Professional Documents
Culture Documents
No universo poético de Fernando pessoa, a Mensagem foi o seu único livro que não
teve como tema o próprio EU do poeta mas sim a nação portuguesa que ele via
mergulhada num profundo negativismo e marasmo.
Este pequeno livro constituído por 44 poemas, possui uma essência épica e
encontra-se dividido em 3 partes distintas: BRASAO, MAR PORTUGUES E
ENCOBERTO.
D. Sebastião havia deixado a nação entregue aos Filipes, e desde então o país
não mais se erguera da mediocridade.
A crença neste mito seria decisiva pois levaria toda a nação a acreditar que havia
ainda um destino grandioso a alcançar e que faltava " CUMPRIR-SE PORTUGAL".
O desafio lançado por Pessoa revela a sua insatisfação com o tempo presente que
se vivia em Portugal e de forma megalómana e mística sente-se o arauto de um sonho
quase utópico.
Mensagem é a expressão poética dos mitos – não se trata de uma narrativa sobre os
grandes feitos dos portugueses no passado, como em Os Lusíadas, mas sim, de um
cantar de um Império de teor espiritual, da construção de uma supra-nação, através da
ligação ocidente/oriente: não são os factos históricos propriamente ditos sobre os nossos
reis que mais importam; são sim as suas atitudes e o que eles representam, sendo o
assunto de Mensagem a essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Daí se
interpretem as figuras dos reis nos poemas de Mensagem como heróis mas mais que
isso, como símbolos, de diferentes significados.
“Ulisses” – símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a
sua lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar a
vida “cá em baixo” insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai
ocupar tenham tido ou não existência histórica! (“Sem existir nos bastou/Por não ter
vindo foi vindo/E nos criou.”). O que importa é o que elas representam. Daí serem
figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português.
“O Infante” – símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina:
ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os
homens e Deus (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”)
3ª Parte – O ENCOBERTO: a morte ou fim das energias latentes (é o novo ciclo que se
anuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo)
Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as
consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder
contribuir parar o reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da Mensagem, o
passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura
mítica de D.Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império.
Os Lusíadas Mensagem
O encoberto → Ar → D. Sebastião
Narrativa comentada da história de Metafísica do Ser português
Portugal (cf. Jorge Borges de Macedo)
Teoria da história de Portugal
Três mitos basilares: Tudo é mito
o Adamastor
“o mito é o nada que é tudo”
o Velho do restelo
“A Mensagem é algo mais, muito mais, que uma mera viagem temporal e espacial pela
mitologia, pré-história e história de Portugal. É essencialmente uma viagem pelo
mundo labiríntico dos mistérios e dos enigmas e dos símbolos e dos signos secretos, em
demanda da verdade.” (Cirurgião: 1990,155) Cirurgião, António
«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»
O sete assume também uma extrema relevância, senão vejamos, sete foram os
Castelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos .
O sete corresponde aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também
as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D.
Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D.
Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número sete
como número da criação.
ARTIGOS
Sebastianismo
As controvérsias sobre o Sebastianismo de Pessoa deixam sempre no grande público, e
também, afinal no que, por oposição, teríamos que chamar «pequeno público» dos entendidos, a
vaga impressão de que nesse campo teremos que admitir, sem discutir, as convicções que às
vezes parecem de louco ou megalómano, e não são do domínio do racional. Como essa de
acreditar que o Encoberto, o Desejado, o que traria para o Império Português a sua nova Idade
de Ouro era, nem mais nem menos do que ele, Fernando Pessoa. Mas temos que nos lembrar
que a vinda do Encoberto era apenas por ele encarada «no seu alto sentido simbólico» e não
literal, como faziam os Sebastianistas tradicionais, de quem toma distância, e que esse Desejado
não seria mais do que um «estimulador de almas». E que, mesmo assim, como ouvimos afirmar,
apenas podia «compellir cada alma a, de facto, operar a sua própria salvação». Se tudo isto
entendermos, sem esquecer que o Quinto Império era afinal «o Império Português, subordinado
ao espírito definido pela língua portuguesa», não obedecendo nem «a fórmula política nem ideia
religiosa», e que «Portugal, neste caso, quer dizer o Brasil» também perceberemos que o
projecto de Pessoa era desmesurado, sim mas louco, não.
Teresa Rita Lopes. Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, pp. 33-34.
