You are on page 1of 10

A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores:

Em Foco, a Educação Química

Claudio Roberto Machado Benite, Anna Maria Canavarro Benite e Agustina Rosa Echeverria

Boa parte das iniciativas de formação de formadores, ainda que tímidas, tem permanecido no âmbito das
políticas institucionais de cada universidade. Por meio de uma dessas iniciativas, esta investigação pretende
explicitar como a adoção da pesquisa como princípio articulador pode contribuir para a formação do formador.
Este trabalho se caracteriza como pesquisa-ação e apresenta uma possível proposta de intervenção em proces-
sos formativos, visando à promoção de aprendizagem na docência e tendo o formador como foco. Os resultados
indicam que o professor formador pode ser considerado um profissional autônomo e emancipado, porque foi
capaz de refletir criticamente sobre a sua prática para compreender tanto as características dos processos de
ensino-aprendizagem quanto o seu contexto de ação, de modo que sua atuação foi determinante para o de-
senvolvimento de ações que contemplassem a formação autônoma e emancipadora também de seus alunos.

formação de formadores, educação química, prática docente, pesquisa-ação 257

Recebido em 13/02/09, aceito em 08/09/10

À guisa de introdução cultural que induz formas particulares abrangendo toda área científica.
de desenvolvimento nos sujeitos Especificamente para os cursos de
A construção de uma universidade que vivenciam suas práticas. Sendo formação de professores de química:
moderna, que atinja os mínimos e assim, seu papel é de fundamen-
nobres objetivos de produção e disse- tal importância e, para que possa As críticas são feitas, princi-
minação do conhecimento, da cultura cumpri-lo, necessitará de autonomia palmente, pelos alunos desses
e da tecnologia, não se completa num suficiente para desenvolver uma cursos quando começam a
curto espaço de tempo. A universida- identidade sólida e socialmente legi- frequentar disciplinas de for-
de europeia, nascida na Idade Média, timada (Moreira, 2003). mação pedagógica ou nos
encontra-se num processo de intensa No que se refere à formação de encontros em que refletem a
reestruturação a partir da Declaração professores, há um consenso de sua formação. Os estudan-
de Bolonha que, por sua vez, deflagrou que os cursos de tes criticam, com
o denominado Processo de Bolonha formação não con- razão, desde a
(Hortale e Mora, 2004). A universidade seguem responder O despreparo e a falta de falta de didática
no Brasil, que foi temporã, mesmo se às necessidades de motivação, manifestados da maioria dos
comparada com as universidades da nenhum nível de en- pelos licenciandos nas professores da
América espanhola, consolidou-se na sino. Isso se refere disciplinas pedagógicas, Graduação, pas-
segunda metade do século XX sob a ao Brasil, onde cur- instituem-se como sando pela dico-
forte influência dos diferentes projetos sos de licenciatura motivo de angústia dos tomia das aulas
políticos em disputa. É possível afirmar são pouco eficien- encarregados pelas práticas e teóri-
que, mesmo sendo uma universidade tes em proporcio- universidades de fazerem cas, até a falta
nova, muito contribuiu e continua nar uma visão mais essa formação. de transparência
contribuindo para o desenvolvimento ampla da atividade dos conteúdos
do país. docente (Schnetzler e Aragão, 1995), de Química para o ensino
Concebemos a instituição de en- e também a outros países, como secundário e elementar. (Mal-
sino superior como um componente Estados Unidos (Mcdermott, 1990), daner, 2003, p. 46-47)

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010
Parece-nos que há um des- ção profissional dos professo- em conteúdos ainda perdura como
preparo quanto ao conhecimento res nos cursos de licenciatura prática de formação docente inicial,
pedagógico de conteúdo dos pro- e “normalmente, nenhuma na qual a ausência da perspectiva
fessores universitários, e isso afeta tentativa especial é feita para pedagógica pode gerar situações
a formação em Química de maneira levar em conta as necessida- que comprometam a mediação ade-
geral, não só os licenciados. Apoia- des desses futuros professo- quada à significação dos conceitos
mo-nos em Shulman (1986) para res”. A preocupação saliente científicos. Se não houve a incorpo-
definir conhecimento pedagógico é a formação nos conteúdos ração do conhecimento pedagógico
de conteúdo como “o conhecimento de Química, não importando originado por meio das pesquisas
que permite ao professor perceber o contexto em que eles pode- educacionais, as questões pedagó-
quando um tópico é riam ser significa- gicas que deveriam acompanhar os
‘mais fácil ou difícil’” tivos: na pesqui- conteúdos químicos estarão ausen-
(p. 109), quais as Os cursos de formação de sa, na indústria, tes e, consequentemente, induzirão
experiências prévias professores deveriam ser na agricultura e, os professores a invalidarem sua
possuídas pelos alu- espaços de “reeducação” principalmente, formação inicial justamente no que
nos e as relações para os estudantes, pois na formação Quí- é mais preservado nos cursos de
possíveis a serem tendo ou não experiência mica nos diversos licenciatura: “dar uma boa base em
estabelecidas, in- profissional, todos eles graus de ensino. conteúdos. Isso não quer dizer que
cluindo todas as for- têm vivência de magistério (p. 47-48) não saibam o conteúdo específico,
mas de que se utiliza como alunos que, mas é a sensação que têm diante
para que um conte- certamente, merecem ser Grande parte dos de uma dificuldade que é de cunho
údo seja apreendido revistas, questionadas, alunos que frequen- pedagógico” (Maldaner, 2003, p. 45).
pelo aluno. reelaboradas. tam os cursos de Pesquisas mais recentes, no
O despreparo e licenciatura possui âmbito da formação de professores,
a falta de motivação, manifestados conhecimento prévio da ação docen- têm apontado para uma tendência de
258 pelos licenciandos nas disciplinas te devido a estarem atuando como superação da racionalidade técnica.
pedagógicas, instituem-se como tal, e esses conhecimentos advindos A partir daí, a formação de professo-
motivo de angústia dos encarregados da experiência tácita não devem ser res ganha outra dimensão, passando
pelas universidades de fazerem essa desprezados. Além do mais, até o a ser centrada na investigação do
formação, ou seja, os professores licenciando que nunca atuou como próprio trabalho em sala de aula e na
das faculdades de educação e/ou professor tem bagagem como tal, escola (Zeichner apud Nóvoa, 1997).
centros pedagógicos. Tal fato pode acumulada durante sua trajetória Essa nova maneira de conceber a
advir da visão pedagógica restrita que escolar. Certamente, os cursos de formação docente se baseia na ideia
os estudantes manifestam sobre os formação de professores deveriam de que o professor deve desenvolver
conteúdos, pois: ser espaços de “reeducação” para a capacidade de refletir sobre a sua
os estudantes, pois tendo ou não própria prática, de modo a tornar ex-
[...] admitem, consciente experiência profissional, todos eles plícitos os saberes tácitos provenien-
ou inconscientemente, que o têm vivência de magistério como tes de sua experiência. Para Schön
processo de ensino de Ciên- alunos que, certamente, merecem (1987), tornar-se consciente de seus
cias (Química) se concentre na ser revistas, questionadas, reelabora- saberes tácitos é o primeiro passo
transmissão e na cobrança de das (Gonçalves e Gonçalves, 1998). para que o profissional possa efetuar
conteúdos científicos prontos, Como nos dizem Feinman-Nemser e questionamentos sobre as estraté-
acabados, inquestionáveis, Buchmann (1987): gias e as teorias nas quais acredita,
em que não há lugar para pro- o que lhe possibilitaria transformar
blemas de ensino, mas só de [...] o processo de aprender seus modos de atuação.
aprendizagem, já que aos alu- a ensinar começa muito antes Concordamos com Sacristán e
nos é sempre atribuída a res- dos alunos frequentarem os Gómez (2000) que o objetivo dos pro-
ponsabilidade pela ineficiência cursos de formação de profes- gramas de formação de professores:
daquele processo. (Schnetzler, sores; por isso, temos de ter
1994, p. 64) em conta as ideias anteriores e [...] é preparar professores
as regras que os alunos aliam à que tenham perspectivas críti-
Ademais, segundo Maldaner experiência e devemos ajudá- cas sobre as relações, sobre a
(2003): los a exteriorizá-las e a elaborá- escola e as desigualdades so-
las segundo concepções mais ciais e um compromisso moral
A desmotivação e a despre- apropriadas. (p. 108) para contribuir para a correção
ocupação frente às questões de tais desigualdades median-
pedagógicas podem advir do A separação da formação pro- tes as atividades cotidianas na
pouco valor que se dá à forma- fissional específica da formação aula e na escola. (p. 26)

