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ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing

Curso de Mestrado em comunicação e Práticas de Consumo


Disciplina: PESQUISA E MÉTODO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
Mestrando: Francisco S. Mitraud
Data da entrega: 23/06/2010

Fichamento
MARTIN-BARBERO, Jesus. Os métodos: dos meios às mediações in Dos meios às
mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro. Editor UFRJ, 1997

Crítica da razão dualista, ou as mestiçagens que nos constituem

Para entender as complexas relações sociais da modernidade (especialmente a


latino-america) precisamos nos afastar (“des-conhecer”) dos conhecimentos acumulados
até aqui e reconhecer uma realidade composta pela mestiçagem, pela diferença, pela
variedade cultural. Esses são elementos constitutivos da nossa própria cultura latino-
americana.
A lógica dualista que se fixou na América latina, opondo de um lado um
nacionalismo populista, obcecado pelo resgate das raízes culturais e de outro lado um
desejo de eliminar a superstição e indolência do povo para atingir um progresso
iluminista ainda persiste. Em outras palavras, a cultura da elite de um lado e a cultura
popular de outro.
Para realizar uma crítica mais profunda dessa dualidade, o autor reflete sobra a
questão indígena. Para ele não há a possibilidade de uma cultura indígena manter-se
pura rodeada pela sociedade capitalista, mas também não é possível à mesma sociedade
estar completamente indiferentes a ela. Uma interfere na outra. Quando o índio artesão
assina suas obras para os turistas, dissolve-se o sentido da arte social, esmaece-se a
memória daquela cultura social.
O autor então estabelece a base do que chama “mediações”. É a cultura ser
transformada por dentro pela hegemonia (p.262). Essa transformação faz com que os
objetos que os indígenas sempre produziram no seu cotidiano (inclusive as
manifestações culturais como danças) transformem-se veículo de desagregação. Por
outro lado, valem-se os índios que vivem em cidades de equipamentos modernos, como
gravadores para levar trazer de suas origens seus cantos ritualísticos.

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Mistura de povo e massa no urbano

Martin-Barbero discorre a partir desse ponto sobre a existência de uma cultura


popular urbana na América latina. Essa concepção, no entanto não é percebida. Ao
contrário, falar em cultura popular é falar em rural, campesinato e, principalmente,
como algo não urbano, já que a indústria cultural fatalmente homogeniza tudo e todos,
não restando espaço nem vez para o popularesco, sempre associada ao popularesco, ao
ingênuo, com o politicamente imaturo (p. 265).
Essa construção do popular no urbano teve sua trajetória. Valendo-se dos
estudos de Carlos Monsiváis1·, divide esse movimento em três etapas: Primeiro, nos
primeiros 30 anos do século, as revoluções que deram caráter de povo às massas. Na
segunda etapa, a conversão do populismo em nacionalismo, que no início tem no
cinema sua melhor forma de expressão e difusão (p.267) e que nos anos 50 é substituído
pela televisão para a transmissão de valores de classe e raça. A terceira etapa ocorre a
partir dos 60 e a cultura urbana é moldada então pela indústria cultural.
Nesta etapa, a publicidade é essencial para disseminar a sedução pelo tecnológico e pelo
consumo. A televisão, “descaradamente norte-americana” (p.268) homogeniza falas,
mas promove outro fenômeno também, captado por Monsiváis: a modernização das
massas marginalizadas e atrasadas que, sem poder político nem representação,
absorvem o conteúdo da programação, interpretando-os à sua maneira, sem perder sua
característica e sem se transformar ideologicamente. Nesse ponto o autor apresenta
aquilo que pessoalmente considero, por minha leitura e interpretação, o momento
mágico da ruptura do comum para o epistemológico. Diz ele que “O estudo dos usos
nos obriga, então, a deslocarmos o espaço de interesse dos meios para o lugar onde é
produzido o seu sentido” (p.269). Em outras palavras, a mensagem que já vem pronta,
codificada, permeada pela ideologia, mas é não é simplesmente decodificada. Seu
sentido é construído pelos atores sociais que a recepcionam.
Essa construção de sentido ocorre a partir dos bairros, lócus da constituição das
identidades.

1
Carlos Monsivais nascido no México em 1938 é um dos escritores mexicanos contemporâneos mais
importantes, autor de mais de 50 livros, ensaios, crônicas, em jornais e revistas daquele país. Sua obra
possui como registros básicos, apesar de ser muito variada: os movimentos sociais e os grandes
personagens, a política e o espetáculo, a cultura popular e a alta cultura. Disponível em
http://es.wikipedia.org/wiki/Carlos_Monsiv%C3%A1is

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A comunicação a partir da cultura

Martin-Barbero dedica-se agora a analisar os estudos sobre comunicação.


Segundo ele os paradigmas idealista (semiótico estruturalista, derivação do modelo de
Lasweel) e cientifista ( uma atualização do modelo positivista, que não problematiza)
são insuficientes para compreender os fenômenos comunicacionais. Ambos estão
sustentados pela fragmentação e pela substituição do cidadão pelo especialista. Para
ele, é indispensável considerar a dimensão política e cultural.
Do ponto de vista político, o autor discute a importância da questão
transnacional. Transnacionalização é uma nova fase do capitalismo em que os países
não são mais dependentes de um império capitalista, mas de um modelo político
transnacional. Neste modelo, a comunicação ocupa um papel central. Também segundo
esse modelo, torna-se muito mais difícil a luta pela “independência”, posto que se trata
de um “poder” difuso, não localizado e possível em funções das tecnologias de
comunicação.
Ora, nesse cenário a cultura popular e sua relação com a política adquire um
caráter nunca antes visto na história. A cultura alcança a dimensão de natureza
comunicativa que produz significações, ou seja, não é apenas um meio de circulação de
informação onde o receptor é um mero decodificador, mas sim um produtor de sentidos
(p.287).

