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A propósito da interpretação psicológica do desenho da figura

humana, um consagrado teste projetivo.

Paulo Pedro P. R. Costa (1954)

(71) 99252498 costapppr@gmail.com

Palavras chave: desenho, figura - humana, psicologia, arte,


interpretação, gênios da pintura / design, human – figure,
psychology, art, interpretation, masters of painting

Resumo: Ensaio sobre as diversas possibilidades de interpretação do desenho da


figura humana, concentrando-se no seu estudo como teste psicológico e psicologia da
arte. Apresenta a interpretação de Sigmund Freud sobre Leonardo da Vinci e de C. G.
Jung sobre Pablo Picasso como parâmetros e a interface da psicologia da arte e
psicologia clínica na vida e obra de Edvard Munch, Louis Wain e Vincent Van Gogh.

Abstract: Essay on the various possibilities for interpreting the human figure drawing,
concentrating on their study as psychological testing and psychology of art. Presents
the analysis of Sigmund Freud on Leonardo da Vinci and of C. G. Jung on Pablo
Picasso as a parameter and the same to the interface of art psychology with clinical
psychology in tne life and work of Edvard Munch, Louis Wain and Van Gogh.

O desenho da figura humana vem sendo utilizado como teste psicológico


desde meados do século XX, podem ser citadas as experiências de Florence
Goodenough (1926); K. Machover (1949), Emanuel F. Hammer (1958) como os
mais conhecidos experimentos e métodos de análise. A interpretação de
desenhos também tem sido útil no estudo arte nas culturas “primitivas” e pré
históricas. No momento analisaremos os pintores que se destacam nesse
mundo seleto dos gênios da pintura, uma síntese e estudo semiótico,
explorando a natureza do signo gráfico, em tão distintas aplicações ainda está
para ser realizado.

O estilo criado, ou escolhido por cada artista é uma inconfundível marca de sua
personalidade e modo de viver. Leonardo da Vinci, (1452 – 1519) já observava
que o desenho da figura humana traduzia a própria experiência corporal do
artista, ensinava que se tornava necessário uma atenção especial prática para
evitar tal expressão.

Leonardo da Vinci foi um dos poucos artistas plásticos que recebeu atenção
especial dos psicanalistas, e este do criador da psicanálise. Em seu ensaio:
Leonardo Da Vinci e uma lembrança da sua infância, Sigmund Freud, em 1910,
identificaria os elementos de um sonho infantil desse artista relatado por ele em
seus escritos. O abutre que lhe fustigava a boca nesse referido sonho, findou
sendo representado, de modo disfarçado, no manto da madona que segura o
menino em um dos seus quadros, Sant’Ana com a Madona e o menino.
(Freud, (1910), 1970)

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Virgem, Sant’Ana e o Menino (1508) e dois possíveis auto-retratos de Leonardo da Vinci

Entre outros artistas para os quais se dispõe analise psicológicas estão: Van
Gogh, sem dúvida o mais estudado face à sua internação para tratamento
psiquiátrico e posterior suicídio; Pablo Picasso analisado por C. G. Jung que
publicou um ensaio sobre ele em 1932. A análise da vida e obra de cada um
dos autores citados, seu estilo, a relação destes com sua época e suas
motivações são no mínimo objetos de tese de mestrado/ doutorado em
psicologia da arte, sem limitar-se a um simples ensaio, dado à importância que
possuem na história da pintura.

Pablo Picasso (foto e auto-retrato) e ilustração de Louis Wain antes da psicose

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Contudo, como nos propõe Jung, 1930:

...”o segredo do mistério criador, assim como o livre-arbítrio é um problema


transcendente e não compete à psicologia respondê-lo. Ela pode apenas
descrevê-lo. Do mesmo modo, o homem criador também constitui um enigma,
cuja solução pode ser proposta de várias maneiras, mas sempre em vão”....
(p.88)

Por outro lado a interface da arte com a clínica se impõe. Autores como Edvard
Munch (1863 – 1944), seja pelos relatos de sua crise nervosa de 1908 ou pelos
seus dramáticos e pungentes quadros sobre as fases críticas da existência
(puberdade, velhice, doença na juventude) associados aos fatores do
desequilíbrio ou equilíbrio dos sentimentos e emoções humanas
(arrependimento, morte, grito) fazem dele um objeto exemplar.