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010
Assumidos esses pressupostos, coletivas e organizacionais, que se A opção metodológica pela
esta investigação versa sobre a desenvolve em contextos e momentos pesquisa-ação se sustenta na ne-
adoção da pesquisa como princípio diversificados e em diferentes comuni- cessidade de que o professor seja
articulador na formação do professor dades de aprendizagem constituídas crítico e reflexivo, já que enfrentará
formador, apresentando uma iniciati- também por outros formadores. na prática situações instáveis, sin-
va para tal. Especificamente, apre- Boa parte das iniciativas de forma- gulares e incertas, sendo necessária
sentamos a utilização da reestrutu- ção de formadores tem permanecido uma formação que lhe possibilite
ração de uma disciplina vinculada ao no âmbito das políticas institucionais refletir criticamente sobre suas pró-
Estagio Supervisionado (componente de cada universidade (Echeverria et prias ações a partir de uma postura
da formação do futuro docente) como al., 2007). Por meio de uma dessas investigativa (Schön, 1998; Elliot,
lócus para metarreflexão do formador. iniciativas, esta investigação pretende 1997; Stenhouse, 2004). Nessa
explicitar num contexto específico perspectiva, concordamos que a for-
Sobre a formação de formadores: a mo- como a adoção da pesquisa, como mação extrapola a cultura do ensino
tivação para a investigação princípio articulador, pode contribuir centrado na aula, vendo o trabalho
Atualmente, vivenciamos no ce- para a formação do formador. Ob- docente como uma atividade crítica
nário brasileiro investimentos em jetivamos apresentar um ponto de e o professor formador como um
elaboração, implementação e acom- partida que indica uma possível pro- sujeito capaz de compreender não
panhamento de programas voltados posta de intervenção em processos só as características de seu trabalho,
à formação de professores (André et formativos, visando à promoção de mas o contexto em que atua para
al., 1999). A ênfase dessas propostas aprendizagem na docência e tendo criar sua própria identidade e de
recai notoriamente sobre os processos o formador como foco. seus alunos.
de formação inicial e continuada de Esta investigação se caracteriza
professores do ensino básico. Por sua como pesquisa-ação (Elliott,1997; O locus e o problema da pesquisa: a
vez, a docência no ensino superior é Stenhouse 2004) e tem por pressu- prática de ensino de química configu-
ainda território que só recentemente posto que os sujeitos que nela se rando a pesquisa - ação
passou a fazer parte desse debate. envolvem compõem um grupo com 259
Podemos evidenciar tal fato quando objetivos e metas comuns, interessa- O curso de Química modalidade
retomamos a produção apresenta- dos em um problema que emerge no licenciatura da Universidade Esta-
da sobre o tema, por exemplo, nas contexto em que atuam e desempe- dual de Goiás (UEG) é estruturado
Reuniões da Associação Brasileira nhando papéis distintos: professores em semestres, em sistema seriado
de Pesquisas em Ensino de Ciências formadores e professores em forma- e busca interligar hierarquicamente
(ABRAPEC), ou ainda se considera- ção inicial (PFI). Intencionamos inves- os conteúdos, minimizando a com-
mos uma iniciativa mais recente da tir no processo for- partimentalização
Coordenação de Aperfeiçoamento mativo do formador do conhecimento,
do Pessoal de Nível Superior (CAPES) de modo que este Não há preparação integrando os con-
que instaura a obrigatoriedade de possa ser produto formal para o formador, teúdos de Química,
estágio docência no ensino superior. de suas concepções e que em muitas áreas do correlacionando-os
Dessa forma, podemos dizer que partilhadas. Assumi- conhecimento os processos com áreas afins e
não há preparação formal para o mos a pesquisa na seletivos relacionados objetivando a in-
formador, e que em muitas áreas do ação do formador à contratação docente terdisciplinaridade.
conhecimento os processos seletivos como ferramenta em Instituições de Ensino Tempo de integra-
relacionados à contratação docente formativa por exce- Superior (IES) priorizam as lização: mínimo de
em Instituições de Ensino Superior lência: questionan- linhas de pesquisa na área oito e máximo de
(IES) priorizam as linhas de pesquisa do, dando sentido técnica quatorze semestres
na área técnica. Em consequência, os e relacionando seu (PPC UEG, 2005).
processos de desenvolvimento profis- trabalho diário. Apoiamo-nos em Zei- Numa iniciativa de ressignificar a
sional ficam na dependência de cada chner (1987, p. 19) para afirmar que: práxis do formador, a disciplina de
instituição e de como esta concebe a Prática de Ensino de Química (PEQ)
formação do formador. [...] a tradição radical na foi escolhida para esta investigação.
Como professores formadores, formação do professor apóia Determinante para essa escolha foi
entendemos todos os profissionais [...] aqueles enfoques que pre- que esta, segundo o projeto peda-
envolvidos nos processos de apren- tendem desenvolver ao mesmo gógico do curso, foi planejada como
dizagem da docência de futuros pro- tempo o pensamento reflexivo momento de relacionar teoria e prá-
fessores como, por exemplo, todos e a ação de reconstrução que, tica na formação do futuro docente.
os professores dos cursos de licen- por definição, implica a pro- A disciplina de PEQ é trabalhada
ciatura. Defendemos que a formação blematização tanto da própria na Unidade Universitária de Ciências
do formador é um processo contínuo, tarefa de ensinar, quanto do Exatas e Tecnológicas (UnUCET) de
que envolve dimensões individuais, contexto em que se realiza. Anápolis como uma disciplina espe-

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010
Tabela 1 - Caracterizando a disciplina de PEQ.

