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Por que tudo tinha que ser assim tão difícil? Por que nada me aparecia sem um preço?
Talvez a vida fosse apenas injusta. Ou eu fazia tudo errado. Não sabia responder. Só o
que eu sabia era que, nos últimos tempos, passara por mais dificuldades do que em toda a
minha existência e, honestamente, preferia passar por tudo de novo a ter que chegar
finalmente a essas duas escolhas finais. Primeiramente: Eu devia saber quem eu amo,
certo? Devia haver alguma certeza ali. Mas não havia. E depois: Por quê eu e minha
família atraíamos tantos problemas? Não entendia aquilo. Queria viver em paz. Pela
minha eternidade. Mas, agora, vendo o que vi, ouvindo o que ouvi e sentindo o que senti,
não sei mais se vou sobreviver a tudo isso.
Capítulo Um - Explicações
Quando saímos do chalé em direção a casa, ouvi um som de respiração próximo a nós. É
claro que era Jacob. Ele dormia encostado numa árvore próxima, os roncos tão altos que
me surpreendia que o vovô não escutasse, de sua casa. Não pude deixar de sorrir. Ele
ficava tão sereno enquanto dormia, tão calmo, imerso em seus próprios sonhos... eu não
queria estragar isso.
Chutei-o na barriga, sorrindo. É claro que eu mudara de ideia rapidamente. Ele gemeu e
abriu os olhos. Olhei para trás; papai e mamãe sorriam também, de mãos dadas. Jacob se
levantou, sonolento.
- Não se pode nem mais dormir nesse lugar - resmungou ele.
- Vamos, Jacob - eu disse, segurando sua mão morna - bem, para mim era morna - e o
puxando.
Ele olhou para mim; aparentemente não tinha me visto até agora. Isso me irritou um
pouco. Mas não conseguia ficar irritada com ele por muito tempo, então logo desisti.
Quando olhei seu rosto, ele sorria de orelha a orelha. Como sempre, pensei.
- Quer apostar corrida? - disse ele. Claro que eu queria, mas perderia a graça porque ele
era infinitamente mais rápido que eu. Notei um lampejo de diversão em seus olhos
escuros - Até o rio. Topa?
- Eu vou vencer mesmo. No três - eu disse, me agachando. Ele se agachou também - Um.
Dois - comecei a correr. Eu nunca disse que iria jogar limpo - Três! - gritei, quando já
estava na frente. Ele corria atrás de mim, eu tinha certeza, cada vez mais rápidos.
Também ouvia os passos de minha mãe e meu pai, um pouco mais atrás; eles não
queriam atrapalhar minha diversão. Conseguia ver o rio, e acelerei o passo. A sensação
do vento jogando meus cabelos para trás era ótima, ver como tudo parecia um misto de
borrão e detalhes ao mesmo tempo. Ouvi Jacob puxar mais ar e me ultrapassou uns dois
metros antes que eu conseguisse chegar.
- Venci - disse ele, um sorriso debochado no rosto. - Como sempre.
- Revanche na volta - murmurei.
Minha mãe me pegou no colo para pularmos sobre o rio; eu ainda não tinha força
suficiente para fazê-lo. Já no chão, toquei seu rosto e pedi que me colocasse no chão,
ignorando o calor que subia por meu braço. Ela o fez.
Ouvi passos pesados se aproximando. Os dois lobos que mais seguiam Jacob
ultimamente - Seth e Leah. Se Seth eu gostava. De Leah... eu não sabia o que pensar dela.
Ela parecia tão hostil... como se o que mais quisesse era que todos nós sumíssemos. E eu
sabia que tinha acertado em cheio. Ouvi o som de ar se movimentando em ondas
contínuas, e sabia que eles tinham passado para a forma humana. Vi Seth primeiro,
sorrindo, vindo nos cumprimentar. Leah ficou ali, os braços cruzados, afastada, como
sempre, nos olhando de cara fechada. Onde estariam Quil e Embry? Deviam estar em La
Push. Ou em outro lugar qualquer.
- Olá, Seth - disse meu pai, apertando a mão de Seth. -, Leah.
- Leah, por favor... - pediu Jacob. Ele parecia cansado de dizer isso à ela.
- Não força, Jacob - disse ela, ríspida.
Fomos para a casa. Assim que passei pela porta, Alice veio ao meu encontro, sorrindo.
