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O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE


JOVENS E ADULTOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NO PERÍODO DE 1998 - 2002:
PRESSUPOSTOS E CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS

Sidinei Pithan da Silva


(Prof. Ms. da Faculdade de Pato Branco - FADEP - (PR)
Mestre em Educação nas Ciências – UNIJUÍ-(RS).

Otavio Aloísio Maldaner


Prof. Dr. do Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Educação nas Ciências
–UNIJUI (RS). Doutor em Filosofia da Educação pela UNICAMP- SP.

Resumo:
Este artigo enfoca o processo de formação continuada dos professores da Educação de Jovens e Adultos no estado do Rio Grande
do Sul no período de 1998- 2002. O mesmo discute as principais características epistemológicas que orientaram tal processo,
destacando, de forma especial, a contribuição da abordagem da Educação Popular na reconstrução dos fundamentos educacionais.
Nesta perspectiva, o texto enfoca algumas contradições, limites e possibilidades de tal investimento, constatadas a partir de um
estudo de caso / pesquisa participante, que durou três anos, realizado com os educadores que atuaram na Educação de Jovens e
Adultos, em nível de ensino médio, no Instituto Estadual de Educação Fagundes Varela - Miraguaí (RS). Decorrem dessas
circunstâncias, uma determinada aproximação com o referencial teórico proposto por Edgar Morin; principalmente em relação à
possibilidade de pensar na formação continuada dos educadores, bem como da constituição da EJA na escola, tendo em vista a
necessidade de um “paradigma da complexidade”.
Palavras – Chave: Educação Popular, Educação de Jovens e Adultos, Saberes Docentes, Formação Continuada, Pensamento
Complexo.

Primeiras Considerações:

O presente estudo resgata e problematiza o processo educacional instaurado pela Secretaria de Educação
do Estado do Rio Grande no período de 1998-2002. Investe, de forma particular, na questão dos pressupostos
epistemológicos e políticos que fundamentaram a reconstrução da educação básica na escola pública estadual; os
quais influenciaram direta e indiretamente no processo de formação continuada dos educadores. Assim, o estudo
parte dos pressupostos da Educação Popular, e de sua relevância no atual momento histórico, principalmente para
reverter o estado de desarticulação entre os saberes escolares e os saberes populares, buscando, na investigação
do contexto real, encontrar potencialidades e contradições “materializadas” nas experiências/discursos dos
educadores da EJA, e, finaliza destacando algumas contribuições (complementaridades e objeções) epistemológicas
possibilitadas pela teoria da complexidade de Edgar Morin.
Em outros termos, a pesquisa analisa, num primeiro momento, a Política Pública de Educação no Estado do
Rio Grande, no período de 1998-2002, tentando interpretar os pressupostos de fundo que orientaram a construção
de alternativas à formação continuada dos educadores no período, bem como das perspectivas curriculares
direcionadas para jovens e adultos num contexto de exclusão social e crise do mundo do trabalho. A partir disto
desdobram-se, num segundo momento, possibilidades de compreender, através de um estudo de caso com os
educadores que atuaram em nível de ensino médio na EJA, os limites e as potencialidades de uma proposta crítica
em educação.
A emergência de dificuldades e potencialidades sentidas pelos educadores na operacionalização de uma
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proposta curricular que visa a superar as fragmentações características do ensino regular sugere processos de
formação continuada dos educadores em outras perspectivas inter-trans-multidisciplinares. Aspecto que remete à
necessidade de pensar o processo de reconstrução dos saberes e ações docentes (na EJA- Ensino Médio) num
âmbito paradigmático que supere as dimensões lineares, estanques-e compartimentalizadas do paradigma moderno
de ciência.
Este repensar inclui, dentre outras coisas, a necessidade de potencializar os elementos/saberes apontados
por Paulo Freire na constituição da EJA, quanto à necessidade de historicizar os saberes na perspectiva da
libertação e da inclusão social e, incluir os elementos/saberes propostos por Edgar Morin, quanto à necessidade de
contextualizar e ecologizar os saberes numa perspectiva da solidariedade entre as áreas a fim de se compreender o
tecido complexo da realidade. Assim, este artigo parte dos pressupostos da Educação Popular, e de sua relevância
no atual momento histórico, principalmente para reverter o estado de desarticulação entre os saberes escolares e os
saberes populares, buscando, no contexto real, encontrar contradições “materializadas” nas experiências dos
educadores da EJA, e, finaliza destacando algumas contribuições (complementaridades e objeções) epistemológicas
possibilitadas pela teoria da complexidade de Edgar Morin à formação continuada dos educadores.

