depois tentaste...
— Já chega! — interrompeu Morgan entre dentes, inclinando a
cabeça e puxando Lily para o seu lado.
— Ah, suponho que não lhe contou nada da temporada que
passou no acampamento, pois não? — perguntou Weston. — A idiota
esperava que me casasse com ela à frente da minha família, passando
por cima do fato de eu já estar comprometido com uma encantadora
mulher de Nova Iorque.
— Coisa que eu não sabia — respondeu Lily e sentiu que Morgan
lhe afundava os dedos na cintura enquanto falava.
— Mostre a jóia a Lily — pediu ele.
— Porque a chama assim? — perguntou Weston, enquanto tirava
o alfinete do bolso do seu casaco.
— É o seu nome — respondeu Morgan e não acrescentou mais
nada. Então, Lily aproximou-se um pouco e observou o alfinete que
Weston tinha na mão.
— É o alfinete da minha mãe... — começou a dizer ela, contudo,
Weston interrompeu-a a negar bruscamente as suas palavras.
— Não é nada! — exclamou. — Roubaste-o, juntamente com
várias coisas, depois de me bateres com o atiçador. Achaste que estava
morto. Não sei o que farias com o resto das coisas, porém, o meu oficial
seguiu-te até à casa de penhores onde vendeste isto e comprou-o para
mim novamente.
— Não há mais nada — repondeu Lily. — Esse alfinete é da minha
mãe. Ela ofereceu-me quando fiz dezoito anos. É uma jóia da família.
— Prova-o! — exclamou Weston, com os traços torcidos pela fúria.
— Se a minha mãe estivesse cá, podia confirmá-lo. Contudo, tal
como estão as coisas, é a tua palavra contra a minha.
— bom — interveio o xerife, que tinha estado a ouvir tudo
atentamente. — Talvez seja difícil entrar em contacto com a mãe de
Lily, porém, podemos enviar um telegrama para Nova Iorque e
responderão em dois dias acrescentou. Depois olhou para Lily com um
sorriso, para lhe dar segurança. — Conhece a mãe deste senhor, Lily?
Ou sabe para onde podíamos mandar um telegrama?
— Não a conheço. Eu não era companhia apropriada para a sua
reputada família quando ele decidiu instalar-me numa casa.
Certamente, não me levou a casa da sua mãe.
— Não? Então, como é que está aqui o seu alfinete? — perguntou
Morgan e semicerrou os olhos ao virar-se para Weston para ouvir a sua
resposta.
— A minha mãe tinha ido visitar-me e deixou algumas coisas —
inventou Weston como conseguiu e ficou da cor do tomate ao oferecer a
sua trôpega desculpa.
— Disseste-me que a tua família não sabia nada da casa, —
contradisse Lily e olhou para o xerife. — Eu sei onde vive a sua mãe.
Chama-se Edith Weston e, certamente, poderão encontrá-la na casa da
família, perto de Central Park. De certeza que todos a conhecem nessa
zona.
— Bem... — o xerife virou-se e arqueou as sobrancelhas ao olhar
para Weston. — Vai dar-nos a morada ou terei de a descobrir? Parece-
me que mandar um telegrama à sua mãe é a melhor forma de
esclarecer tudo isto rapidamente. O que lhe parece, senhor Weston?
O ianque lançou a Lily um olhar assassino e respondeu ao xerife.
— Eu mandarei um telegrama à minha mãe hoje mesmo e pedirei
que vos descreva o alfinete.
— Não acho que isso seja uma boa idéia replicou Morgan. — Isto é
assunto da lei, Weston. Temos de deixar que o xerife faça o seu
trabalho. Ele pode chegar ao fundo do assunto sem problema.
— De qualquer forma, deixando o roubo das jóias à parte, Yvonne
ainda está acusada de assassinato — lembrou Weston. — Tenho a
cicatriz que a prova e ela já o admitiu. Isso será suficiente para a pôr
atrás das grades durante uma boa temporada.
— O que acontecerá quando se tornar pública a razão da sua fúria
e do ataque? — perguntou Morgan e Lily sentiu um nó na garganta. Ao
pensar no seu nome impresso nas páginas dos jornais, misturado num
escândalo, seria toda uma desgraça e o nome da família devia ser
protegido a todo o custo.
— Quem acreditaria? — perguntou Weston. É uma mulher de
baixo nível que está a tentar causar problemas a um homem importante
na sociedade. Ela seria capaz de jurar qualquer coisa para conseguir o
que quer.
— O que pensa que quer? — perguntou Morgan. — O que podia
querer uma mulher na sua posição da vida?
— Dinheiro — respondeu Weston rapidamente. — Alguém que lhe
compre tudo o que ela não pode comprar. Roupa da moda, jóias, coisas
que a ajudem a ocultar a mulher em que se tomou.
— Não me parece que Lily seja assim — contradisse Morgan. —
Ela esteve a tomar conta de si sozinha durante um tempo e, por outro
lado, não acho que seja interesseira. Eu dar-lhe-ia tudo o que tenho e
ela sabe. No entanto, não me pediu nada.
— Provavelmente, não tem muito que oferecer — replicou Weston,
a olhar de esguelha Para as botas poeirentas de Morgan e as calças
texanas que trazia.
— O meu pai ficaria muito zangado se ouvisse isso. Tem um
rancho no Texas de dois mil hectares e um terço dessas terras será
meu, algum dia. De momento, desfruto dos rendimentos que produzem,
o que significa uma fortuna. Lily fechou os olhos enquanto assimilava a
afirmação despreocupada que tinha feito Morgan. Ela tinha-se
perguntado, em conjunto com May, de onde tiraria Morgan o dinheiro e
ambas tinham chegado à conclusão de que era um ótimo jogador.
Naquele momento, tinha a resposta verdadeira e não sabia como se
sentia perante a revelação.
— Isso é fácil de dizer — retorquiu Weston depreciativamente.
— Também muito fácil de demonstrar — replicou Morgan. — No
entanto, esta conversa está a afastar-se do seu objetivo — resolveu.
Virou-se para o xerife e disse: — Enviemos um telegrama ao
departamento de polícia de Nova Iorque para que entrem em contacto
com Edith Weston e lhe peçam a descrição de todas as jóias que lhe
roubaram há dois anos, especialmente do alfinete.
— Não permitirei que envolvam a minha mãe em tudo isto! —
volveu Weston, indignado.
— A sua mãe já está envolvida — lembrou Morgan. — Você
envolveu-a ao mentir sobre o roubo do alfinete, para começar.
Weston puxou o alfinete da mão de Lily e ela apanhou-o em pleno
vôo.
— Todo teu, Yvonne — replicou com um olhar de ódio. — Suponho
que o ganhaste, afinal de contas.
— Já ouvi o suficiente — interrompeu Morgan, cuspindo as
palavras como se fossem uma maldição. O seu primeiro murro foi
dirigido ao nariz de Weston e o sangue saltou com uma força que Lily
não achava possível. O punho esquerdo de Morgan bateu no olho direito
do ianque. Weston levantou as mãos para se proteger, porém, Morgan
não fez caso da sua presença e deu-lhe mais dois golpes.
Então, Weston já estava de joelhos no chão e o xerife interveio.
Segurou Morgan pelo braço para evitar que continuasse a bater-lhe.
— Basta, isso é suficiente! — gritou, olhando para Weston. — Não
acho que o nosso amigo de Nova Iorque vá causar mais problemas à
sua mulher, Morgan. Se o fizer, já sabemos como tratar dele.
— Vão pagar por isto — ameaçou Weston fracamente, com a voz
trêmula. Uma pequena abertura no seu olho esquerdo permitiu-lhe
avistar Lily. — E tu também, Yvonne. Morgan nunca poderá olhar para ti
de agora em diante
sem deixar de pensar no tempo que passaste comigo. És de
segunda mão.
Então encontrou o golpe final. O murro de Morgan deitou-o no
chão.
Lily fugiu. com cada respiração amaldiçoava o homem que a tinha
arrastado pela lama, tirando-a à força do Louisiana. Correu para o hall
do hotel, subiu as escadas e fechou-se no seu quarto.
