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Capítulo 3
Introdução
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Fernandes, 2001), não é adequada, pois ela tem forma. Seus conteúdos, e
espaços, objetivos e estratégias de atuação são idiossincráticos, embora, em
muitos momentos, as linhas divisórias entre tais práticas e as demais
terminem por se cruzar, gerando embates e debates. Afonso (1989) defende
uma posição fundamental para tais práticas, a de se constituírem em
propostas que visem a transformações sociais; já Trilla (1996) não
caracteriza a educação não-formal com tal enfoque, descrevendo a amplitude
de formas que ela assume e o caráter de legalidade, de subordinação a um
órgão que a legisle.
Na verdade, ou a propósito, a forma da educação não-formal é bastante
fluida, com contornos maleáveis que se ajustam a indivíduos, desejos,
conteúdos. E aqui já temos uma questão na qual devemos nos deter. Qual é,
ou melhor, quais são as formas da educação formal? Lugares específicos,
relações espaço-temporais controladas, mensuradas, perpetuadas. Forma
fixa? Desde os locais nas classes, cada classe em seu lugar, cada coisa em
sua hora. As tentativas de vivências na heterogeneidade continuam
representando verdadeiros desafios. A ordem é sempre buscada em nome da
exeqüibilidade dos afazeres e do peso do cotidiano.
Experiências existem, inúmeras, que tentam inverter setas, substituir séries
por ciclos, reordenando o funcionamento escolar e: a produção de seus
saberes, mas elas, geralmente, terminam por gerar novas ordens a serem
seguidas. A nota que vira conceito, mas é explicada enquanto nota...
Como abrir mão do grande cabedal de conhecimentos/fazeres e saberes
gestados na e pela cultura escolar, para tentarmos definir outras propostas
educativas?
Vamos ao dicionário. Lá encontramos que formal é aquilo que diz respeito a
forma; evidente, claro, manifesto, patente; preciso,próprio, genuíno; que
não é espontâneo; que se atém às fórmulas; estabelecidas; convencional;
que é amigo das formalidades, de etiquetas; formalista. Relativo às: leis, às
regras ou à linguagem pró-
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O GEMEC
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de circulação inclui o que está por fora ou atrás do limite dado pelo círculo e
fora dos olhares vigilantes dos adultos, diferentemente do panóptico,
explicitado por Foucault, em que a circulação restringe-se aos locais de
vigilância e de controle constantes, ou seja, o interno dos espaços
circulares, que não tem as bordas como possibilidades de lugares de
transgressão, diante do que é esperado (p. 171).
Outra certeza é que "o diálogo com o diferente é que possibilitará a transição
entre o estranhamento provocado e a possibilidade de lidar de forma
diferente com essa situação, gerando uma produção de táticas e estratégias
que permitam esse enfrentamento construtivo do diferente" (idem, op. cit.,
pp. 173-74).
E as provocações? Elas surgiam costuradas às falas no grupo de estudos
que descreviam cotidianos, como: "nas aulas, a gente fazia..." São aulas
mesmo? Com hora exata para começar e parar?; "Não, não é bem assim..."
São atividades? "São, mas não são atividades soltas, são atividades que
acontecem decorrentes de um eixo, de um projeto." Muitas vezes as
reflexões provocavam diálogos repletos de conflitos, que eram
exaustivamente debatidos até se esgarçarem, produzindo novas sínteses.
Aula, escola, classe, professor... Palavras repletas de sentidos que
perpassam os espaços da chamada educação não-formal. No Projeto Sol era
utilizada uma nomenclatura interessante e organizadora dos espaços e
tempos de aprendizagem: havia o primeiro período, o segundo período e o
tempo de brincadeira para separar os dois. Nos períodos as atividades eram
desenvolvidas de acordo com os combinados anteriores sobre estudo e
pesquisa de temas e seus desdobramentos, e as crianças podiam circular
pelas salas que ofereciam atividades diversificadas naquele espaço. Pelos
relatos que ouvimos de educadoras de lá, era comum que aqueles que
estabeleciam um compromisso com o tema, por terem participado de sua
escolha, assim como de seus desdobramentos, con-
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Projetos e projetos
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As várias vozes
Tentando uma aproximação das falas dos profissionais envolvidos nos dois
campos, busquei as vozes de dirigentes das escolas, educadores sociais,
administradores, professores e freqüentadores do extinto Projeto Sol sobre
questões que envolvem esses dois espaços. Os depoimentos foram recebidos
por escrito, e a instrução era para que escrevessem sobre as relações que
experienciaram enquanto educadores e freqüentadores que ,têm contato
com os dois campos educacionais. Um dos objetivos era o de mapear
possíveis costuras entre eles, e outro de verificar as nomenclaturas utilizadas
para definir tais espaços e práticas [Nota: 3].