1. Contextualizando a Política Educacional no Estado do Rio Grande do Sul no período de 1998-2002


No Estado do Rio Grande do Sul, a partir da ascensão ao governo do Estado pelo Partido dos
Trabalhadores em 1998, criaram-se espaços e tempos educacionais voltados para a reconstrução curricular e
construção do projeto da “Escola Democrática e Popular”. A tentativa de vincular transformações no plano da
economia e no desenvolvimento econômico do Estado numa perspectiva de resistência às políticas “neoliberais”
aponta, conseqüentemente, para a necessidade da mudança no contexto cultural e educacional. O vislumbre de que
os parâmetros democráticos tradicionais, de caráter representativo, apresentam grandes insuficiências no contexto
da gestão social, não sendo suficientes para combater e enfrentar a multiplicidade de problemas sócio-ambientais
que se agravam com a mundialização econômica, leva a Secretaria Estadual de Educação a propor um projeto
educacional de caráter participativo. Esse processo recebe o nome de Constituinte Escolar.
Nesse sentido, a valorização dos educadores no processo de construção dos princípios e diretrizes que
iriam “sulear” os processos educativos escolares, inclusive com jovens e adultos, tornou-se uma centralidade no
processo da Política Pública de Educação no período (1998-2002). Por outro lado, as experiências e saberes
produzidos no contexto de Educação de Adultos, desenvolvidos e sistematizados por Paulo Freire, serviram de
referência para a compreensão, organização e condução das práticas educativas escolares na Educação Básica.
Esses saberes e experiências foram produzidos principalmente no contexto de Alfabetização de Adultos, numa
perspectiva de Educação Popular, visando, em última instância, contribuir para o processo de “emancipação” ética,
estética e política dos sujeitos nos mais diversos espaços sociais de luta.
Esta Educação Popular, concebida enquanto “prática da liberdade”, isto é, “compromissada com os
interesses e a emancipação das classes subalternas” (PALUDO, 2001, p.82), funda-se numa relação
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profundamente marcada pelo respeito, humildade, reciprocidade e escuta para com o outro; valorizando, portanto,
os sujeitos sonhadores/reais que dialogam, criticam, interrogam-se sobre o mundo, sobre a vida e sobre os seus
sentidos. Desta forma, a relação educativa que está entendida numa ação cultural com o outro, de caráter popular, é
sempre amorosa, processual, histórica, dinâmica, democrática, não se esgotando na pura convivência, desvinculada
dos sentidos, valores, e significados deste outro. Lembra Brandão (2002, p.65), que “toda a educação cidadã
começa por um aprender a sair-de-si-mesmo em direção ao outro”.
Nesse enfoque os programas curriculares que contribuem para aumentar o fracasso escolar e aumentar as
formas de exclusão social precisam ser repensados tendo em vista um novo horizonte para a realização das práticas
escolares. Alguns vínculos para a realização destas práticas escolares diferenciadas emergem das diversas
experiências produzidas nos movimentos de Educação de Jovens e Adultos na perspectiva da Educação Popular.
Freire (2001e, p.27) argumenta e explicita a importância e o caráter do vínculo entre Educação Popular e Educação
de Jovens e Adultos considerando as necessidades de tornar os processos educativos escolares menos estranhos à
“cotidianidade” dos educandos, isto é, menos abstratos e vazios de sentido histórico. Isso significa, em outras
palavras, a tentativa e o desafio de construir uma “pedagogia situada” para / com jovens e adultos.
Há, por outro lado, como desafio para a construção de uma pedagogia situada, um “desencontro” de
concepções, finalidades, rotinas e métodos entre as experiências em educação de adultos desenvolvidos no
contexto da educação popular e o currículo tradicional da educação básica. As lógicas de ação e organização são
historicamente diferentes. Arroyo (2001, p.17) esclarece que a Educação de Jovens e Adultos, num contexto
extra-escolar, permitiu o desenvolvimento de compreensões “riquíssimas” quanto à formação e constituição humana,
possibilitando o desenvolvimento de metodologias que permitiram “dialogar” com a pluralidade dos muitos tempos e
espaços diferenciados de aprendizagem. “Olhando para a história da EJA é fácil perceber que esta herança tem sido
mais marcante do que as heranças das políticas oficiais”. Conseguiria a EJA alcançar tamanho êxito no “currículo
gradeado” e “disciplinar” da instituição escolar?
O caráter problemático/tenso e contraditório destacado por Arroyo (2001, p.17), em relação à
incorporação dos princípios da Educação Popular na construção da escola pública, e de forma especial, da
Educação de Jovens e Adultos, permite explicitar o núcleo lógico que sustenta e conduz essa reflexão/pesquisa
acerca da formação continuada dos educadores em EJA. Mas, a questão agora é saber como os pressupostos da
Educação Popular se manifestaram no contexto real dos educadores? Valemo-nos, para tanto, das experiências e
saberes dos educadores que atuaram no Instituto Estadual de Educação Fagundes Varela em Miraguaí- RS.

