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MENSAGEM

No universo poético de Fernando pessoa, a Mensagem foi o seu único livro que não
teve como tema o próprio EU do poeta mas sim a nação portuguesa que ele via
mergulhada num profundo negativismo e marasmo.

Este pequeno livro constituído por 44 poemas, possui uma essência épica e
encontra-se dividido em 3 partes distintas: BRASAO, MAR PORTUGUES E
ENCOBERTO.

D. Sebastião havia deixado a nação entregue aos Filipes, e desde então o país
não mais se erguera da mediocridade.

A crença neste mito seria decisiva pois levaria toda a nação a acreditar que havia
ainda um destino grandioso a alcançar e que faltava " CUMPRIR-SE PORTUGAL".

O desafio lançado por Pessoa revela a sua insatisfação com o tempo presente que
se vivia em Portugal e de forma megalómana e mística sente-se o arauto de um sonho
quase utópico.

Integração de Mensagem no universo poético Pessoano:

Integra-se na corrente modernista, transmitindo uma visão épico-lírica do destino


português, nela se salientando o Sebastianismo, o Mito do Encoberto e o V Império.

Estrutura formal e simbólica de Mensagem

Mensagem é a expressão poética dos mitos – não se trata de uma narrativa sobre os
grandes feitos dos portugueses no passado, como em Os Lusíadas, mas sim, de um
cantar de um Império de teor espiritual, da construção de uma supra-nação, através da
ligação ocidente/oriente: não são os factos históricos propriamente ditos sobre os nossos
reis que mais importam; são sim as suas atitudes e o que eles representam, sendo o
assunto de Mensagem a essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Daí se
interpretem as figuras dos reis nos poemas de Mensagem como heróis mas mais que
isso, como símbolos, de diferentes significados.

1ª Parte – BRASÃO: o princípio da nacionalidade (em que fundadores e antepassados


criaram a pátria)

“Ulisses” – símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a
sua lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar a
vida “cá em baixo” insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai
ocupar tenham tido ou não existência histórica! (“Sem existir nos bastou/Por não ter
vindo foi vindo/E nos criou.”). O que importa é o que elas representam. Daí serem
figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português.

“D. Dinis” – símbolo da importância da poesia na construção do Mundo: Pessoa vê D.


Dinis como o rei capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas acções – ele
plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a madeira para as caravelas, e falou
da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura ultrapasse a
mediocridade.

“D. Sebastião, rei de Portugal” – símbolo da loucura audaciosa e aventureira: o


Homem sem a loucura não é nada; é simplesmente uma besta que nasce, procria e
morre, sem viver! Ora, D. Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico,
FOI em frente, e morreu por uma ideia de grandeza, e essa é a ideia que deve persistir,
mesmo após sua morte (“Ficou meu ser que houve, não o que há./Minha loucura, outros
que a tomem/Com o que nela ia.”)

2ª Parte – MAR PORTUGUÊS: a realização através do mar (em que heróis


empossados da grande missão de descobrir foram construtores do grande destino da
Nação)

“O Infante” – símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina:
ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os
homens e Deus (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”)

“Mar Português” – símbolo do sofrimento por que passaram todos os portugueses: a


construção de uma supra-nação, de uma Nação mítica implica o sacrifício do povo (“Ó
mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”)

“O Mostrengo” – símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os


portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por alguém
usurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que tenta impedir os
portugueses de completarem o seu destino (“Quem é que ousou entrar/Nas minhas
cavernas que não desvendo,/Meus tectos negros do fim do mundo?”)

3ª Parte – O ENCOBERTO: a morte ou fim das energias latentes (é o novo ciclo que se
anuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo)

“O Quinto Império” – símbolo da inquietação necessária ao progresso, assim como o


sonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas aconteçam; há que ser ousado,
curioso, corajoso e aventureiro; há que estar inquieto e descontente com o que se tem e
o que se é! (“Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, no
erguer da asa.../Triste de quem é feliz!”) O Quinto Império de Pessoa é a mística certeza
do vir a ser pela lição do ter sido, o Portugal-espírito, ente de cultura e esperança, tanto
mais forte quanto a hora da decadência a estimula.

“Nevoeiro” – símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos,


tanto como um Estado, como emocionalmente, mentalmente, etc.: algo ficou
consubstanciado, pois temos o desejo de voltarmos a ser o que éramos (“(Que ânsia
distante perto chora?)”), mas não temos os meios (“Nem rei nem lei, nem paz nem
guerra...”)

Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as
consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder
contribuir parar o reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da Mensagem, o
passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura
mítica de D.Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império.

Preconizava para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz de


elevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta
projecção ficar-se-ia a dever a um “poeta ou poetas supremos” que, pela sua
genialidade, colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todos
os outros.

Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia de


Portugal, não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termos
espirituais É nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e mítico
que enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura deste
superpoeta, em detrimento da de Camões.
A comparação entre "Os Lusíadas" e a "Mensagem" impõe-se pelo próprio facto de esta
ser, a alguns séculos de distância e num tempo de decadência - o novo mito de pátria
portuguesa.

Os Lusíadas Mensagem

 Homens reais com dimensões heróicas  Heróis mitificados, desincarnados,


mas verosímeis; carregando dimensões simbólicas

 Heróis de carne e osso, bravos mas Brasão → Terra → Nun’Álvares


nunca infalíveis; Pereira

Mar Português → Mar → Infante D.


Henrique

O encoberto → Ar → D. Sebastião

(de uma terra de dimensões conhecidas


parte-se à descoberta do mar e constrói-se
um império. Depois o império se desfez e
o sonhos e o Encoberto são a raiz a
esperança de um Quinto Império)
 Herói colectivo: o povo português  Heróis individuais exemplares
(símbolos)
 Virtudes e manhas
 D. Sebastião (rei menino) a quem Os  D. Sebastião mito “loucura sadia”
Lusíadas são dedicados;
Sonho, ambição
“tenro e novo ramo”
(repare-se que d. Sebastião é a última
figura da história a ser mencionada,
como se se quisesse dizer que Portugal
mergulhou, depois do seu
desaparecimento num longo período de
letargia)
 Celebração do passado – história  Glorificação do futuro – símbolos

 Messianismo a mola real de


Portugal


 Narrativa comentada da história de  Metafísica do Ser português
Portugal (cf. Jorge Borges de Macedo)
Teoria da história de Portugal
 Três mitos basilares:  Tudo é mito
o Adamastor
“o mito é o nada que é tudo”
o Velho do restelo

o A ilha dos amores


 acção  contemplação

 altiva rejeição do real


 império feito e acabado  Portugal indefinido,
atemporal
  Saudade profética → saudades do
futuro
 Façanhas dos barões assinalados  Matéria dos sonhos
 Temporalidade  Atemporalidade mística
 Síntese pagão e cristão  Síntese total (sincretismo religioso)
 D. Sebastião como enviado de Deus  Portugal como instrumento de Deus
para alargar a Cristandade
(os heróis cumprem um destino que os
ultrapassa)
 cabeça da Europa  Rosto da Europa que aguarda
expectante o que virá

O projecto da Mensagem é o de superar o carácter obsessivo e nacional d’Os


Lusíadas no imaginário mítico-poético nacional. Os Lusíadas conquistaram o título de
“evangelho nacional” e foram elevados à categoria de símbolo nacional. A Mensagem
logo no seu título aponta para um novo evangelho, num sentido místico, ideia de missão
e de vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, uma iniciação.

Pessoa previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará o


“Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre por
achar”.
A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo intertextual, com
Os Lusíadas, que por sua vez são já um reflexo intertextual da Eneida e da Odisseia.
Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa múltiplos tempos históricos. Pessoa
transforma-se num arquitecto que edifica uma obra nova, com modernidade, mas
também com a herança da memória.

Em Camões memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto da


esperança transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo.

Pessoa identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num


processo lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica,
definível pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no Quinto
Império, Pessoa reinventou um razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano
absurdo.
O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por cumprir.
Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e espectraliza as personagens da
história nacional.

A Mensagem é o sonho de um império sem fronteiras nem ocaso. A viagem real


é metamorfoseada na busca do “porto sempre por achar”.

“A Mensagem comparada com Os Lusíadas é um passo em frente. Enquanto Camões,


em Os Lusíadas, conseguiu fazer a síntese entre o mundo pagão e o mundo cristão,
Pessoa na Mensagem conseguiu ir mais longe estabelecendo uma harmonia total,
perfeita, entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico.” (Cirurgião:
1990,19)

“A Mensagem é algo mais, muito mais, que uma mera viagem temporal e espacial pela
mitologia, pré-história e história de Portugal. É essencialmente uma viagem pelo
mundo labiríntico dos mistérios e dos enigmas e dos símbolos e dos signos secretos, em
demanda da verdade.” (Cirurgião: 1990,155) Cirurgião, António

1990 O olhar esfíngico da Mensagem de Fernando Pessoa INLC, Ministério da Educação

A Mensagem reparte-se em dois vectores:

 busca ôntica – procura da essência da lusitanidade e definição da nossa


idiossincrasia

 inquirição – questionação do mesmo histórico a seguir e a fazer seguir como


projecto nacional colectivo

Pessoa é um exemplo desta obsessão nacional – a espera de um Messias.