Quinto Império
É evidente que Pessoa não inventou o Sebastianismo, encontrou-o na tradição portuguesa; mas,
ao adoptá-lo, aprofundou-o e transfigurou-o. Sobretudo, uniu-o de uma forma pessoal ao outro
grande mito tradicional português, o do Quinto Império. A ideia do Quinto Império vem de
muito longe na mitologia judaico-cristã. Todos concordam em ver a sua origem no sonho de
Nabucodonosor, contado no Livro de Daniel. O rei vê em sonhos uma estátua de dimensões
prodigiosas: a cabeça é de ouro, o peito de prata, o ventre de bronze e os pés de barro misturado
com ferro. De súbito, uma pedra bate no barro, o que faz com que toda a estátua venha abaixo; e
a pedra transforma-se numa alta montanha que cobre a terra inteira. Daniel interpreta assim o
sonho: o ouro representa o império da Babilónia, e a prata, o bronze e o barro misturado com o
ferro significam os outros três impérios que irão suceder-lhe. Esses quatro impérios serão
destruídos. A pedra que se transforma em montanha profetiza a vinda de um Quinto Império
universal, que não terá fim. (...)
Para Pessoa, os quatro primeiros impérios já não são os da tradição, mas os quatro grandes
momentos da civilização ocidental: a Grécia, a Roma antiga, o Cristianismo, a Europa do
Renascimento e das Luzes. Já não se fala da Assíria nem da Pérsia, nem, aliás, do Egipto ou da
China: o mundo é europeu. Mas, sobretudo, quando fala do Império vindouro, já não se trata de
todo do exercício de um poder temporal, nem sequer espiritual, mas da irradiação do espírito
universal, reflectido nas obras dos poetas e dos artistas. Ele condena a força armada, a
conquista, a colonização, a evangelização, todas as formas de poder. O Quinto Império será
«cultural», ou não será. E se diz, como Vieira, que o Império será português, isso significa que
Portugal desempenhará um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do
homem que toda a sua obra proclama. Um português como ele, homem sem qualidades,
infinitamente aberto, menos marcado que os outros, tem mais vocação para a universalidade.
Não há dúvidas de que acreditou que aquilo a que chama metaforicamente o Quinto Império se
realizaria por ele e nele; é o sentido de um texto de 1925, em que afirma que «a segunda vinda»
de D. Sebastião já se verificou, cumprindo a profecia do Bandarra, em 1888, data que marca «o
início do reino do sol».
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 404-406.
Sebastianismo e V Império
Excertos de Fernando Pessoa:
O Quinto Império, que necessariamente fundirá esses quatro impérios com tudo
quanto esteja fora deles, formando pois o primeiro império verdadeiramente
mundial, ou universal.
Este critério tem a confirmá-lo a própria sociologia da nossa civilização. Esta é
formada, tal qual está hoje, por quatro elementos: a cultura grega, a ordem
romana, a moral cristã, e o individualismo inglês. Resta acrescentar-lhe o espírito
de universalidade, que deve necessariamente surgir do carácter policontinental da
actual civilização. Até agora não tem havido senão civilização europeia; a
universalização da civilização europeia é forçosamente o mister do Quinto Império.
Em geral concebe-se como cristão esse Império, e a ele se alude como, seguindo-se
ao Reino de Anticristo, sendo a Segunda Vinda do Cristo. A hipótese, não emergindo
necessariamente dos factos - nem dos sociológicos, nem dos proféticos - é contudo
aceitável. Não a defenderemos; não a opugnaremos. Contra a primazia, neste ponto
imperial, da religião cristã, tem-se oposto o igual direito a uma primazia, que
podem invocar as religiões maometana, budista, e outras. Se, porém, o império
universal, ou quinto império, há-de ter um carácter religioso, o que, não estando
provado, é contudo provável, não é de supor que seja fora do cristianismo. Das
duas outras religiões, que poderiam concorrer a esse império maior, a maometana
é estreita. A budista, sobretudo na forma teosófica em que se tem espalhado, é
mais aceitável como universal, pois, de facto, pretende ser não propriamente uma
religião, senão o espírito de todas elas. Sucede, porém, que o budismo está fora do
esquema moral da civilização europeia, dentro da qual se há-de dar, ainda que
universalizando-se, a formação do quinto império. Qualquer que seja esse quinto
império, há-de incluir e sintetizar os quatro que o precederam, pois assim foi cada
um deles incluindo, e sintetizando os que vieram antes dele. Ora a cultura grega, a
ordem romana, a moral cristã mesmo, em alguns dos seus pormenores, estão fora
do esquema budista. De todas as religiões, só o cristianismo tem o preciso carácter
sincrético: formado com a base da metafísica grega, distribuído com a base do
imperialismo romano, construído já com um sincretismo que inclul as religiões
orientais, incluindo aquelas de onde o budismo emergiu, o cristianismo absorverá
ainda com facilidade o individualismo inglês, que veio depois, por isso que o
cristianismo é essencialmente individualista, como a cultura grega, em que
obscuramente se funda. O que não poderá ser é o cristianismo católico. Esse
tornou-se incapaz de um sincretismo novo; nem poderia incluir o individualismo
inglês, que lhe é oposto, e que, como é o distintivo do quarto império, terá que
entrar como elemento no quinto, dada a lei de formação dos impérios adentro de
uma civilização...