Disciplina Ch*/ período Ementa Disciplina Ch*/ período


Principais problemas do ensino de química. O ensino de química no
Brasil, em Goiás e em Anápolis. Novas tendências do ensino/pesquisa Estágio Super-
PEQ 1
30/ 5º em química. Ensino/aprendizagem de química – comunicação e relação visionado 1 100/ 5º
professor/aluno. Observação de aulas e ambientes escolares no ensino
médio e fundamental.
Habilidades e competências na formação de professores. Relações entre
Estágio Super-
PEQ 2 saberes pedagógicos e saberes científicos. História da química. Compor-
30/ 6º visionado 2 100/ 6º
tamento do professor no local de ensino. Tipos de professores. Semirre-
gência em sala de aula no ensino fundamental e médio.
Racionalidade técnica e racionalidade prático-reflexiva. Parâmetros
Curriculares - ensino de química. Metodologia do ensino de química. O Estágio Super-
PEQ 3
30/ 7º ensino de química no currículo das escolas de ensino médio do estado visionado 3 100/ 7º
de Goiás: análise sob uma perspectiva histórica. Regência em sala de
aula de aula de ciências no ensino fundamental.
Contribuições didático-pedagógicas na formação de professores de
química. Interdisciplinaridade e contextualização (uso de materiais para- Estágio Super-
PEQ 4
30/ 8º didáticos). Contemplação reflexiva da prática de planejamento, seleção visionado 4 100/ 8º
e produção de material didático. Elaboração e execução de projetos de
ensino. Regência em sala de aula em química e no ensino médio.
*Ch =carga horária.

cífica com carga horária própria de As Diretrizes para Formação Inicial estabelecendo uma comunicação
30h/aula semestrais durante quatro de Professores da Educação Básica direta com o professor da disciplina
260 semestres consecutivos, acompa- em Cursos de Nível Superior (Brasil, de PEQ, de modo que possibilite a
nhando o trabalho de Estágio Super- 2002) determinam que a formação repercussão dos resultados do es-
visionado conforme apresentado na para a docência seja desvinculada tágio e das discussões teóricas na
Tabela 1. dos bacharelados, que seus perfis realidade da sala de aula.
Os alunos realizam Estágio Su- sejam constituídos de disciplinas Em síntese, essa disciplina foi
pervisionado em escolas de ensino integradoras desde o começo do pensada para ser uma tentativa de
fundamental e médio, ambos da rede curso de licenciatura e que a teoria diálogo entre a teoria e a prática
pública, observando e participando e a prática sejam articuladas a partir e, por isso, a ementa de PEQ (ver
do cotidiano escolar, tanto no trabalho do segundo ano. É nessa perpectiva Tabela 1) orienta o desenvolvimento
do professor quanto no tocante ao integradora que a disciplina de PEQ das atividades práticas do Estágio
funcionamento administrativo da es- se relaciona com o estágio. Supervisionado. No entanto, quando
cola. Ainda, assumem semirregência Nesse contexto, surge a possi- transferida para a execução do ato
e regência de classe, orientados pelo bilidade de realização de pesquisas pedagógico, transforma-se em ação
trabalho teórico-prático feito durante científicas relacionadas ao processo de alto grau de complexidade pelas
as disciplinas de PEQ. de ensino-aprendizagem de química, dificuldades implícitas na sua realiza-
as quais, quando ção. Entre os fatores
Sabemos que as atividades realizadas, geral- determinantes de
curriculares de Estágio Super- mente redundam A formação do formador seu sucesso ou in-
visionado têm referências em em trabalhos de é um processo contínuo, sucesso se encontra
concepções e teorias que o ca- conclusão de curso. que envolve dimensões a necessidade de
racterizam e o orientam deixan- Essa introdução ao individuais, coletivas e formar formadores
do de ser atividades eminente- universo da obser- organizacionais, que se que estreitem esse
mente práticas. Neste sentido, vação participante desenvolve em contextos e diálogo: aqui reside
o estágio deve ser conside- e atuação na prática momentos diversificados e o problema de nossa
rado enquanto atividade que educacional em en- em diferentes comunidades investigação. Portan-
permita ao aluno um contato sino de Química é de aprendizagem to, configura-se aqui
com a realidade do campo acompanhada, via constituídas também por a primeira etapa da
profissional, [...] utilizando-se de regra, por no- outros formadores. espiral de pesquisa-
das teorias existentes como vas compreensões ação caracterizada
possibilitadoras da reflexão e dos conceitos dos quais os futuros por diagnosticar uma situação prática
da ação no campo profissional professores se apropriam para me- que se quer melhorar.
e da formação humana. (PPC lhor compreender os fenômenos Identificado o problema, o contex-
UEG, 2005) educacionais dos quais participam, to concreto que dá forma e conteúdo