A história de Portugal não oferece problemas à elaboração de um mito nacional. Ela
está cheia de elementos e contém já um grande mito, o sebastianismo. Pessoa
distinguiu o seu sebastianismo, apelidando-o de racional. O regresso de D. Sebastião é
associado ao aparecimento do Quinto Império. Pessoa abandona os Impérios materiais
para elaborar impérios espirituais – Grécia, Roma, Cristandade, Europa pós-
renascentista e, agora, Portugal. O Quinto Império já estava escrito nas trovas do
Bandarra e nas quadras do Nostradamus. O nacionalismo tradicional é superado por
um nacionalismo cosmopolita.

Pessoa, criador do fundo e da forma do mito, anuncia-se como um supra


Camões. A realidade é activada pelo Mito (força catalisadora).
Sebastianismo

O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.

«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»

O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta


duma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião é
Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la
com o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a
própria vida dele fora simbólica ( mas em que não é absurdo confiar. D. Sebastião
voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha
longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica,
evidentemente, um renascimento anunciado por elementos de decadência, por restos da
Noite onde viveu a nacionalidade.

ü D. Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimento


físico de D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa.

 D. Sebastião aparece cinco vezes explicitamente na Mensagem (uma vez nas


Quinas, outra em Mar português e três vezes nos Símbolos).
Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e o Mar português são a preparação
para a chegada do Encoberto, na sua qualidade de Messias de Portugal.

 D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura (condenação da matéria e


sublimação do espírito)

O três é um número que exprime a ordem intelectual e espiritual (o cosmos no


homem). O 3 é a soma do um (céu) e do dois (a Terra). Trata-se da manifestação da
divindade, é a manifestação da perfeição, da totalidade.

O sete assume também uma extrema relevância, senão vejamos, sete foram os
Castelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos .

O sete corresponde aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também
as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D.
Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D.
Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número sete
como número da criação.

O sete é o número da perfeição dinâmica. É o número de um ciclo completo.


O sete articula-se com o quatro. Os 7 protagonistas de Os Castelos vêm dos 4 cantos do
mundo (França, Inglaterra, Ibéria e Grécia). Note-se que cada período lunar tem 7 dias e
existem 4 fases que fecham o ciclo. Perpassa a ideia de algo que se completa, de um
ciclo que se fecha. O sete é um símbolo de totalidade, de união do feminino com o
masculino. Consciente dessa tradição, Pessoa divide o 7 em duas partes – D. João, o
primeiro e D. Filipa de Lencastre, ou seja, o animus e a anima, o yin e o yang, o Adão e
Eva, o Sol e a Lua.
O cinco está ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados
por Nabucodonosor. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, roma, a Cristandade
e a Europa pós-renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidas
em apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial, o
poeta não tem dúvidas em apontar Portugal.

Se o sete é o número da perfeição, o três da divindade, o cinco é o número da


evolução espiritual do homem.

Pessoa escolheu cinco mártires da nação para corresponderem às cinco quinas


(D.Duarte, D. Pedro, D. Fernando, D. João e D. Sebastião). O Brasão está dividido em
5 partes, tantas quantas as partes do nosso símbolo heráldico – Campos, Castelos,
Quinas, Coroa e Grifo).

N’Os Lusíadas as quinas representam os cinco reis vencidos por D. Afonso


Henriques na Batalha de Ourique.

O doze assume relevância na segunda parte da Mensagem - Mar Português.


Doze são os poemas de Mar Português , 12 eram os discípulos de Cristo, 12 os
Cavaleiros da Távola Redonda, 12 os meses do ano, 12 os signos do zodíaco. O número
12 é o número da acção. Nesta parte da Mensagem, Portugal está fundado na vida
activa (a posse dos mares).

O oito é o número das pontas da Cruz da Ordem de Cristo, a cruz que as


caravelas ostentavam. Oito letras tem Portugal e oito letras tem Mensagem.