Então, as lágrimas derramaram-se sem barreiras. No coração
sentia a dor de algo que não podia negar.
Ela nunca seria alguém limpo, nunca seria digna de um homem
como Morgan.
— Para onde achas que vais? — perguntou-lhe Morgan ao entrar
no quarto. Lily estava a pôr as suas coisas na mala, entre soluços.
— Vou-me embora — sussurrou. — vou para casa, Morgan. Tenho
dinheiro suficiente para chegar lá e vou-me embora.
— Nem penses nisso! — exclamou ele, num tom ameaçador. Ela
levantou a vista e abrangeu com o olhar as formas do seu corpo e os
traços marcados do seu rosto. Estava de pé perante a porta e Lily soube
que não teria nenhuma oportunidade de sair se ele não a deixasse.
— As coisas nunca serão o mesmo para nós — declarou. — Era
provável que isto acontecesse algum dia. Tínhamos um acordo e já
chegamos ao final. Está na hora de deixarmos as coisas claras e de eu ir
para casa.
— O acordo incluía que eu te acompanhasse à tua casa, Lily. No
entanto, não será hoje. Temos de fazer uma declaração perante o xerife
e esperar a resposta de Nova Iorque antes podermos ir-nos embora.
— O que acontece se me for embora antes?
— Vão deter-te e pôr-te numa cela até que tudo tenha ficado
claro. Vamos, dá cá isso pediu Morgan, e atravessou o quarto com
grande rapidez para se aproximar dela.
Lily teve de lhe dar a mala.
— Es um valentão — murmurou, ao observar como ele depositava
a mala no chão e se virava para ela de novo.
— Serei o que for preciso para te manter aqui onde tens de estar.
Se me obrigares, atar-te-ei à cama, Lily. Não me pressiones.
— Porque queres que fique? Não sou boa para ti. O que Weston
disse era verdade. Cada vez que olhares para mim pensarás nas suas
mãos sobre o meu corpo e eu não podia suportar que me tivesses asco.
Algum dia, separar-te-ás de mim e eu não seria capaz de agüentar. É
melhor que me vá embora agora.
— Não sabes do que estás a falar — ripostou com a voz rouca. —
És a minha mulher, Lily.
Casei-me contigo para o bem e para o mal. festa é a parte má,
porém, vai melhorar. superaremos isto e as coisas funcionarão. Não
permitirei que me abandones. Esse homem obrigou-me a ir para a cama
bom ele, Morgan — ao dizer aquilo, ao recordar o horror que tinha
suportado, as lágrimas soltaram a derramar-se pelas faces. — Atirava-
me para o chão no bosque. Tinha equimoses que me fazia ao apertar-
me com as mãos. Fazia-me mal, Morgan, e eu era demasiado parva
para saber como era na realidade estar com um homem. Não soube até
que tu pagaste cinco dólares para estar comigo e percebi que nem todos
os homens são iguais.
— Não quero ouvir o que te fez! — exclamou ele, e retesou o
queixo. — Devia tê-lo morto quando tive a oportunidade.
— E passar toda a tua vida na prisão por esse homem? — Lily
abanou a cabeça com desespero. — Se não conseguires ouvir falar disto
agora, como vamos superá-lo? Esta não é uma história com final feliz,
Morgan. É a vida real e enquanto não estiveres disposto a aceitar o que
sou...
— Basta! — exclamou ele.
Agarrou-a com força e beijou-a. A sua boca í apertava-a com
ferocidade e só assim conseguiu Morgan apagar a dor que lhe tinham
causado aquelas palavras de amargura. Aquelas palavras que tinham
descrito a realidade da sua relação.
— Isto é a realidade, Lily. És a minha esposa, a mulher que desejo
com loucura, pela qual quebraria todas as regras, até as minhas. A
mulher por quem estou disposto a mudar o meu futuro.
Ela afastou-se dos seus braços e fez uma acusação com a voz
trêmula.
— O teu futuro? Um rancho no Texas? Uma parte da tua vida que
nem sequer me tinhas mencionado? Nem sequer fui digna de que me
contasses de onde vinhas e suponho que nunca poderás apresentar-me
à tua família.
— Bolas, Lily! Isso não é verdade. Nunca falamos das nossas
famílias. Tu nem sequer me disseste onde é a tua casa — ele agarrou-a
e empurrou-a contra o seu peito novamente. O calor da sua boca contra
a pele fez com que Lily tremesse.
— Não deixarei que te vás embora, Lily retorquiu ele, sem fôlego.
— Preciso de ti mais do que alguma vez precisei de alguém.
Regou-lhe o pescoço de beijos enquanto lhe sussurrava as
palavras contra a pele. Parecia que queria retê-la com a força do desejo.
Num instante, estavam na cama, a despir-se, a acariciar a pele, a
deixar que a paixão acalmasse as feridas da alma.
— Vais cantar esta noite? — perguntou-lhe May, quando se
encontrou com Lily naquela tarde.
Observava-a como se estivesse à procura de provas de que
acontecera qualquer coisa má.
— O que aconteceu com Morgan e contigo? Ouvi-vos discutir
muito esta manhã e estive prestes a bater à porta. Estás bem?
— Estou bem, May. Discutimos, porém, tudo se resolveu. Morgan
foi nobre em todo este assunto, contudo, eu acho que estará muito
melhor com uma mulher que possa levar para casa e apresentar à sua
família, sem ter de dar explicações.
May guiou-a até um sofá afastado do hall e ambas se sentaram.
— Achas mesmo que se preocupa com o que te aconteceu antes
de se conhecerem?
— Sei que se preocupa — respondeu Lily com tristeza, a recordar
as palavras que ainda lhe ressoavam nos ouvidos e a expressão da cara
de Morgan enquanto falava. «Não quero ouvir o que te fez.»
— Ele não consegue aceitar aquilo em que me tomei para
sobreviver — sussurrou, sentindo mais uma vez a fúria que tinha
enterrado no mais fundo da sua alma para conseguir seguir em frente.
— Stanley Weston tinha uma tocha acesa na mão e estava disposto a
atirá-la para dentro da casa pela janela da sala. Teria queimado River
Bend naquele dia. Então, como se estivesse a balançar uma cenoura no
nariz, virou-se para mim e sorriu.
— Vem comigo — pediu, — e deixarei a tua família em paz.
Lily suspirou.
— Que Deus me ajude, fui com ele, May.
— Ah, Lily — May agarrou na sua mão trêmula. — Fizeste o que
devias. Isso são coisas com que todos temos de viver. Uma vez ou
outra, tomamos uma decisão que regressa ao cabo de um tempo, que
nos obceca e nos faz arrepender quando as coisas não correm bem.
Morgan não te vai atirar isso à cara.
— No entanto, nunca será capaz de o esquecer. Tenho de o
abandonar, May.
— Achas que ele permitirá isso?
— Diz que não — respondeu Lily.
— Então, não acredites que possas fazê-lo, Lily. É muito forte.
Esta manhã eu olhei pela janela da esquadra, cá fora, e vi toda a
zaragata.
Morgan não teria derrubado esse coronel em frente do xerife se
não estivesse totalmente decidido a proteger-te — May fez uma pausa e
depois sorriu sabiamente. — Depois, quando te seguiu até ao hotel,
pensei que seria melhor esfumar-me e deixar-vos sozinhos. Devias
manter-te afastada desse miserável Weston. Ele perseguir-te-á, Lily. Eu
aconselho-te que fiques com Morgan.
— Acho que Weston voltará para o Norte no próximo barco.
Morgan está com o xerife agora, a garantir que as ameaças que esse
homem me fez são punidas. No entanto, May, eu acho que o melhor
para Morgan será que me vá embora.
— Não te parece que isso tem de ser ele a decidir?
— Não. Morgan não se afastará de mim. E um homem honrado,
May. Prometeu ficar comigo e fá-lo-á. Sou eu que tenho de lhe tirar o
fardo de cima.