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010
à proposta curricular da disciplina foi entre si. A ênfase nos conteú- UEG, é vinculado a dois grupos de
reestruturado pelo docente, por inter- dos em si, como se fosse uma pesquisa: Laboratório de Pesquisas
médio de seu plano de curso, para coisa a parte e existente em si em Educação Química e Inclusão
envolver o aprofundamento de co- e por si mesma, é substituída (LPEQI) e Núcleo de Pesquisa em
nhecimentos específicos de química pela ênfase no processo da Ensino de Ciências (NUPEC), ambos
e de aspectos pedagógicos, partindo educação, no qual, desde o pertencentes ao Instituto de Química
do conceito de currículo ensino fundamental, os conhe- na Universidade Federal de Goiás.
cimentos de Química servem A avaliação da estratégia aplica-
[...] como a construção so- de instrumento para os edu- da coincidiu com a coleta de dados
cial que preenche a escolari- candos crescerem na capaci- desta investigação e foi realizada em
dade de conteúdos e orienta- dade do conhecimento sobre duas etapas: a primeira, mediante
ções e nos leva a analisar os a natureza, subordinando-o à aplicação de questionário (no meado
contextos concretos que lhe emancipação dos homens e do curso) respondido voluntaria-
vão dando forma e conteúdo, mulheres, não à subordinação mente pelos alunos; e a segunda,
antes de passar a ter alguma deles. Este é fundamental- mediante a gravação em áudio e
realidade como experiência de mente o campo vídeo das atividades
aprendizagem para os alunos. de investigações de regência no Está-
(Sacristán, 1998, p. 20) daqueles que são A formação extrapola gio Supervisionado.
educadores quí- a cultura do ensino Contempla-se aqui
A reestruturação se apoiou em micos. (p. 62) centrado na aula, vendo a terceira etapa da
literatura referendada em represen- o trabalho docente como espiral de pesquisa-
tantes dos principais pesquisadores As disciplinas de uma atividade crítica e ação caracterizada
da Educação Química do país: Sch- PEQ e Estágio Su- o professor formador pelo desenvolvimen-
netzler, Maldaner, Chassot, Zanon, pervisionado foram como um sujeito capaz to da estratégia de
Echeverría, Porto, entre muitos outros, planejadas (pelos de compreender não só ação e avaliação de
incluindo pesquisas recentes sobre autores deste arti- as características de seu sua eficiência. 261
ensino, metodologia da pesquisa go), privilegiando trabalho, mas o contexto Passare-
educacional, epistemologia e história as discussões em em que atua para criar sua mos, então, a apre-
da ciência. Compreendemos, dessa grupo sobre textos própria identidade e de sentação da quarta
forma, a necessidade de conduzir os de autoria de edu- seus alunos. etapa da espiral de
futuros professores na sua formação cadores em Química pesquisa-ação que
inicial a partir das suas próprias con- (Schnetzler, 1992; 1994; Maldaner, se caracteriza pela ampliação e
cepções, de ampliar seus recursos 2003; Chassot, 1995; 2003; Zanon compreensão da situação-problema
e modificar suas ideias e atitudes de e Maldaner, 2007; Echeverria, 1996; por meio da análise das respostas
ensino (Gil-Pérez, 2003). A formação Porto, 2006) previamente escolhi- dos questionários. Este consistiu de
docente inicial já não pode mais ser dos e sobre as próprias práticas doze questões respondidas por es-
reduzida ao estudo e domínio de pedagógicas, as aulas expositivas, crito, das quais, neste trabalho, serão
conteúdos e técnicas para serem a simulação de aulas, a confecção abordadas apenas cinco por razões
utilizadas em futuras práticas peda- de materiais didáticos, o estudo in- de espaço.
gógicas, e até mesmo conduzindo dividual de textos e a elaboração de
futuros professores a assumir uma planejamentos de curso e de aula. Interpretando as respostas do ques-
postura acrítica como estagiários O plano de curso também instituiu tionário
e meros executores de tarefas so- a seguinte rotina: constatadas situa- Faz-se necessário esclarecer
licitadas pelos regentes de estágio ções práticas conflituosas (oriundas que a ordem das perguntas aqui
supervisionado dentro das universi- da realização do Estágio Supervisio- apresentadas é a mesma de como
dades. Configura-se aqui a segunda nado), o papel do professor formador aparecem no questionário original.
etapa da espiral de pesquisa-ação consistiu em ajudar o grupo de 25 Cabe ressaltar que a análise dos
caracterizada pela formulação de alunos a problematizá-las, ou seja, resultados descreve um movimento
uma estratégia de ação. situá-los em um contexto teórico mais de metarreflexão que passaremos a
Cabe ressaltar que, segundo amplo e, assim, possibilitar a amplia- enunciar.
Chassot (1993): ção da consciência dos envolvidos, A pergunta a seguir foi elaborada
com vistas a planejar as formas de objetivando investigar se foi possível
Fazer educação através da transformação das ações dos sujeitos estabelecer relações entre a teoria
Química significa um conti- e das práticas institucionais. estudada na universidade e a prática
nuado esforço em colocar a O professor formador regente da desenvolvida no ambiente profissio-
ciência a serviço do mundo, da turma, além de ter experiência em nal, isto é, entre a formação e a ação
vida, na interdisciplinaridade, escolas pública e privada, sendo docente. Defendemos que a formação
no intercâmbio das ciências pertencente ao quadro docente da docente não se constrói apenas por

