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:oi­ MELANIE KLEIN. AFANTASIA
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en­ INCONSCIENTE COMO CENÁRIO DA
os,
VIDA PSíQUICA
;ias
[\to APRESENTAÇÃO
en­
~go

difí- 1. Introdução
ICOU,

utor. A obra de Melanie Klein se estende desde 1919, data em que publicou
'pro­ seu primeiro trabalho, "A novela familiar em statu nascendi", até sua mor­
com te, em 1960.
lÇÕes
Ela é, sem dúvida, uma das grandes figuras da psicanálise contemporâ­
nea. Seus escritos, coloridos, às vezes contraditórios, apresentam uma per­
;tinc­ manente riqueza de idéias originais. Neles, o interesse principal não está cen­
lear­
d en­ trado em obter precisões teóricas que permitam construir um conjunto com­
pletamente coerente de hipóteses. O que transmitem, em compensação, é
, que uma preocupação em descrever o mundo rico de fantasias e vivências que
itula­
os pacientes em tratamento apresentam. As hipóteses de Klein procuram
letiva explicar os fatos que surgem, a partir de novos contextos terapêuticos e de
em
~,
novas observações. O ponto de partida"f se!Dpre o t!'ªté'!IIl~DJ:º;lJ1ªlítico~
!!!ª-Ís exatamenteL-()_ deji!;J:!.yolyimÇltto da sessão.
Assim como em Freud observamos um esforço por tormular teorias
da mente, com base em modelos científicos de sua época: físico-químicos,
neurofisiológicos etc., ou, em Lacan, os pontos de partida para suas formu­
lações são os postulados filosóficos de Hegel, a lingüística de Saussure e a
antropologia estrutural, Klein quer explicar os eventos que acontecem no
consultório e no vínculo interpessoal entre paciente e analista. Observa que
o paciente se compromete emocionalmente no tratamento, que inclui o tera­
peuta em suas fantasias, que desenrola um universo cheio de acontecimen­
tos e associações, mas sobretudo com fortes sentimentos e angústias.

A Psicanálise depois de Freud I 79


Esta linha de compreensão define uma de suas hipóteses principais: Q
p~~quismo se2rigina~ yíI1culo intersubjetiY9J. em primeiro h.l&ªr, are­
lé1Qo de objeto do bebê e sua mª~. Ela estuda as características emocionais
deste vínculo, em que procura descobrir qual é a ªD~.sJia predominante e
as fantasias constitutivas.
Klein é, indubitavelmente, a pioneira de toda a corrente psicanalítica
contemporânea, que enfatiza a existência de relações de objeto precoces co­
mo fundadoras do desenvolvimento psíquico e da personalidade. Uma gran­
de parte dos autores que revisaram os sucessivos capítulos deste livro, nu­
trem-se, a este respeito, de suas idéias renovadoras.
É importante incluir aqui um fato significativo. Klein começou traba­
lhando em análise com crianças; iniciou uma prática original, ao introduzir
a técnica do jogo infantil, para ter acesso aos conflitos e fantasias, de uma
maneira mais direta e fácil do que a comunicação verbal. Insistiu em que
seus pequenos pacientes deviam ser analisados do mesmo modo que os adul­
tos, explorando os conflitos inconscientes e abstendo-se de qualquer medi­
da reeducativa ou de apoio. Isto lhe permitiu observar que as crianças de­
senvolvem uma neurose de transferência análoga a dos adultos. Desta ma­
neira, pôde delimitar um campo de observação fér!il para uma grande par­
te de suas descobertas posteriores: complexo de Edipo precoce, superego
precoce, mecanismos de defesa primitivos, organizados em torno de uma
angú!'tia principal e uma relação de objeto.
Disto partiu outra importante hipótese, a angústia existe desde o come­
ço da vida, é o motor essencial que põe em marcha o desenvolvimento psí­
quico e, ao mesmo tempo, é a orw;~m de toda a patologia mental. Na clíni­
ca, será o eixo de cO!r.lpree~~odas fanta~iase .<:o~fli,="-()s que se desenrolam
durante o tratamento. Sobre isso versará o ponto de urgência da interpretação.
Esta noção está ligada à grande importância que, no pensamento klei­
niano, tem o problema da agressividade como causa de angústia: as pulsões
sádicas e agressivas se inscrevem, em última instância, na pulsão de morte,
que atua no indivíduo, desde os primeiros momentos do desenvolvimento.
A frustração provocada pelos o!:>ietos será !:!m..~l~men~º cQªmY'y_antJ:!, maJ!1
não causal. nem definitório, para tais pulsões.E&r.~.s.s.iyas_.
Klein: e§tájnteressada em .descrever Qdesemrolvimento pslquieQ.preCQ­
ce, principalmente no primeiro anO de vidi!/.P9jsº_consjdg[ªo.Jund.am~­
to de todo o desenvolvimento psíquico poslerior. E, embora tome como
ponto de partida as propostas básicas de Freud e Abraham, suas observa­
ções e hipóteses a levam a inventar uma teoria original do desenvolvimen­
to e da estrutura da mente, a idéia do mundo dos objetos internos. É um
espaço mental povoado de objetos que interagem entre si, produzindo signi­
ficados e motivações; descreve as fantasias inconscientes como os elementos
básicos desse mundo interno ou realidade psíquica. A idéia de conflito men­
tal se modifica, não éuma lutª-.~l}tr~~__pl;llsão~xtlale.ag~f~.ª.1. ou coI'll.il cou a exIsten~
estrutura que impede sua descargªLl!l~ __~tr~ seI!timentos de. amQ~~~ flamados críti~

80
) ..ildW..que se enfrentam no vínculo com os objetos. A vida psíquica se orga­
niza, tanto em sua evolução como em seu funcionamento, em volta de
s duas posições fundamentais: esquizo-paraJlQide e depressiYa.. A posição de­
~
pressiva é, para Klein, o ponto cruciats!0~clesenY9Jyimento.~~~..2.~.?!.bel~
bases para o equilíbrio psíquico e o contrQle das angústias psicóticas.
a A inveja primária, outra hipótese fundamental, retoma sua idéia de
que a agressão se origina desde o começo da vida, tendo uma base constitu­
Gcional. Este postulado final da obra de Klein (1957) reforça suas propostas
sobre a hierarquia dos fatores inatos; as pulsões, tanto agressivas como libi­
dinais, não são descritas a partir de uma especulação biológica ou filosófi­
ca (Freud, 1920), mas como expressões concretas das fo]S.as mentais em lu­
r ta, que são manifestadas na psicopatologia e nas diferentes sit1!açÕes obser­
a vãdas na clínica.
e O desenvolvimento psicanalítico iniciado por Melanie Klein deu lugar
,- à criação de um movimento chamado de escola kleiniana; teve seu epicen­
:- tro em Londres e se estendeu a diversos países europeus e americanos. No
México, José Luis Gonzáles foi, sem dúvida, seu pioneiro; teve uma ativida­
1- de apaixonada na difusão e ensino da obra de Klein. Formou muitos discípu­
'- los e, há mais de vinte e cinco anos, realiza seminários de estudos sobre estes
:) enfoques.
a O movimento inspirado em Melanie Klein se originou nos anos 40, al­
cançando seu apogeu nas décadas de 50 e 60. Unificou um corpo teórico e
~ técnico que o individualizou claramente de outros esquemas da psicanálise
1- contemporânea.
l­ Resumiremos agora um perfil biográfico de Melanie Klein, que amplia­
n rá a compreensão de alguns aspectos de sua obra. Nasceu em 1880, filha
I. de uma família centro-européia de origem judaica. Quando jovem, quis estu­
l­ dar medicina, mas não pôde realizar este propósito, devido a seu noivado
com Arthur Klein, aos dezessete anos, com quem casou aos vinte e um e te­
.s
"
ve três filhos, em um curto espaço de tempo. Durante a época da Primeira
I. Guerra Mundial, dá-se sua aproximação com a psicanálise, através da leitu­
§ ra da obra de Freud. Deste momento em diante, nunca abandonou sua de­
voção a Freud (com quem jamais teve um contato direto) e a dedicação pe­
!­ la psicanálise. Seu desenvolvimento foi protegido por três grandes figuras
l­ muito próximas de Freud: Ferenczi, com quem começa sua primeira análi­
o se, em 1919, que a estimula a se introduzir na análise infantil; Abraham,
l­ que a convida, em 1921, a mudar-se para Berlim, apoiando seus novos con­
I­ ceitos teóricos. Com ele, inicia sua segunda experiência analítica, nesse ano,
n que é interrompida pela morte prematura do mestre. Finalmente, Emest Jo­
i- nes, que, em 1926, convence-a a ir morar em Londres, onde ela permanece
IS até sua morte, em 1960.
l­ Melanie Klein sempre foi uma figura polêmica na psicanálise. Provo­
a cou a existência de apaixonados colaboradores e adeptos e, também, de in­
.e flamados crítiGOS e opositores. Teve três grandes enfrentamentos, ao longo

A Psicanálise depois de Freud I 81


de sua carreira científica: em 1927, com Anna Freud, em redor da análise
infantil e o desenvolvimento da transferência; em 1943-44, as Controversial
Issues (Temas polêmicos), dentro da Sociedade Psicanalítica Britânica, quan­
do Glover propôs a expulsão de Klein e seu grupo, acusando-a de afastar­
se dos prinápios básicos da psicanálise clássica; finalmente, nos últimos
anos de sua vida, a teori4 da inveja primária, que apóia decididamente a
base constitucional da agressão humana, provocou a discrepância definiti­
va com membros de sua escola (Paula Heimann separa-se do grupo) e com
outros autores, que compartilham, com Klein, a teoria das relações de obje­
to precoces, mas divergem quanto à gênese da agressão e do sintoma (Win­
nicott e Guntrip, entre eles). Estas três polêmicas tiveram conseqüências pes­
soais, teóricas e para o movimento. Quanto ao pessoal, a maioria dos auto­
res concordam que seu enfrentamento total com Anna Freud e a Escola de
Viena foi responsável, em parte, de que Freud nunca aceitasse nem apoias­
se sua obra, apesar dela se proclamar fiel disápula e continuadora de suas
idéias. As discussões de 1943-44 provocaram a dolorosa ruptura definitiva
com sua filha, Melitta Schmideberg, que apoiou Glover em sua postura e,
ao fracassar, mudou-se definitivamente para os Estados Unidos.
Quanto à teoria, os artigos apresentados por Klein e seus colaborado­
ias de am2r_.
gação da dor
res, nas polêmicas da Sociedade Psicanalítica Britânica, permitiram reelabo­
cuidado dos
rar as idéias de fantasia inconsciente, desenvolvimento emocional do lacten­
mento psíquico e
te, mecanismos primitivos do psiquismo e outras, em uma série de hipóte­
dramático, que dá
ses mais coerentes e unificadas, culminando, finalmente, na teoria das posições.
Para que
A leitura dos textos de Klein apresenta ao leitor uma mistura de deslum­
raremos descrever,
bramento, perplexidade e confusão conceptual. Suas descrições clínicas es­
de Melanie Klein e,
tão cheias de finas observações. São desenvolvimentos dramáticos que refle­
tem o mundo de fantasias e vivências que constituem a base do funciona­
mento psíquico. Em quase todos os seus artigos, propõe idéias inovadoras,
mas, ao mesmo tempo, vai forçando a teoria, com a intenção de incluir
suas descobertas dentro dos postulados freudianos. Há hipóteses que apare­
cem em um momento de sua obra como resposta a determinados proble­
mas e, depois, são deixadas de lado, sem que faça uma referência explícita
a isto; por exemplo, a idéia da pulsão epistemofílica. Conceitos psicanalíti­
cos anteriores são redefinidos, ao inclui-los, com novo sentido, em outro
contexto teórico; isto ocorre com as pulsões freudianas de vida e morte, às
quais outorga uma significação diferente. Há afirmativas que faz, de for­
ma rotunda, e cujos fundamentos não são suficientemente claros para o lei­
tor. Outros conceitos originais, como identificação projetiva, casal parental
combinado, posição esquizo-paranóide e depressiva, devem ser compreendi­
dos tanto no desenvolvimento, durante sua obra, como no contexto total
de sua teoria. Alguns temas clássicos, como resistência ou teoria do narcisis­
mo, também passam a um segundo plano ou submergem em outra teoria
mais abrangente.

82
;e
Melanie Klein não fez revisões periódicas de sua obra. The Psycho­
al Analysis of Children foi uma tentativa de sistematização, em 1932. Depois
1-
teorizou, de maneira desordenada, confusa, repetitiva. Isto toma mais ári­
r­ da e laboriosa sua leitura. Mas quem tiver paciência e insistir, poderá desco­
)s
brir em seus trabalhos um método rico e apaixonante de abordagem da vi­
a da mental, cheio de criatividade.
:1-
Ao estudar o conjunto da produção k1einiana, há autores que enfati­
m zam, como ela próprio o fez, a continuidade com as idéias freudianas. As­
e­ sim, por exemplo, o conceito de introjeção de objeto, que Freud desenvol­
n­ ve em Luto e melancolia (1917) pode ser entendido como origem da idéia
s­ de objeto interno k1einiano; ou a dualidade pulsional de Além do princípio
o­ do prazer (1920t como o ponto inicial que Klein considerou, para teorizar
le sobre as pulsões agressivas e libidinais.
IS­
Outros autores, pelo contrário, acentuam que há uma ruptura entre
as Freud e Klein. Afirmam que se trata de uma nova teoria do funcionamen­
ia to mental e do desenvolvimento psíquico. AJ.Qéia_Q.o conflito freuqiano, co­
e,
mo luta entr~_~_IDlJ.sã(Leac!efesa.(Jsu.pstituída pela de conflito entre dese­
jos de amQr.e ódio,., Na mente, lutama JlssooáÇàü-éóma integração, a-ne­
o- gação da dor psíquica, por um lado, e a tolerância a esta dor, junto com o
0-
cuidado dos objetos, por outro. A emocionalidade seria a base do funciona­
n­ mento psíquico e as fantasias inconscientes formam um desenvolvimento
:e­ dramático, que dá significação permanente ao suceder mental.
:$.
Para que cada leitor possa tomar sua própria decisão a respeito, procu­
n­ raremos descrever, com certa ordem cronológica, as sucessivas descobertas
!S­
de Melanie Klein e, ao mesmo tempo, avaliá-las no contexto total de sua teoria.
le­
,a­
IS,
lir 2. Panorama geral de sua obra (1)

'e­
Sua produção teórica costuma ser dividida em três etapas.
le­
a) Período de 1919 a 1932: neste período, produz uma grande quanti­
.ta
dade de artigos, com seus achados teóricos e clínicos. Inicia a técnica do jo­
ti­
go, para a análise infantil, e a aplica, originalmente, em crianças pequenas.
ro
Suas descobertas destacam a importância da agressão no desenvolvimento
às
mental. As hipóteses principais versam sobre a neurose de transferência com­
lr­
ei­ pleta, na análise infantil, o complexo de Édipo precoce e a formação de
um superego precoce.
:al
b) Período de 1932 a 1946: em 1932, escreve The Psycho-Analysis of
ii­
Children, onde procura sistematizar suas descobertas sobre a vida psíquica
:al
infantil. Neste período, formula o essencial de sua teoria: a idéia de posição
is­
depressiva, como ponto crucial do desenvolvimento mental (1935, 1940) e
ia
de posição esquizo-paranóide (1946). Formalizam-se os aspectos essenciais
da metapsicologia k1einiana, com a descrição da mente como um espaço
povoado por objetos internos, que interagem com os externos, através dos

A Psicanálise depois de Freud / 83


processos de projeção e introjeção. O mecanismo da identificação projeti­ rio interpretã..J
va será, a partir de 1946, e, durante os seguintes trinta anos, um dos temas Descreve, em
principais da investigação kleiniana. Dá acesso ao tratamento de pacientes bram na
psicóticos e limítrofes e à exploração daquilo que, mais tarde, Bion (1957)
chamará de aspectos psicóticos da personalidade. O destaque que Klein ti­
nha posto na agressão, no período anterior, é agora modulado em boa par­
te pela idéia de uma luta pulsional entre sentimentos de amor e ódio.
c} Período de 1946 a 1960: o ponto teórico principal é a inveja primá­
ria, que Klein formula em 1957. Reforça-se assim o aspecto constitucionalis­
ta de sua teoria. Sua obra póstuma, Narrative oE a Child AnaJysis (1961),
em que reconstrói o caso Richard, a quem atendeu, na época da Segunda
Guerra Mundial, novamente abre o campo polêmico em tomo dos funda­
mentos da técnica kleiniana: análise das fantasias, centrada nas angústias
predominantes da sessão, acesso ao material profundo inconsciente, através
da interpretação da transferência positiva e negativa, manifesta e latente;
interpretação sistemática das relações de objeto que se vão expressando na
sessão, através do jogo e das associações livres dos pequenos pacientes.