- Como foi a noite? - perguntou Alice, sorrindo, algo estranho que não pude identificar
no tom de sua voz. Minha mãe abaixou o olhar. Meu pai apenas sorriu. Devia ser alguma
coisa que deixava minha mãe envergonhada, mas não incomodava meu pai. Como sabia
que eles não me explicariam do que se tratava, esqueci o assunto.
Alice riu; o som era tão bonito...
- E você, baixinha? - disse ela, agachando-se para ficar no nível de meus olhos.
Baixinha? Fiz um biquinho. Olha só quem está falando, pensei. Meu pai não conseguiu
conter o riso. Minha mãe e Alice olharam para ele, curiosas. Não conte, pensei. Alice
pareceu entender que eu tinha algo a ver com a história.
- Qual é a graça? - perguntou ela.
Coloquei a mão em seu rosto rapidamente, tentando fazer com que ela esquecesse logo
o assunto. Mostrei a ela a corrida com Jacob. Não queria mostrar o pesadelo, seria perda
de tempo, e também não mostraria o que tinha pensando sobre o "baixinha".
- Hmmm... tudo bem, então. - disse ela, indo para o centro da sala e se sentando no sofá
grande e branco.
Jacob entrou na sala logo depois e sentou-se no chão sem cerimônia. Em uns dois
segundos sua boca se abriu e ele começou a roncar novamente. Sorri. Fui para o colo da
minha mãe, que agora estava no sofá. Olhei para o seu rosto perfeito por um instante e
suspirei. Ela era tão linda. Era especial, como eu dissera a ela uma vez. Mas depois,
quando apoiei meu rosto em seu ombro, e não pude impedir que meu pensamento
vagasse, só o que vinha em minha mente era o pesadelo. Por que não conseguia
simplesmente esquecê-lo? Acabara, não acontecera nada. Eu devia esquecer e continuar
vivendo minha vida. Mas falar era fácil demais; ele parecia ter vida própria, se arrastava
para ser o centro de minhas atenções sem que eu pudesse controlar.
- Mamãe? - eu disse, pensando na maneira correta de abordar o assunto.
- O que foi, querida? - disse ela, analisando-me com os olhos. Não sabia onde estava
meu pai, e me surpreendi que ele não tivesse dito nada ainda. Talvez não estivesse
prestando atenção. Ou talvez ele achasse que eu tinha de fazer aquilo sozinha. Para mim
não importava, eu tinha que descobrir.
- Eu quero... - sabia que era uma batalha perdida, mas toquei seu rosto e fiz a pergunta
mentalmente. Talvez ela cedesse e me dissesse o que eu queria ouvir. Eu tinha que tentar.
Lembrei-me da cena de ontem, dos vampiros entrando na clareira, da conversa, dos seus
olhos... e então lembrei-me do pesadelo. Sabia que ela tinha entendido o tom
interrogativo nos pensamentos.
- Renesmee, é melhor não falarmos disso... - começou ela. Tão previsível!
- Mãe - eu disse. Foi a primeira vez que a chamei apenas de "mãe" -, eu quero saber.
- Você é pequena demais - disse ela, o tom de sua voz dizendo-me que ela já havia
decidido.
- Quer que eu volte e pergunte isso daqui a alguns anos? - perguntei baixo, mesmo
sabendo que todos na sala estavam escutando. Não pude esconder o sarcasmo de minha
voz.
- Não vou dizer, Renesmee, não ainda. Manere - disse ela, o tom irredutível.
- Ah! - disse, pulando de seu colo, chateada e nervosa. Pai? Já sabe o que eu vou pedir,
pensei. Eu ia tentar todas as opções, e ele era a minha última. Ele nem ao menos virou a
cabeça. Continuou tocando piano, a música baixa enchendo a sala, quando me respondeu.
- Concordo com a sua mãe.
Claro que concorda. Por que eu tive esperanças, mesmo?, pensei. Respirei fundo, e
tentei de novo. Mas eu só quero saber!
- Você ainda é muito jovem.
Sou jovem para quê?!
- Para entender.
Tente, pelo menos!, supliquei.
- Você cresce rápido, Renesmee, tenha paciência.
Não quero ter paciência!
- Não precisa ter, mas não vamos lhe contar.
Sentei no chão, enfurecida. Por que simplesmente não me contavam? O que podia ser
assim tão difícil, que eu não conseguiria entender? "Jovem demais"? Isso era uma
desculpa, eu sabia. Também sabia que essa pergunta ia flutuar em minha mente por
bastante tempo, esperando para ser respondida, e sentia que eles também sabiam disso.
Que eu não desistiria tão facilmente. Respirei fundo e me obriguei a agira normalmente,
como se aquela conversa não tivesse acontecido.