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010
acumulação de cursos, de conheci- mento ou nas inovações do sistema No que diz respeito à investigação
mentos ou de técnicas, mas por meio educacional, bem como da pouca da ação do formador, apoiamo-nos
de um trabalho de reflexão crítica utilização das pesquisas educa- em Shulman (1986) para refletir sobre
sobre as práticas e de uma (re)cons- cionais nas estratégias de ensino a ação e redimensioná-la do seguinte
trução permanente de uma identidade apontadas por Gatti (2002), esse modo: a partir da identificação das
pessoal (Pimenta, 2002), e foi nesse resultado reflete uma aproximação experiências anteriores desse grupo
sentido que a estratégia de reestrutu- entre a universidade e a escola e a de alunos, tentar estabelecer durante
ração da PEQ pretendeu atuar. contribuição que um programa de o curso novas possíveis relações en-
De igual modo, quando nos re- curso pautado na Educação Química tre o conteúdo ministrado e a prática
ferimos aos ensinamentos de PEQ, parece oferecer diretamente para pedagógica a ser desenvolvida no
estamos nos dirigindo à estratégia subsidiar a prática pedagógica. Tal Estágio Supervisionado. Referimo-
por meio da qual foi desenvolvida consideração pode ser sustentada nos, dessa forma, ao exercício do
a ementa dessa disciplina que en- pelas respostas aos questionários conhecimento pedagógico de conte-
globou aspectos como: explicitar e como, por exemplo: údo por parte do professor formador.
explorar as visões dos estudantes Nossa próxima questão foi elabo-
sobre os conceitos científicos; oportu- PFI 1: “Utilizei os ensinamen- rada a partir da discussão do texto
nizar a discussão sobre os conceitos tos de PEQ para planejar para de Driver et al. (1999) e objetivamos
científicos por meio de atividades minhas aulas situações que coletar elementos que refletissem
pedagógicas; dar suporte para os permitissem explorar as ideias a apropriação das reflexões sobre
estudantes produ- dos estudantes. o texto por parte dos licenciandos,
zirem significados Toda vez que especificamente sobre “o papel da
individuais, internali- Essa introdução ao começava um interação social na promoção da
zando os conceitos universo da observação novo conceito eu aprendizagem”, ou seja, o reconhe-
científicos; e  opor- participante e atuação procurava uma cimento da função que a interação
tunizar o estabeleci- na prática educacional situação proble- entre os pares exerce na significação
262 mento de relações em ensino de Química é ma (um questio- conceitual. Vale destacar que essa
entre os conceitos acompanhada, via de regra, namento) para questão foi direcionada ao Ensino
científicos estudados por novas compreensões introduzi-lo.” Fundamental, porque esse é o pri-
e diferentes contex- dos conceitos dos quais PFI 7: “Os en- meiro contato do aprendiz criança
tos, transferindo aos os futuros professores se sinamentos da com a ciência. Apoiados em Vygotsky
futuros professores apropriam para melhor disciplina me (2001), sustentamos que a criança se
a responsabilidade compreender os fenômenos influenciaram a desenvolve à medida que é ensinada
pelo uso desses con- educacionais dos quais incluir em meu e educada, ou seja, à medida que,
ceitos. participam. planejamento ati- sob orientação de adultos ou compa-
vidades em gru- nheiros mais experientes, apropria-se
1) Você utilizou os
po que permitissem comparti- da cultura elaborada pela humanida-
ensinamentos das disciplinas de PEQ
lhar os resultados dos grupos de. Dessa maneira, essa etapa é uma
para planejar suas atividades de Estágio com toda a classe. Eu planejei unidade indissociável do processo de
Supervisionado? utilizar a confecção de murais educação.
Essa primeira questão foi res- em sala para tornar os significa- É importante esclarecer que quan-
pondida por 100% dos alunos que, dos compartilhados disponíveis do nos referimos às atividades de co-
em geral, salientaram sua intenção para todos os alunos.” nhecimento químico, referimo-nos à
de melhorar sua prática pedagógi- PFI 15: “Os estudos de PEQ ação pedagógica do futuro professor,
ca em ensino de química de várias permitiram que na hora de ou seja, seu planejamento de aula em
maneiras. A utilização constante dos planejar minhas aulas eu pen- ação durante a realização do estágio
ensinamentos da referente disciplina sasse em criar atividades que supervisionado.
no planejamento das aulas ministra- pudessem me ajudar a veri-
3) As atividades de conhecimento químico
das nas escolas foi apontada por 52% ficar os significados que os
para o Ensino Fundamental criaram
dos participantes; já 48% deles res- alunos atribuíram para minhas
ponderam que utilizam, às vezes, nos explicações. Eu planejei pedir condições para a construção de novas in-
seus planejamentos. Esse fato pode aos alunos individualmente em terações entre professores/alunos e alunos/
ser interpretado como o resultado do cada aula que explicassem alunos?
início da familiaridade e/ou interesse melhor sua compreensão na Nessa questão, novamente 52%
dos alunos com as contribuições forma de texto (como feito na dos graduandos responderam que
oferecidas pela disciplina. disciplina) que poderia me en- as atividades criaram condições para
Ao contrário da insuficiente par- tregar e depois eu checava se a construção de novas relações –
ticipação das instituições de ensino havia consenso entre os alunos exemplos dessas repostas são dados
superior nos projetos de desenvolvi- solicitados.” a seguir –; já 48% deles responderam

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010
que somente às vezes essas condi- também com os colegas mais ex- teúdos; o incentivo à participação
ções eram criadas. perientes ou que tiverem vivências do aluno; a primeira apresentação
diferenciadas. Ao professor, caberá, da Química por se tratar de ensino
PFI 22: “Sim. Minhas aulas ao longo do processo, aglutinar fundamental; e o despertar do senso
para ensino fundamental servi- todas as questões que aparecerem crítico (com maior ênfase). Exemplos
ram para desencadear discus- e sistematizá-las de forma a garantir das respostas são dados abaixo:
sões, em sala de aula, sobre os situações que possam promover a
conhecimentos ensinados e as apropriação de novos conhecimentos PFI 12: “A linguagem científi-
situações vividas pelos alunos. por todos os seus alunos. ca utilizada pelo professor pre-
Acho que esta foi uma forma Admitindo que a dimensão intera- cisa ser acessível aos alunos
de conhecer melhor quem era tiva é fator fundamental no desenvol- para atuar como instrumento na
meu aluno.” vimento da ação docente, o professor mediação pedagógica.”
PFI 5: “Sim. Para o ensino formador, no exercício de sua reflexão, PFI 8: “Tem papel funda-
fundamental procurei utilizar procurou estimular (durante o anda- mental e determinante para
aulas teóricas expositivas alia- mento do curso) atividades partilha- o aprendizado pois precisa
das à realização de exercícios das, ou seja, processos cognitivos estabelecer vínculos com o
sobre os conceitos ensinados realizados por vários sujeitos que en- conhecimento que o aluno traz
em grupo. Estas volvessem, sobretu- para a sala.”
atividades per- do, a verbalização de PFI 6: “Modificar algumas
mitiram a criação É importante considerar que concepções, ideias e concepções equivocadas a
de um ambien- não estamos esquecendo crenças internaliza- respeito do conhecimento
te mais informal que a sala de aula tem das por estes. Nessa científico que possam ser tra-
em sala de aula. papéis que precisam estar perspectiva, conhe- zidas pelos alunos, através de
Acredito que por bem-definidos, porém, cer a bagagem inter- tornar o conhecimento científi-
isso os grupos esses papéis não estão nalizada dos parcei- co acessível a estes alunos.”
participaram ati- rigidamente constituídos, ou ros é relevante, pois 263
vamente buscan- seja, o professor ensina o a interação social só Admitimos que a linguagem cien-
do maiores es- seu aluno, mas este poderá ocorrerá na medida tífica tem características próprias e
clarecimentos e aprender também com os em que houver co- que estas que foram estabelecidas ao
tirando dúvidas e colegas mais experientes nexões entre seus longo do desenvolvimento científico,
eu pude aprovei- ou que tiverem vivências objetivos (conheci- como forma de registrar e ampliar o
tar para reforçar diferenciadas. mento científico em conhecimento, tornando, muitas ve-
os ensinamentos questão) e o universo zes, a linguagem científica estranha
ministrados em sala de aula dos parceiros. É nessa dinâmica que e difícil para os alunos. Reconhecer
recuperando significados esta- esperamos aumentar o número de essas diferenças implica em reconhe-
belecidos por cada grupo para futuros professores que consigam cer que a forma pela qual o professor
toda a turma.” utilizar esses ensinamentos para pro- ‘fala sobre’ as entidades químicas é
mover a interação em suas aulas. Se tão importante quanto às próprias
Quando propomos uma sala de interações sociais educativas reque- entidades. Desse modo, o confronto
aula como um processo interativo, rem o confronto e a manifestação de das concepções iniciais de mundo do
acreditamos que todos terão possi- ideias, não caberia colocar apenas so- aprendiz com aquelas apresentadas
bilidade de falar, levantar suas hipó- bre os professores em formação inicial pelos parceiros de seu ambiente
teses e, nas negociações, chegar a a responsabilidade de promovê-las. torna-se fundamental para a apro-
conclusões que ajudem o grupo a A questão quatro foi elaborada priação de significados diferenciados
se perceber parte de um processo a partir da discussão do texto de que, dialogicamente, constituirão
dinâmico de construção. Sendo Mortimer et al. (1998), objetivando sentidos a serem negociados.
assim, os resultados apontam que a coletar elementos que identificassem Nossos resultados permitem inter-
disciplina de PEQ conseguiu introdu- a apropriação das reflexões sobre pretar que, por meio das diferentes
zir a valorização das interações por o texto, especificamente sobre “o funções atribuídas à linguagem, os fu-
parte dos professores (formador e papel da linguagem na construção turos professores parecem reconhe-
em formação). de significados científicos em salas cê-la como veículo de negociação.
É importante considerar que não de aula” (p. 7). É nas interações que os conceitos
estamos esquecendo que a sala de científicos passam a ser discutidos
4) Qual o papel da linguagem do professor
aula tem papéis que precisam estar em um processo descendente em
na apropriação do conhecimento de seus
bem-definidos, porém, esses papéis que adquirem mais “concretude”,
não estão rigidamente constituídos, alunos? enquanto os conceitos cotidianos
ou seja, o professor ensina o seu As respostas dos licenciandos dos alunos tomam um caminho as-
aluno, mas este poderá aprender focalizaram a transposição de con- cendente e são interpretados num