Período 1919-1932. Sobre as primeiras descobertas.


A técnica do jogo e a análise de crianças
Nesta etapa, Klein estabelece algumas hipóteses que foram a origem na e a psicolot
de suas teorias posteriores. O ponto de partida é o que ela denomina de "téc­
nica psicanalítica do jogo infantil". Para analisar crianças, aceita seus jogos,
dramatizações, expressões verbais e sonhos, como material igualmente sig­
nificativo. Através deles, explora sistematicamente as fantasias conscientes
e inconscientes das crianças.
A proposta é inovadora, em relação aos antecedentes da análise infan­
til. Eles foram o caso do pequeno Hans (1909), analisado indiretamente por terpretar, em
Destaca a .
Freud (que recolhia os dados por intermédio do pai do menino) e os traba­
lhos de Hugh Helmuth, que, desde 1917, tratava de crianças em psicotera­ gústia e a
pia, implementando o jogo infantil com um critério didático e de reeduca­ rial, ou de
ção. Em compensação, Klein acentua, desde o início, tal como resume em e diretivas.
seu artigo "The Psycho-analytic play technique: its history and significan­ Isto é
ce" (1955), que seu objetivo é explorar o inconsciente infantil, interpretar
as fantasias, sentimentos, angústias e experiências expressadas no jogo, e,
se este estiver inibido, explorar as causas desta inibição. As fantasias agres­
sivas da criança não devem ser reprimidas mas, pelo contrário, deve-se dei­
xar que as sinta e as exprima assim como aparecem. A função do analista
é compreender a mente do paciente e transmitir-lhe o que ocorre com ela.
Nas crianças que Klein começa a tratar analiticamente com esta técni­
ca, observa que sofrem intensas angústias persecutórias. Pensa ser necessá­

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)jeti­ rio interpretá-las, junto com as defesas que são estabelecidas contra elas.
~mas Descreve, em seus historiais clínicos, a sucessão de fantasias que se desdo­
mtes bram na sessão, através de uma situação dramática, cujos personagens re­
.957) presentam, simbolicamente, os objetos internos da mente infantil. Os pri­
in ti­ meiros trabalhos de Klein são relatórios destes tratamentos, com algumas
par­ conclusões subseqüentes. Com o método do jogo, vai criando um campo
de observação que lhe permite descobrir fenômenos novos e estes, por seu
imá­ turno, dão-Ihe a possibilidade de conceber hipóteses originais. Klein enten­
lalis­ de a patologia das crianças que analisa como resultado de alterações ou ini­
~61), bições do desenvolvimento infantil. Considera as situações de angústia co­
roda mo o fator principal das perturbações psicológicas, acreditando que as fanta­
nda­ sias agressivas da criança são a causa principal de tal angústia.
.stias Em 1927, já residindo em Londres, Melanie Klein apresenta, ante a Bri­
'avés tish Psycho-Analytícal Society, seu trabalho "Simposium of Child-Analy­
~nte; sis", como uma contribuição à discussão do livro de Anna Freud, Introduc­
o na tion to the Technique of the Analysis of Children, publicado em Viena na­
quele ano. Neste artigo, Klein defende, com veemência, seus pontos de vis­
ta sobre a natureza da análise da criança, em uma oposição frontal às idéias
de Anna Freud. Este é o começo de um grande enfrentamento teórico entre
o que logo se chamará de Escola Inglesa e a Escola de Viena. Podem-se tam­
bém relacionar com estas divergências, as origens das discrepâncias que
mais adiante, nas décadas de 30 a 50, registrar-se-ão entre a escola kleinia­
igem na e a psicologia do ego. Em termos pessoais, esta polêmica com Anna Freud
"téc­ é, em parte, responsável, como já o dissemos, por Freud nunca ter apoia­
tgos, do, nem considerado os desenvolvimentos kJeinianos.
, sig­ Klein crê que a análise de crianças é completamente análoga à do adul­
~ntes
to. A neurose de transferência se desenvolve do mesmo modo, apenas varian­
do a forma de comunicação, através do jogo, para ajustá-la às possibilida­
lfan­ des de expressão da mente infantil. O analista tem a função exclusiva de in­
por terpretar, em profundidade, todo o material associativo que o paciente traz.
aba­ Destaca a importância de analisar a transferência positiva e negativa, a an­
:era­ gústia e a culpa, e os efeitos adversos de interpretar, parcialmente, o mate­
uca­ rial, ou de introduzir técnicas não analíticas, como atitudes de orientação
~ em
e diretivas.
can­ Isto é completamente o contrário do que Anna Freud afirmava nessa
'etar época, na qual, com uma concepção diferente da mente infantil e de sua
), e, abordagem no tratamento, considerava que, na infância, as crianças não fa­
;res­ zem uma neurose de transferência com o terapeuta, pois suas transferências
dei­ estão ligadas diretamente aos pais reais. Ela pensava que a relação com o
lista terapeuta apenas deve reforçar os aspectos positivos do vínculo, em um ní­
la. vel reeducativo e de orientação.
cni­ Discreparam, também, quanto à estrutura psicológica que a criança
ssá­ possui. Melanie Klein acreditava, já nessa época, na existência de um supe­
rego precoce, aos dois ou três anos de idade, que se caracteriza por seu sa-

A Psicanálise depois de Freud I 85


dismo, devido ao qual uma das funções do tratamento seria a de reduzir que, nas
sua crueldade excessiva. Anna Freud, em troca, propôs a necessidade de re­ genitais que
forçar o superego, que seria fraco nas crianças. se assim da
um sentido

