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De Gustavo Lemos
(pausa)
(pausa)
A – O sorriso...
B – Afaste-se! Não te criei para ficar no meio disso! Por acaso você veste
trapos? Está sem banho? Por acaso não te dei educação?
B - Senhor, não semeaste tu, no teu campo, boa semente? Por que tem,
então, joio?
B não responde.
A pega um alicate.
Arranca os dentes, um a um.
Junta-os em forma de sorriso e entrega à B.
B não se mexe.
Cena 02
A - Eu engoli um ralo.
B – É fome.
A – É medo.
B – De quê?
A – Eu toco o tempo.
A - E a bailarina? E o trompetista?
(pausa)
A - Profecias.
B - (riso descontrolado)
B - Sozinho?
B – Monstro.
(pausa)
A - Falo como fala quem não se ouve. Ando como anda quem não é visto.
Mordo com o sorriso prometido e transo com o silêncio de um papelão que mofa,
de uma solidão que estanca. Eu brinco com a flor que nasce em minha testa e
rego placas que me advertiam. E me divirto. Não estou no reflexo das vitrines; não
estou na lista de pagamento; na lista de promessas. Do lado de fora da catedral
sonho com um campo repleto de flores, com cores e promessas pagas com beijo.
Eu construí um templo e posso tocar o tempo. Nas paredes desse templo o
monstro desenha com carinho de mãe.
A–
A–
(pausa)
(pausa)
B – O suficiente.
A – Pra encontrar?
A – Sou felicista, sorrisista. Sou o que mais de ista rimar com beijo.
B – Não te suporto.
.
A – E eu amo
(silêncio)
A – Eternamente?
B – Eternamente.
A – Eternamente?
B – Eternamente.
(B não responde)
(B não se mexe)
Cena 05
A – Se te admiras não coçar com sete dedos: você fede e chora como todo
mundo. E desse mundo de todo é que a flor, o sorriso e o medo se vingam:
durante a noite.
B – Se pagasse o que eu pago não seria tão liberto. A pena que não nego é
o suor que te sustenta.
(silêncio)
Cena 06
Chove devagar.
B – Não chora.
(soluça)
B - Não chora.
(soluça)
B – Meu bebê.
Escuro.