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010
nível superior de abstração (Vygotsky, fessor na condução das atividades de que não se trata de formá-lo como
2001, p. 244-245). ensino. Essas respostas salientam a reprodutor de modelos práticos do-
Quando a linguagem se dirige aos importância dos fatores subjetivos minantes, mas capaz de desenvolver
outros, o pensamento torna-se passí- durante o processo de formação. a atividade material para transformar
vel de partilha. Essa acessibilidade do o social humano, cumpre investigar
pensamento manifesta-se na e pela PFI 4: “A partir do momento qual a contribuição que a Educação
linguagem, expressando ao mesmo em que assumi a sala de aula.” Química pode dar nessa formação.
tempo muitos outros aspectos da per- PFI 5: “Quando o professor
sonalidade do sujeito. Entendemos supervisor saiu da sala e me
9) Quais as atividades do curso de
melhor essas considerações quando deixou só na condução das
formação que favorecem mudanças em
assumimos que a fala é uma das for- atividades, os alunos se diri-
mas de linguagem por meio da qual giram a mim e, percebi que suas concepções acerca da atividade
os significados sociais são apreendi- estava ali como representante docente?
dos e acordados. A fala encontra-se do ensino de química por isso Das respostas a esta questão,
permeada por expressões afetivas minhas atitudes precisavam ser 48% dos estagiários relataram que
que se tornam igualmente alvo das refletidas.” os conhecimentos adquiridos na
interações: preferências, antagonis- PFI 6: “Quando estive no disciplina de PEQ favoreceram mu-
mos, concordâncias, simpatias e período de observação do es- danças em suas concepções; numa
antipatias. A ação e a fala unem-se na tágio tomei consciência que o margem próxima, 36% apontam para
coordenação de várias habilidades: ensino é atividade deliberada e as atividades pedagógicas realiza-
entre elas, o pensamento discursivo. por isso surgiu a necessidade das e o material didático utilizados
Nesse sentido, as respostas revela- de planejar bem durante a disciplina
ram que a disciplina de PEQ parece minhas aulas pois de PEQ; e por fim,
colaborar para a formação. quando estivesse É nas interações que os 16% ressaltaram a
Admitindo a linguagem como na regência seria conceitos científicos passam contribuição das dis-
264 central no processo de elaboração eu, o conheci- a ser discutidos em um ciplinas de cunho
conceitual, o professor formador mento químico processo descendente pedagógico ofere-
pôde compreender a dinâmica de seu e os alunos. Isto em que adquirem mais cidas durante todo
trabalho pedagógico. Adotar proce- exige responsa- “concretude”, enquanto curso de formação
dimentos de pesquisa para dialogar bilidade.” os conceitos cotidianos inicial. Em relação
com e refletir a ação docente permitiu dos alunos tomam um aos conhecimentos
avanços na construção da identi- As falas mostram caminho ascendente e são adquiridos na disci-
dade profissional do formador num a relação tensa, e interpretados num nível plina de PEQ, apre-
movimento contínuo em constante dinâmica ao mesmo superior de abstração sentamos algumas
transformação. Sobre esses avanços, tempo, entre a refle- respostas.
podemos destacar: a) na introdução xão e a ação, e que a prática, sendo
de um termo novo, relacioná-lo com idealizada e deliberada, é somente PFI 18: “A elaboração de um
as ideias que os estudantes têm a em sala de aula que se realiza. Por material instrucional envolven-
respeito e mostrar a diferença entre isso, as disciplinas que preparam do os conceitos químicos, em
os dois significados; b) elaboração de para os estágios precisam estar num PEQ, fez com que eu tomasse
aulas de natureza interativa com ênfa- processo contínuo de investigação e consciência de que o professor
se na apropriação do conhecimento de ação. De igual modo, investir em não deve aceitar cegamente
científico por meio de estratégias pesquisa na formação de formadores qualquer estratégia proposta
como rever e/ou marcar os significa- representou o estudo de uma situa- por um livro didático.”
dos apreendidos. ção social para tratar de melhorar a PFI 22: “As atividades de
A questão 7 foi elaborada com o qualidade da ação que nela intervém. reflexão feitas em PEQ por
objetivo de obter informações sobre A Questão 9 foi pensada com o meio de compartilhamento das
a constituição da identidade profis- objetivo de obter informações sobre experiências da comunidade
sional docente. a contribuição da didática especifica de educadores em química
na formação de professores. Enten- ampliaram minhas concepções
7) Como você tomou consciência de seu
demos que a atividade docente está sobre ser professor.”
próprio papel na condução das atividades
ligada à ação educativa mais ampla PFI 2: “As discussões sobre
de ensino? que ocorre na sociedade, que é o tendências (dinâmicas, utiliza-
Do quantitativo de respostas, 72% ensinar. Na sua acepção corrente, é ção de experimentos, técnicas)
dos futuros professores afirmaram definida como uma atividade prática. pedagógicas da comunidade
que é a partir do primeiro contato O professor em formação inicial está de pesquisadores do ensino
com os alunos em sala de aula que se se preparando para efetivar as tare- de química.”
define a importância do papel do pro- fas práticas de ser professor. Dado PFI 3: “A abordagem dos