sendo que o cristianismo é a religião dos mares, governada pelo signo de Pisces, e
nascido o seu fundador de Maria, que quer dizer "mares" em latim.
A outra é a profecia, ainda mais curiosa, de S. Francisco de Paula. Este diz que
haverá uma "religião nova" - repare-se bem, "nova"- (Lusitanus torce inutilmente a
frase, ao interpretá-la; se S. Francisco de Paula quisesse dizer uma religião velha
para que havia de chamar-lhe nova?); mas essa religião será imposta ou
desenvolvida por uns a quem chama "crucíferos". O serem crucíferos indica que a
religião é cristã, pois a cruz é o símbolo essencial do cristianismo (embora exista,
porém, só acessoriamente, na simbologia de outras religiões); mas o ser a religião
"nova" indica que não é católica, pois para S. Francisco de Paula, que era, claro
está, católiico, um cristianismo não católico é uma religião nova.
A profecia de Nostradamo é aceitável, por "imparcial", pois assim são todas as
profecias desse homem extraordinário; essas e as do Terceiro Corpo do nosso
Bandarra. A profecia de S. Francisco de Paula é igualmente aceitável, pois é
evidentemente "imparcial" a profecia de um católico que, embora
involuntariamente, profetiza a queda da sua própria religião."
"...Portugal grande potência construtiva, Portugal Império ( aqui, sim, é que, através
de grandeza e de decadência, se revela o nosso instinto, e se mantém a nossa
tradição. Somos, por índole uma nação criadora e imperial. Com as Descobertas, e
o estabelecimento do Imperialismo Ultramarino, criámos o mundo moderno
( criação absoluta, tanto quanto socialmente isso é possível, que não simples
elaboração ou renovação de criações alheias. Nas mais negras horas da nossa
decadência, prosseguiu, sobretudo no Brasil, a nossa acção imperial, pela
colonização; e foi nessas mesmas horas que em nós nasceu o sonho sebastianista,
em que a ideia do Império Português atinge o estado religioso.
Portugal tem pois condições orgânicas para ser uma grande potência construtiva ou
criadora, um Império. Uma coisa, porém, é dizer-se que Portugal tem condições
para sê-lo; outra é predizer que o será. A pergunta não exige esta segunda
demonstração, que, aliás, por extensa não poderia ser aqui dada. Nem há mester
que se diga, também, em que consistirá presumivelmente essa criação portuguesa,
qual será o sentido e o conteúdo desse Quinto Império. Fora preciso um livro inteiro
para o dizer, nem chegou ainda a hora de dizer-se."
"....Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas
de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as
Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-
se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre,
e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi
aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no
símbolo do regresso de El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial
projectam a sua fé de que a família se não extinguisse..."
«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo
branco...»
....O que seja propriamente o sebastianismo - hoje mais vigoroso do que nunca, na
assombrosa sociedade secreta que o transmite cada vez mais ocultamente de
geração em geração, guardado religiosamente o segredo do seu alto sentido
simbólico e português, que pouco tem que ver com o D. Sebastião que se diz ter
morrido em África, e muito com o D. Sebastião que tem o número cabalístico da
Pátria Portuguesa -, eis o que não é talvez permitido desvendar. Mas, para interesse
dos leitores, não é talvez mal cabido explicar qual a data marcada para o Grande
Regresso, em que a Alma da Pátria se reanimará, se reconstituirá a íntima unidade
da Ibéria, através de Portugal, se derrotará finalmente o catolicismo (outro dos
elementos estrangeiros entre nós existentes e inimigo radical da Pátria) e se
começará a realizar aquela antemanhã ao Quinto Império." (Fernando Pessoa)