2 A Formação Continuada dos Educadores na Educação de Jovens e Adultos: pressupostos e objeções da


práxis

O desafio pedagógico de construir, através de um processo reflexivo que integra pesquisa e ensino
(pesquisa-ação), outras formas de ação/reflexão/conhecimento com jovens e adultos que foram excluídos do ensino
regular, tornam os educadores da EJA sujeitos que expressam uma “parte da totalidade.do movimento que ocorre
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na educação estadual”. Sob este prelúdio, investigar os significados/pressupostos produzidos na prática educativa
real desses educadores possibilita mergulhar na complexidade da realidade, detectando em suas próprias “falas”
limites e potencialidades percebidos na prática educativa. As categorias escolhidas para tal análise são: a) papel da
escola cidadã frente ao novo paradigma produtivo; b) papel do componente curricular que coordena frente à
totalidade do projeto educacional da escola; c) papel dos educadores frente ao novo contexto social e epistêmico.
Nesse enfoque, conversei com o Prof. Sérgio, que atua na EJA com Sociologia/História/Geografia, uma vez
que ele era o coordenador da EJA em 2003, tentando compreender a sua interpretação a respeito da problemática
da formação para o mundo do trabalho e a formação cidadã. Tentei permitir, durante a entrevista, que ele me
descrevesse as diferenças que há entre uma perspectiva e outra, tanto no âmbito da fundamentação como no da
operacionalização. Interroguei-lhe a respeito dos saberes que precisa ter uma pessoa para ser cidadã, tentando,
fundamentalmente, compreender, em sua visão, qual o papel da escola (em nível de Ensino Médio), numa sociedade
globalizada marcada por desigualdades crescentes. Segundo ele, não basta à escola ensinar os saberes necessários
para o educando se inserir no mundo da produção, é preciso também mostrar que o mundo atual não privilegia a
todos. Nesse sentido, afirma ele, “uma educação cidadã, orienta-se no sentido de promover leituras críticas e
compartilhadas, acerca dos condicionantes políticos, econômicos, sociais e culturais de nosso tempo, que de certa
forma, inviabilizam uma vida digna à maioria das pessoas”.
Quando o interroguei acerca das relações entre o novo contexto social do mundo produtivo e o papel de
seu componente curricular na totalidade do processo educativo em EJA, ele fez referência “ao contexto das novas
tecnologias e a grande quantidade de informações difundidas pelos meios de comunicação”, salientando a
necessidade dos “educadores prepararem-se em todas as áreas do conhecimento”. Nesse sentido, o professor
destaca, por um lado, a importância dos educadores estarem atualizados acerca do que acontece no mundo, e, por
outro, acerca da insuficiência dessa informação construída pela mídia contemporânea; condição que remete aos
educadores um estado permanente de estudo e aprendizagem em diversas áreas do saber a fim de construir leituras
alargadas de mundo com seus educandos.
Os processos de diálogo e construção do conhecimento em EJA são mais fecundos, segundo ele, quando
os educadores permitem a entrada do mundo social, político e econômico para dentro da sala de aula
problematizando-o a partir de compreensões históricas, geográficas, filosóficas e sociológicas mais ampliadas e
profundas. Nessa ótica, o espaço da sala de aula e o papel de seu componente curricular irão ser justamente o de
re-construir junto com os educandos a informação fragmentária produzida no cotidiano massificado das pessoas.
Isso equivale, no âmbito pedagógico, a um profundo reconhecimento do educando enquanto sujeito de