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010
textos em sala de aula dando Romper com a racionalidade técnica mica pode ser considerado um
apoio a prática de estágio sem cair no espontaneísmo de sobre- profissional autônomo que refletiu
possibilitou uma nova visão da valorizar qualquer prática demanda criticamente sobre a sua prática
atividade docente pois o desa- um esforço contínuo e criterioso de para compreender tanto as ca-
fio era vincular o aprendizado incorporação da racionalidade crítica racterísticas dos processos de
da disciplina com a realização na reestruturação das disciplinares ensino-aprendizagem quanto o seu
do estágio.” basilares dos cursos de formação de contexto de ação.
PFI 7: “O diálogo, através da professores. Essa análise parece revelar que
discussão dos textos, com a Esses resultados demonstram a ação docente de professores
experiência de outros profes- que um plano de curso alicerçado na formadores contribuiu para seus
sores de química.” Educação Química pode ser capaz processos de construção identitária
PFI 20: “As discussões con- de fornecer apoios concretos, pró- de seus alunos. O formador, tendo
ceituais sobre a natureza da ci- prios de um exercício profissional, a por base seus saberes pedagógicos
ência me fizeram compreender professores formadores e a futuros fundamentados na necessidade de
sobre os reais desafios do en- professores com a preocupação em superar o atual ensino de química,
sino de química e as atividades situações que possam proporcionar tentou proporcionar o acesso a
de elaborarmos aulas para a a manifestação de suas crenças e conhecimentos químicos que per-
turma ajudaram a ter noção de a formação de outras convicções, mitissem a construção de uma visão
como lidar com os desafios.” mais consentâneas com as teorias de mundo mais articulada e menos
PFI 21: “PEQ, onde somos educacionais veiculadas nessas dis- fragmentada. Ao indagar até que
colocados em contato com ciplinas. Assumir o eixo da pesquisa ponto o ensino (na disciplina PEQ)
um professor de química e a na formação do formador consistiu teve significado para a atividade
didática fornecendo subsídios em proporcionar elementos que pro- docente dos futuros professores
teóricos para a prática de está- moveram o juízo prático em situações em suas realidades de trabalho nas
gio supervisionado.” concretas e a validez das teorias e escolas, colocamos em questão a
hipóteses. contribuição da Educação Química 265
Em sua grande maioria, as dis- Tendo em vista a ampliação da na constituição dos saberes peda-
ciplinas pedagógicas oferecidas compreensão da situação prática ini- gógicos na formação inicial. E num
nos cursos de formação de educa- cial, entendemos que o processo se movimento contrário, qual a contri-
dores apresentam características modificou e seria necessário proce- buição das atividades dos futuros
marcantes por seus conteúdos que der aos mesmos passos para a nova docentes para a revisão dos cursos
enfatizam uma preocupação de situação–problema, caracterizando a de PEQ e para a ressignificação da
caráter estritamente técnica. Suas quinta e última etapa de uma espiral prática pedagógica em ensino de
abordagens dificilmente ultrapassam da pesquisa-ação. química no ensino superior.
as dimensões técnicas do ensino. Nossos resultados demonstram
Frequentemente, os conteúdos Considerações finais que o professor formador desenvol-
giram em torno de uma temática Adotar a pesquisa como eixo da veu uma postura investigativa sobre
central que pode ser resumida no formação do formador pode pro- sua área de atuação e, utilizando
planejamento, na execução e na porcionar condições formativas que procedimentos de pesquisa como
avaliação do ensino. Por tudo isso, possibilitem explicar, refletir e superar instrumento de trabalho, conheceu e
encontramos na maioria dos progra- aspectos gerais e específicos vincu- investiu na realidade concreta de sua
mas dessas disciplinas conteúdos lados à ação docente do formador. ação docente.
que refletem uma preocupação Considerando a inserção da pesquisa A questão de como acontece o
com o estudo de técnicas de ensino para auxiliar o processo de formação processo de construção do saber-
voltadas à aprendizagem humana, de formadores, que é contínuo e di- fazer docente num movimento de re-
vindo a resultar num estudo isolado, nâmico, pudemos compreender essa flexão sobre a formação do professor
aparentemente neutro. dinâmica para nela intervir. fundamentou a temática vivenciada
O momento atual é, pois, o de Colocando a atividade docente por nós: pesquisadores e pesquisa-
repensar a “razão teórica” e a “razão como objeto de nossa investigação, dos, sujeitos e atores de uma prática
prática” dessas disciplinas para va- foi necessário compreendê-la em social em movimento. Finalmente,
lorizarmos a amplitude do fenômeno suas vinculações com a prática social enquanto problematizamos, também
educacional e, mais intensamente, a na sua historicidade e isso se fez a discutimos os problemas relaciona-
relação do sujeito com a aprendiza- partir da verificação da mobilização dos ao contexto das diferentes situa-
gem. De igual modo, a introdução de dos saberes adquiridos na disciplina ções que compartilhamos na troca de
elementos que possam oferecer um para estruturar e tomar decisões na nossas experiências. Nesse sentido,
conhecimento, mais preciso, das re- escola e na sala de aula de química. formaram-se os professores em for-
alidades educacionais e sociais será Nessa iniciativa, o professor mação e os professores formadores
certamente uma tônica imperiosa. formador de professores de quí- de professores.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010
Claudio Roberto Machado Benite (claudio.benite@ Universitária de Ciências Exatas e Tecnológicas Química da UFG. Agustina Rosa Echeverria (agus-
ueg.br), licenciado em química, especialista em ensino (UnUCET) - Universidade Estadual de Goiás (UEG). tina@quimica.ufg.br), bacharel, licenciada e mestre
de ciências pela Universidade do Estado do Rio de Anna Maria Canavarro Benite (anna@quimica.ufg. em química pela Universidade da Amizade dos Povos
Janeiro (UERJ), mestre em educação em ciências e br), bacharel e licenciada em química, mestre e dou- (Moscou), doutora em educação pela Universidade
matemática e doutorando em química pela Universi- tora em ciências (química) pela Universidade Federal Estadual de Campinas (UNICAMP), é docente do
dade Federal de Goiás (UFG), é docente da Unidade do Rio de Janeiro (UFRJ), é docente do Instituto de Instituto de Química da UFG.