ARTIGOS

Sebastianismo
As controvérsias sobre o Sebastianismo de Pessoa deixam sempre no grande público, e
também, afinal no que, por oposição, teríamos que chamar «pequeno público» dos entendidos, a
vaga impressão de que nesse campo teremos que admitir, sem discutir, as convicções que às
vezes parecem de louco ou megalómano, e não são do domínio do racional. Como essa de
acreditar que o Encoberto, o Desejado, o que traria para o Império Português a sua nova Idade
de Ouro era, nem mais nem menos do que ele, Fernando Pessoa. Mas temos que nos lembrar
que a vinda do Encoberto era apenas por ele encarada «no seu alto sentido simbólico» e não
literal, como faziam os Sebastianistas tradicionais, de quem toma distância, e que esse Desejado
não seria mais do que um «estimulador de almas». E que, mesmo assim, como ouvimos afirmar,
apenas podia «compellir cada alma a, de facto, operar a sua própria salvação». Se tudo isto
entendermos, sem esquecer que o Quinto Império era afinal «o Império Português, subordinado
ao espírito definido pela língua portuguesa», não obedecendo nem «a fórmula política nem ideia
religiosa», e que «Portugal, neste caso, quer dizer o Brasil» também perceberemos que o
projecto de Pessoa era desmesurado, sim mas louco, não.

Teresa Rita Lopes. Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, pp. 33-34.
Quinto Império

É evidente que Pessoa não inventou o Sebastianismo, encontrou-o na tradição portuguesa; mas,
ao adoptá-lo, aprofundou-o e transfigurou-o. Sobretudo, uniu-o de uma forma pessoal ao outro
grande mito tradicional português, o do Quinto Império. A ideia do Quinto Império vem de
muito longe na mitologia judaico-cristã. Todos concordam em ver a sua origem no sonho de
Nabucodonosor, contado no Livro de Daniel. O rei vê em sonhos uma estátua de dimensões
prodigiosas: a cabeça é de ouro, o peito de prata, o ventre de bronze e os pés de barro misturado
com ferro. De súbito, uma pedra bate no barro, o que faz com que toda a estátua venha abaixo; e
a pedra transforma-se numa alta montanha que cobre a terra inteira. Daniel interpreta assim o
sonho: o ouro representa o império da Babilónia, e a prata, o bronze e o barro misturado com o
ferro significam os outros três impérios que irão suceder-lhe. Esses quatro impérios serão
destruídos. A pedra que se transforma em montanha profetiza a vinda de um Quinto Império
universal, que não terá fim. (...)

Para Pessoa, os quatro primeiros impérios já não são os da tradição, mas os quatro grandes
momentos da civilização ocidental: a Grécia, a Roma antiga, o Cristianismo, a Europa do
Renascimento e das Luzes. Já não se fala da Assíria nem da Pérsia, nem, aliás, do Egipto ou da
China: o mundo é europeu. Mas, sobretudo, quando fala do Império vindouro, já não se trata de
todo do exercício de um poder temporal, nem sequer espiritual, mas da irradiação do espírito
universal, reflectido nas obras dos poetas e dos artistas. Ele condena a força armada, a
conquista, a colonização, a evangelização, todas as formas de poder. O Quinto Império será
«cultural», ou não será. E se diz, como Vieira, que o Império será português, isso significa que
Portugal desempenhará um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do
homem que toda a sua obra proclama. Um português como ele, homem sem qualidades,
infinitamente aberto, menos marcado que os outros, tem mais vocação para a universalidade.
Não há dúvidas de que acreditou que aquilo a que chama metaforicamente o Quinto Império se
realizaria por ele e nele; é o sentido de um texto de 1925, em que afirma que «a segunda vinda»
de D. Sebastião já se verificou, cumprindo a profecia do Bandarra, em 1888, data que marca «o
início do reino do sol».

Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 404-406.

Sebastianismo e V Império
Excertos de Fernando Pessoa:

A interpretação inicial dos cinco impérios remonta ao Velho Testamento.