aprendizagem, que possui formas específicas de ler o mundo que, embora não sejam muitas vezes consistentes,
ganham realce e atenção no âmbito da escola.
A reconstrução dos saberes e ações do professor Sérgio na EJA, como vemos, orienta-se no sentido de
uma construção dialética entre os espaços ampliados da vida social e o universo conceitual de sua formação
específica. Ele não dicotomiza o “mundo da vida” dos educandos e o “mundo conceitual das idéias”. Nesse âmbito,
sua teoria da práxis aproxima-se a de Paulo Freire, reconhecendo que o educando tem saberes e eles são válidos
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para determinadas questões da vida utilitária, porém salienta que eles não são suficientes para compreender o
mundo de forma ampliada, ou seja, em sua totalidade. Mesmo o seu saber disciplinar, comenta, não é suficiente
para explicar o mundo, por isso, é preciso lançar-se no mundo da pesquisa, do desconhecido.
Conversei também com o Professor Carlos, o qual ensina Física na EJA. O mesmo explica um pouco o
problema da construção do conhecimento em EJA no Ensino Médio, na perspectiva das relações de construção de
uma cultura científica a partir da cultura popular, quando afirma que foi difícil “aplicar os saberes aprendidos na
faculdade”. Esse argumento, expressa um pouco os limites sentidos pelos educadores no processo de construir
outras formas alternativas de construção do conhecimento com jovens e adultos. Ele nos mostra que a teorização
sobre a prática não se esgota na discussão acerca das diferenças dos educandos e tampouco nos métodos para
construir conhecimento, mas sim, na própria potencialidade dos saberes científicos na construção de outras leituras
de mundo. Em outros termos, o professor Carlos nos chama a atenção para um problema importantíssimo na
questão escolar, que se refere, basicamente, à qualidade social do conhecimento construído na escola.
Desta forma, percebe-se que muitos passos foram dados pelos educadores no sentido de construção de
uma “pedagogia situada” (emancipatória), sendo que eles próprios passaram a repensar: a) os seus olhares em
relação aos educandos e; b) em relação aos métodos que utilizavam em sala de aula e; c) em relação aos
conhecimentos que consideravam válidos. No entanto, os tempos e espaços encontrados pelos educadores para
produzirem alternativas mais consistentes em relação ao ensino de seus componentes curriculares, de forma
articulada à realidade, segundo eles, ainda encontram-se bastante incipientes. Há de se reconhecer a complexidade
conceitual envolvida no processo de tematização da realidade e a fragmentação característica da sociedade
industrial que reduziu o professor a um mero transmissor de saberes produzidos por outros.
O problema da fragmentação do conhecimento, destacado pelo professor Sérgio no ensino das
humanidades, e reconhecido como sendo algo a ser combatido no interior da escola, é retomado pelo professor
Carlos, sob o ponto de vista do ensino das ciências naturais, no sentido de que a sua superação não se resume a
apontar o problema, mas sim, enfrentá-lo com ações concretas. O que dimensiona, na realidade, a mudança mais
difícil de ser produzida no interior dos processos educativos formais, àquela que diz respeito à própria reconstrução
do paradigma moderno de ciência. Aspecto que sugere uma necessária “complementaridade” entre a abordagem da
educação popular, que sugere a tematização da realidade, e da teoria da complexidade, que propõe a reforma do
pensamento científico/filosófico.