As primeiras hipóteses. ,

Superego precoce. Complexo de Edipo precoce

As duas hipóteses mais importantes que Klein formulou nesse período são:
a) a existência de um superego precoce, que primeiro situa entre os
dois e três anos de idade e, depois" faz retroceder até o começo da vida psíquica;
b) a idéia do complexo de Edipo precoce, situado nos períodos pré-ge­
nitais do desenvolvimento.
Trataremos de explicar, sumariamente, ambas as hipóteses. Para enten­
der a origem destes conceitos, no período das primeiras descobertas, é im­
portante que destaquemos quais foram as idéias teóricas sobre as quais tra­
balhou, nesse momento de sua obra. Descrevê-las-emos, ordenando-as nos
pontos seguintes.
a) Destacou que a agressão possui um papel central, tanto no desen­
volvimento psíquico precoce, como durante a vida do sujeito. As pulsões
agressivas têm grande importância nos primeiros anos da vida psicológica,
principalmente no vínculo com a mãe. Centrou seu interesse em investigar
os períodos pré-verbais do desenvolvimento, aos quais atribuiu uma gran­
de riqueza de fantasias inconscientes. Klein toma, primeiramente, o concei­
to de fase de sadismo máximo de seu mestre Abraham, supondo que essa
acontece aos seis meses d"Eddade, vinQl.Jada ª~n~ção e ao desmame. De­
pois, transfere a agressão para períodos ainda máisprecõêes da viCIa, mas
a toma independente dos processos biológicos e a limita ao campo estrito
da fantasi<!lnconsdeIlte. Quer dizer que procura eXplicações em um nível
~~~~~~siç91ógico. ciúme
Muitos autores, principalmente da psicologia do ego, reconhecem em agressivas para
Melanie Klein a grande contribuição para a psicanálise, que significou o des­ mento kleiniano,1
taque que ela pôs na agressão humana, principalmente para a compreensão qüência de tais
das patologias graves, psicótica e borderline. Em compensação, não concor­ angústia perse<
dam, como veremos no capítulo de discussão da obra de Klein, quando ela xual. Também
considera que a existência das pulsões agressivas é devida à pulsão de morte. suas pulsões
b) Freud e Abraham pensavam que a libido evoluísse através de pas­ que se produz UI
sos progressivos, aos quais chamaram de fases de organização libidinal. O mulher como no
modelo tem uma indubitável origem darwiniana, tomando como ponto de de um complexo
partida que esta progressão libidinal é dirigida pela sucessão de etapas bioló­ ou menor angús
gicas de maturação. As zonas erógenas oral, anal e fálico-genital são o cen­ edípico posterior
tro respectivo de cada uma destas fases. As idéias q\
Melanie Klein, interessada em estudar os períodos pré-edípicos do de­ tras correntes do
senvolvimento mental, logo muda o conceito de fases libidinais, ao afirmar

86
reduzir que, nas crianças pequenas, observa uma mescla de pulsões orais, anais e
e de re­ genitais que se sobrepõem a partir das primeiras relações de objeto. Afasta­
se assim da idéia de fase libidinal, como unidade de desenvolvimento, em
um sentido cronológico, substituindo-a, tempos depois, pela idéia de posi­
ção, como um conceito mais dinâmico e menos preso à biologia.
Dizer que as pulsões orais estão misturadas precocemente com as geni­
tais também implica adiantar a triangulação edípica a estágios pré-genitais
do desenvolvimento. Disto surge a idéia de complexo de Édipo precoce,
quando a sexualidade contém agressão. Isto produz sentimentos de culpa.
ldosão: As reações de angústia, dor e culpa também se relacionam com a idéia do
~ntre os
superego precoce.
síquicai c) As pulsões agressivas - pré-genitais - expressam-se, desde o começo
pré-ge­ da vida, através de fantasias inconscientes, que estão dirigidas para o cor­
po da mãe. Este é o primeiro espaço que pode ser diferenciado, de forma
l enten­ primitiva, pelo bebê e representa, para ele, o mundo externo. A criança tem
), é im­ desejos de penetrar neste corpo, atacando-o sadicamente. Na fantasia infan­
lais tra­ til, são destruídos seus conteúdos, originando a angústia mais profunda, tan­
I-as nos
to para a menina como para o varão. Klein designa pelo nome de fase femi­
nina a esta etapa, pela qual todos os bebês passam, em seu desenvolvimen­
desen­ to. Tanto a angústia de castração no homem, como a ameaça de perda de 4­
pulsões amor na mulher, são derivados secundários da angústia persecutória prove­
,lógica,
niente da fase feminina. Muda, portanto, a idéia de Freud de que o confli­
restigar to edípico (tardio) e a angílstia de castração sejam o complexo nodular das
a gran­ neuroses. Klein, ao supor que, na fase feminina, a curiosidade sexual está
concei­ misturada ao sadismo, como conteúdo primário, modifica a concepção freu­
ue essa diana de que a curiosidade é movida, principalmente, pelos desejos libidi­
1e. De­ nais e prinápio do prazer. A criança quereria penetrar no corpo matemo,
[a, mas para ver seus conteúdos (imagina que há fezes, bebês e pênis) e, ao mesmo
estrito tempo, quer se apropriar deles, ,roubá-los e destruí-los. Estas pulsões são
~flívet
<

motivadas tanto pelo desejo de conhecer (pulsão epistemofílica) como pelo


ciúme destrutivo, sendo, ao mesmo tempo, a expressão direta de pulsões
:emem agressivas para'com a cena primária parental ~2). Mais adiante, no pensa­
10 des­ mento kleiniano, estas idéias se fundamentarão na inveja primária. A conse­
'eensão qüência de tais fantasias será, quando projetadas ao exterior, uma intensa
:oncor­ angústia persecutória, como ameaça de destruição física, emocional e se­
1do ela xual. Também provém do temor de ser castigada, de forma retaliativa, por
morte. suas pulsões sádicas. O nome de fase feminina alude a que Klein considera
~e pas­
que se produz uma identif!cação com o corpo feminino atacado, tanto na
inaI. O mulher como no homem. E o primeiro passo que leva ao desenvolvimento
mto de de um complexo de Édipo direto e invertido, em ambos os sexos. A maior
; bioló­ ou menor angústia persecutória desta etapa define se o desenvolvimento
ocen­ edípico posterior será normal ou patológico.
As idéias que acabamos de apresentar são muito combatidas pelas ou­
do de­ tras correntes do pensamento psicanalítico, que não aceitam atribuir senti­
lÍirmar
A Psicanálise depois de Freud / 87
mentos e fantasias complexos a períodos precoces do desenvolvimento men­
tal, nem outorgar à agressão um papel essencial, primário e independente
das influências ambientais.
d) Nos tratamentos de crianças neuróticas e psicóticas, Klein descreve
uma grande variedade de fantasias inconscientes. O jogo infantil é uma ma­
neira simbólica de elaborar fantasias e modificar a angústia. A criança pro­
cura dominar os perigos de seu mundo interno, deslocando-os para o exte­
rior e aumentando, desta forma, a importância dos objetos externos. O jo­
go é como uma ponte entre a fantasia e a realidade; uma maneira da crian­
ça produzir símbolos, necessários para o desenvolvimento mentaL os a novos conhec:it
Em seu artigo "The importance of symbol-formation in the develop­ Depois de ter
ment of the ego" (1930), Klein considera que a angústia persecutória do cor­ períodos da teoria
po da mãe e do seu interior, por tê-lo destruído com fantasias sacliC'él$,é o perego precoce e
que leva o ego a procurar novos objetos no exterior, para acalmar a angús­ à medida que se
tia. Estes objetos, para os quais a criança desloca seu interesse, adquirem tão, daremos uma
para ela um significado simbólico do corpo matemo. São as bases primiti­ ram na teoria
vas da formação de símbolos e das relações com o mundo externo e a realidade.
e) Vejamos agora, embora de forma panorâmica, algumas diferenças
com as idéias de Freud sobre a sexualidade feminina. Melanie Klein conside­
ra que, desde muito cedo, há um conhecimento inconsciente da diferença
dos sexos, tanto nas mulheres como nos homens. Afirma que as meninas A idéia de
têm sensações vaginais e não apenas clitoridianas, que ambos os sexos pos­ to cronológico,
suem fantasias precoces do coito parental, da vagina e do pênis, com suas o descreveu como
funções receptivas e de penetração, respectivamente. Isto é completamente culminar o complext
diferente da idéia que Freud tinha sobre a sexualidade infantil; para ele, tan­ cinco anos de
to as mulheres como os homens recusam a diferença entre os sexos como ções parentais,
forma de eludir a angústia de castração. Klein crê que, muito precocemen­ tor do sexo oposto;
te, já na etapa oral, os desejos sexuais se dirigem para a mãe e para o pai, Melanie l<lein...I
estabelecendo os aspectos positivos e invertidos do complexo de Édipo precoce. dos dois anos de
Para Freud, a menina se considera castrada e sente inveja do pênis. Is­ e remorsos. Estê
so faz com que se decepcione com a mãe, porque não lhe deu um e procu­ go mais precoce do
re, como substituto, o pênis do pai. Desta forma, introduz-se no complexo vamente sádico e
de Édipo. Klein não concorda com tal concepção. Postula que a menina tem ta, uma menina de
desejos genitais precoces, que a levam a querer receber o pênis e os bebês. TOse obsessiva
O desejo feminino de internalizar o pênis paterno e receber os bebês prece­ superego precoce
deria, invariavelmente, o desejo de possuir o pênis. O desejo fálico, na mu­ mais cruel do que
lher, ê secundário a uma busca especificamente feminina. A inveja do pênis, múltiplas e sua
na mulher, é secundária à angústia por seus órgãos femininos. A revisão cas da criança.
que Klein faz (com Jones, Karen Horney e outros) das idéias de Freud sobre Recordemos o
a sexualidade feminina influi grandemente em sua teorização do complexo de sua obra, acentL'o.
de Édipo precoce .. tência de uma fase
f) Figura combinada dos pais. Klein descreve, sob este nome, uma sé­ coincidindo com o
rie de fantasias precoces sobre a cena primária, em sua versão mais primiti­ idéias de Abraham,
va: por exemplo, o pênis do pai contido no corpo da mãe. A criançajanta­ to o momento como

88
~n-
sia que seus pais estão unidos de uma forma permanente e interminável,
\te compartilhandósatísfàções orais, anais e genitais. O ciúme e a inveja produ­
zem desejos de atacar o corpo da mãe, que contém o pênis do pai, sendo
~ve formadas, por projeção imagens persecutórias que causam grande angústia.
f

Ia­ Klein as descobriu tanto no jogo infantil como nos pesadelos e terrores no­
ro­ turnos. A fantasia da mãe fálica (Imdher com pênis), para ela, é uma versão
te­ desta figurapaienfál combinada. A utilidade clínica destes conceitos pode
jo­ ser obser\fãrla::no trabalho de Fanny Blanck de Cereijido (1981), para o estu­
m­ do dos transtornos da identidade sexual. A autora os utiliza, incorporando­
os a novos conhecimentos, provenientes das escolas psicanalíticas atuais.
)p­ Depois de ter resumido algumas idéias que pertencem aos primeiros
or­ períodos da teoria kleiniana, é útil que nos detenhamos nos conceitos de su­
éo perego precoce e complexo de Édipo precoce. Estes temas foram mudando,
ús'­ à medida que se integraram, de 1935 em diante, à teoria das posições. En­
em tão, daremos uma síntese de seu conteúdo principal e a evolução que sofre­
li ti­ ram na teoria kleiniana.
de.
ças
de­ Do superego aterrorizante ao superego benevolente
[IÇa
nas A idéia de superego precoce se refere, em primeiro lugar, a um aspec­
10S­ to cronológico, comparando-o com o superego da teoria freudiana. Freud
uas o descreveu como uma estrutura intrapsíquica, produzida na criança, ao
~nte culminar o complexo de Édipo, durante a etapa fálica infantil, entre três e
'an­ cinco anos de idade. Forma-se pela interiorização das exigências e proibi­
mo ções parentais, especialmente sobre os desejos incestuosos para com o geni­
len­ tor do sexo oposto; por isso, é considerado o herdeiro do complexo de Édipo.
,ai, Melanie Klein começou a analisar crianças muito pequenas (a partir
)ce. dos dois anps de idade) e observou que tinham fortes sentimentos de culpa
. ls­ e remorsos. Este fato clínico a levou a postular a existência de um supere­
ICU­ go mais precoce do que o proposto por Freud e a descrevê-lo como excessi­
exo vamente sádico e cruel. Como exemplo desta situação, relata o caso de Ri­
tem ta, uma menina de dois anos e nove meses que padecia de uma severa neu­
,és. rose obsessiva ('The psychological principIes of early analysis", 1926). O
ece­ superego precoce que Klein propõe está situado no segundo ano de vida, é
mu­ mais cruel do que o superego tardio de Freud, forma-se por identificações
nis, múltiplas e sua severidade provém de que nele se projetam as pulsões sádi­
isão Cas da criança.
)bre Recordemos o que dissemos anteriormente. Klein, na primeira etapa
lexo de sua obra, acentua a importância das pulsões agressivas e postula a exis­
tência de uma fase de sadismo máximo, ao redor dos seis meses de idade,
Isé­ coincidindo com o momento da dentição e desmame. Assim continua as
niti­ idéias de Abraham, seu mestre e analista. Com esta perspectiva, muda tan­
nta­ to o momento como o mecanismo de formação do superego. Situa-o ainda

A Psicanálise depois de Freud / 89


mais precocemente, no primeiro ano de vida, acreditando que se origina nos quais a I

das primeiras identificações da criança com o objeto matemo, que, nesta Em outras p~
etapa, se introjeta canibalisticamente. Klein toma-se independente dos con­ motivo domi
ceitos frel!dianos, afirmando que o superego não se forma no final d~()çQI!l­ objeto. Se set
plexo de Edipo, m'as no começo dele. Inverte a relação entre ambos, ao di­ da de seu geJ
zer que ~o as características do superego precoce que definem o desenlac~ pertencem à l
edípico, assim como o desenvolvimento do ego e do caráter ("Eady stages principalmeI1l
of the Oedipus conflict", 1928). A fonte de maior angústia na criança peque­ objeto duranl
na seria a ação que este superego precoce exerce sobre o ego ("Personifica­ interessada
tion in the play of children", 1929). contribuirá
Em 1935, com a publicação de liA contribution to the psychogenesis
of manic-depressive states", produz-se um momento chave na teoria k1einia­
na, que também influi na conceptualização do superego, ao separar definiti­
vamente sua origem do conflito edípico. O superego existe desde o começo
da vida, formando-se pela introjeção de dois objetos contraditórios, um de
qualidades protetoras e benevolentes (objeto parcial idealizado) e outro de
caracteIÍsticas punitivas (objeto parcial persecutório). Vale dizer que a ori­
gem do superego precoce se inclui em um contexto mais amplo: a teoria
das posições. Este superego deve sofrer um processo de integração, duran­
te o desenvolvimento, o que dependerá das vicissitudes da posição depressi­
va. O aspecto severo e punitivo do superego provém do objeto parcial per­
secutório, introjetado nas origens, enquanto o objeto parcial idealizado se­
-t. ria o núcleo do ideal do ego, que se constitui durante a posição depressiva.
O caráter dual do superego sempre se mantém na teoria k1einiana. Ter­
mina por ser uma estrutura integrada, um objeto interno, resultado da ela­
boração das angústias depressivas e da união dos objetos internos em um
objeto total.
É enriquecedora, para a compreensão clínica, a idéia de um superego
com estrutura complexa, que inclui partes punitivas e também aspectos pro­
tetores para o ego. No entanto, o leitor pode se perguntar porque certos ob­
jetos introjetados desde o começo da vida formam o núcleo do superego e Esta é
outros se introjetam no ego. Nos trabalhos de Klein não é encontrada uma vertidas da
resposta clara. arly
Paula Heimann, em seu artigo "Algumas funções de introjeção e proje­
Édipo
ção na primeira infância" (1952, p. 127), aborda diretamente este proble­
ma, sugerindo uma resposta:
1)
"Então, a idéia de que a formação, tanto do ego como do superego,
começa na primeira infância e continua de forma interatuante, diverge das
idéias de Freud, apresentando alguns problemas novos. Se, como nós susten­
tamos, os objetos introjetados durante a infância constroem, tanto o ego
da criança como seu superego, temos de encontrar o fator que determina o
resultado da introjeção e a projeção. Quando um ato de introjeção contri­
bui para a formação do ego, e quando para a formação do superego? Eu
sugeriria que este fator discriminador jaz nos atributos do pai introjetado

90
rigina nos quais a criança está predominantemente interessada, no momento ...
nesta Em outras palavras, o que decide o resultado de um ato de introjeção é o
;con­ motivo dominante por parte da criança, no momento em que introjeta seu
com­ objeto. Se seu interesse principal no ato de introjeção se centrar na inteligên­
ia êÍi­ cia de seu genitor, em sua habilidade, manipulação de coisas - funções que
~nlace pertencem à esfera intelectual e motora do ego - o objeto introjetado será,
;tages principalmente, incorporado ao ego da criança. Se a criança introjetar seu
eque­ objeto durante um conflito atual entre amor e ódio, estando especialmente
lifica­ interessada nos atributos éticos de seu objeto, então o objeto introjetado
contribuirá para a formação do superego. A criança que introjeta sua mãe,
enesis enquanto ela está realizando determinada ação, digamos lavando-a, apren­
einia­ de, por sua vez, como se lavar (ou lavar um objeto), ou seja, uma habilida­