"...A divisão é: Império Grego (sintetizando todos os conhecimentos, toda a


experiência dos antigos impérios pré-culturais); o Império Romano (sintetizando
toda a experiência e cultura gregas e fundindo em seu âmbito todos os povos
formadores, já ou depois, da nossa civilização); o Império Cristão (fundindo a
extensão do Império Romano com a cultura do Império Grego, e agregando-lhe
elementos de toda a ordem oriental, entre os quais o elemento hebraico); e o
Império Inglês (distribuindo por toda a terra os resultados dos outros três impérios,
e sendo assim o primeiro de uma nova espécie de síntese

O Quinto Império, que necessariamente fundirá esses quatro impérios com tudo
quanto esteja fora deles, formando pois o primeiro império verdadeiramente
mundial, ou universal.
Este critério tem a confirmá-lo a própria sociologia da nossa civilização. Esta é
formada, tal qual está hoje, por quatro elementos: a cultura grega, a ordem
romana, a moral cristã, e o individualismo inglês. Resta acrescentar-lhe o espírito
de universalidade, que deve necessariamente surgir do carácter policontinental da
actual civilização. Até agora não tem havido senão civilização europeia; a
universalização da civilização europeia é forçosamente o mister do Quinto Império.

Em geral concebe-se como cristão esse Império, e a ele se alude como, seguindo-se
ao Reino de Anticristo, sendo a Segunda Vinda do Cristo. A hipótese, não emergindo
necessariamente dos factos - nem dos sociológicos, nem dos proféticos - é contudo
aceitável. Não a defenderemos; não a opugnaremos. Contra a primazia, neste ponto
imperial, da religião cristã, tem-se oposto o igual direito a uma primazia, que
podem invocar as religiões maometana, budista, e outras. Se, porém, o império
universal, ou quinto império, há-de ter um carácter religioso, o que, não estando
provado, é contudo provável, não é de supor que seja fora do cristianismo. Das
duas outras religiões, que poderiam concorrer a esse império maior, a maometana
é estreita. A budista, sobretudo na forma teosófica em que se tem espalhado, é
mais aceitável como universal, pois, de facto, pretende ser não propriamente uma
religião, senão o espírito de todas elas. Sucede, porém, que o budismo está fora do
esquema moral da civilização europeia, dentro da qual se há-de dar, ainda que
universalizando-se, a formação do quinto império. Qualquer que seja esse quinto
império, há-de incluir e sintetizar os quatro que o precederam, pois assim foi cada
um deles incluindo, e sintetizando os que vieram antes dele. Ora a cultura grega, a
ordem romana, a moral cristã mesmo, em alguns dos seus pormenores, estão fora
do esquema budista. De todas as religiões, só o cristianismo tem o preciso carácter
sincrético: formado com a base da metafísica grega, distribuído com a base do
imperialismo romano, construído já com um sincretismo que inclul as religiões
orientais, incluindo aquelas de onde o budismo emergiu, o cristianismo absorverá
ainda com facilidade o individualismo inglês, que veio depois, por isso que o
cristianismo é essencialmente individualista, como a cultura grega, em que
obscuramente se funda. O que não poderá ser é o cristianismo católico. Esse
tornou-se incapaz de um sincretismo novo; nem poderia incluir o individualismo
inglês, que lhe é oposto, e que, como é o distintivo do quarto império, terá que
entrar como elemento no quinto, dada a lei de formação dos impérios adentro de
uma civilização...

...Aliás, este triunfo final do cristianismo encontra-se acentuado nas poucas


profecias que temos sobre o assunto, e às quais podemos atribuir, no profeta, uma
independência das suas próprias opiniões e desejos - único fundamento para tomar
a profecia como profecia a valer, e não como expressão de um sonho próprio. Uma
é a do verso de Nostradamo, posto no fim das centúrias para que se repare que se
reporta ao fim das "coisas" - isto é, da civilização a que pertencemos.

Religion du nom des mers vaincra,

sendo que o cristianismo é a religião dos mares, governada pelo signo de Pisces, e
nascido o seu fundador de Maria, que quer dizer "mares" em latim.

A outra é a profecia, ainda mais curiosa, de S. Francisco de Paula. Este diz que
haverá uma "religião nova" - repare-se bem, "nova"- (Lusitanus torce inutilmente a
frase, ao interpretá-la; se S. Francisco de Paula quisesse dizer uma religião velha
para que havia de chamar-lhe nova?); mas essa religião será imposta ou
desenvolvida por uns a quem chama "crucíferos". O serem crucíferos indica que a
religião é cristã, pois a cruz é o símbolo essencial do cristianismo (embora exista,
porém, só acessoriamente, na simbologia de outras religiões); mas o ser a religião
"nova" indica que não é católica, pois para S. Francisco de Paula, que era, claro
está, católiico, um cristianismo não católico é uma religião nova.
A profecia de Nostradamo é aceitável, por "imparcial", pois assim são todas as
profecias desse homem extraordinário; essas e as do Terceiro Corpo do nosso
Bandarra. A profecia de S. Francisco de Paula é igualmente aceitável, pois é
evidentemente "imparcial" a profecia de um católico que, embora
involuntariamente, profetiza a queda da sua própria religião."