O mesmo pode ser dito quanto a Louis Wain (1860 –1939) que tinha como
tema gatos antropomorfizados, semelhantes aos utilizados em desenhos
infantis e aos 57 anos, iniciou um processo psicótico que resultou em
internações em instituições psiquiátricas nos últimos 15 anos da sua vida. Os
retratos dos gatos que pintava nessa faze tomaram uma forma de gatos que
foram progressivamente transformando-se em abstrações geométricas, quase
mandalas numa interpretação jugniana, que aparentemente indicam uma
evolução do processo psicótico (ver também vaso com girassóis de Van Gogh).

Quanto ao nosso querido e admirado Vincent Van Gogh (1853-1890), o pintor


da vida, difícil é saber porquê manteve um desesperado e insano combate com
as instituições de sua época: pregar o evangelho para a sofrida classe de
mineiros, levando uma vida tão miserável quanto a deles; casar-se com um
prostituta grávida do segundo filho; ter o sonho de uma casa para abrigar os
artistas necessitados (a casa amarela). O verdadeiro enigma, para quem o
estuda, é saber por que ele não foi reconhecido na sua época?

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Por outro lado se analisarmos o período compreendido entre 1888 – 1890,
quando inclusive realizou algumas de suas obras primas ficamos estarrecidos e
cientes da necessidade de auxílio médico – psicológico:

1888 – Arles, a polícia o encontra isolado, deitado com o lóbulo da orelha


amputado, o conduz a internação, diagnóstico cogitado na época: epilepsia,
alcoolismo, psicose.
1889 – Fevereiro: Novo internamento, com queixas de insônia e alucinação.
Uma petição assinada por trinta moradores da região em que residia ao
presidente da Câmara solicita que o seu internamento seja realizado.
- Maio: Solicita internamento voluntário no Hospita Saint Paul de
Mausole para doentes mentais em Saint Remy. É internado com o
diagnóstico de epilepsia.
- Julho: É encontrado inconsciente com problemas de memória em
Arles.
- Dezembro: Tenta envenenar-se ingerindo tintas.
1890 – Maio: Inicia seu tratamento com um médico particular, Dr Gachet,
também pintor e simpatizante do impressionismo.
- Julho: Dispara uma bala sobre seu próprio peito.

Seu último quadro foi o trigal e os corvos sob o céu tempestuoso (1890), na
sua última carta ao irmão Theo, agradece o dinheiro enviado por ele para o seu
sustento, comenta a dificuldade de reconhecimento no mercado das artes. Em
1958 um de seus quadros foi vendido por 132 mil libras esterlinas.

Gênios da Pintura

Gênios são indivíduos com excepcional capacidade criadora, no caso nos


referimos a personalidades que se afirmaram como um estilo ou modo
particular de expressão que foram aprendidos e copiados por outros de sua
época de sua cultura tornando-se moda e mesmo ultrapassando as barreiras
do tempo e espaço em obras póstumas que valem milhões de dólares.

O estudo da relação entre a personalidade dos grandes artistas e sua obra


e/ou estilo ainda não deu frutos consistentes dentro na perspectiva da

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interpretação psicológica do desenho da figura humana. A sua caracterização
como gênios, ou seja, como artistas que inauguraram estilos, formaram escolas
que se destacaram das convenções estéticas de sua época nos remete aos
conceitos de adaptação / inadaptação, parâmetros este dos mais utilizados
para entender a obra de Van Gogh só reconhecida décadas após a sua morte.