finiti­ de. Este seria um exemplo de introjeção que fomenta o desenvolvimento
,meço do ego".
1m de O texto tem a virtude de apresentar claramente o problema e, também,
:ro de as dificuldades do tema em estudo. A diferença entre a introjeção do obje­
a ori­ to no ego ou no superego aparece na citação muito ligada a interesses cons­
teoria cientes da criança, para estabelecer uma diferenciação metapsicológica ade­
luran­ quada.
)ressi­ Tampouco fica suficientemente esclarecido, na formulação kIeiniana,
J per­ qual é a relação entre os diferentes objetos internos e as estruturas da men­
:lo se­ te, descritas por Freud como id, ego e superego. Seria o superego um obje­
ssiva. to passível de transformação, durante toda a vida, segundo as característi­
. Ter­ cas dos objetos introjetados? Poderíamos descrevê-lo como um objeto inter­
a ela­ no ou um conjurtto de objetos internos, tirando-lhe, então, a característica
num de estrutura permanente e estável, descrita por Freud?
erego
spro­
)s oh­ Complexo de Édipo precoce
'ego e Esta é uma das teorias mais originais e, ao mesmo tempo, mais contro­
I uma vertidas da produção kIeiniana. Ao apresentá-la, pela primeira vez, em "E­
arly stages of the Oedipus conflict" (1928), Klein modifica duas idéias do
proje­
Édipo clássico de Freud.
roble­ 1) Situa-o precocemente, entre as fases pré-genitais do desenvolvimen­
to, ao redor do primeiro ano de vida. Em outros artigos adianta a data, co­
~rego,
-íno vimos que ocorre com o superego precoce. Em ''The Oedipus complex
;e das in the light of early anxieties" (1945), pensa que se estabelece aos três meses,
lsten­
em rela~ão com a elaboração da posição depressiva.
o ego 2) E um processo complexo, que se estende durante um período prolon­
lina o
gado. Klein amplia a gama de fenômenos que abrange e o transforma em
ontri­
01 Eu
organizador das pulsões genitais durante todo o desenvolvimento infantil.
No Édipo, desde os primeiros meses de vida, as fantasias da criança
etado
sobre o coito dos pais são construídas com objetos parciais. Não são os

A Psicanálise depois de Freud I 91


pais, como objetos totais, que constituem a cena primária, tal como ocorre Em 1945, Kle
na teoria freudiana. Para Klein, a cena primária tnmscorre, na fantasia da artigo ''The Oedip
criança, dentro do coipo-ôa·rnãê; o beb€situa o pênis do paidentre-<krcor­ concepções do Édi
po matemo. como ponto nodal
É importante fazer aqui um esclarecimento. Quando procuramos pen­ as frustrações orai
sar estes processos descritos por Klein de uma perspectiva fenomenológica edípicos. Estes SUI'I
ou sobre a base de dados que a criança pequena teria, através da percepção va, quando as pul
externa, estas hipóteses se tomariam incompreensíveis. Em compensação, do desenvolviment
se os tomarmos independentes de sua posição cronológica e os estudarmos Quanto ao <:fj
como fantasias que podem ser exploradas no inconsciente dos pacientes, tan­ o desejodê<-~
to crianças como adultos, nosso campo de conpreensão se enriquece muito. -J> o controle i

O leitor poderia nos dizer, com toda a razão, que Klein situa estes proces­ nal. Não é a
sos nos primeiros meses de vida; pensamos que este é o preço que ela paga de castração, ou
por seu enorme interesse em incluir as fantasias e desejos inconscientes que sivos e de amor
descobre, com tanta sagacidade, dentro de uma teoria do desenvolvimento. seu amor e seu
Vale a pena fazer esta ressalva, para que possamos acompanhar a descrição radoras para com
do mundo fantasmático que Klein atribui ao Édipo precoce, sem ficarmos para o futuro
limitados pelo questionamento "realista" sobre a impossibilidade de reconhe­ O leitor
cer, em idades precoces, processos complexos, como seria a diferença dos
sexos ou a cena primária. Veremos, no capítulo de críticas à teoria kleinia­
na que, de fato, muitas das que provêm da psicologia do ego são propostas
nestas bases.
Voltemos ao Édipo precoce. Klein descreve, na relação diádica mãe­ Período 1
bebê, fantasias agressivas de tipo oral, em que a criança deseja entrar no
seio e corpo matemos para morder, rasgar, roubar seus conteúdos; e outras,
de tipo anal, onde quer entrar no corpo da mãe para sujar e danificar o que
ela tem dentro. Dissemos anteriormente que isto constitui a fase feminina
com que o desenvolvimento começa, tanto na menina como no menino. A
passagem para a relação triádica é, nesta etapa, uma fantasia oral de incor­
porar o pênis do pai, para acalmar a frustração oralprovocada pela mãe e
para buscar um novo objeto que ajude a apaziguar as fantasias persecutó­
rias que sofre, por ter danificado o corpo matemo, na fase feminina. As fan­
tasias sobre o coito dos pais seriam sentidas como um intercâmbio de ali­
mentos entre eles, se as angústias forem predominantemente orais, ou co­
mo um ato excretório ou genital, segundo o caráter das fantasias que a crian­
ça introjete nelas. O resultado constitui uma situação complexa, produto
da oscilação de pulsões orais, anais, uretrais e genitais que, paulatinamen­
te, devem levar a um predomínio de fantasias genitais, para que o Édipo se­
ja resolvido adequadamente. Ao mesmo tempo, misturam-se desejos agres­ mecanismos
sivos e libidinais; entrementes se produzem mudanças e interações entre projetiva e a
um Édipo positivo e outro negativo, tanto na menina como no menino. O significado aos
resultado final destas tendências levará, no desenvolvimento normal, a uma seria definida
escolha heterossexual, baseada no predomínio de pulsões genitais. que os fatores

92
re Em 1945, Klein reformula suas idéias sobre o Édipo precoce, em seu
la artigo 'The Oedipus complex in the light of early anxieties". Integra suas
Ir- concepções do Édipo precoce com as novas idéias da posição depressiva,
como ponto nodal do desenvolvimento infantil. Desta perspectiva, não são
n­ as frustrações orais, nem as pulsões de ódio que desencadeiam os desejos
ca edípicos. Estes surgem, pelo contrário, com o começo da posição depressi­
ão va, quando as pulsões de amor para com os pais agem como propulsores
o, do desenvolvimento, levando à busca de novos objetos.
os Quanto ao declíni() do Édipo, Kleinpensa que é o amor pelos pais e
lfl­ o desejo de preservá-los, juntos e indenes.que produz a renúncia edípica e

-~
:0. o controle dos sentimentos agressivos. Esta é uma conceptuallzaçãoorigi­
~s- rial. Não é a cultura que impõe a renúncia pulsional, tampouco a ameaça
ga de castração, ou a lei, mas a luta dentro da mente, entre sentimentos agres­
rue sivos e de amor para com os pais. Neste esforço da criança para integrar
to. seu amor e seu ódio, as pulsões edípicas permitem expressar fantasias repa­
:ão radoras para com o casal de pais, o que marca um alvo muito importante
lOS para o futuro desenvolvimento sexual do indivíduo.
he­ O leitor interessado em ampliar este tema pode consultar o trabalho
ios de Terencio Gioia (1975), HEI complejo de Edipo en la teoria kleiniana. Estu­
lia­ dio comparativo con las ideas de Freud".
,tas

ãe­ Período 1932-1946. Consolidação da teoria kIeiniana


no
'as, De 1934 em diante, Klein elabora uma nova metapsicologia. O ponto
:}ue de partida é a teoria das posições. Descreve duas posições, a esquizo-para­
,ina nóide e a depressiva.
.A As hipóteses básicas que se conjugam em tomo das posições são cita­
:or­ das abaixo.
ie e a) Uma teoria do desenvolvimento precoce. A relação do bebê com
ltÓ­ sua mãe e, mais especificamente, com o seio da mãe (como primeiro víncu­
:an­ lo oral) situa-se no centro deste desenvolvimento. O psiquismo se forma atra­
ali­ vés destas relações de objeto precoces, primeiro com a mãe e depois com o pai.
co­ b) O conceito de posição, em Klein, substitui a idéia de fase do desen­
ian­ volvimento libidinal de Freud e Abraham. As pulsões estão misturadas e
luto se ordenam em redor das relações de objeto, com suas fantasias e angústias.
len­ c) É uma teoria interpessoal. A relação com a realidade se estabelece
) se­ pela interação complexa entre os objetos do mundo interno e externo. Os
;res­ mecanismos principais que possibilitam o intercâmbio são a identificação
ntre projetiva e a introjeção. Os objetos do mundo interno, por projeção, dão
l. O significado aos objetos externos e à realidade. A existência de uma mãe boa
lIma seria definida pela projeção de pulsões amorosas do bebê por ela. Mesmo
que os fatores ambientais sejam muito importantes, nunca serão tomados
.como um elemento exclusivo ou definitivo. A teoria das posições explica o

A Psícanálise depois de Freud I 93


vínculo com a realidade, tanto externa como interna. Na posição esquizo­ 1. angústia
paranóide, os objetos serão distorcidos e fantásticos, como resultado da dis­ ser atacado;
sociação e da projeção neles de pulsões libidinais e tanáticas; na posição de­ 2. relação
pressiva, os objetos, tanto internos como externos, estarão integrados e rio, que são
mais de acordo com o princípio de realidade. 3. o ego se
d) A angústia continua a ser o elemento principal para entender o con­ sa intensos e
flito psíquico. a introjeção ea
e) A idéia de pulsões de vida e de morte está sempre presente no pensa­ Klein acreatUl
mento kleiniano. E o substrato teórico em que se fundamenta a luta entre
pulsões de amor e ódio, que são os elementos definitivos do conflito psíqui­
co e a origem da angústia.
f) A fantasia inconsciente é descrita como um acontecimento constan­
te e permanente da mente, expressando-se tanto nos fenômenos inconscien­
tes como nos conscientes. Susan Isaacs (1952, p. 83), continuando a idéia
pulsional de Klein, define-a como "a expressão mental dos pulsões", mas,
paulatinamente, o sentido biológico da noção de pulsão vai perdendo for­
ça, para dar lugar a uma explicação da fantasia, em um nível exclusivamen­
te psicológico (3). Sob esta perspectiva, é entendida como uma trama emo­
cional que se desenvolve pela interação dos objetos internos.
g) A noção de corpo, na teoria kleiniana (interior do corpo da mãe e
seus conteúdos, interior do próprio corpo) também perde seu conteúdo bio­
lógico, para se referir exclusivamente a um nível fantasmático.
Como bem o diz Guntrip (1961, p. 182), em sua teoria, a criança é amente, as p~
uma "pessoa corporal", preocupada emocionalmente com "pessoas corpo­ a partir desse
rais": suas fantasias são sobre "corpos" com relações orais, anais e genitais, Klein dá
que depois são aplicadas a todos os tipos de relações pessoais. do psiquismo
de devorar o seio
mentos. Isto gera
3. Teoria das posições nado. Está se

Posição esquizo-paranóide
Desde os primeiros tratamentos de crianças, Klein tinha descrito fanta­
sias persecutórias em idades precoces. Também observou, na clínica, no jo­
go e nas fantasias infantis, que as crianças podiam partir em dois um obje­
to, dissociá-lo, separando um aspecto totalmente bom, que projetavam em
uma pessoa, de um aspecto exclusivamente mau, que situavam em outra.
Denominou-o de mecanismo de splitting, ou dissociação.
Em 1946, em seu trabalho "Notes on some schizoid mechanisms", orga­
niza, de uma maneira coerente, todos estes processos primitivos, ao descre­
ver a posição esquizo-paranóide. Concebe-a como uma estrutura que orga­
niza a vida mental nos três primeiros meses de vida. É constituída por:

94
I esquizo­ 1. angústia persecutória. A angústia principal que o ego sente é a de
:lo da dis­ ser afacado;
>sição de­ 2. relação de objeto parcial, com um seio idealizado e outro persecutó­
~grados e rio, que são percebidos como objetos dissociados e excludentes;
3. o ego se protege da angústia persecutória com mecanismos de defe­
ler o con­ ~ intensos e onipotentes. Eles são: a dissociação, a identificação projetiva,
a introjeção e a negação.
no pensa­ Klein acredita existir um ego incipiente desde o nascimento, que sente
luta entre a angústia, relaciona-se com um primeiro objeto e realiza mecanismos de
to psíqui- defesa primitivos. O funcionamento mental dos períodos iniciais da vida
não seria totalmente desorganizado, caótico ou com uma indiferenciação
I constan­ ego-objeto. Para Klein, pelo contrário, possui uma organização. O primiti­
lconscien­ vo é definido pela qualidade da angústia e as características dos mecanis­
lo a idéia mos de defesa que, como já dissemos, são intensos e extremos. Ela os consi­
6", mas, derou de natureza psicótica.
lendo for­ . A angústia persecutória é experimentada pelo ego como uma ameaça
lsivamen­ ~ forças hostis que o atacam. Esta angústia tem uma origem principalmen­
ima emo­ ~Jnterna (a pulsão de morte age como uma força destrutiva dentro do indi­
víduo) e também outra, externa: a experiência traumática do parto e todas
da mãe e as situações posteriores que provocam frustração.
eúdo bio­ A pulsão de morte é projetada no primeiro objeto externo, o seio da
mãe; assim começa a relação entre o ego e o objeto mau externo. Simultane­
criança é amente, as pulsões libidinais são projetadas no objeto parcial seio bom, que,
as corpo­ a partir desse momento, aparece dissociado do seio mau ou persecutório.
~ genitais, Klein dá muita importância ao efeito que a agressão produz dentro
do psiquismo precoce. Expressa-se em fantasias inconscientes oral-sádicas
de devorar o seio e o corpo matemos, e anal-sádicas de atacá-los com excre­
mentos. Isto gera no bebê temores persecutórios de ser devorado e envene­
nado. Está se teorizando sobre um corpo matemo fantasmático, cuja ima­
go aparece deformada pelas fantasias do sujeito, devido à projeção de suas
pulsões agressivas. Fala de objeto em um sentido anatômico (as pulsões
orais se dirigem ao seio e não à mãe, pois esta não é percebida como uma
figura completa) e também em um sentido dinâmico (objeto parcial idealiza­
ito fanta­ do e objeto parcial persecutório); por um processo primitivo de dissociação,
ca, no jo­ o bebê percebe tanto o mundo externo, como a si próprio, divididos em
um obje­ duas partes absolutamente inconciliáveis, um objeto idealizado, ao qual atri­
:avamem bui todas as experiências gratificantes, e um objeto persecutório, ao qual
~m outra. atribui todas as frustrações.
Os mecanismos de projeção e introjeção permitem a construção de
ns",orga­ um objeto bom interno e um objeto mau interno, ao introjetar os objetos
ao descre­ externos bom e mau, respectivamente. Deste modo, se estabelece uma dinâ­
que orga­ mica constante de projeção e introjeção entre os objetos e as situações exter­
il'or: nas e as pulsões e fantasias internas, que estarão indissoluvelmente mistura­
das. ã medida que o desenvolvimento psíquico avança, produz-se uma evo-

A Psicanálise depois de Freud I 95


lução desta estrutura. Por um lado, existem momentos de integração dos com o bebê (ho],
objetos dissoàados; por outro, a introjeção do objeto bom forfalece o ego, cerá bem e terá
permitindo-lhe tolerar melhor a angústia, sem projetá-la. Portanto, diminui, pensação, que e
progressivamente, a angústia persecutória e isto, por sua vez, favorece os cas e vorazes no
processos de integração. Assim se produz a passagem para a organização vorado por seu i
seguinte, a posição depressiva. guição, por mai!
Klein diz, em "Notes on some schizoid mechanisms": uÉ na fantasia
Acreditam<l
que a criança diva o objeto e diva a si própria, mas o efeito desta fantasia não nos deixa c~
é muito real, porque conduz a sentimentos e relações (e depois a processos que na inadequétl
de pensamento) que, em realidade, estão separados entre si" (1946, p. 260). a complexidade
Queremos discutir aqui um ponto importante desta teorização. Klein Outro
estabelece uma relação dinâmica entre as experiênàas internas e as externas,
produzida através dos mecanismos de projeção e introjeção. O destaque é
posto, indubitavelmente, no interno: as pulsões agressivas e amorosas que
lutam na mente, primeiro clivadas e depois mais integradas, no vínculo com
os objetos primários. As experiências com os objetos externos são importan­
tes como moderadoras da angústia provocada, basicamente, por causas in­
ternas, de origem pulsional. Assim o manifesta, claramente, Klein, na seguin­
te citação de "Some theoretical condusions regarding the emotional life of
the infant":
"As vivências repetidas de gratificação e frustração são estímulos pode­
rosos das pulsões libidinais e destrutivas, do amor e do ódio ... Desta for­
ma, a imagem do objeto, externa e internalizada, é distorcida, na mente
do lactente, por suas fantasias, ligadas à projeção de suas pulsões sobre o
objeto. O seio bom, externo e interno, chega a ser o protótipo de todos os o desenvohn""'",n~J
objetos protetores gratificantes; o seio mau, o protótipo de todos os objetos
perseguidores externos e internos. Os diversos fatores que intervêm. na sen­
sação do lactente de ser gratificado, tal como o aplacamento da fome, o pra­
zer de mamar, a liberação do incômodo e da tensão, isto é, a liberação de
privações e a experiênàa de ser amado, são todos atribuídos ao seio bom.
Inversamente, qualquer frustração e incômodo são atribuídos ao seio mau
(perseguidor)" (1952a, pp. 178-179).
Klein diz que os fatores externos são muito importantes, desde o come­
ço, pois toda a experiência boa fortalece a confiança no objeto bom exter­
no e todo estímulo de temor à perseguição, pelo contrário, reforça os meca­