Passei a manhã brincando com Rosalie, Emmett e Alice. Carlisle estava no hospital
trabalhando, pelo que eu sabia, Esme estava limpando a casa perfeita, cantarolando,
desafinada. Jasper assistia TV, mas eu tinha certeza que ele não prestava a mínima
atenção no programa de moda que passava ali. Ele não era do tipo que se misturava com
crianças, sempre parecia meio afastado. De mim, pelo menos. Não sentia aversão
nenhuma a mim, mas também não tinha... paciência, acho, para brincar comigo, e fazer o
tipo de coisa que todos os outros faziam. Pouco depois do meio dia, vovô chegou em
casa, com Sue em seu encalço, claro. Eles agora andavam juntos o tempo todo. Que coisa
estranha. Passei a tarde inteira conversando, brincando, sorrindo e brincando mais um
pouco com vovô. Quando já estava anoitecendo e ele disse que era hora de ir embora,
acidentalmente - eu acho -, tropeçou nas pernas esticadas de Jacob, que roncava alto.
Depois de se equilibrar, vovô fez questão de cutucar Jake com o pé nas costelas até que
ele acordasse.
- Hã? O que foi? - disse Jacob, despertando de repente, levantando-se rápido - O que eu
perdi? Ah, oi, Charlie - disse ele, localizando meu avô -, Sue...
- Olá, Jacob - disse Charlie, um pouco feliz por ter conseguido acordar Jacob. Sue
acenou com a cabeça e deu um sorriso tímido -, tchau, Jacob - completou ele, indo para a
porta.
- Mas... mas já? - disse Jake, confuso, olhando pela porta de vidro. Vendo que já era
noite, ele pareceu ver que dormira um pouco demais - Ah, entendo. Tchau, Charlie.
Charlie passou pela porta murmurando coisas que não consegui ouvir muito bem.
Parecia algo como "Esse garoto vai passar mais da metade da vida dormindo". Sabia que
todos ali tinham ouvido o que ele dissera, com exceção de Sue, talvez. Eu, que não era
completamente vampira - nem completamente humana -, podia ouvir, ver e fazer a
maioria das coisas que tentara melhor do que humanos normais seriam capazes - foi o
que papai dissera; eu não tinha muito contato com humanos -, mas nunca chegaria ao
patamar dos vampiros. Tinha que admitir que isso era um pouco frustrante.
Jacob foi para o meu lado, murmurando um pedido de desculpas por ter dormido a tarde
inteira e não ter me dado atenção. Claro que o perdoei. Mamãe disse que ia pegar uma
coisa no chalé, e meu pai, claro, foi com ela. Nem conseguia ver uma imagem em minha
cabeça em que os dois estivessem a mais de cinco metros um do outro. Pareciam
magneticamente unidos; imãs perfeitos, frios, lindos e especiais. Pouco depois que eles
saíram, tive uma ideia súbita.
Era a oportunidade perfeita. Por alguns instantes, estava livre, papai não estava por perto
e não saberia o que eu ia fazer. Mas tinha de ser rápido. Tinha que falar com Jacob... e se
os outros ouvissem? E então me lembrei que eu tinha outros métodos de fala, e fiquei
aliviada. Ninguém além de Jacob saberia o que eu queria, e, se eu pedisse, ele não
pensaria nisso perto de meu pai.
Fui até ele, me aconchegando em seus braços quentes e fortes, e perguntei se ele queria
brincar comigo. Claro que ele concordou. Enquanto brincávamos com algumas peças de
montar que me pareciam extremamente óbvias, fui analisando meu plano. Era melhor
fazer aquilo antes que meu pai voltasse.
Toquei seu rosto. Dessa vez, não houve calor passando por meu braço, como acontecia
com vampiros talentosos - apenas com vampiros talentosos -; Jacob era humano. Ou
quase isso. Mostrei a ele a mesma coisa que havia mostrado a minha mãe mais cedo. E
então fiz a pergunta só para ele, através do que ele via. Jacob... o que você sabe sobre
aqueles vampiros malvados de ontem?
Jacob me encarou, tenso. Sustentei seu olhar. Ele não ia me negar aquela informação.
Sabia que ele me diria, se soubesse. E eu tinha certeza que ele sabia. Eu era
provavelmente a mais mal informada dali. Bem, talvez um pouco mais informada que
Charlie, mas só. Eu tinha que saber, tinha que descobrir... de um jeito ou de outro.
Fitei os olhos escuros da minha última esperança e esperei por uma resposta.