— Suponho que isso é contigo — disse May, duvidosa. — Contudo,
seguir-te-á e provavelmente vai encontrar-te. Então, o que achas que
vai acontecer?
— Sei esconder-me — replicou Lily — Não viajarei pelo rio. Só te
vou dizer isso. Não quero que tenhas de mentir a Morgan e é óbvio que
tentará surripiar-te qualquer pista que possas dar-lhe.
— Espero que saibas o que estás a fazer retorquiu May, com
expressão de dúvida.
— Porque não desfazes a mala? — perguntou-lhe Morgan. Apoiado
contra a cabeceira da cama, observava como ela rebuscava a camisa de
dormir entre as suas coisas. Ele tinha a intenção de lha tirar assim que
ela se metesse na cama com ele.
Bolas! Lily não fazia caso. Começou a escovar o cabelo e depois
fez uma trança para dormir.
— Sabes que gosto que deixes o cabelo solto
— replicou Morgan suavemente, a reprimir o impulso de ir ter com
ela.
— De manhã, quando acordo, tenho-o muito embaraçado —
respondeu Lily. Voltou a colocar a escova na mala e depois dobrou o seu
vestido e a sua combinação com cuidado e pô-los sobre uma cadeira.
Aproximou-se da cama e deitou-se entre os lençóis. Morgan olhou para
baixo e viu-a fechar os olhos e tapar boca para bocejar.
— Estás cansada? — perguntou-lhe, enquanto se levantava para
tirar a roupa.
— Foi um dia muito duro — murmurou ela. Sim, estou cansada —
virou-se de costas e ele sorriu atrás.
— Não queres que te faça uma massagem nos pés? — ofereceu-se
ele, deitando-se ao seu lado.
— Não, obrigada. Estou bem — respondeu ela rapidamente e
depois ficou muito rígida ao sentir que ele a abraçava e a colava ao seu
peito.
— Boa noite, Lily — sussurrou ele contra a sua cabeça. A
fragrância do cabelo limpo e da pele lavada brincava-lhe no nariz e teve
de lutar para reprimir as suas necessidades. Nenhum homem que
tivesse tido uma dose regular de amor durante as passadas semanas
teria tido tanto desejo em que pensar.
Aquilo de ter uma mulher estava a dar cabo dele. Não podia
culpá-la se naquela noite ela preferia dormir. Se ela... Franziu o
sobrolho, ao pensar nas ações de Lily. A sua mala ainda estava intacta e
ela estava nervosa. Aquela combinação preocupou-o.
Fechou os olhos enquanto o ritmo da respiração de Lily se tornava
mais tranqüilo e se relaxava entre os seus braços. Ela moveu-se um
pouco e suspirou e depois apoiou-se nele. Era uma coisa muito triste
que um homem ficasse contente com um abraço e alguns beijos
roubados, pensou com um sorriso.
Na manhã seguinte o xerife ia acompanhar Stanley Weston ao
porto para apanhar o primeiro barco para Norte. Perante a ameaça de
que a sua família se visse envolvida no escândalo, o homem tinha
aceitado a derrota. O xerife tinha mandado telegramas a todas as
esquadras de polícia para que se retirasse o nome de Yvonne Devereaux
da lista de criminosos e se arrancassem todos os cartazes com o seu
rosto das paredes. O mandato de captura fora reduzido a cinzas.
Daí a uns dias, pensou Morgan, apanhariam todas as suas coisas e
ele levaria a sua mulher para o Louisiana. Teriam algum confronto
durante o caminho, porque, sem dúvida, Lily se rebelaria e protestaria
pelo seu comportamento protetor para com ela, porém, não se
preocupava. Tinha a certeza de que Lily já estava presa na sua rede.
Amava-a. Não conseguia negá-lo. Amava-a com uma
profundidade que não achava possível. Adorava os seus traços vibrantes
e a força de caráter que tinha mostrado naquelas semanas.
Devia ter-lhe dito naquele mesmo dia.
Devia ter-lhe sussurrado ao ouvido o quanto a amava com cada
poro da pele. Naquele momento, embora ela não conseguisse ouvi-lo,
disse contra o cabelo sedoso.
— Amo-te, Lily. Amo-te — e ficou assustado com o prazer que lhe
tinha causado o fato de dizer aquela frase em voz alta. Oxalá ela
sentisse o mesmo por ele. Se conseguisse o amor de Lily, encontraria a
maneira de a fazer feliz para o resto da sua vida.
— O que raios é isto? — Morgan tinha uma folha de papel
machucada na mão e olhava para May da soleira da porta do seu
quarto. — Onde foi, May? Não me digas que não sabes de nada.
— Deixou-te, Morgan. Foi a sua escolha então, a dura fachada de
May rachou-se um pouco, e Morgan percebeu que lamentava tudo
aquilo. — Não achava que tu fosses capaz de superar o seu passado.
Pensa que não é suficientemente boa para ti. De fato, disse-me que tu
não querias apresentá-la à tua família, porque isso significaria dar umas
explicações que ela não poderia suportar.
— Bolas, e o que importa a minha família? Lily é a minha mulher.
Nada vai mudar — passou os dedos entre o cabelo e pôs o chapéu de
novo. — Para onde foi, May? Tu tens de saber.
May encolheu os ombros.
— A verdade é que não sei, Morgan. Disse-me que tu tentarias
surripiar-me isso e que não queria que tivesse de te mentir.
— Há quanto tempo se foi embora? Morgan sentia uma frustração
triste, além do alívio que sentira quando tinha visto Weston meter-se no
barco e o xerife dissera que já resolvera a situação. Tinha recebido
telegramas de resposta de Washington, a dizer que retiravam as
acusações contra Yvonne Devereaux, pois tinha sido provado que tudo
acontecera em legítima defesa.
Portanto ele tinha voltado triunfante para o seu quarto, certo de
que estaria a dormir, e tinha percebido que se tinha ido embora da vila.
— Já está livre de qualquer suspeita, May. Para que lhe serve?
Bolas, nem sequer sabe se está a salvo por aí. Não quero que tenha de
se esconder, que pense que a lei está a persegui-la.
— Eu disse-lhe que a seguirias — informou May, — contudo, ela
acha que não a vais encontrar. Disse que era muito boa a esconder-se.
— No entanto, eu sou melhor a procurar respondeu ele com o
queixo retesado ao pensar nos perigos que Lily podia encontrar pelo
caminho, sozinha. — Foi-se embora a pé? May encolheu os ombros.
— Não sei. Duvido que tivesse dinheiro suficiente para comprar
um cavalo.
— Bolas! — Morgan pensou rapidamente no estábulo. — Aposto
tudo em como levou a nossa carroça. Essa pequena... — a palavra
descritiva era demasiado mordaz, portanto engoliu-a. — Obrigado, May
— agradeceu enquanto começava a correr para as escadas.
Ela apoiou-se na parede, junto à porta, e fez-lhe uma revelação
final.
— River Bend, Morgan. É para onde vai. Deve ser o nome da
plantação da sua família.
Ele parou imediatamente e virou-se. Caminhou para ela a passos
largos. Segurou-a pela cintura, levantou-a pelo ar e desceu-a até à sua
cara para lhe dar um beijo na face.
— Nunca me esquecerei disto — murmurou e voltou a pô-la no
chão.
Depois, correu para o estábulo para comprar um cavalo. Encontrar
Lily era uma questão de vida ou de morte para ele.
Um caminho direto teria sido muito mais rápido, porém, Lily
preferiu seguir o mais longo para que Morgan não conseguisse segui-la.
Apanhou O ferry para atravessar o rio, embora embarcasse com a
carroça e não tivesse saído do banco o tempo todo. Tinha seguido a rota
do Leste e tinha passado duas noites em hotéis diferentes, tinha
dormido no banco da carroça no campo e, finalmente, tinha chegado a
Vicksburg, cansada e dorida.
O Ferry era grande e a carroça e o cavalo cabiam na coberta com
facilidade. Quando chegaram à outra banda, Lily sentiu que se aliviava a
tristeza enquanto se aproximava de River Bend. A tristeza que tinha
suportado durante os últimos dias aliviava-se um pouco com cada
quilômetro que se aproximava do lar que tinha sido obrigada a deixar há
cinco anos.