nismos esquizóides, perturbando o progresso desta integração; é indubitá­
vel, no entanto que, no conjunto de sua teorização, dá mais importância
aos fatores intrínsecos do indivíduo, determinados pela luta de suas pulsões,
do que aos de índole externa.
Por este motivo, autores como Wínnicott compartilham de algumas
idéias de Klein sobre o desenvolvimento precoce, mas se polarizam em um
sentido diametralmente oposto a ela, quando hieraquizam o papel da mãe
como determinante para o desenvolvimento mental da criança. Winnícott
acredita que se a mãe tiver uma boa atitude de sustentação emoàonal para

96
ação dos com o bebê (holding), alimentando-o e cuidando-o adequadamente, ele cres­
ce o ego, cerá bem e terá um bom desenvolvimento psíquico. Klein pensa, em com­
diminui, pensação, que esta reação não é linear. Se o lactente projetar fantasias sádi­
V'orece os cas e vorazes no seio, senti-Io-á em seu interior como um objeto interno de­
;anização vorado por seu ataque e, por sua vez, devorador, o que reforça sua perse­
guição, por mais adequado que seja o cuidado que a mãe lhe forneça.
1 fantasia Acreditamos que o peso que Klein dá ao interno é importante, pois
a fantasia não nos deixa cair em uma idéia simples da patologia, ao pôr todo o desta­
processos que na inadequação dos pais e em fatores ambientais adversos, eliminando
I, p. 260). a complexidade de elementos que interagem no desenvolvimento.
:ão. Klein Outro ponto teórico importante é que ela não aceita a idéia de narcisis­
. externas, mo primário, descrita por Freud. Ao estabelecer que existe um ego incipien­
lestaque é te, desde o nascimento, capaz de experimentar angústia, de sentir um confli­
,rosas que to entre pulsões de amor e de ódio, no vínculo com os objetos primários, e
lculo com de possuir mecanismos de defesa, atribui muitas capacidades a este ego pri­
importan­ mitivo, e uma possibilidade de diferençar entre o selE e o objeto. Para Klein,
causas in­ a relação narcisista é uma relação com um objeto idealizado interno, em
naseguin­ que o ego se confunde com este objeto, enquanto o objeto persecutório é
.nallife of dissociado e projetado no exterior. Esta relação narcisista é provocada por
um conflito e inexoravelmente produz angústia, embora seja negada ou cli­
ulospode­ vada. É importante acentuar as idéias kleinianas sobre o narcisismo primá­
Desta for- rio, pois, como se verá mais adiante, há outras teorias do desenvolvimen­
na mente to precoce que aceitam as idéias de Freud a respeito. Mahler, por exemplo,
es sobre o fundamenta no narcisismo primário sua idéia da etapa de simbiose durante
le todos os o desenvolvimento. Também Winnicott o aceita, quando pensa que o recém­
os objetos nasddo atravessa uma etapa de não diferenciação ego-não ego.
êrnna sen­
.me, o pra­
beração de Mecanismos de defesa da posição esquizo-paranóide
seio bom.
:l seio mau Já descrevemos alguns destes mecanismos, para explicar a relação com
os objetos\parciais e sua constituição. lÇ1ei~os~a como processos
deocome­ extremos, intensos e de características onipotent~ S-ªoJndispensáveis, ao
bom exter­ mesmo tempo, para organizar as primeiras modalidades do funcionamento
;a os meca­ mental, opondo-se à angústia persecutória, que é insuporwelpara o~fraco
é indubitá­ ego. Denominou-os de mecanismos psicóticos, semelhantes aos que ocorrem
mportância em 'estados esquizóides graves e esquizofrênicos. Pensou que toda criança
las pulsões, passa, durante seu desenvolvimento, por uma psicose infantil, etapa nor­
mal, determinada pela presença destes mecanismos e angústias extremos
de algumas das posições esquizo-paranóide e depressiva.
1:am em um Neste desenvolvimento precoce, encontram-se os pontos de fixação
lpel da mãe das perturbações psicóticas posteriores. Por um lado, Klein faz agora o que
. Winnicott acontece com muitas teorias psicanalíticas: um critério psicopatológico é
.donal para aplicado ao desenvolvimento normal, através do conceito de pontos de fixa-

A Psicanálise depois de Freud / 97


ção. Recorde-se que Freud e Abraham utilizaram este critério, quando pen­ oporem a ela. A
saram que as zonas erógenas do desenvolvimento libidinal são os pontos
de fixação das diferentes patologias psicóticas e neuróticas; quanto mais re­
gressivo for o ponto de fixação, mais grave será a patologia originada. Klein
aplica o mesmo critério aos processos primitivos do desenvolvimento.lntro­
duz um problema conceptal, ao atribuir fenômenos psicóticos à criança pe­
quena, em sua evolução normal. Muitos autores consideram que a descri­
ção destes mecanismos é muito útil para compreender os fenômenos psicóti­
cos na clínica, mas não concordam em atribui-los ao desenvolvimento nor­
maL Klein sempre deu a·máxima importância a seu enfoque genético, to­
mando-o como uma explicação concreta de que esta é a estrutura psíquica
do lactente e que sua mente funciona assim.
Referindo-se a este problema, em 1946, diz:
"N!ULrimeira infância, surgem as angústias características dasJ!sicosesL na clínica a nquezct
que levam o ego a desenvolver mecanismos de defesa específicos. Neste pe­ da posição esquiz<j
ríodo, encontram-se os pontos de fixação de todas as perturbações psicóti­ ra compreender
caso Esta hipótese leva certas pessoas a acreditarem que considero que todas
as crianças são psicóticas, mas já me ocupei suficientemente deste mal-enten­
dido, em outras oportunidades. [As angústias psicóticas, os mecanismos e
as defesas do ego da infância exercem uma profunda influência em todos
os aspectos do desenvolvimento, inclusive do desenvolvimento do ego, do
superego e das relações de objeto'r (pp. 255-256).
No mesmo artigo esclarece que, se os temores persecutórios são dema­
siado intensos, produz-se um fracasso na elaboração da posição esquizo-pa­
ranóide, o que leva a um reforço regressivo dos temores persecutórios, esta­
belecendo-se pontos de fixação para graves psicoses (grupo das esquizofre­
nias). Do mesmo modo, as dificuldades surgidas na elaboração da posição
depressiva estabelecerão o ponto de fixação da doença maníaco-depressiva.
Klein superpõe, assim, um critério psicopatológico com uma explica­
ção estrutural sobre o desenvolvimento normal (teoria das posições). O que
confunde, na explicação destes mecanismos e angústias primitivas, é que ela
, não considera estes conceitos como uma representaçãohipgtétkadª~iyên­
õas do Tactente, inferida a partir da análise de crianças e.deadultos neuróti­
cos e psicóticos. Seu enfoque genético, e sua preocupação em ~cõiisôlidar
uma teoria do desenvolvimento precoce, fazem com que os transforme em
uma explicação concreta da estrutura psíquica do lactente e de como funcio­
na sua mente. A idéia se toma mais forte ainda, se possível, quando afir­
ma que, na transferência, são revividosos conflitos reais que ocorreram com
o seio. Isto faz parte, em nosso ponto de vista, do "mito das origens". Co­
mo poder comprovar que assim sucedeu realmente, na experiência do bebê?
Não há campo de observação capaz de verificar estas hipóteses.
As posições podem ser tomadas como uma organização, cujo centro
psicológico é a angústia; esta ordena a totalidade da vida psíquica, em rela­
ção a um objeto e aos mecanismos de defesa que entram em jogo para se

98
) pen­ oporem a ela. A fantasia inconsciente combina todos estes elementos em
)ontos uma estrutura específica e, ao mesmo tempo, mutável. Klein tem necessida­
ais re­ de de relativizar a descrição, um tanto sistemática, que faz das posições,
, Klein quando diz, em ''Notes on some schizoid mechanisms":
Intro­ "Sempre ocorrem algumas flutuações entre a posição esquizóide e a
lça pe­ depressiva, que fazem parte do desenvolvimento normal. Portanto, não se
descri­ pode estabelecer uma divisão exata entre estes dois estados do desenvolvi­
)sicóti­ mento, dado que a modificação é um processo gradual e os fenômenos das
:0 nor­ duas posições permanecem, durante algum tempo, áté certo ponto mistura­
co, to­ dos e reáprocos. No desenvolvimento anormal, esta ação reáproca influi,
síquica acredito, no quadro clínico, tanto da esquizofrenia como das perturbações
maníaco-depressivas" (1946, p. 270).
A discriminação que fazemos toma-se importante para poder avaliar
;icoses, na clínica a riqueza que nos oferece a descrição dos mecanismos defensivos
~te pe­ da posição esquizo-paranóide (Hinojosa, 1.R., 1988). Podemos usá-los pa­
psicóti­ ra compreender os processos mentais dos pacientes, sem que por isso fique­
e todas mos, necessariamente, atados às propostas genéticas kleinianas. Descrevere­
l-enten­ mos brevemente estes mecanismos de defesa primitivos.
ismos e
~ todos [)issociação, projeção e introjeção. Seriam as defesas mais arcaicas,
ego, do os processos fundamentais para a construção dos primeiros objetos exter­
nos e internos.
) dema­ A projeção aparece, primeiramente, ligada à pulsão de morte, cuja
lizo-pa­ ameaça de destruição interna é neutralizada, ao ser expulsa para fora do su­
)s, esta­ jeito. Esta projeção de agressão e de libido permite que se constituam os ob­
uizofre­ jetos parciais seio bom e seio mau. Este conceito de projeção se enriquece
posição com a descrição da identificação projetiva, como mecanismo básico.
.ressiva. A dissociação é a resposta do ego diante da angústia persecutória. Per­
explica­ mite que se efetue uma primeira divisão bom-mau dos objetos externos e in­
I.o que ternos; são defesas úteis e necessárias para favorecer a organização das pri­
~ que ela ~eiras estruturas da mente, que depois poderão se integrar paulatinamente.
~~"iyên­ ! Se este processo de dissociação fracassar, produzem-se fenômenos de desin­
neuróti­ :J tegração e fragmentação e um desenvolvimento patológico da posição es­
nsolidar quizo-paranóide, base para doenças psicóticas posteriores.
)rme em A dissociação dos objetos é acompanhada, inexoravelmente, de uma
) funcio­ dissociação dOeg6~í~urna defesa necessária para proteger o ego débil de
,do afir­ uma angústia persecutória excessiva. Aplica-se aos objetos e também a estru­
ramcom fUras e fantasias. Serve para separar o bom do mau, mas também o inter­
ns". Co­ no__do externo e a realidade da fantasia. A dissociação do objeto possibilita
do bebê? que Se constitua o primeiro objeto bom interno, como o núcleo do ego e
do superego. Deve-se poder separar suficientemente o objeto mau, para que
jo centro o aspecto bom idealizado do objeto e do selE possam estabelecer uma rela­
em rela­ ção segura dentro do ego. Quando as angústias persecutórias decrescem, a
) para se dissociação diminui, produzindo-se uma impulsão para a integração dos ob-

A Psicanálise depois de Freud I 99


jetos e do ego. Isto constitui a entrada na posição depressiva. O conflito
mental fica, assim, definIdo como uma luta constante entre a possibilidade
de dissociar e de integrar os objetos, fora e dentro do selE.
Esta idéia kleiniana do desenvolvimento mental como um esforço por
realizar integrações progressivas, através da elaboração das angústias e da
luta constante do indivíduo entre seus desejos de amor e de ódio, afasta-se
completamente do substrato biológico que Freud deu à sua teoria das pul­
sões e também da idéia de conflito como uma luta entre o desejo de descar­
ga pulsional e forças internas e externas que se opõem a esta descarga.
Nas pulsões para dissociar e integrar os objetos, há, para Klein, uma
intenção inconsciente junto a uma necessidade defensiva. Isto faz com que
o sujeito sempre tenha uma responsabilidade psíquica diante de seus progres­
sos e de suas regressões. Os objetos danificados ou reparados dentro do selE
existem como uma realidade concreta em seu psiquismo, tendo conseqüên­
cias fundamentais para a saúde mental.
Grotstein, J. (1981), em seu livro Splitting and Projective IdentiEication,
ocupa-se em examinar, amplamente, estes mecanismos defensivos em seu
aspecto normal, isto é, como instrumentos da organização mental primiti­
va, e também em sua participação nas diferentes patologias. Dá prioridade
à clivagem, com o propósito de reavaliar a importância dos mecanismos
dissociativos, no desenvolvimento da personalidade.,
Entende-se que um dos propósitos do tratamento será auxiliar, com a
interpretação, o paciente, para que possa integrar seus aspectos dissociados.
Esta dissociação pode se efetuar de múltiplas maneiras. O paciente pode,
por exemplo. dissociar como mau o vínculo com sua esposa e situar o idea­
lizado com seu analista; sentirá que ninguém pode entendê-lo tão bem co­
mo ele. Se se interpretar somente a transferência positiva e não se levarem
em consideração os aspectos dissociados, postos no vínculo matrimon;al,
estar-se-á favorecendo o aumento dos conflitos internos e externos. Também
se pode estabelecer uma dissociação entre o objeto bom, posto no presente,
e o objeto mau, no passado. O paciente sentirá, então, que a culpa de to­
do mal que se passa na vida é de seus pais, que não o quiseram o suficien­
te (objeto mau dissociado no passado), enquanto procura idealizar a relação
com o analista. Toda interpretação que não faça justiça a ambos os aspec­
tos do objeto dissociado, não poderá ajudar o paciente no caminho de sua
integração. Klein insiste na necessidade de interpretar, sistematicamente, tan­
to a transferência positiva como a negativa, explícita e latente, do material
da sessão.
A introjeção também é um mecanismo essencial para a constituição
do psiquismo, pois é por introjeção dos primeiros objetos que $~çonstro­
em os objetos internos. Isto permite a formação do egóê~-também, do supe­
rego. Queremos acentuar novamente a idéia kleiniana de que os objetos
~e se introjetam nunca são uma cópia fid dos objetos.exteJ;:Jlos,~rn~
estes se encontram deformados por uma projeção das pulsões e sen_timent~

100
:onflito do sujeito. Klein está descrevendo, com sua idéia de mundo interno, uma
~~ ...
,
)ilidade nova concepção da mente. Ao mesmo tempo que utiliza a segunda tópica
de Freud, pensa que os objetos introjetados vão para o ego e também para
rço por o superego. Como não se pronuncia completamente por um dos dois mode­
ias e da los, ficaria por definir qual é a relação entre o ego, o superego e os objetos
fasta-se internos.
ias pul­
descar- Identificação projetiva. Este mecanismo foi descrito por Klein em seu
ga. artigo de 1946, e desde então se transformou em um conceito fundamental
in, uma para a teoria e a clínica da escola kleiniana. :1\, mente tem a capacidade oni­
:om que potente de se liberar de uma parte do selE, colocando-a em outro objeto.
progres­ Oresultado é uma confusão da identidade, uma perda da diferença real en­
) do sel1 tre sujeito e objeto.
lseqüên­ - O sujeito expulsa violentamente uma parte de si mesmo,jº~Iltitican­
do-secam o não projetado; _a_() objeto, por sua vez, são atribuidosos aspec:­
fication, tõspr()Jetados, dos quais o_sujeitose desprendeu. E~ta seria, para Klein,
em seu Uiila das bé!ses principais dos processos de confusão. EPEoduzido por ulIla
primiti­ motivação pessoal que procura se livrar de certas partes de si mesmo. O lei­
ioridade tor perceberá, sem dúvida, a diferença com as teorias, inclusive as de rela­
:anismos ções objetais, que propõem uma indiferenciação sujeito-objeto, por déficit
na maturação. Na teoria kleiniana, os processos do desenvolvimento nun­
r, com a ca são meramente derivados da passagem do tempo e do progresso natural,
ociados. mas obedecem a uma intenção inconsciente do sujeito. O bebê pode preci­
te pode, sar, para aliviar sua angústia, desprender-se de aspectos dolorosos de seu
r o idea­ próprio self, usando a identificação projetiva, colocando-os em sua mãe. Is­
bem co­ to pode ser considerado adequado para seu desenvolvimento, a partir de
levarem um observador externo, mas, ao livrar-se de sentimentos dolorosos, colocan­
imon;al, do-os em sua mãe, esta adquirirá inexoravelmente um significado persecutó­
Também rio para o bebê, por exemplo, a ameaça de que volte a inocular-lhe tais emo­
presente, ções. Um paciente pode precisar contar as experiências traumáticas que lhe
)a de to­ sucederam e nossa intenção será de escutá-lo com compreensão e benevolên­
suficien­ cia. Mas se o processo de identificação projetiva for intenso, o paciente vol­
a relação tará na próxima sessão com medo de que lhe digamos coisas muito doloro­
)s aspec­ sas, sem nenhuma consideração para com ele. Além de nossas boas inten­
o de sua ções, ele nos percebe a partir de suas próprias projeções e sua subjetivida­
~nte, tan­ de. Klein procura explicar estes processos com o conceito de identificação
material projetiva. Explicou-os como um mecanismo que permite desprender-se, tan­
todos aspectos maus, como dos bons de alguém. Neste último caso, a motI~
Istituição vação pode ser, por exemplo, situar os aspectos bons fora do selE, para pre­
_çonstro­ servá-los dos aspectos maus internos. Uma paciente depressiva tinha a capa­
do supe­ cidade diabólica para encontrar um aspecto maravilhoso em cada pessoa
~~jeto~ que se aproximava e, ao mesmo tempo, isto lhe servia como base de compa­
~~~ ração para se sentir denegrida e sem nenhuma qualidade. Dissemos que sua
ltimento~ capacidade era diabólica porque, se saía de férias com uma amiga, esta era,