Mapa noturno para explorar o novo campo

Nesse trecho do capítulo objeto de meu fichamento, há a meu ver, outra


importante ruptura epistemológica. Martin-Barbero concluiu que, dada as mudanças
paradigmáticas postas, é necessário redesenhar “o mapa dos conceitos básicos” e que
isso só possível se “mudar o lugar a partir do qual as perguntas são formuladas”
(p.288). E que lugar seria esse? O autor responde que seria a partir das brechas, o
consumo e o prazer, a partir das mediações e dos sujeitos.
Assim, a cotidianidade dos bairros populares, antes considerada irrelevante e
“in-significante” é vital para compreender o funcionamento da sociedade popular. O
espaço doméstico não reproduz as relações de trabalho, mas é local de liberdade e
iniciativa. O consumo não é a apropriação de valores de outras classes, mas nos fala das
justas aspirações a uma vida mais digna e o desejo de ascensão é também uma forma de

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protesto e expressão de certos direitos elementares (p.289). Nesse contexto, o consumo
é produção de sentidos.
E “onde” ocorrem essas mediações? O autor responde que ela acontece em três
“lugares”: Na cotidianidade familiar, na temporalidade social e na competência cultural.
É a cotidianidade familiar um dos poucos lugares onde o indivíduo se
confronta com o outro e onde também manifesta suas ânsias e frustrações (p.293). É lá
que a televisão é mediada e onde se forja o que o autor chama de “simulação do
contato”, ou seja, uma “junção” entre o mundo ficcional e do espetáculo no espaço da
cotidianidade e da rotina (p.294), através do uso de um intermediário (o apresentador,
por exemplo, de um programa) que usando de um tom coloquial cria uma interlocução
com a família.
Já temporalidade social é aquele tempo que começa e acaba para recomeçar e
que é organizado pela televisão.
Finalmente, para o autor, a relação televisão e cultura é muito mal entendida.
De um lado os críticos que vêm na televisão a razão da decadência cultural. De outro, os
folclóricos que querem uma cultura popular não contaminada. Mas, poucos enxergam
que a televisão desativa as diferenças sociais, promove uma integração ideológica e cria
uma matriz cultural (p.297). Afirma ele, lembrando de Benjamin a propósito da
fotografia, que a televisão é a própria noção de cultura.
A seguir o autor trata do melodrama. “Nenhum outro gênero conseguiu
agradar tanto nesta região como o melodrama” (p.304). E as razões para que isso
ocorra, para o autor, estão na identificação com o modo de viver e sentir dessa
sociedade, de tal forma que o autor questiona se as tramas do melodrama não se
conectam com a própria história do subcontinente.
Como características do melodrama da televisão estão sua forte ligação com a
cultura dos contos e das lendas, com a literatura e cordel do Brasil, que em essência
fazem uma narrativa e onde ocorrem trocas de posições entre autor, leitor e
personagens.

O popular que nos interpela a partir do massivo

Somente é possível pensar o massivo como algo exterior ao popular a partir de


duas posições: a dos folcloristas (que querem preservar o autêntico) e a partir dos de
uma concepção da dominação social e que vê a produção popular com reação à classe

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dominante. Mas, segundo o autor, “o massivo, nesta sociedade ...é uma nova forma de
sociabilidade (p.310). Todo o aparelho social é conformado e estruturado pelo massivo:
educação, práticas religiosas, uso do espaço, modelos de consumo, etc..
Então, nesse quadro, ou aceitamos que não existe mais o popular, como cultura
ou temos que considerar sua imbricação no massivo. E, a partir de exemplos no texto da
cotidianidade em cidades como São Paulo, México, de festas, do circo do rádio no Chile
(p.315, 316) e Brasil (p.317), percebemos que o autor “rompendo a obsessão pelas
estratégias da ideologia” (p.315) concluiu que a cultura popular consegue infiltrar-se
por dentro do massivo.
Minha própria conclusão é que isso ocorre porque o popular é uma dinâmica
afetual que dá ou mantém a identidade do indivíduo na massa. Quer seja nos
personagens cômicos (o crioulo, por exemplo), nas narrativas de Gil Gomes no Brasil
que “dota de rosto, situação e cotidianidade os anônimos personagens da crônica
policial” (p.318) ou na ambientação (becos, esquinas, botequins), o popular, na
contramão do discurso hegemônico se impõe no massivo.
O autor concluiu seu texto falando do Brasil e dos brasileiros. Demonstra ele
que a manifestação do povo em torno da morte de Tancredo Neves (cerca de 4 milhões
de jovens, velhos, crianças, pobres, ricos comparecem às ruas) não é fruto de uma
“vontade manipulatória de alguns meios massivos (p.321), mas de um povo que
redescobre sua cidadania e reinventa sua identidade (p.321). Esta é uma lição de que
melodrama e televisão permitem um povo em massa reconhecer-se como ator de sua
própria história e “proporcionando linguagem às formas populares da esperança”
(p.322).

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