Outros excertos de Fernando Pessoa que aludem ao espírito imperial português

"...Portugal grande potência construtiva, Portugal Império ( aqui, sim, é que, através
de grandeza e de decadência, se revela o nosso instinto, e se mantém a nossa
tradição. Somos, por índole uma nação criadora e imperial. Com as Descobertas, e
o estabelecimento do Imperialismo Ultramarino, criámos o mundo moderno
( criação absoluta, tanto quanto socialmente isso é possível, que não simples
elaboração ou renovação de criações alheias. Nas mais negras horas da nossa
decadência, prosseguiu, sobretudo no Brasil, a nossa acção imperial, pela
colonização; e foi nessas mesmas horas que em nós nasceu o sonho sebastianista,
em que a ideia do Império Português atinge o estado religioso.

Portugal tem pois condições orgânicas para ser uma grande potência construtiva ou
criadora, um Império. Uma coisa, porém, é dizer-se que Portugal tem condições
para sê-lo; outra é predizer que o será. A pergunta não exige esta segunda
demonstração, que, aliás, por extensa não poderia ser aqui dada. Nem há mester
que se diga, também, em que consistirá presumivelmente essa criação portuguesa,
qual será o sentido e o conteúdo desse Quinto Império. Fora preciso um livro inteiro
para o dizer, nem chegou ainda a hora de dizer-se."

"....Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas
de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as
Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-
se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre,
e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi
aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no
símbolo do regresso de El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial
projectam a sua fé de que a família se não extinguisse..."

O Sebastianismo, o Desejado, o Encoberto


"O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.

«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo
branco...»

O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em


volta duma figura nacional, no sentido dum mito.

No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza


com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico (
como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica ( mas
em que não é absurdo confiar.
D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco,
vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa
indica, evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência,
por restos da Noite onde viveu a nacionalidade. O cavalo branco tem mais difícil
interpretação. Pode ser Sagitário, signo do zodíaco, e conviria, em tal caso,
perceber o que a referência indica, perguntando, por exemplo, se há referência à
Espanha (de quem, segundo os astrólogos, Sagitário é signo regente), ou se há
referência a qualquer trânsito de planeta no signo de Sagitário. O Apocalipse
porém, fornece outra hipótese sobre este assunto. De difícil interpretação, também,
é a Ilha....

....O que seja propriamente o sebastianismo - hoje mais vigoroso do que nunca, na
assombrosa sociedade secreta que o transmite cada vez mais ocultamente de
geração em geração, guardado religiosamente o segredo do seu alto sentido
simbólico e português, que pouco tem que ver com o D. Sebastião que se diz ter
morrido em África, e muito com o D. Sebastião que tem o número cabalístico da
Pátria Portuguesa -, eis o que não é talvez permitido desvendar. Mas, para interesse
dos leitores, não é talvez mal cabido explicar qual a data marcada para o Grande
Regresso, em que a Alma da Pátria se reanimará, se reconstituirá a íntima unidade
da Ibéria, através de Portugal, se derrotará finalmente o catolicismo (outro dos
elementos estrangeiros entre nós existentes e inimigo radical da Pátria) e se
começará a realizar aquela antemanhã ao Quinto Império." (Fernando Pessoa)

As profecias do Bandarra anunciam o Quinto Império, o regresso de D. Sebastião e


os destinos de Portugal.

«Há muitas vezes acontecimentos cuja importância é velada no tempo em que se


dão.»

São três os pontos essenciais da profética do Bandarra: o Quinto Império, a ida e


regresso de El-Rei D. Sebastião, e os destinos de Portugal. O primeiro ponto
preocupa-o em comum com toda a profética europeia, e, em certo modo, a
hebraica; o segundo ponto preocupa-o mais que a outros profetas, estranhos. A
nossa nação; como, porém, em um dos seus sentidos, o "regresso" de D. Sebastião
se prende com a mesma ideia do Quinto Império, não faltam em profetas estranhos,
e nomeadamente em Nostradamus, alusões inequívocas - que veremos - a este
"regresso".... (Fernando Pessoa)

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