Da Impressão sobre a Realidade à Constituição de um Conceito:
Aspectos da Trajetória da Opinião Pública. In: BOTEON, Terezinha de Jesus; SANTOS, Célia Maria Retz Godoy. (Org.). Opinião Pública e as Relações (Im)Possíveis. Bauru: Editora FAAC/UNESP, 2005, p. 41-62.
A partir da leitura, se observa que não há uma definicão consensual
do que vem a ser e até mesmo da existência da opinião pública e que, ao longo do tempo, diversos significados e idéias foram associadas à expressão. Visto que a opinião, ora era entendida como juízo sobre algo e ora como fenômeno social de controle, se fez necessário então o estudo da trajetória histórica do seu conceito para melhor compreensão dessa discussão.
Estudiosos consideram que a pesquisa sociológica é o caminho
científico para lidar com os fenômenos coletivos da opinião. Contudo, a abordagem do tema carece de transparência e clareza, uma vez que as relações sociais em si são determinadas pelos interesses de crenças e opiniões. A opinião pública seria aquela que respalda e legitima o poder público formal e deveria ser fundamentada num discurso coerente, legítimo. No entanto, legitimar a opinião é um desafio, uma vez que a mídia – campo de relacionamento dos outros campos sociais, passível de controle – apresenta-se como instrumento constituinte do espaço público e não pode ser dissociada da opinião pública.
Foi na Antiguidade que surgiu o primeiro conceito de “opinião”.
Escritos gregos mostram que a expressão traduzia-se tanto como oposição à visão da elite (com base científica) como fazia referência à impressão, percepção (podendo ser verdadeira ou não). O sentido da impressão transmite a idéia de imprecisão e falta de convicção acerca da realizade. Deduz-se ainda que existia um espaço público que possibilitava a existência não apenas do sentido individual da opinião, mas também o de impressão coletiva – opinião pública. Já o vocábulo “público”, na sua origem latina, pode carregar o significado de acesso, abertura ao coletivo, ou de bem comum, interesse geral – sentido especialmente aplicado às questões do interesse coletivo acerca das ações estatais.
Platão, sob a perspectiva da filosofia, atribuía à opinião a propriedade
de inserir-se numa esfera intermediária entre a ignorância e a ciência, devendo sua importância ao fato de ser a via natural de acesso ao mundo compreensível. Diferenciava-se da ciência – conhecimento da essência – por ser considerada uma faculdade de julgar a aparência. Nos tempos atuais, se refere a opinião como instância que se distingue simultaneamente da dúvida e da certeza. Observa-se, ainda na antiguidade, a prática social de diálogos para construção de um julgamento coletivo. Há registros escritos de percepções e reações coletivas diante dos fatos vividos naquela época. Evidenciou-se, então a legitimação das intervenções do povo em relação às temáticas de seu tempo. A opinião pública erguia-se como autoridade política, visto que a aprovação do povo começava a ser tida como pré-requisito para aprovação da elite.
A partir da Idade Média, a informação passou a ser difundida à
serviço do poder. O fluxo de informações, predominantemente verbal, adaptava diversas formas da retórica diante da necessidade de comunicação. Posteriormente e gradualmente, tal difusão adquiriu um caráter crítico, pois transmitia uma opinião que estimulava o público a intervir. O homem medieval ampliou sua percepção de mundo, através da comunicação, construindo uma civilização crítica e conquistadora. Apesar dos esforços da Igreja/poder para conter a opinião pública e reprimir manifestações críticas populares, a era medieval pode ser considerada como berço do pensamento crítico da sociedade civil sobre os sistemas de governo – logo, era das transformações.
A modernidade se caracteriza pelo aparelhamento da opinião, com o
aprimoramento das tecnologias de comunicação. Ocasionou-se a organização da sociedade civil e sua auto-expressão, objetivando negociar o papel do Estado na sociedade. Nesse período de avanço, até a notícia transformou-se em mercadoria, se inserindo na tradicional relação de interesses e a opinião pública firmou-se ainda mais como autoridade política desafiadora do poder absolutista.
Observa-se, na contemporaneidade que a configuração do espaço
social tem papel fundamental na conceituação do que vem a ser público. Percebe-se que os meios de comunicação, assim como o público são atores sociais em uma relação dialógica. E que os veículos de comunicação em massa atuam como fatores determinantes nos processos de construção de imagens e legitimação das práticas institucionais; e a mídia faz parte da essência do espaço público. Sabe-se também que existe interferência (manipulação, omissão, indução) no campo midiático de acordo com interesses próprios (elite, governo, formadores de opinião). Os processos de pesquisa de opinião, como toda a abstração envolvida, ficam então comprometidos no que diz respeito à autenticidade.
Discussões de interesse geral têm sido negligenciadas, pois grupos
com mais acesso aos meios de comunicação sobrepõe sua “voz” ao interesse coletivo da população. Confunde-se a opinião do povo com a impressão – a reação momentânea do público. Público que hoje, tem uma representação constantemente pouco transparente ante a mídia e ao governo, através de grupos de pressão sob a mascarada bandeira da ação coletiva. E apesar de ser um avanço significativo na evolução da sociedade, a mão dupla da informação abre margem à estratégias de manipulação ocasionando ora a exclusão, ora a inclusão social. Daine Wood