Certamente, a sua mãe e Susanna estariam ocupadas em casa. O
seu pai estaria no estábulo com os cavalos e talvez houvesse
trabalhadores nos campos, a cuidar do algodão. Também era possível,
pensou com nostalgia, que as pessoas da plantação já não estivessem
lá. Os escravos foram libertos e muitos tinham escolhido estabelecer-se
por sua conta. Só a promessa de um trabalho e um salário teria
conseguido que alguns ficassem.
As pequenas cidades pelas quais passou tinham mudado muito, de
uma maneira indefinível. Os rostos das mulheres e dos homens com
quem se cruzava levavam uma mensagem escrita: a vida não era fácil.
A idéia de que River Bend tivesse mudado assim tanto fez com que se
sentisse ainda mais ansiosa por chegar ao seu destino, e quando avistou
o longo caminho ladeado de carvalhos que levava à sua casa,
começaram a cair-lhe as lágrimas. Não importava o quanto queria ver a
sua família. Era possível que não lhe dessem as boas-vindas.
Não tinham entendido porque se tinha ido embora e ela não lhes
tinha contado. O sacrifício que tinha feito fora a sua própria escolha e
ela não descarregaria aquilo sobre as pessoas que amava.
Aparentemente, a casa era a mesma de sempre, embora
parecesse que precisava de uma de mão de pintura. Uma moça, com o
cabelo castanho e brilhante recolhido numa trança, aproximou-se do
corrimão do alpendre quando viu que Lily se aproximava e
cumprimentou-a com a mão.
— Olá! — exclamou e desceu os degraus para segurar a égua da
carroça de Lily. Acariciou-lhe o focinho e murmurou palavras suaves de
aprovação. Depois olhou para Lily.
— Não acho que te conheça, embora a tua cara me seja familiar.
O meu nome é Katherine Devereaux. Bem-vinda a River Bend.
Da porta, um menino pequeno cumprimentou-a também.
— Mamã? É a tia Jenny? — perguntou.
— Não, querida — respondeu Katherine Devereaux.
— Sou outra tia — disse Lily, a recear que não fosse bem recebida
naquele momento.
Katherine virou-se com os olhos muito abertos, cravados na sua
cara.
— Não me digas que és Yvonne! — e nos seus lábios desenhou-se
um esplêndido sorriso. — Oh, meu Deus! Espera até à tua mãe saber
que estás em casa! E Roan, também — aproximou-se dela e tocou na
sua mão. — Vamos entrar na casa.
Lily desceu do banco do carroça com agilidade, embora sentisse os
membros um pouco intumescidos.
— Não sei se vou ser bem recebida — murmurou. — Há muito
tempo que me fui embora.
Katherine assentiu para lhe dar confiança.
— Roan estava com medo do mesmo quando voltamos, contudo,
nunca mais voltamos a sair daqui — segurou Lily pelo braço e guiou-a
para o alpendre. — Também não saberás nada de Shay e Jenny.
— Shay? — não conhecia aquele nome. Lily estava confusa.
— O teu irmão Gaeton. Agora chama-se Shay e vive a um dia de
caminho com a sua mulher e a sua filha recém-nascida. Espera até
conheceres Jenny. É adorável.
Uma mulher abriu a porta e Lily reconheceu-a imediatamente.
— Susanna! — gritou Lily e a mulher sorriu e abraçou-a com força.
Num braço, Susanna trazia um bebê de cerca de seis meses.
— É o meu segundo filho, Jonathan — explicou Katherine,
enquanto tirava o menino do colo de Susanna.
— Temos visitas? — perguntou outra mulher, detrás da porta.
Tinha um sotaque culto e com os sons melódicos daquela região, e o
coração de Lily acelerou-se ao ouvi-la.
— Mãe? — sussurrou e deu três passos até ao pé da sua mãe.
Letitia Devereaux olhou para ela do outro extremo da sala.
— Yvonne — replicou a sua mãe e mordeu o lábio inferior, sem
conseguir mover-se de onde estava. — Vieste para ficar? — perguntou-
lhe suavemente.
— Sim — respondeu Lily. com o desejo de esclarecer coisas desde
o começo, disse: Agora uso o meu segundo nome, mãe. O meu nome é
Lily.
— Era o nome da tua avó, filha — respondeu Letitia. — Fica-te
bem, apesar de não saber se o teu pai se vai habituar. É um homem de
hábitos, tu sabes.
O espaço que as afastava não excedia mais de três metros,
porém, parecia um abismo insuperável, e Lily esperou que a sua mãe se
aproximasse.
— Há um lugar para mim cá em casa? — perguntou-lhe, com a
esperança de não ter voltado em vão.
— Há sempre lugar para os meus filhos... Lily — o nome saiu dos
lábios de Letitia com facilidade e depois a mulher aproximou-se de Lily
com os braços estendidos e os olhos cheios de lágrimas. — A minha
menina — sussurrou, enquanto abraçava a filha que pensava ter perdido
para sempre.
— O que se passa? — perguntou uma voz profunda e rouca. Lily
soube que o seu irmão tinha entrado na divisão e virou-se para o ver.
— Roan? — perguntou, sem pensar que ele se alegraria de a ver.
— Voltei para casa.
Ele observou-a com os seus olhos pretos, com os lábios cerrados,
com a expressão severa. Então, Katherine pôs-lhe a mão sobre o braço
e falou-lhe suavemente.
— Roan, estou tão contente por ter uma nova irmã... Dá um
abraço a Lily.
— Lily? — perguntou ele e, por um momento, Lily pensou que não
aceitaria o seu direito de usar aquele nome. — Já não és Yvonne?
— Lily é o nome da tua avó, Roan. É o segundo nome de Yvonne.
Pode usá-lo se quiser — retorquiu a sua mãe, rapidamente. — Não
pigarreaste quando Gaeton voltou a dizer que se chamava Shay, pois
não?
Lily sentiu os anos que tinham passado como uma pedra pesada
sobre os ombros, enquanto Roan olhava para ela.
— Mudaste! — exclamou o seu irmão. Depois a sua expressão
suavizou-se.
— Bem-vinda a casa, Lily.
Katherine olhou para ele e Lily decidiu que, definitivamente, a sua
cunhada tinha um sorriso brilhante. Casar-se com uma mulher como
aquela, que olhava para Roan com os olhos cheios de amor, era o
melhor que pudera acontecer ao seu irmão.
— Queres falar do ianque agora ou depois?
— perguntou-lhe Roan. — Tenho de tirar o meu revólver? Vai
fazer-nos uma visita?
— Não. Já esteve cá uma vez e, no que me diz respeito, foi
suficiente — respondeu Lily. Há muito tempo que se acabou. Se algum
dia quiseres, contar-te-ei a história.
— Magoou-te? — nos olhos do seu irmão já não havia condenação.
Em vez disso, Lily sentiu o olhar do irmão que tinha amado e admirado
durante toda a sua vida. Deu uma suave gargalhada e respondeu:
— Não tenho cicatrizes.
— Algumas feridas não deixam cicatrizes externas — apontou
Katherine, ao mesmo tempo que lançava ao seu marido um olhar de
advertência. — Outras sim.
Lily notou que lhe tremiam as pernas e procurou o sofá com o
olhar.
— Acho que estou um pouco cansada — replicou, com um sorriso
que pedia compreensão. — Achas que Susanna podia fazer-me um
pouco de chá, mãe?
— Já o trazia, menina — redargüiu a mulher, ao chegar pelo
corredor com uma bandeja nas mãos. Lily observou como Susanna
servia o chá nas chávenas. Pegou numa delas e deu-lhe um gole.
— Agora sei que estou em casa — murmurou e para o espanto
daqueles que a acompanhavam, deixou a chávena numa mesinha e
aninhou-se sem forças no sofá.