A Psicanálise depois de Freud 1101


para ela, a pessoa mais hábil em esportes que se poderia encontrar, diante ~dE
da qual se sentia muito inábil; se ia a um concerto, sentia que alguém sabia n6ide.}
muitíssimo de música e ela não; quando se tratava de uma conversa social, Jam*~
o ponto de comparação era a grande cultura e conhecimentos das pessoas ..proteger
que a rodeavam, diante da ignorância que ela se atribuia. Sempre havia SQÇÍélÇão
uma clivagem, tanto nela como nos outros, que permitia separar qualida­ ja, em u
des que, objetivamente, não deviam ser, nem tão maravilhosas nos outros, sentimer
nem tão deficitárias em si própria. Poder-se-á deduzir, deste exemplo, que Bar
um problema da transferência era sua necessidade de idealizar intensamen­ Melanie
te o analista, clivando a insatisfação e as reivindicações~ que sempre ficavam mo uma
situados em outras situações de sua vida. tendênci
Uma das conseqüências da identificação projetiva excessiva é que o .~sratifi~
ego se debilita, ficando submetido a uma dependência extrema das pessoas
nas quais se projetaram os aspectos bons, para voltar a recebê-los delas,
ou os aspectos maus, para controlá-los e assim poder se proteger da amea­
ça de introjeção (4).
Em 1952, Klein propõe um equilíbrio entre os processos de identifica­
ção projetiva e introjetiva, como estruturantes do mundo externo e interno
(1952a). Compreende-se que é essencial para a normalidade que este equilí­
brio possa ser mantido. Em seu belo trabalho sobre a identificação (1955b),
descreve a identificação projetiva como um fenômeno normalLba~_ da em­
patia e da possibilidade de comunicação entre as pessoas: é nossa capacidã~
de de nos colocarmos no lugar do outro que nos permite compr~n.c;l~-:l()~_
Ao mesmo tempo, pode ser entendido como um fenômeno normal ou pato- ..
lógico,segundo sua intensidade e qualidade. O essencial para o processo
de integração é que predomine o amor e não o ódio na dissociação.
A identificação projetiva é explicada por Klein como a base de muitas
situações patológicas (5). Se o sujeito tem a fantasia de se meter violentamen­
te dentro do objeto e controlá-lo, sofrerá um temor pela reintrojeção violen­
ta, a partir do exterior, tanto no corpo como na mente. Isto provoca difi­
culdades na reintrojeção, que levam a alterações no ego e no desenvolvimen­
to sexual; podem levar o indivíduo a se isolar em seu mundo interior, refu­
giando-se em um objeto interno idealizado. As angústias persecutórias, pro­
vocadas pela fantasia de entrar à força dentro do objeto, são uma das bases
da paranóia. Se o temor predominante for o de ficar preso dentro do obje­
to, pelo desejo de controlá-lo, o indivíduo sofrerá de angústias claustrofóbi­
caso Também os sintomas de impotência podem ser entendidos como o te­
mor de ficar preso dentro do corpo da mãe.
A identificação projetiva foi o instrumento teórico com que os kleinia­
nos abordaram a análise de pacientes psicóticos e limítrofes. Desta manei­
ra, não modificaram basicamente a técnica da análise, mas aprofundaram
a compreensão dos fenômenos psicóticos, investigando-os na transferência.

102
nte Idealização. É um mecanismo característico da posição esquizo-para­
tbia nóide. Aumentam-se os traços bons e protetores do objeto bom ou acrescen­
ial, tam-se-Ihe qualidades que não tem. Constitui uma defesa do ego para se
oas proteger de uma perseguição excessiva, mantendo, ao mesmo tempo, a dis­
lvia sociação entre objetos idealizados e persecutórios. Portanto, sempre que ha­
lda­ ja, em um paciente, a necessidade de idealizar, estará se protegendo de um
ros, sentimento de angústia.

que Baranger (1971) destaca que, no seu livro Envidía y gratitud (1957),

len­ Melanie Klein amplia a noção de idealização, entendendo-a não apenas co­

Iam mo uma modalidade defensiva, diante da angUstia, mas também como uma
tendência inerente ao ser humano, uma necessidade intrínseca de procurar
le o a gratificação perfeita. Derivaria do sentimento inato de que há um seio ex­
soas tremamemte bom, o que leva a sentir saudade dele e à capacidade de amá­
elas, lõ. Baranger hierarquiza esta nova noção de idealização nas idéias kleinia­
nea- nas, pois crê que seria a raiz da capacidade humana de criar valores como
um elemento essencial para sua relação com o mundo social e cultural em
fica­
que se encontra.
erno O conceito de idealização procura explicar certos fenômenos mentais

i uilí­ que também foram explicados em contextos teóricos diferentes. Assim, La­
;5b), can (1949) se ocupa da ordem do imaginário como uma necessidade, ineren­
lem­ te ao sujeito, de estabelecer vínculos narcisistas que lhe produzam uma sen­
cida­ sação de completeza e de integridade. Na teoria de Kohut (1971,1977, 1983),
lê-lo. a idealização-dos objetos primários é indispensável para a integração do
pato­ selE. Este autor considera que é um fenômeno adequado e necessário, por
cesso isso o transfere à técnica, manifestando que há uma etapa do tratamento
em que o terapeuta deve fomentar no paciente uma idealização do analista,
luitas como parte de um processo de reestruturação do selE, a fim de criar um vín­
men­ culo melhor do que o teve com seus pais. Esta tese não pode ser comparti­
olen­ lhada a partir dos conceitos kleinianos que estamos estudando, pois signifi­
. difi­ ca estimular uma dissociação no paciente, que põe seus sentimentos de ide­
men­ alização na pessoa do analista e seus sentimentos de frustração e persegui­
refu­ ção no passado, na relação com os pais. Para os kleinianos, uma técnica
. pro­ destas características fomenta a dissociação do paciente e obstrui os proces­
bases sos de integração, necessários para a saúde mental.
obje­ Em Klein, os problemas que resultam da idealização são resolvidos
>fóbi­ com a elaboração da posição depressiva. Os objetos finalmente não são,
o te­ nem tão bons, nem tão maus, como propõe o sistema de valores da posição
esquizo-paranóide. A criação de valores é explicada como um processo de
einia­ identificação com os bons pais internos e não requer, necessariamente, a ins­
lanei­ tauração do processo de idealização. Também é verdade que esta teoria,
laram tão atenta aos processos internos do sujeito, detém-se pouco em estudar a
~ncia.
relação entre o indivíduo e a cultura, principalmente no plano dos valores
sociais ou culturais. Talvez algumas idéias lacanianas procurem explicar es-

A Psicanálise depois de Freud ,I 103


tes fenômenos, sob um âmbito transpessoal, enquanto que, na teoria kleinia­
na, todos os fatos são estudados no terreno interno.

Negação. É um mecanismo onipotente, pelo qual a mente nega a exis­


tência de objetos persecutórios, que diva e projeta no exterior. Ao mesmo
tempo, o ego se identifica com os objetos internos idealizados, com os quais
se contrapõe à ameaça persecutória.
A idéia de negação, em Klein, descreve um mecanismo violento e pri­
mitivo, negam-se as pulsões e fantasias da realidade psíquica, tanto quanto
os objetos que perturbam, na realidade externa, que se considera inexistentes.

Posição depressiva
Na teoria kleiniana, a posição depressiva é uma nova organização da
vida mental, constituindo um momento chave para o desenvolvimento e a
normalidade. Klein a descreve, pela primeira vez, em 1935, em seu artigo
"Uma contribuição para a psicogênese dos estados maníaco-depressivos".
Pensa que ela se produz entre os três e os seis meses de idade, após a posi­
ção esquizo-paranóide. É constituída por:
1. angústia depressiva: o ego sente culpa e teme pelo dano que fez ao
objeto amado, com suas pulsões agressivas;
2. relação com um objeto total: a mãe, com a qual o ego se vincula,
tanto em seus aspectos bons como maus. Aumentaram, portanto, os proces­
sos de integração;
3. o mecanismo de defesa principal é a reparação: atender e se preocu­
par com o estado do objeto (interno e externo).
Esta nova estrutura não é apenas um progresso maturativo. É uma con­
figuração diferente, onde os interesses narcisistas da posição esquizo-para­
nóide, que procuravam proteger o ego das ameaças persecutórias, mudam
para a preocupação central que agora o ego tem de cuidar e preservar seus
objetos, tanto externos como internos. O conflito depressivo é uma luta cons­
tante entre os sentimentos de amor e de agressão. Os mecanismos de defe­
sa perdem sua onipotência. O mais importante é a reparação, que procura
reconstruir os aspectos danificados ou perdidos dos objetos dentro do selE.
Assim como antes os sentimentos agressivos os danificavam, agora se re­
quer que o ego lhes dê amor e cuidado, para devolver-lhes a vida e a integridade.
Os sentimentos que predominam nesta posição são a tolerância à dor
psíquica e a culpa pelas fantasias agressivas para com os objetos amados.
Reconhece-se um sentimento de amor e dependência para com os pais, jun­
to ao desamparo do ego e o ciúme que causa não nos pertencerem completa­
mente.
Durante a elaboração da posição depressiva, o vínculo com a realida­
de externa se modifica. Enquanto na posição esquizo-paranóide os objetos

104
iakleinia­ externos são percebidos deformados pelas projeções agressivas e libidinais,
divadas em dois mundos diferentes, agora o vínculo com o mundo exter­
no é, por assim dizer, mais realista, pois é reconhecido em seus aspectos
ega a exis­ bons e maus, com menos distorções. Há uma maior discriminação entre fan­
\0 mesmo tasias e realidade, assim como entre realidade externa e interna.
m os quais Quando Klein descreve, em 1935, a posição depressiva, sobrepõe, co­
mo já explicamos para o caso da esquizo-paranóide, uma teoria do desen­
ento e pri­ volvimento precoce com outra que é psicopatológica; nesta última, a posi­
lto quanto ção depressiva é o ponto de fixação da doença maníaco-depressiva. Klein
lexistentes. pensa que as crianças passam, neste período, por dores e angústias semelhan­
tes às sofridas pelos adultos, quando adoeçem de depressão ou de psicose
maníaco-depressiva. Por issso, também chama estas angústias de psicóti­
caso Aqui se estabelece novamente uma confusão entre o processo normal
e o patológico. A dificuldade é solucionada, em parte, quando nossa auto­
nização da ra estabelece que são os problemas na elaboração da posição depressiva
imento e a que constituem um ponto de fixação para futuras perturbações depressivas
seu artigo do adulto.
pressivos" . Em 1940, amplia suas idéias sobre a posição depressiva, ao incluir o
pós a posi­ luto como um fenômeno importante deste processo. A hipótese central é
que a perda de um ente querido reativa a posição depressiva infantil. É a
que fez ao perda da mãe como objeto amado que é revi vida em cada perda do adulto.
A possibilidade que cada indivíduo tem de enfrentar o luto e se recuperar
se vincula, dele depende, para Klein, de como pôde resolver a posição depressiva infantil.
,osproces­ O ego desenvolve uma capacidade crescente de controlar suas pulsões
agressivas. Isto é resultado não da ameaça externa (como ocorre com a an­
~ se preocu- gústia de castração de Freud), mas do controle e renúncia que os sentimen­
tos amorosos lhe exigem. Assim, por exemplo, a resolução do Édipo preco­
Éumacon­ ce, na posição depressiva, não provém totalmente da censura superegóica
quizo-para­ dos pais, proibindo os desejos incestuosos. A própria criança, por necessida­
as, mudam de de preservar a união entre os pais e o amor por eles, procura controlar
~servar seus seus desejos edípicos.
.a luta cons­ Estas características da teoria kleiniana dão um valor axiológico a suas
lOS de defe­ premissas mais importantes, principalmente as da posição depressiva. Não
lue procura significa, evidentemente, que o terapeuta imponha uma escala de valores
ltro do selE. às fantasias e conflitos do paciente. Quanto mais se desenvolver o amor
19ora se re­ aos objetos, acima dos desejos narcisistas e egoistas, o resultado será uma
integridade. "moral' de maior benevolência e generosidade.
'ância à dor A saída do estado narcisista, e também a resolução do conflito edípi­
os amados. co, dependem do desenlace que a posição depressiva tiver. A neurose infan­
)s pais, jun­ til compreende todas as estruturas defensivas estabelecidas para elaborá-la,
ncompleta­ começando a se resolver quando as defesas maníacas e obsessivas diminuem.
A simbolização se relaciona com o processo de luto, que permite re­
ma realida­ criar o objeto perdido dentro do selE. Assim, substitui-se a ausência do obje­
e os objetos to por um símbolo do mesmo: implica criar um conceito, uma recordação,

A Psicanálise depois de Freud I 105


uma capacidade de esperar que o objeto volte. A posição depressiva repete substituir a al
o luto precoce pelo seio, embora deva ser pensada, não só como um mo­ mar que a inl
mento evolutivo do desenvolvimento precoce, mas como uma configuração em algo mais i
psíquica que se repete durante toda a vida, diante de situações de perdas, gar que a ausê
tanto externas como internas. Mais uma vez, deverá ser resolvida, para al­ riza o objeto,
cançar a harmonia dos objetos internos que permita o bem-estar psíquico. pela ferida nar
Na teoria kleiniana, o indivíduo tem opções diante de cada situação.
Sua possibilidade de escolher dependerá da motivação que prevalecer em
seu psiquismo, se o amor narcisista por si mesmo ou a preocupação por 4. A teoria
seus objetos.
Esta concepção dá um certo otimismo em relação à possibilidade que Foi desen'
uma pessoa tem de mudar seu destino mental, mas ao preço de que cada de, onde descI1
sujeito assuma uma responsabilidade psíquica por todos seus atos, sejam re­ bê sente, desdE
ais ou fantasiados. Para dizê-lo de uma maneira simples, de acordo com a de danificar os
teoria da posição depressiva, no mundo interno, quem faz, paga; o peso A inveja e a gn
de cada sentimento ou motivação seria inexorável em nossa mente. malmente no p
A integração dos objetos e dos sentimentos, que se realiza na posição as característia
depressiva, permite entender o prazer que causa, aos pacientes em análise, Neste
conhecer mais sua realidade psíquica, embora provocando sentimentos dolo­
rosos. Sente-se prazer em descobrir aspectos desconhecidos de si mesmo e
juntar partes divadas. Não se trata apenas de um problema narcisista ou
de superação da rivalidade infantil. É uma experiência vital, que produz en­
riquecimento pessoal e um estado de bem-estar interno. Uma paciente o ex­
pressou com simplicidade, ao dizer: "Acabo de me dar conta que, agora,
quando algo me acontece, já não ponho a culpa nos outros, e isso me faz
sentir melhor".