3- Refletindo sobre a Formação Continuada dos Educadores na Perspectiva da Teoria da Complexidade e


da Educação Popular
O pensamento complexo de Edgar Morin apresenta-se em nosso estudo acerca da construção da Educação
de Jovens e Adultos no contexto escolar, e da formação continuada dos educadores, como uma possibilidade de
ampliar a construção de saberes numa perspectiva complexa. Os princípios e pressupostos da teoria da
complexidade ajudam a constituir novas perspectivas de ação/intervenção no sentido da “emancipação” dos
sujeitos/educandos. Os mesmos possibilitam incorporar os princípios da Educação Popular enquanto necessários e
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pertinentes nestes tempos de globalização, ao mesmo tempo em que destacam novas formas de compreender e
interpretar a realidade; configurando-se agora, no próprio processo de interpretação/ação, os erros e ilusões que as
idéias ou as ideologias de “emancipação” podem nos levar se não estivermos permanentemente atentos aos seus
reducionismos e “messianismos”. No que se refere ao debate com as perspectivas pós-modernas, o pensamento da
complexidade contribui para manter acesa a esperança por uma sociedade universal, permitindo aos educadores
princípios que reconheçam os limites de nossa intervenção na realidade, mas sem cair num relativismo estéril, de que
“qualquer coisa” serve no contexto escolar.
Nesse contexto, depreende-se que, tratando-se de Educação de Jovens e Adultos, a qualificação dos
professores exige para além de saberes técnico/científicos, fundamentação antropo-sócio-filosófica capaz de pensar
os rumos/caminhos pedagógicos da formação desses jovens e adultos, bem como os saberes que serão pertinentes
para cumprir tal tarefa. A complexidade do conhecimento humano, sugerida pela epistemologia moriniana,
complementa e enfatiza a questão freireana da “leitura de mundo”, sinalizando a idéia de que há no âmbito da
realidade e do conhecimento contemporâneo uma “hiperespecialização e burocratização” que cegam e dificultam
uma leitura complexa deste mundo. A teoria da complexidade, dentre outras coisas, chama a atenção para o
aspecto da necessidade de compreendermos a realidade e a leitura que dela fizemos como algo que é “tecido
junto”.
De forma bastante geral, enquanto o referencial da Educação Popular concede um aspecto “epistêmico”
altamente voltado para a (prática) “conscientização” do povo acerca das formas opressão características do
capitalismo, vinculando política e educação, de forma a contribuir nos processo de combate à “alienação cultural”, o
referencial do Pensamento Complexo concede um aspecto “epistêmico” dedicado à compreensão dos aspectos
noológicos do mundo (teóricos/ideológicos), ou seja, ao mundo das idéias, princípios e paradigmas que comandam
as ações humanas. Enquanto o primeiro referencial é bastante marxiano, no sentido de pensar a revolução, e
conceber a dialética enquanto método e teoria do pensamento voltada para a ação, o segundo representa algumas
dimensões além de marxianas, também hegelianas e heidegerianas, no sentido de voltar-se para a tematização do
pensamento vinculado com a ação e, de reconhecer a finitude e historicidade da razão humana no horizonte de
interpretação do real.
Assim, o pensamento complexo na educação incita a pensar de forma circular o pensamento que constitui
culturalmente os professores. Nesse sentido, a necessidade de pensar sobre o próprio pensamento, de interpretar a
própria interpretação, de compreender os aspectos mais característicos da condição humana, de problematizar os
vínculos entre os diversos campos do saber, e para além disso, entender os desdobramentos históricos de todas
estas questões torna-se sempre necessário quando se quer pensar outra dinâmica para a construção dos saberes
escolares em Educação de Jovens e Adultos. Em relação à formação inicial e continuada dos educadores,
compreende-se, a partir de todos os interlocutores que participaram da pesquisa, que a leitura, o rigor, a coerência,
a pesquisa, a reflexão, o diálogo, tornam-se capacidades importantes para os educadores; as mesmas, porém,
devem estar articuladas com uma formação substantivamente consistente em uma determinada especificidade
disciplinar e uma globalidade inter/multi/poli/transdisciplinar.
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Essa discussão, acrescida dos “saberes práticos” dos educadores da EJA, ressalta ainda a importância do
reconhecimento da própria “complexidade” do ato educativo que envolve, no mínimo três instâncias fundamentais
para pensar uma pedagogia emancipatória com jovens e adultos. A primeira tensiona no sentido dos educadores,
cada vez mais, re-conhecerem as identidades particulares/contextuais de seus educandos (mulheres/homens,
negras/negros, índios/índias, desempregados (as), jovens/adultos/idosos, excluídos/incluídos, etc), de forma a
permitir a construção de uma pedagogia que leve em conta a heterogeneidade, a diferença e a pluralidade do ser. A
segunda, interconectada à primeira, refere-se ao processo de construção de conhecimento, que precisa caminhar no
sentido do compartilhamento de responsabilidades e liberdades no processo de ensinar e aprender. Esse processo
envolve, fundamentalmente, a construção de pontes dialógicas entre o “mundo da vida” dos educandos e o “mundo
da vida” escolar/científico/filosófico/artístico. A terceira dimensão, complementar às duas anteriores, problematiza a
questão do papel do conhecimento escolar na construção dos sujeitos aprendentes. Em outros termos, destaca a
necessidade dos educadores, em face da fragmentação dos saberes e informações na contemporaneidade,
buscarem referenciais teóricos que possibilitem aos seus educandos contextualizar e historicizar seus saberes numa
perspectiva “complexa” – no sentido de busca de uma totalidade aberta que transcenda o localismo/globalismo, o
conformismo/ativismo e o reducionismo/totalitarismo.
Na pesquisa com os educadores da EJA constatamos que a tentativa de produção de leituras mais
“complexas”, com maior vínculo de “concretude” com a realidade dos educandos, numa perspectiva emancipatória,
se tornaram possibilidades em processo. Em outras palavras, percebeu-se que no processo de construção das
redes temáticas, de construção dos conteúdos escolares, a partir dos elementos e das falas dos educandos, que as
possibilidades de “religação dos saberes” tornaram-se condições “conjunturais” reconstrutoras dos saberes prévios
dos educadores.

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