— River Bend? Essa é a plantação dos Devereaux — informou o
agricultor amavelmente. — Está à procura do pai, LeRoy, ou do seu filho
Roan?
— Na verdade, estou à procura da filha respondeu Morgan.
Ò agricultor coçou a cabeça e depois abanou-a.
— Então não vai ter sorte, senhor. Yvonne foi-se embora há muito
tempo, antes que acabasse a guerra. Fugiu com um coronel do Norte e,
que eu saiba, não voltou.
— Acho que vinha para casa — informou Morgan. — E a minha
mulher.
— A sua mulher? Você não é ianque, senhor.
— Não, com certeza que não. Sou do Texas
— respondeu ele.
— Bem, se a sua mulher estiver em River Bend, descobrirá
rapidamente — replicou o agricultor e indicou-lhe como chegar à
plantação. Depois despediram-se. — Espero que encontre a sua esposa!
— gritou-lhe, cumprimentando-o com a mão de longe.
— Sim! — respondeu Morgan e devolveu a saudação.
Durante um momento, sentiu medo ao considerar a possibilidade
de que ela não tivesse ido para River Bend. No entanto, tinha de
descobrir, portanto seguiu o caminho que o agricultor lhe tinha indicado
sem parar.
Algum tempo depois, quando já pensava que tinha passado a casa
e ia dar a volta, viu ao longe uma fileira de carvalhos que lhe chamou a
atenção. Aproximou-se a trote e viu um velho letreiro que indicava o
nome daquela plantação: River Bend.
A casa e outros edifícios da plantação continuavam de pé e o
pomar parecia bem cuidado. Na porta do estábulo, um homem
cumprimentou-o agradavelmente.
— Boa tarde, senhor. Está à procura do senhor LeRoy? Ou do
senhor Roan?
— É possível — respondeu Morgan, enquanto descia do cavalo. —
Estão por aqui?
— Na casa — respondeu o homem. — O meu nome é Jethro e sou
o supervisor que trata dos animais. Se quiser, cuidarei do seu cavalo
enquanto está aqui.
— Não sei se a mulher que vim procurar já chegou. A minha
mulher vinha para cá e quero encontrá-la.
— A sua mulher? — Jethro ficou muito surpreendido. — As únicas
mulheres que há aqui são a senhora Letitia e a senhora Katherine
anunciou e sorriu. -Ah, e quase me esquecia. A menina Yvonne chegou
mesmo ontem. Ainda não me habituei à idéia de que tenha voltado.
— É ela que procuro — replicou Morgan. — É a minha esposa.
— Susanna não me disse nada acerca de ser casada. Acho que a
menina Yvonne não disse nada na casa, senhor. Parece-me que está
prestes a dar uma notícia importante.
Morgan deu as rédeas do cavalo a Jethro, fixou um sorriso na cara
e pôs-se a andar para a casa, com os ombros muito erguidos.
— O que posso fazer por si? — perguntou-lhe um homem, com
frieza, da porta.
Morgan hesitou, contudo, depois seguiu em frente.
— Estou à procura da minha esposa.
— E porque pensa que está cá? — o homem, alto e mais largo de
ombros que o próprio Morgan saiu de entre as sombras do alpendre. Era
formidável. — Quem é você?
— Gage Morgan — parou no primeiro degrau e esperou.
— Não conheço o seu nome, senhor Morgan. Diga-me, quem é a
sua esposa?
— Chama-se Lily. Vinha para cá da última vez que a vi. É possível
que a conheça pelo nome de Yvonne, embora já não o use.
— É a minha irmã — retorquiu o homem. Eu sou Roan Devereaux
— acrescentou e andou até à soleira da porta. — Há uma visita para
Yvonne, pai. Queres avisá-la? — perguntou com suavidade.
— Diz a esse homem que entre, Roan — pediu o pai, com a
hospitalidade dos homens do Sul. As palavras eram uma reprimenda
tácita.
— Está bem — Roan saiu novamente para o alpendre e
acompanhou Morgan ao hall da casa. Morgan estava em frente do
homem que tinha falado antes. Tinha o cabelo branco e os olhos
brilhantes e agudos. Lançou a Morgan um olhar penetrante.
— Espero que seja realmente o marido de Yvonne.
— Sou. Onde está? Não vos falou de mim?
— Não. No entanto, isso não importa — o velhote estendeu-lhe a
mão. — Eu sou LeRoy, o pai de Yvonne. Apresento-lhe Roan, o seu
irmão.
— Já nos conhecemos — disse Morgan com aspereza. Deu a mão
a LeRoy e apertou-a com firmeza. — Onde está a minha mulher?
— Tem pressa, eh? — perguntou-lhe o seu sogro. — Não sei se
Yvonne quererá vê-lo. Não se sente bem desde ontem, quando chegou.
— Está doente? — Morgan sentiu um nó no estômago ao imaginar
Lily a chegar à porta da casa dos seus pais sozinha e doente.
— Não. Acho que não é nada que não se cure com o tempo —
informou LeRoy, rotundamente. — Contudo, suspeito que será melhor
que o veja com os seus próprios olhos. Vamos — indicou e guiou-o para
a sala da casa. Abriu as portas e entrou. Morgan seguiu-o e atrás dele,
Roan entrou também.
Se alguma vez na sua vida se sentira rodeado, foi naquela vez.
Ali, sentada num sofá, com uma chávena de chá na mão, com o aspecto
de uma dama do Sul, estava a sua mulher. A primeira coisa que Morgan
sentiu foi raiva, depois alívio. Se Lily estava doente, não parecia. Tinha
as faces rosadas e os olhos brilharam quando sorriu ao seu pai
timidamente. Quando viu Morgan, no entanto, empalideceu.
— Morgan? — perguntou e levantou-se.
— Não incomode a minha filha — pediu alguém com firmeza.
Morgan virou-se e viu uma mulher que olhava para ele fixamente. Sou
Letitia Devereaux e Lily é a minha filha.
Tão concentrado que estava em Lily, não tinha percebido que
aquela mulher estava na divisão. com um segundo olhar, viu outra
dama, mais jovem, ruiva, que tinha um menino pequeno no colo.
Lily fez um som de desespero, um soluço que atravessou o
coração de Morgan. Aproximou-se dela e, num segundo, abraçou-a.
Deixou descansar a cara no seu cabelo e inalou o seu cheiro familiar,
várias vezes, sem poder acreditar que a tinha ao seu lado.
— Lily, estás bem? — perguntou-lhe e agarrou-a pelos ombros
para a afastar dele e olhar para ela com atenção. — Estive morto de
angústia por ti — teve a tentação de a abanar, porém, tendo em conta a
ameaça que representavam os outros dois homens, conteve-se.
— Estou bem — respondeu ela e levantou o queixo. — Não tinhas
de me seguir, Morgan. Tens coisas a fazer no Texas e o teu trabalho
acabou. Nunca mais tens de te preocupar comigo.
— Preocupar-me? Bolas, Lily! Estive à tua procura durante dias, a
perguntar a todos os xerife das vilas do caminho entre Brightmoor e
aqui. Achavas mesmo que podias esconder-te?
— Não me escondo, Morgan. Estou aqui, no lugar onde pertenço.
Disse-te que ia voltar.
— Eu disse-te que ia trazer-te — replicou ele.
— Por que diabo não esperaste que acabasse o que tinha de fazer
em Brightmoor?
— Já cumpriste a tua parte do acordo. Já não me deves nada.
— Eu diria que sim — interveio a sua mãe, como se ela tivesse a
palavra final.
— Não importa, mãe — sussurrou Lily. — Morgan é livre. Já fez
tudo o que prometeu que faria.
— Não. Quando me casei contigo, prometi que tomaria conta de ti
durante o resto da tua vida. No entanto, tu não me deste a
oportunidade.
— Isso incluía deixá-la grávida? — perguntou Letitia.
Morgan virou a cara para ela, atônito.
— O quê?
— Lily vai ter um filho e eu suponho que seja o pai. Tenho razão?
— Completamente — concordou Morgan sem rodeios. — Não pode
estar de muito tempo, se o meu conhecimento destas coisas é acertado
— e então, fez mentalmente as contas.