Muitos dos trabalhos de educação não-formal são realizados
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por ONGs, OSCIPS e OSCs. As ONGs estão mais popularizadas e já não se
revestem tanto de posições quixotescas; hoje muitas delas poderiam ser
rotuladas de "braços do Estado", como explicitado no artigo de Valente
(s.d.). Segundo a autora,
sem dúvida, são entidades da Sociedade Civil que dispõem de uma margem
de liberdade na sua forma de reflexão e atuação que ultrapassam em muito
as propostas concebidas e praticadas por setores declaradamente oficiais.
Talvez resida aí o seu papel inovador e a sua capacidade visionária. Mas,
também dependem de recursos liberados por esse mesmo Estado (ou
supra-Estado) para seu funcionamento, mediante a elaboração de projetos
que devem percorrer os processos de avaliação, definidos fora de sua
esfera de autonomia (p. 21).
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por meio dessa vivência pude perceber que o atendimento de todas tem um
caráter predominantemente assistencialista, não obstante declarem um
ideário educacional. Isso, a meu ver, está relacionado aos modos de se
compensarem as carências socio-econômicas dos atendidos e às
dificuldades estruturais das próprias organizações ao levarem a cabo
projetos educativos.
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por exemplo, professores que orientavam os pais para que tirassem seus
filhos do Sol porque estavam indo mal na escola e subentendia-se que era o
Projeto que estava atrapalhando a vida escolar das crianças. Isso é reflexo
da formação pedagógica que temos, voltada só para a sala de aula e que
considera que só a escola é que faz educação.
E pondera:
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Avaliando essa relação com a educação formal, temos percebido, por outro
lado, que a escola não lida bem com as crianças, adolescentes e famílias que
freqüentam espaços de educação não-formal (esta não é uma situação
exclusiva da nossa instituição outras instituições têm a mesma avaliação),
pois estes, por terem maior consciência de seus direitos e deveres, não
aceitam ou questionam tratamentos; às vezes comuns e aceitáveis no
espaço escolar, mas que ferem o respeito, a dignidade e mesmo a
compreensão daquelas pessoas como seres em desenvolvimento. Nestes
casos, aqueles que são "problemas" na escola podem estar exercendo sua
cidadania e solicitando da escola uma postura diferente. Exemplo disto é o
diálogo entre uma mãe de aluno e uma professora da escola, que, quando
reclamou do comportamento da criança, ouviu da mãe: "no projeto que
participa, onde é tratado com respeito, ele tem outro comportamento".
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pas” etc. são códigos nem sempre partilhados pelos mesmos grupos sociais.
O que pode ser uma grosseria em alguns lugares pode ser a garantia de ser
menos provocado em outros. A escola se defende, apoiada nas normas
cultas, na boa cultura, terminando por insinuar que nos "espaços
alternativos" há tolerância a possíveis "subculturas", classificadas dessa
forma em contraposição a outras; manifestações da cultura popular, rap,
hip-hop, quando aceitos, "servem" para um certo enquadramento de
indivíduos e suas práticas, domesticando-os para se administrar seus
espaços-tempos. Com tal atitude perdemos todos, a comunidade ressente-se
e a escola fecha-se. O projeto caminha paralelamente à escola, fazendo
incursões difíceis e desgastantes. Ameaças mútuas, mesmo que veladas,
impossibilitarão o crescimento dos profissionais envolvidos e,
conseqüentemente, de propostas intersetoriais que possam beneficiar a
comunidade do entorno. Mas não há necessidade desse descompasso quando
há a credibilidade, a formação de pessoas, a persistência temporal dos
projetos e a crença de que a soma dos espaços educativos pode ser benéfica
a todos [Nota: 4], como explicita a diretora de uma unidade educacional
municipal:
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eu faço, ganho uma notinha boa [risos], eu fico com orgulho, entendeu?
Não sei... Dá uma coisa... Eu falo: "Não, eu aprendi isso lá, eu vou fazer".
Essa semana mesmo, tinha um trabalho na escola e se não fosse isso não
tinha tirado nota boa. "Nossa,que trabalho bonito!" “É... Se eu tivesse
aprendido isso lá!” (ex-frequentadora do Projeto Sol).
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Considerações finais
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Referências bibliográficas
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Notas
Nota 4 – página 82: "O ensino vacila entre os dois termos de uma
alternativa: ou se entrincheirar no saber (que uma boa iniciação em
psicologia permitirá 'transmitir'), ou entrar com os alunos no jogo das
relações de força ou de sedução (dos quais os discursos científicos são
apenas metáforas)" (Certeau, 1995, p. 128).