Tal critério graficamente expresso por ruptura de convenções estéticas


corresponde, portanto à característica da inteligência menos conhecida que é
criatividade. Resta-nos compreender a relação desta com os limites, também
obscuros, da inadaptação patológica, sendo que essa última só compreensível
no âmbito das teorias psicológicas que por sua vez está condicionada aos
limites éticos e morais estabelecidos socialmente pela cultura ou nossa
civilização.

A psicologia da arte segundo Vigotski (1999) trabalha simultaneamente com


dois ou três campos da psicologia teórica. As teorias da percepção; do
sentimento, onde se insere o estudo da catarse da reação estética; da
imaginação que tanto pode ser compreendida como criação como pela
adaptação às normas e padrões culturais que caracterizam os estilos de época.
A função terapêutica da arte situa-se tanto no plano da catarse, a reação
explosiva que acarreta a descarga das emoções (segundo Vigotski, o.c.) como
no plano da socialização do autor inclusive possibilitado a manipulação de sua
deteriorada identidade de louco como se vê nos atuais centros de atenção
psicossocial e trabalho inaugurado pela psiquiatra Nise da Silveira. (1905 —
1999) no Museu do Inconsciente.

Para finalizar deixo aqui mais uma citação de C. G. Jung sabiamente nos fala
que o artista não tem poder de “ver” a sua obra, ele é um instrumento da
memória de sua época e só a educação do sentir nos permite a sua
compreensão, nas palavras dele:

...Não podemos esperar jamais que o poeta seja o intérprete de sua própria
obra. Configurá-la foi a sua tarefa suprema. A interpretação deve ser deixada
aos outros e ao futuro. Uma obra-prima é como um sonho que apesar de todas
as suas evidências nunca se interpreta a si mesmo e também nunca é unívoco.
Nenhum sonho diz: "Você deve" ou "esta é a verdade"; ele apenas propõe uma
imagem, tal como a natureza que faz a planta crescer. Compete a nós mesmos
tirar as conclusões. Quando alguém tem um pesadelo, isto significa que é
demasiadamente medroso, ou que não tem medo algum; assim quando
sonhamos com um mestre sábio, isso quer dizer que precisamos de um
mestre, ou, inversamente, que nossa atitude é excessivamente escolar.
Sutilmente, porém, as duas coisas se ligam, acontecendo o mesmo no tocante
à obra de arte; mas só o percebe quem se aproxima da obra de arte, deixando
que esta atue sobre ele, tal qual ela agiu sobre o poeta. Para compreender seu
sentido, é preciso permitir que ela nos modele, do mesmo modo que modelou o
poeta. Compreenderemos então qual foi a vivência originária desse último...
(p.93)

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Referências

Freud, S. Leonardo Da Vinci e uma lembrança da sua infância. Ed Standard


das Obras completas de Sigmund Freud vol. XI. RJ Imago, 1970

Hammer, Emanuel F. Testes proyectivos gráficos. Buenos Aires, Paidos, 1978

Jung C.G. Picasso in: Jung C.G. O espírito na arte e na ciência. Petrópolis,
Vozes, 2007

Karman, R. et AL. Munch. Gênios da Pintura. SP, Abril Cultural, 1980

Metzeger, Rainer; Walther, Ingo F. Van Gogh. Lisboa, Taschen, 1998

Silveira, Nise da. Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.

Vigotski, L. S. Psicologia da Arte. SP, Martins Fontes, 2001

Edvard Munch: auto retrato 1906 (com a garrafa); 1908 (em frente ao céu azul); A morte
de Marat I (1907) ; detalhe de O grito (1893) e auto retrato entre o pêndulo e o leito (1940)

Publicado originalmente no site http://pensartebahia.ning.com criado pelo artista


plástico Celso Neto enquanto prof. da Faculdade de Belas Artes da UFBA p/ estimular
discussão e interação coletiva sobre o significado da arte. Ver também contribuições
do presente autor ao verbete Teste do desenho da Figura Humana Wikipédia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teste_do_desenho_da_Figura_Humana

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