— No entanto, sim passou tempo suficiente para que esteja certa
— acrescentou.
— O suficiente para que ontem desmaiasse à nossa frente e hoje
de manhã vomitasse o pequeno-almoço — explicou a sua mãe,
rigidamente.
-Mãe!
A exclamação de angústia de Lily fez com que a mulher ruiva se
levantasse da cadeira, com o menino nos braços, e se sentasse junto a
ela. Passou um braço pelos ombros de Lily e o menino pendurou-se
instintivamente ao pescoço da sua mãe.
— Olhem o que fizeram — replicou, a olhar primeiro para Morgan
e depois para a mãe de Lily, e a balançar o menino para se acalmasse.
— Lily está a chorar e não devia — e, para se unir ao coro, o
menino começou a chorar também.
— Bolas! — praguejou Morgan e, num gesto de frustração, bateu
na coxa com o chapéu. Podemos começar esta conversa de novo?
perguntou, tentando que o ouvisse por cima do choro do bebê. —
Preciso falar com Lily e gostaria de o fazer em privado. Se não se
importassem de nos deixar sozinhos, agradeceria. Se não puder ser,
então tratarei do assunto noutro lugar — e o seu olhar endureceu ao
esperar a possível resposta. No entanto, ninguém disse nada.
— Todos para fora — ordenou a moça, lançando a Morgan um
olhar de compreensão. Libertou Lily do seu abraço e embalou o menino.
— Katherine... — era uma palavra de advertência do homem
chamado Roan, uma advertência que ela ignorou despreocupadamente.
Foi ter com ele, deu-lhe o bebê e fê-lo virar-se para a porta.
— Vai fazer qualquer coisa de útil — pediu claramente. — Mãe,
vem comigo. Temos de ajudar Susanna com o jantar — depois, de fora
do quarto, olhou para LeRoy. — Precisas de um convite especial? —
perguntou-lhe com doçura e o senhor austero sorriu.
Depois de ter tirado toda a gente da sala, apareceu com os braços
abertos para fechar as portas.
— Consigo mantê-los lá fora durante dez minutos, mais ou menos
— anunciou a Morgan. — Depois disso, terá de resistir sozinho.
— Sim, senhora — confirmou. Não lhe ocorreu mais nada para
comentar daquele verdadeiro redemoinho que, aparentemente, era a
mulher de Roan.
As portas fecharam-se e ele virou-se para Lily.
— Para começar, dez minutos será o que necessito para te dizer
como estou zangado começou. No entanto, o seu olhar adoçou-se assim
que viu a tristeza nos olhos de Lily. Aproximou-se dela para a abraçar
com ternura e beijou-a suavemente.
Ela passou-lhe os braços pelo pescoço.
— Não te zangues comigo — sussurrou. Não sabia o que fazer,
Morgan. Pensava mesmo que o melhor era que voltasses para casa com
a tua família. Eles devem ter saudades tuas e eu tinha a esperança de
que a minha família me acolhesse quando chegasse cá.
— Tu és a minha família — replicou ele. Pura e simplesmente, Lily.
Estamos casados e dentro de pouco tempo teremos um filho. Seremos
uma família a sério — e, ao dizer aquilo, sentiu uma alegria indescritível.
Teria um filho, como o de Roan.
— Não sei se vai funcionar — ripostou Lily. Pensei muito e não
tenho a certeza de que consigas enfrentar o meu passado sem tentares
esconder-te dele. Eu não o vou ocultar, Morgan. Tens de me aceitar tal
como sou, com as minhas imperfeições.
Ele beijou-a novamente, entrelaçando os dedos no seu cabelo,
fazendo com que os ganchos caíssem no chão e conseguindo que ela
corasse. Acariciou-lhe todo o corpo rapidamente, segurou os seus seios
nas mãos e puxou-a para o seu corpo para que ela sentisse a
necessidade repentina que o tinha invadido.
Então, respirou fundo, consciente de que estava a comportar-se
como um louco e de que ainda tinha uma oportunidade de conseguir
que o seu casamento seguisse em frente e se tornasse numa relação
sem dúvidas.
— Eu também não sou tão puro como a neve
— confessou a Lily, ao recuperar o controlo.
Ela assentiu.
— Suponho que não. No entanto, mesmo assim, há coisas que
tens que saber. Coisas que não quiseste ouvir.
— Quero ouvir tudo o que tenhas para me dizer, Lily. Eu
responderei todas as perguntas que me queiras fazer.
— Está bem — concordou ela. — Vem aqui e senta-te ao meu lado
— e então, ao ver que ele olhava para a porta, riu-se. — Não te
preocupes. Katherine vai mantê-los lá fora. Parece que nasceu para esse
trabalho.
— Katherine? — perguntou ele, atribuindo um nome à mulher de
Roan.
— Katherine — repetiu Lily. — Todos a adoram. Não sei como
alguém consegue resistir-lhe, de qualquer forma. É o braço direito da
minha mãe, em conjunto com Susanna. O meu pai pensa que a sua
nora caminha sobre as águas. Deu-lhe os seus dois primeiros netos e
ele está totalmente louco com ela.
— E Roan? — era uma pergunta idiota, pensou. Era evidente que
aquele homem formidável estava absolutamente apaixonado pela sua
mulher. Lily confirmou o que ele pensava.
— É um homem diferente desde que se casou com ela. Shay e ele
voltaram a ser irmãos, em parte, graças a Jenny, a mulher de Shay. Ela
voltou a uni-los, conforme tenho ouvido. Não a conheço e ainda não vi
Shay, porém, o meu pai enviou-lhes uma carta a pedir-lhes que
venham.
— Há lugar cá para mim? — perguntou Morgan.
— E claro que sim. Se quiseres que haja.
— Não te vou deixar, Lily. Não me importa o que digas. Estou aqui
para sempre, quer gostes quer não. Já te disse antes que eu cumpro as
minhas promessas. Um acordo com Gage Morgan vale sangue, suor e
lágrimas da sua parte.
— Até um acordo de casamento? — perguntou-lhe ela, com um
sorriso inseguro.
— Especialmente um acordo de casamento respondeu ele com
firmeza.
Possivelmente, aquele não era o lugar mais apropriado para uma
revelação, contudo, era possível que Lily não tivesse outro momento
privado com ele até muito mais tarde.
— Quero dizer-te uma coisa, Gage — sussurrou. — Amo-te.
Então levantou um braço e mostrou-lhe a palma da mão para
evitar que a interrompesse.
— Ouve-me apenas. Sei que tu terás problemas para me dizer
essas palavras, porém, não importa. Amei-te desde que me levaste para
o teu quarto na primeira noite. Não percebi ao princípio, no entanto,
percebi quando me ofereceste a tua proteção e cumpriste a tua palavra.
— Posso dizer uma coisa agora? — perguntou ele. — Sussurrei-te
essas palavras ao ouvido na última noite que estivemos juntos. Disse-te
nessa altura que te amava, Lily. Estavas a dormir, porém, imagino que
me ouviste em sonhos. Tu és a mulher que procurei durante tanto
tempo. Tu és o meu futuro, Lily.
Uma pancada enérgica na porta anunciou Katherine mesmo antes
que ela abrisse e aparecesse à porta.
— O jantar está na mesa. Será melhor que acabem de falar
depois. A mãe não gosta que a comida arrefeça.
— Vamos já! — exclamou e saiu do abraço de Morgan, arranjando
rapidamente o cabelo e alisando o vestido.
— Estás muito bem — elogiou Katherine, abrindo as portas por
completo. — Podes arranjar-te depois, Lily.
Os dois seguiram-na até à sala de jantar. Na mesa havia uma
grande travessa de frango frito e tigelas de legumes fumegantes.
— Não é nada especial — disse LeRoy a Morgan. — Só boa cozinha
do Sul.
— Para mim é perfeito — respondeu Morgan. Quando as cabeças
se inclinaram sobre a mesa, ele seguiu o seu exemplo e segurou a mão
de Lily. As orações foram breves, contudo, sentiu-se honrado ao ouvir
que o seu nome era incluído na lista de bênçãos que LeRoy mencionou.