As defesas maníacas. Quando, na posição depressiva, o ego precisa


enfrentar sentimentos de culpa e de perda que se tomam acabrunhantes,
pode recorrer às defesas maníacas.
Hanna Segal (1964), seguindo as idéias de Klein, diz que se baseiam
na negação onipotente da realidade psíquica e se caracterizam pela tríade
de triunfo, controle onipotente e desprezo, nas relações de objeto. Existem
fantasias onipotentes de dominar e controlar os objetos, para não sofrer
por sua perda.
Estas defesas são consideradas normais no desenvolvimento, como
um primeiro passo para enfrentar os sentimentos depressivos. Mas, se a ela­
boração da posição depressiva fracassar e os objetos não puderem ser repa­
rados, produz-se uma regressão à fase esquizo-paranóide ou, então, estabe­
lece-se um ponto de fixação para a doença maníaca (6).
Na situação analítica, é comum que o paciente manifeste defesas ma­
níacas, para evitar sentimentos de perda: diante do anúncio de uma inter­
rupção de férias, poderá dizer que, na realidade, o tema não é muito impor­
tante. O sentimento de triunfo se manifestará, quando acreditar que pode

106
~pete substituir a ausência de sessões com atividades mais atraentes, ou ao afir­
mo­ mar que a interrupção vem bem, porque assim pode empregar o tempo
ação em algo mais urgente. Em qualquer destas situações, estará procurando ne­
~das, gar que a ausência de seu analista pode lhe ser dolorosa. Quando se desvalo­
'a al­ riza o objeto, a perda dói menos, ao mesmo tempo em que se evita sofrer
ico. pela ferida narcisista que significa ser abandonado.
lção.
rem
, por 4. A teoria da inveja
~ que Foi desenvolvida por Klein, em 1957, em seu livro Envy and Gratítu­
cada de, onde descreve a inveja primária corno urna pulsão agressiva que o be­
mre­ bê sente, desde o começo da vida, dirigida ao seio da mãe, com o desejo
om a de danificar os aspectos bons e protetores que o objeto nutritivo oferece.
peso A inveja e a gratidão constituem dois fatores dinâmicos que interagem nor­
malmente no psiquismo, a partir do nascimento, determinando, em parte,
•sição as características das relações de objeto precoces .
lálise, Neste trabalho tão discutido, Klein separa inveja de frustração. Não
dolo­ são os elementos frustrantes do objeto matemo ou da situação ambiental
;mo e que provocam a pulsão invejosa. Pelo contrário, esta provém do sujeito, é
,ta ou endógena, e sua finalidade é a de atacar o que o objeto tem de bom e valio­
ilZ en­ so. Afirma que os efeitos inconscientes da inveja interferem intensamente
:0 ex­ nos processos de gratidão normal. Propor que a inveja seja constitucional
19ora, significa sublinhar o fator interno, inato, pessoal; não é originada na situa­
n.e faz ção externa que decepciona ou frustra. Pelo contrário, põe-se em evidência
ou se acentua justamente quando o sujeito sente gratidão. Este seria o aspec­
to irracional, paradoxal, da inveja. Aqui, a teoria kleiniana volta a romper
trecisa com a descrição naturalista de corno se sucedem os fenômenos que relacio­
antes, nam a realidade externa com a interna. Se, com nosso senso comum, tende­
mos a pensar que, ante urna situação gratificante, reagimos com bons senti­
!Seiam mentos, Klein complica, com esta idéia que aponta o processo contrário; a
tríade inveja ataca o que outro nos oferece, porque não podemos tolerar que estas
dstem capacidades sejam alheias, mesmo que, no caso, sejamos os beneficiários delas.
sofrer No artigo "Las teorías psicoanalíticas de la envidia" (1981), Etchegoyen
e Rabih fazem urna clara revisão dos antecedentes deste conceito, em psica­
corno nálise. Em primeiro lugar, situam a teoria freudiana da inveja do pênis, na
'a ela­ mulher, corno urna força primária, que dirige a evolução de sua sexualida­
. repa­ de e do complexo de Édipo. Em condições patológicas, leva a urna grande
stabe­ deformação do caráter e a traços masculinos ou à homossexualidade, laten­
te ou consumada. Freud não se refere a urna pulsão invejosa equivalente
1S ma­ no homem. Tampouco atribui à inveja do pênis a qualidade destrutiva qua
inter­ a inveja kleiniana possui. Depois, mencionam Abraham e Eisler, que fala­
mpor­ ram da inveja corno um importante fator da personalidade, vinculado a
~ pode pulsões destrutivas, na etapa oral do desenvolvimento psicossexual. O ante-

A Psicanálise depois de Freud / 107


cedente que os autores consideram mais significativo, para a teoria da inve­ sobre a tensão agress
ja primária de Klein, é o trabalho de Joan Riviere, "Jealousy as a mechanism tiva de comparação,
of defence" (1932), no qual estuda o caso de uma paciente com intensas re­ Klein destaca a í
ações de ciúme diante do marido. Riviere afirma que o ciúme é uma defesa dade, como pulsões
ego-sintônica da paciente, para ocultar sentimentos invejosos para com ele, como já manifestam~
que consistem na pulsão de se apoderar de coisas que ele possui, com inten­
ção de tirá-las dele. Estabelece-se uma comparação entre o ciúme, como ex­
pressão de uma relação triangular, e a inveja, como um vínculo diádico des­
trutivo, que teria suas raízes na relação do bebf> com o seio.
Klein tinha mencionado esporadicamente/ desde os primeiros momen­
tos de sua obra, a existência de sentimentos invejosos ligados à voracidade.
São fantasias de roubar, esvaziar e destruir o corpo da mãe. Em seu traba­
lho de 1957, inclui a inveja como um elemento psicológico muito importan­
te no desenvolvimento precoce. Denomina-a de primária, isto é, voltada
para o seio da mãe, primeiro objeto com que se vincula a mente do bebê.
Esta é uma das idéias mais controvertidas do pensamento kleiniano. Mes­
mo entre os autores que propõem a existência de relações objetais desde o
começo da vida, a maioria não aceita a inveja como pulsão primária. Nos
sucessivos capítulos deste livro, veremos que o conceito de inveja é também
muito discutido por aqueles que sustentam a teoria do narcisismo primário,
uma etapa em que não se reconhece o objeto externo ou se está psicologica­
mente fundido com ele.
Esta divergência teórica determinou o afastamento de Paula Heimann
do grupo kleiniano e também marcou nitidamente as diferenças com os au­
tores do grupo britânico (Fairbairn, Guntrip, Winnicott e Balint), que pen­
sam que a agressão é sempre secundária a uma falha ambiental.
Outro aspecto polêmico é que Klein fundamenta a existência da inve­
ja como força endógena, na ação da pulsão de morte sobre o indivíduo.
Surge, agora, a acusação de instintivista, que freqüentemente é feita a esta
teoria. Pensamos que se pode concordar com o conceito de inveja primária,
sem que isso implique apoiar a idéia de pulsão de morte e sem que nos pro­
nunciemos, como o faz Klein, quanto a estas pulsões existirem na mente
do recém-nascido. Esta postura seria apoiada pelo estudo de muitas situa­
ções clínicas, como o narcisismo, as perversões ou a reação terapêutica ne­
gativa. Em nossa opinião, fatos desta índole podem ser entendidos com
mais riqueza e profundidade, quando se considera o papel da inveja nos pro­
cessos mentais. O mesmo ocorreria nos casos de tratamentos intermináveis.
Algumas situações de transferência negativa, na sessão, são produzidas pe­
lo ataque invejoso. É o caso em que o analista dá uma interpretação que
provoca alívio e melhora o ânimo do paciente, mas, depois, este procura
desvalorizá-la, com críticas destrutivas, usando para tanto elementos secun­
dários ou marginais da interpretação.
Já mencionamos, em outras páginas deste livro, que há, provavelmen­
te, alguma semelhança entre os conceitos kleinianos de inveja e os de Lacan,

108
re~ sobre a tensão agressiva do narcisismo, produzidos pela dialética intersubje­
;m tiva de comparação, lugares que cada um ocupa e rivalidade mortífera.
re­ K1ein destaca a importância de diferençar entre inveja, ciúme e voraci­
~ dade, como pulsões que interferem na introjeção do objeto bom. A inveja,
le, como já manifestamos, é um sentimento de ódio contra outra pessoa que
~n­ possui uma qualidade desejada. O ciúme, em compensação, existe em uma
:x- relação triangular, quando se deseja possuir a pessoa amada e eliminar o
es- rival. Hanna Segal (1964) considera que o ciúme é uma relação de objeto
total, enquanto a inveja ocorre, especialmente, com objetos parciais. Quan­
m~ do existe para com um objeto total, perturba a elaboração da posição depres~
de. siva. A voracidade quer extrair tudo o que de bom o objeto possui. E um
ba­ pulsão insaciável, que sempre exige mais do que o objeto pode ou quer dar.
an­ Seu objetivo principal não é destruir, como é o caso da inveja. Por isso, a
ida inveja primária teria um resultado tão prejudicial para o desenvolvimento
bê. mental que, ao arruinar as capacidades e bondades do objeto, destrói a pró~
les~ pria origem da bondade e da criatividade. Na clínica, às vezes observamos
eo misturas de ambas as emoções. Assim, os sintomas de voracidade podem
-Jos estar ligados a um componente invejoso. Uma paciente sofria de ataques
,ém compulsivos de bulimia, cada vez que a deixavam a sós. Eram acompanha~
rio, das de fantasias de roubo, que devia ser feito às escondidas e, quando ter­
ica~ minava de comer exageradamente, provocava o vômito, porque tinha a sen~
sação de que a comida incorporada danificaria seu organismo. Isto é, o ali~
ann mento incorporado também era objeto de intensos ataques, que o transfor­
au~ mavam em um elemento persecutório.
>en- Melanie K1ein integra a inveja a sua teoria das posições. Se as pulsões
invejosas forem intensas, atacam o objeto ideal, que é o que provoca o sen­
we­ timento invejoso, alterando o processo de dissociação normal da posição
luo. esquizo-paranóide. Isto produz uma confusão entre o bom e o mau, não
esta se conseguindo dissociar o objeto ideal do persecutório, ficando perturba~
iria, dos gravemente os processos de introjeção do objeto bom, que são a base
pro­ para o êxito da estabilidade mental. Assim, fica dificultada a capacidade
ente de gozo e criatividade. Estabelec~se um círculo vicioso, no qual a inveja im~
tua­ pede uma introjeção adequada e isto, por sua vez, acentua a inveja. Os klei~
l ne­ nianos consideram estas dificuldades precoces da introjeção, e os processos
com de fragmentação dos objetos, como a base de futuros transtornos psicóticos.
pro­ O excesso de inveja também pode acentuar a dissociação entre o objeto ide­
veis. alizado e o persecutório, o que impede sua posterior integração e a elabora­
i pe- ção da posição depressiva.
que Ao considerar algumas das defesas contra a inveja, K1ein menciona:
cura a) os mecanismos precoces de dissociação, onipotência e negação são
cun- reforçados pela inveja;
b) a confusão é muitas vezes usada de maneira defensiva, para se opor
men­ à perseguição e também à culpa por ter danificado o objeto bom;
lcan,

A Psicanálise depois de Freud / 109


c) a fuga da mãe para outras pessoas, que são idealizadas, constitui 5. Algumas (
uma defesa para se afastar das pulsões invejosas para com o objeto primá­
rio; se estas forem muito intensas, ficam perturbadas as relações subseqüentes; Se quiserm
d) a desvalorização do objeto, para diminuir o ataque invejoso; teremos de afim
e) a desvalorização da própria pessoa, como forma de negar a inveja; cia entre seus ac:
f) procurar despertar inveja em outras pessoas, para não sentir a pró­ ao inverso, com
pria, leva a uma incapacidade de gozar com os próprios êxitos e temor de abre, a partir de
danificar os objetos amados; ra de facilitar, en
g) sufocar tanto os sentimentos invejosos como os de amor, o que se tos inconscientes
expressa como indiferença; muitas vezes, estas pessoas procuram se afastar Desde os pr
do contato com outras, principalmente se lhe forem significativas; cas que marcarãc
h) o acting out é empregado, às vezes, para manter a dissociação, evi­ sar os conflitos •
tando a integração dos sentimentos invejosos. mente a tran.,•...J
O artigo "De la interpretación de la envidia", de Etchegoyen, López e Como
Rabih (1985), destaca a importância de detectar e interpretar os sentimentos como libidinais,
invejosos no vínculo transferencial, independentemente das controvérsias é supor que, no
sobre o desenvolvimento psíquico precoce ou a teoria pulsional. Os autores amorosos como
confirmam a utilidade da teoria da inveja primária, para resolver certos as­ te, a transferênd
pectos da transferência negativa. Dizem: perto da comprJ
"Em outras palavras, o que se pretende quando se interpreta a inveja dida de apoio
primária é que o analisante se dê conta de que as pulsões hostis não depen­ pontâneo de
dem da frustração, mas da intolerância em receber algo de bom que o outro inconscientes
tem e oferece. Se isto ocorrer, o analisante aceitará, com mais intensidade, va, tal como
que seus conflitos não dependem apenas da conduta dos demais, mas tam­
bém da própria. Desta forma, a inveja pode gerar frustração, enquanto im­
pede receber o que está disponível. Em outras palavras, a relação entre inve­
ja e frustração é de via dupla, pois a frustração provoca inveja e a inveja
leva à frustração" (p. 1022).
As pulsões invejosas podem ser elaboradas e mitigadas, se a introjeção
do objeto bom for adequada, o que permite tolerar a culpa pelo dano dos te. ãs vezes,
objetos e sua reparação. Klein pensa que a inveja pode ser resolvida, em tilidade para
alguma extensão, na análise, mas é evidente que esta teoria, elaborada no rias, às quais
último período de sua vida, apresenta uma importante limitação à possibili­ "libera"-se o
dade de êxito da análise, principalmente se levarmos em conta que as pul­ idealização do
sões invejosas também são dirigidas ao ataque do objeto total da posição o analisando
depressiva, o que explicaria as grandes dificuldades que, às vezes, surgem compreensão
no processo de término de uma análise. Dito de outra forma, esta teoria for­ tar-se-á a difererl
nece elementos técnicos que permitem abordar situações difíceis e destruti­ pugnada por
vas no tratamento analítico, mas também põe um limite ao excessivo oti­ culo' terapêutico'
mismo terapêutico que Klein tinha tido nos primeiros períodos de sua obra. ciente se sinta
Só o que pode
pêutico, dirá
tias e defesas