Referências em educação no Brasil. Brasília: Plano, SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma re-


2002. flexão sobre a prática. 4. ed. Porto Alegre:
ANDRÉ, M.; SIMÕES, R. H.; CARVA-
GIL-PÉREZ, D. e Carvalho, A. M. P. Artmed, 1998.
LHO, J. M. e BRZEZINSKI, I. Estado da
Formação de professores de ciências: SACRISTÁN, J. G. e GÓMEZ, A. I. P.
arte da formação de professores no
tendências e inovações. São Paulo: Cor- Compreender e transformar o ensino. 4.
Brasil. Educação e Sociedade, v. 68, p.
tez, 2003. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
301-309, 1999.
GONÇALVES, T. O. e GONÇALVES, T. V. SCHNETZLER, R. P. Construção do
BRASIL. Resolução CNE/CP1, de 18 O. Reflexões sobre uma prática docente si-
de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes conhecimento e ensino de ciências. Em
tuada: buscando novas perspectivas para Aberto, 11, 17, 1992.
Curriculares Nacionais, para a formação a formação de professores. In: GERALDI,
de professores de Educação Básica, em ______. Do ensino como transmissão,
C. M. G.; FIORENTINI, D. e PEREIRA, E.
nível superior, curso de licenciatura, de para um ensino como promoção de
M. A. (Orgs.). Cartografias do trabalho do-
graduação plena. Diário Oficial da União, mudança conceitual nos alunos: um
cente: professor(a)-pesquisador(a). Cam-
Brasília, 9 de abril de 2002. Seção 1, p. 31. processo (e um desafio) para formação
pinas: Mercado de Letras; Associação de
Republicada por ter saído com incorreção de professores de química. Cadernos
Leitura do Brasil, 1998.
no original no D.O.U., de 4 de março de HORTALE, V. A. e MORA, J. G. Tendên- Anped, Belo Horizonte, Conferência na
2002. Seção 1, p. 8. cias das reformas da educação superior 16a Reunião Anual, n. 6, p. 55-89, 1994.
CHASSOT, A. I. Catalisando transforma- na Europa no contexto do processo de SCHNETZLER, R. P. e ARAGÃO, R. M.
ções na educação. 3. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, Bolonha. Educação e Sociedade, v. 25, Importância, sentido e contribuições de
1993. n. 88, p. 937-960, 2004. pesquisas para o ensino de química. Quí-
______. Para que(m) é útil o ensino? MALDANER, O. A. A formação inicial e mica Nova na Escola, n. 1, p. 27-31, 1995.
266 Alternativas para um ensino (de Química) continuada de professores de química: SCHÖN, D. A. Educating the reflective
mais crítico. Canoas: Ed. ULBRA, 1995. professor/pesquisador. 2. ed. Ijuí: Ed. practitioner. San Francisco: Jossey-Bass,
______. Alfabetização científica: ques- Unijuí, 2003. 1987.
tões e desafios para a educação. 3. ed. MCDERMOTT, L. C. A perspective on ______. El profesional reflexivo: cómo
Ijuí: Ed. Unijuí, 2003. teacher preparation in physics and other piensan los profesionales cuando actúan.
DRIVER, R.; ASOKO, H.; LEACH, J.; sciences: The need for special science Barcelona: Paidós, 1998.
MORTIMER, E. e SCOTT, P. Construindo courses for teachers. American Journal of SHULMAN, L. Those who understand:
conhecimento científico na sala de aula. Physics, 1990, 58, 734. knowledge growth in teaching. Educational
Química Nova na Escola, n. 9, p. 31-40, MOREIRA, D. A. Didática do ensino su- Researcher v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986.
1999. perior: técnicas e tendências. São Paulo: STENHOUSE, L. La investigación como
ECHEVERRIA, A. R. Como os estudan- Pioneira Thomson Learning, 2003. base de la enseñanza. 5ª ed. Madrid:
tes concebem a formação de soluções. MORTIMER, E. F.; CHAGAS, N. e ALVA- Morata, 2004.
Química Nova na Escola, v. 3, 15, 1996. RENGA, V. T. Linguagem científica versus VYGOTSKY, L. S. A construção do
ECHEVERRÍA, A. R.; BENITE A. M. C. linguagem comum nas respostas escritas pensamento e da linguagem. São Paulo:
e SOARES M. H. F. B. A pesquisa na for- dos vestibulandos. Investigação no Ensino
Martins Fontes, 2001.
mação inicial de professores de química de Ciências, 1998, v. 3, 1.
– a experiência do instituto de química ZANON, L. B. e MALDANER, O. A.
PIMENTA, S. G. O estágio na formação
da Universidade Federal de Goiás. Dis- Fundamentos e propostas de ensino de
de professores: unidade teoria e prática?.
ponível em: http://www.sbq.org.br30ra/ química para a educação básica no Brasil.
5. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
Workshop%20UFG.pdf. Acessado em: PORTO, P. A. O olhar do químico céptico Ijuí: Ed. Unijuí, 2007.
26 ago. 2009. sobre os experimentos de Van Helmont. In: ZEICHNER, K. The ecology of field ex-
ELLIOTT, J. La investigación-acción en ALFONSO-GOLDFARB, A. M. e BELTRAN, perience: toward an understanding of the
educación. 3. ed. Madrid: Morata, 1997. M. H. R. (Orgs.). O saber fazer e seus mui- role of field experience in teacher develop-
FAZENDA, I. Práticas interdisciplinares tos saberes: experimentos, experiências e ment. In: HABERMAN, M. e BACKUS, J.
na escola. São Paulo: Cortez, 1991. experimentações. São Paulo: Livraria da M. Advanes in teacher education. v. 3. New
FEIMAN-NEMSER, S. e BUCHMANN, M. Física; EDUC; FAPESP, 2006. Jersey: Ablex, 1987.
When is student teaching teacher educa- PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO. ______. Novos caminhos para o practi-
tion? Teaching and Teacher Education, v. Universidade Estadual de Goiás, 2005. cum: uma perspectiva para os anos 90.
3, p. 255-273, 1987. Disponível em: http://www.unucet.ueg.br. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua
GATTI, B. A. A construção da pesquisa Acessado em: 01 jun 2009. formação. Lisboa: Dom Quixote, 1997.

Abstract: The Research In Training For Teachers Trainers: Focus Education In Chemistry. Most of professor’s formative’s initiatives – although timid – have been placed among institutional policies
of each university. Among those initiatives, this study intends to explain how the adoption of research, as the articulator principle, can contribute to the formation of the professors. This work is
characterized as research-action and presents a possible proposal for intervention in formative cases aimed at promoting a learning process in which the professor is the focus. The results indicate
that the teacher responsible for the teacher’s formative process can be considered a standalone and an emancipated professional, because he/she was able to reflect critically on his/her practice to
understand both the characteristics of teaching-learning processes and its context of action, so that his/her work was crucial to the development of actions that could contemplate the stand-alone
and emancipating formative process of his/her students.
Keywords: teacher’s formative’s initiatives, chemical education, teaching process, research-action.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA A Pesquisa na Formação de Formadores de Professores Vol. 32, N° 4, NOVEMBRO 2010

You might also like