— Agora, passem o frango — pediu Roan. Lançou um longo olhar
para Morgan e depois reparou no vestido machucado de Lily. Aquele
olhar disse a Morgan que os dois teriam uma conversa daí a uns dias.
Não podia culpar o homem, pensou Morgan.
Parecia que tinha tomado a responsabilidade daquele lugar e isso
incluía o bem-estar de Lily. O seu cunhado seria um inimigo temível,
mas também um homem forte e leal como amigo.
Shay e Jenny apareceram no terceiro dia.
Jenny saiu da carruagem a toda a pressa, e cumprimentou
Katherine com um abraço carinhoso. Depois virou-se para Jenny. Shay
seguiu-a com um dos filhos a caminhar ao seu lado e o outro, um bebê,
nos braços. Também saiu do carro um homem mais velho, a quem
LeRoy cumprimentou com grande afeto. Os dois velhotes dirigiram-se
para os estábulos.
— Estou tão contente por estares cá — disse Jenny, quase sem
fôlego, e virou-se para o seu marido. — Traz os meninos. Têm de
conhecer a sua nova tia.
Shay estava em silêncio. Era um homem muito moreno, com uma
terrível cicatriz numa face, porém, o pequeno que vinha de mão dada
com ele não parecia importar-se muito.
Aquela família era unida, pensou Morgan, com as mulheres a
abraçar-se e as crianças no meio de todo o bulício. com ordens por aqui
e por acolá, de algum modo, todos entraram em sala de jantar e se
sentaram ao redor da mesa. Quando acabou a refeição, Lily chamou a
atenção de todos ao levantar-se. Olhou para os membros da sua família,
como se estivesse a tentar medir o grau de aceitação antes de começar.
Já estava na hora, pensou Morgan, ao perceber que Lily ainda não tinha
acreditado na sua família. As suas palavras deram-lhe a razão.
— Tenho que vos contar porque me fui embora — começou, com a
voz trêmula.
— Não é necessário — interrompeu o seu pai.
— Voltaste e é só isso que importa.
Ela abanou a cabeça.
— Eu preocupo-me. Gage já sabe quase tudo, contudo, o resto de
vocês não, e não posso suportar que pensem que me fui embora por
motivos errados. Não quero que me odeiem.
— Não podemos odiar-te, Lily. Es a nossa filha.
— De qualquer forma, quero que saibam. Naquela noite, o coronel
tinha uma tocha na mão.
— Ameaçou-te que queimava a casa, não foi? — perguntou-lhe
Jenny, muito pálida, com a voz sufocada. Quando Lily olhou para ela,
Shay segurou a mão da sua esposa e sussurrou algo ao ouvido.
— Aconteceu-me o mesmo — confessou Jenny com franqueza. —
Eu fiz a mesma escolha que tu, Lily. Fá-lo-ia de novo, se me visse na
mesma situação.
— Jenny... — Shay interrompeu-a, no entanto, a sua mulher
levantou a mão e cortou o seu protesto.
— Não me importa que saibam, Shay. São família e tenho de ficar
do lado de Lily e explicar-lhe que entendo os seus motivos. Eu estou
agradecida porque, pelo menos, me deixaram para trás para resolver
tudo o que aqueles homens horríveis destroçaram.
— Oxalá tivesse sido tão fácil para mim replicou Lily. — Em vez
disso, ataram-me e obrigaram-me a fazer a viagem mais longa da
minha vida. A unidade do coronel dirigia-se para Nova Iorque e vi-me
forçada a viver no
bosque e dormir no chão durante semanas que não quero
recordar. Durante todo o caminho, ele prometeu-me que nos
casaríamos quando chegássemos a casa da sua família.
Então parou, como se aquelas palavras fossem demasiado
dolorosas para as pronunciar e Morgan segurou a sua mão e apertou-a
suavemente.
— Em vez disso, levou-me para uma casa da cidade e prendeu-me
como se fosse uma prisioneira, a perguntar a mim própria o tempo todo
quando ia ter lugar esse maravilhoso casamento. Eu não tinha para
onde ir nem dinheiro para viajar. Não podia escapar. Então, o coronel
veio uma noite e disse-me que ia casar-se. A cerimônia não me incluía.
Ele já estava comprometido com uma dama da alta sociedade, desde
antes da guerra — e fez uma pausa, como se receasse o desprezo da
sua família quando revelasse o clímax da história. Peguei no atiçador da
lareira e espetei-o na testa dele.
— Bem feito! — murmurou Roan entredentes e sorriu
timidamente.
— Ele caiu ao chão e havia sangue por todos os lados. Achava que
estava morto.
— Estava? — perguntou-lhe Katherine, inclinando-se para a frente
na cadeira.
Lily abanou a cabeça.
— Não, no entanto, eu só soube dois anos mais tarde. De fato,
descobri há umas semanas.
— Para onde foste? — perguntou-lhe Jenny. A sua cunhada tinha
os olhos cheios de lágrimas e as mãos cerradas sobre a mesa.
— Saí da cidade — Lily virou-se para a sua mãe. — Penhorei o teu
alfinete, mãe, que me deste quando fiz dezoito anos. Precisava do
dinheiro e era a única coisa de valor que possuía — confessou e
continuou com a história. Guardei o dinheiro e encontrei um trabalho a
tomar conta de crianças. Depois viajei para Oeste, tão longe quanto
pude, e estive a trabalhar para um casal cuja mulher estava grávida e
precisava de ajuda com os seus outros filhos. O marido pagava-me bem
e fiquei com eles quase um ano. Descobri então que podia ganhar mais
dinheiro com a minha voz e todas as manhãs de domingo a ensaiar no
coro da igreja foram úteis. Apresentei-me numas provas para cantores
de um restaurante e contrataram-me. Estive lá durante um ano, até que
ganhei o suficiente para viajar para o Sul novamente. Ainda tinha o
dinheiro do alfinete, que reservava no caso de ficar sem outro meio de
subsistência. Finalmente, fiquei sem

um centavo enquanto seguia o curso do rio Mississipi.


— Eu conheci-a num barco do rio — explicou Morgan,
interrompendo-a bruscamente. Soube desde o primeiro momento que a
vi que não era uma mulher que devesse trabalhar no rio.
— Que tipo de trabalho? — perguntou Shay, embora no seu
sorriso se refletisse a sua total confiança na integridade de Lily. —
Cantar?
— Sim — respondeu Morgan e Lily soube que não revelaria mais.
— Eu estava a meio de um trabalho para o governo e Lily e eu
fizemos um acordo. Ela queria vir para casa e eu precisava de uma boa
cobertura para o trabalho que estava a fazer. Casamo-nos assim que
saímos do barco e viajamos para o Arkansas. Estivemos lá durante uns
dias, a levar a cabo o plano que eu tinha inventado com ajuda do xerife
local e, então, Lily aparentemente pensou que... — interrompeu-se e
olhou para a sua mulher. — Pensou que eu não a amava o suficiente
para estar casado com ela. Deixou-me e foi-se embora para Brightmoor.
Encontrou-se com uma velha amiga e começou a cantar de novo —
olhou para toda a sua família e o seu olhar era de advertência. — Todos
teriam ficado orgulhosos dela. Parecia um anjo, a cantar para toda
aquela multidão. No entanto, quando voltei a encontrá-la, decidi que
nunca mais permitiria que se afastasse de mini — sorriu e continuou a
relatar toda a história. — Os cartazes com a cara de Lily estavam por
todo o trajeto do rio — ao ouvir a exclamação de horror de Letitia,
Morgan apressou-se a dar todos os detalhes do seu encontro com o
coronel Stanley Weston. Quando estava tudo resolvido, ela voltou a
fugir — a sua voz soou áspera e a sua frustração por ela foi evidente. —
Eu voltei a segui-la.
Na parte de fora da casa, pelas janelas abertas, entrava o som de
um coro de insetos que chiavam alegremente e um rouxinol cantava o
seu repertório na tranqüilidade. LeRoy levantou-se.