110
mstitui 5. Algumas considerações sobre a técnica de Melanie Klein
primá­
üentes; Se quisennos definir as características da técnica psicanalítica de Klein,
; teremos de afinnar, em primeiro lugar, que existe uma completa congruên­
inveja; cia entre seus achados teóricos e as conclusões técnicas que implementa. E,
. a pró­ ao inverso, como já manifestamos, o campo de descobertas kleinianas se
mor de abre, a partir de uma técnica inovadora: incluir o jogo infantil como manei­
ra de facilitar, em seus pequenos pacientes, a expressão de fantasias e confli­
I que se tos inconscientes.
afastar Desde os primeiros trabalhos, foram estabelecidas algumas característi­
cas que marcarão o rumo posterior da técnica kleiniana. O objetivo é anali­
ão, evi­ sar os conflitos e fantasias inconscientes, o método é explorar sistematica­
mente a transferência.
Lópeze Como Klein sustentou a importância que as fantasias, tanto agressivas
imentos como libidinais, têm no desenvolvimento mental, sua conseqüência lógica
ovérsias é supor que, no vínculo com o analista, produzir-se-ão tanto sentimentos
autores amorosos como hostis, pelo que seria necessário interpretar, sistematicamen­
~rtos as- te, a transferência positiva e a negativa, para que o paciente possa chegar
perto da compreeensão de sua realidade psíquica. Klein repele qualquer me­
a inveja dida de apoio ou conforto, que apenas serviria para mascarar o suceder es­
) depen­ pontâneo de ocorrências que nos pennitem descobrir o futuro dos eventos
~ o outro inconscientes do paciente. Ao interpretar a transferência positiva e negati­
nsidade, va, tal como-aparece na mente do enfenno, o analista, com sua interpreta­
:las tam­ ção, ajuda-Io-á a integrar os sentimentos ambivalentes em seus vínculos do
anto im­ presente e do passado, na realidade externa e em seu mundo interno. Qual­
.tre inve­ quer medida técnica que favoreça a dissociação dos sentimentos, ajuda-nos
a inveja na integração, que é um dos principais objetivos terapêuticos. É necessário,
quando se quer obter estes êxitos, que o terapeuta tolere a transferência ne­
ltrojeção gativa do paciente, quando este a expressa, consciente ou inconscientemen­
lano dos te. ãs vezes, pode ser tentador, por exemplo, aceitar o deslocamento da hos­
vida, em tilidade para o passado, aos vínculos do paciente com suas figuras primá­
lrada no rias, às quais ele atribui, muitas vezes, todos os seus males. Desta fonna,
possibili­ "libera"-se o vínculo transferencial de sentimentos hostis e até se propicia a
.e as pul­ idealização do terapeuta. Isto, segundo as idéias de Klein, não ajudaria que
I posição o analisando avançasse em direção de sua saúde mental ou adquirisse uma
., surgem compreensão adequada de seu presente e de seu passado. Sem dúvida, no­
wria for- tar-se-á a diferença existente entre esta concepção técnica da análise e a pro­
destruti­ pugnada por outras correntes. Segundo Klein, a maneira de assegurar o vín­
ssivo oti­ culo'terapêutico, desde os primeiros momentos do tratamento, é que o pa­
sua obra. ciente se sinta aliviado em suas angústias e compreendido pelo terapeuta.
Só o que pode dar ao paciente esta segurança e confiança no processo tera­
pêutico, dirá Klein, é que o analista interprete, em profundidade, as angús­
tias e defesas em suas relações de objeto.

A Psicanálise depois de Freud / 111


Klein sempre centrou sua atenção nas angústias do paciente; para elas envolve intensam
deve se dirigir, desde o começo, a interpretação, o que permite que emerjam uma confusão ent
novas fantasias e angústias de outras camadas do inconsciente. Se nossa au­ um estado mental
tora dá uma importância central à emotividade e à fantasia, para compreen­ mesmo tempo, p(
der o que está ocorrendo com o paciente, é lógico que aplique igual critério uma interpretaçã.
para o caso da transferência. O analista está intensamente comprometido idéia de contra-trl
com as vivências que o paciente exterioriza, sendo, portanto, o vínculo trans­ prios conflitos ino
ferencial o eixo principal do desenvolvimento da sessão. ã medida que Klein rios para poder
definiu seu novo modelo da estrutura mental, centrado na idéia de uma re­ do o que ali
alidade psíquica povoada por objetos internos, a sessão foi entendida co­ Aqui se
mo uma exteriorização desta realidade psíquica. co. Freud pensam,
A idéia de transferência, tal como foi descrita por Freud, como ocor­ carga pulsional;
rências conscientes que o paciente tem com a figura do analista, detendo o
fluxo de suas associações, é ampliada por Klein com o conceito de transfe­
rência latente. O paciente repete com o analista a estrutura de seus vínculos
de objeto, angústias e defesas, e isso constitui, inexoravelmente, o que trans­
fere para a sessão e para a pessoa do analista, embora não saiba que o está
fazendo e não tenha associações concretas com a pessoa do analista. Isto
marca uma linha técnica muito importante na escola kleiniana. A sessão é
vista como uma situação total; as associações, sonhos, lapsos etc. são enten­
didos no contexto da sessão e, particularmente, em seu significado com a
figura do analista, como representante de algum objeto interno do pacien­
te. Também aqui podemos indicar uma diferença substancial com a análi­
se lacaniana. O analista kleiniano não está à procura de lapsos, sintomas
etc., como expressões privilegiadas do inconsciente. Certamente que, quan­
do ocorram, leva-Ios-á em consideração. Porém, sua principal função é se
deixar envolver pelo ~lima emocional da sessão, receber todas as projeções
que o paciente indefettivelmente fará sobre ele, ser muito sensível às mani­
festações transferenciais e contra-transferenciais, para, de todo esse suceder,
extrair a estrutura básica (angústia que prevalece e mecanismos de defesa
característicos da relação de objeto, nesse momento) que marca o ponto
de urgência da sessão. Isto é o que terá de interpretar. De acordo com Freud,
o analista propõe ao paciente estudar e resolver as fantasias e conflitos das
relações de objeto entre ambos. Será tarefa do paciente usar estes insights
para aplicá-los na vida quotidiana e em seus vínculos.
Mencionamos à idéia de contra-transferência. É importante esclarecer
que Klein quase não utilizou este conceito, apenas o mencionando em seu
trabalho sobre a inveja (1957). Sua formulação como instrumento de com­
preensão do paciente foi realizada por dois autores posteriores, Racker
(1948) e Heimann (1950). Klein descreveu, em 1946, o mecanismo de identi­
ficação projetiva, pelo qual o paciente pode, onipotentemente, dissociar
um aspecto de sua mente e projetá-lo em outra pessoa, por exemplo, o ana­
lista. O paciente fica identificado com o não projetado e, por sua vez, o
analista será, para ele, um aspecto inconsciente de si mesmo. Este processo

112
~las envolve intensamente ambos os protagonistas, provocando, no paciente,
am uma confusão entre realidade externa e interna. O analista deve contar com
au­ um estado mental adequado, de modo a se envolver emocionalmente e, ao
~en­ mesmo tempo, poder sair deste compromisso afetivo, transformando-o em
~rio uma interpretação que devolva ao paciente os aspectos projetados. Eis a
ido idéia de contra-transferência. O analista deve conhecer e manejar seus pró­
ms­ prios conflitos inconscientes, como parte dos instrumentos técnicos necessá­
lein rios para poder analisar bem estas situações que se sucedem na sessão. Tu­
. re­ do o que ali acontece deve se transformar em compreensão .
co­ Aqui se apresenta um problema interessante, do ponto de vista técni­
co. Freud pensava que o conflito era produzido por uma dificuldade na des­
:or­ carga pulsional; portanto, era necessário interpretar as resistências, por se­
lo o rem o testemunho direto dos recalcamentos ou mecanismos defensivos que,
lsfe­ ao impedir esta descarga, provocavam o sintoma ou a perturbação do cará­
ulos ter. O conhecimento e elaboração estão ligados à idéia de levantar os recal­
ans­ camentos, permitindo uma melhor solução do conflito. Para Klein, o que
está importa é compreender as angústias que se desenvolvem na relação de obje­
Isto to e, também, os mecanismos de defesa destinados a dissociar, negar, proje­
ão é tar etc. aspectos da personalidade. O insight deve permitir o conhecimento
lten­ e a reintegração destes aspectos dissociados e projetados do selE. Isso permi­
ma tirá uma compreensão vivencial do conflito e, principalmente, uma maior
:ien­ integração da personalidade. As mesmas idéias podem ser explicadas em
náli­ outros termos: os processos de introjeção e projeção regem o processo analí­
·mas tico; graças a isso, o paciente mobiliza, na sessão, suas relações de objeto
uan­ internas, projetando-as no analista; este, mediante a interpretação, possibili­
é se tará que tais relações de objeto se modifiquem, que o paciente possa então
ções reintrojetá-Ias, modificadas em sua estrutura.
lani­ Quando Klein formula a teoria das posições (1946, 1952), define-se
~der, um objetivo terapêutico central: elaborar a posição depressiva para obter a
~fesa integração do objeto e do ego. O insight consistirá em juntar emoções cari­
onto nhosas e hostis em relação a um mesmo objeto, com os conseqüentes senti­
eud, mentos de culpa e responsabilidade. O ponto crucial não é somente compre­
; das ender, mas tolerar a dor mental que estes sentimentos produzem.
ights Um dos poucos escritos que Klein dedica a problemas de técnica é "On
the cri teria for the termination of a psycho-analysis" (1950). Nele, expressa
recer que se chega à etapa final de uma análise, quando foram diminuídas suficien­
I seu temente as angústias paranóides e depressivas mediante a elaboração repeti­
:om­ da de ambas as posições.
lcker Em "The origins of tranference" (1952b), reafirma que as interpreta­
.enti­ ções devem explicar, tanto as relações de objeto precoces, que se reatualizam
)ciar e evoluem na transferência, como as fantasias inconscientes que o paciente
ana­ tem em sua vida atual. Aqui, sua perspectiva genética da transferência, pro­
~z, o blema que já discutimos antes, é completada pela feliz idéia de situação to-
:esso

A Psicanálise depois de Freud I 113


tal. Deve-se interpretar, simultaneamente, o que ocorre no presente e o que
aconteceu no passado.

Bibliografia básica
Klein, M. (1928) "Estadios tempranos dei complejo de Edipo". Obras completas ... vol. 2, pag, 179.
Grinberg L. Ed. Buenos Aires: Paidós, 1974.
(1930) "La importancia de la formación de símbolos en el desarrollo dei yo". Obras completas .
.. vol. 2, p. 209, Grinberg, L. Ed. Buenos Aires: Paidós, 1974.
(1935) "Una contribuición a la psicogénesis de los estados maníaco-depresivos". Obras com­
pletas ... vol. 2, p. 253. Grinberg, L. Ed. Buenos Aires: Paidós, 1974,
(1946) "Notas sobre algunos mecanismos esquizoides", Obras completas ... vol. 3, capo 9.
Grinberg, L. Ed. Buenos Aires: Paidós, 1974.
(1952) "AIgunas conc\usiones teóricas sobre la vida emocional dellactante". Obras comple­
tas ... vaI. 3, capo 6. Grinberg, L. Ed. Buenos Aires: Paidós, 1974.
(1952a) "Los orígenes de la transferencía". Obras completas ... vol. 6, p. 261. Grinberg, L.
Ed. Buenos Aires: Paidós, 1974.
(1957) Envidia ygratitud. Obras completas ... vol. 6. Grinberg, L. Ed. Buenos Aires: Paidós, ]974.
Segal, H. (1964) Introducción a la obra de Melanie Klein. Buenos Aires: Paidós, 1965.

NOTAS
(]) Entre os bons textos gerais sobre a obra kleiniana que podem ser consultados, está o de Eisa dei
Valle (1979), La obra de Melanie Klein.
(2) Há anos escrevemos, com outros colegas, dois trabalhos: "Cuerpo, conocimiento y realidad" (Et­
chegoyen, R. H. et a1., 1980) e "EI concepto de realidad en Melanie Klein" (Etchegoyen, R. H, et ai.
, 1984), em que nos detivemos em estudar os conceitos que acabamos de desenvolver.
(3) Embora diversos autores concordem que o vocabulário freudiano foi deformado pelas diversas
traduções, continua-se a utilizar termos como "ansiedade", "instintos", "impulsos instintivos" e "cate­
xias", entre outros, ao invés de "angústia", "pulsões", "moções pulsionais" e "investimentos", como
se demonstrou ser correto, após muita discussão. Propomo-nos, nesta e nas demais traduções, a pa­
dronizar o vocabulário psicanalítico, valendo-nos do "Vocabulário de psicanálise", de Laplanche e
Pontalis, a quem o leitor pode se remeter, sempre que necessário. (Nota do tradutor).
(4) Liberman (1956) estudou a incidência da identificação projetiva no conflito matrimonial.
(5) Joseph Sandler (1986) discutiu o conceito de identificação projetiva, durante sua visita à Associa­
ção Psicanalítica de Buenos Aires, há alguns anos. Suas idéias foram comentadas por Benito López
e Jorge Ahumada.
(6) Joan Riviere, uma autora destacada e pioneira do grupo kleiniano, na introdução ao livro Deve­
lopments in psycho-analysis (1957.), também enfatiza que o aspecto essencial da defesa maníaca é a
intenção de enfrentar as angústias depressivas. Considera-as, em certos aspectos, como um passo
normal do desenvolvimento.

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