— Nada disto sairá desta sala — declarou, firmemente. — Lily está
em casa conosco, o seu marido está com ela, e isto é uma visita de
família.
— Não vamos discutir essa história — respondeu Shay,
rapidamente. Tinha posto o braço nos ombros da mulher para a
aproximar de si e ela olhou para ele com os olhos cheios de lágrimas.
— Pela nossa parte não há objeção — concordou também Roan e
Katherine assentiu.
Lily sentou-se, com a sensação de que as pernas já não a
seguravam. O fato de ter sido aceite, de que tivessem reconhecido a
mulher em que tinha sido obrigada a tornar-se, era quase demasiado
para que ela conseguisse assimilar.
O fato de Morgan ter falado e ter omitido a parte da viagem no
barco, sem expor as profundidades do desespero de Lily à sua família,
serviu para tornar mais profundo o seu amor por ele.
Katherine levou Morgan e Lily ao alpendre para os deixar lá
enquanto as mulheres limpavam a mesa e se juntavam a Susanna na
cozinha.
— Acho que quer que possamos estar sozinhos um momento —
sussurrou ele a Lily, enquanto se encaminhavam para o baloiço que
havia no final do alpendre.
Quando se sentaram, Lily perguntou:
— Quando disseste que querias ficar cá, foste sincero? Eu não sei
quais são os teus planos, contudo, espero estar incluída neles.
— Farei o que quiseres — respondeu ele. Eu gostaria de ir ver a
minha família algum dia, porém, não tenho pressa. Sobreviveram sem
mim muito tempo, um pouco mais não vai incomodá-los.
— Estás a falar de quanto tempo? Um ano? Cinco? Ou talvez um
mês...
— Tu é que sabes. Eu ficarei aqui até que nasça o bebê se é isso
que queres, Lily. Não quero fazer-te atravessar o país neste momento.
Ou, se preferires, podíamos fazer uma viagem ao Texas agora que ainda
podes viajar e descobrir como vão as coisas.
— Senti falta da minha mãe — confessou Lily, em voz muito baixa.
— Acho que vou precisar dela durante os próximos meses.
— Então, está tudo dito — resolveu Morgan.
— Ficaremos até que queiras sair.
Lily sorriu.
— Acho que devemos ficar o suficiente para que conheças Shay e
eu gostaria de passar mais tempo com Jenny — afirmou ela e baixou a
cabeça ao pensar no homem que fora o seu irmão mais velho. Tinha
mudado o nome de Gaeton para Shay. Aquela era uma história que
ouviria algum dia, pensou.
— Tem uma terrível cicatriz, não tem? Contudo, Jenny não se
preocupa nada. Sabias que a criança, Marshall, é filho de Jenny? Percebi
que considera que Shay é a sua propriedade privada — explicou Lily. —
Dir-se-ia que é filho do Shay. Jenny é tão bonita! Está muito apaixonada
pelo meu irmão.
— Não é tão bonita como tu — ripostou Morgan com veemência.
— Porquê? — gozou Lily. — É muito bela.
— Tu és a mulher mais linda que alguma vez conheci. Não só pela
tua cara, pelo teu cabelo ou pelo corpo, que faz com que me sinta como
um adolescente — sorriu. — Mas pela mulher que há dentro desse
corpo, Lily. És bela no interior. Sei que não é nenhuma novidade,
porém, digo-o de coração. A mulher por quem me apaixonei é a que se
manteve firme perante as adversidades e se atreveu a continuar.
Então viu como os olhos de Lily se enchiam de lágrimas e o seu
coração derreteu-se enquanto lhe tremiam os lábios.
— Não chores, querida. Não suporto que chores.
— Então, não voltes a deixar-me. No entanto, tens de saber uma
coisa de uma vez por todas, Gage Morgan. Eu nunca estive com outro
homem além do que me afastou da minha casa. Nunca mais houve
outro para mim, só tu. Juro por Deus.
Morgan fechou os olhos durante um instante e depois olhou para
ela a murmurar umas palavras de arrependimento.
— Recusei-me a enfrentar aos fatos, Lily e lamento. Acho que
sabia durante todo o tempo que eras urna mulher inocente. Oxalá eu
pudesse dizer o mesmo. Perdoas-me?
Ela assentiu.
— Beija-me, Gage Morgan. Ama-me com todo o teu coração
durante todos os anos das nossas vidas.
— Este é o começo. Nós, a começar do zero!
— exclamou Morgan, a beijá-la.
— Não — replicou ela. Levou-lhe a palma da mão ao seu ventre e
olhou para ele nos olhos.
— Este é o começo. De agora em diante, nós os três, Gage.
— Como quiseres, querida. Esta será a noite mais feliz da minha
vida. Garanto-te.
Celebrar a Véspera de Natal com a família era ótimo e aquelas
foram as melhores festas que Lily alguma vez tinha conhecido. Porque
se não se enganava, ia haver um novo membro no clã naquele mesmo
dia, vinte e quatro de Dezembro.
Acordou muito cedo, inquieta e com dores de costas. Ao entrar na
sala, onde todos se reuniam para tomarem o pequeno-almoço, Susanna
e as suas cunhadas tinham notado imediatamente
No meio da alegria e do barulho de crianças e adultos que reinava
na divisão, Morgan tinha segurado a sua mão e tinha-lhe sussurrado-
— Estás bem? Não dormiste bem esta noite Chegou o momento,
não chegou?
— Não tinha planeado passar as festas na cama, contudo, acho
que há muitas probabilidades.
Umas horas depois, Katherine e Jenny ajudaram Lily a subir para
o quarto e estenderam-na na cama. com a ajuda perita de Susanna,
Katherine e Jenny, antes da meia-noite, Lily tinha dado à luz um filho.
Morgan pegou no bebê ao colo e levou-o a Lily. O menino tinha o cabelo
escuro e um pouco encaracolado e os seus olhos azuis de bebê viraram-
se para a cara do seu pai, como se ouvisse uma voz familiar, quando
Morgan pronunciou o seu nome com a voz trêmula.
— Lily e eu vamos chamá-lo Joshua Devereaux Morgan. Embora
agora pareça demasiado para um bebê tão pequeno, não achas?
perguntou a Lily, quase incapaz de conter o seu orgulho.
Então ajoelhou-se junto à cama, com o menino nos braços, para
beijar a testa da sua mulher. Lily estava exausta, no entanto, estava
cheia de um júbilo que ultrapassava qualquer alegria que alguma vez
tivesse sentido.
— Podemos pôr-lhe outro nome, se tu quiseres — disse,
estendendo os braços para agarrar no seu filho. Era doce e pequeno,
mas robusto, tal como dissera Susanna. A sua cabecita cheirava como
nada que ela tivesse cheirado em toda a sua vida e com a boquita fazia
trejeitos de sucção, como se estivesse a notificar a sua mãe de que
tinha necessidades.
— Acho que será melhor que lhe dês de mamar— sugeriu
Katherine. — Será muito melhor para ele se o alimentares agora
mesmo.
Morgan ficou ao seu lado, com os olhos cheios de lágrimas.
— Acho que vou descer para dizer aos outros — anunciou. —
Voltarei já — e beijou novamente Lily na testa.
— Amo-te — sussurrou. — Sou o homem mais sortudo do mundo.
Conseguimos, querida fez urna pausa e depois recordou algo que lhe
dissera muitos meses antes. — Recordas-te daquela vez, na primeira
noite que cheguei cá, quando te disse no alpendre que era a noite mais
feliz da minha vida?
Ela assentiu. Já sabia o que ele ia dizer.
— Estava enganado, Lily. Isto ultrapassa até aquela noite, quando
eu pensava que os meus sonhos se tornavam realidade e que o Natal
tinha chegado antes de tempo — e voltou a beijá-la, sem se preocupar
que os observassem. — O Natal chegou a sério. Já passou da meia-
noite, querida — sussurrou. — Feliz Natal, Lily, meu amor.

Fim

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