You are on page 1of 12

O PORTUGUÊS COMO LÍNGUA VIVA

O que é a língua portuguesa?

O PORTUGUÊS é a língua que os portugueses, os brasileiros, muitos africanos e


alguns asiáticos aprendem no berço, reconhecem como património nacional e
utilizam como instrumento de comunicação, quer dentro da sua comunidade,
quer no relacionamento com as outras comunidades lusofalantes.

Esta língua não dispõe de um território contínuo (mas de vastos territórios


separados, em vários continentes) e não é privativa de uma comunidade (mas
é sentida como sua, por igual, em comunidades distanciadas). Por isso,
apresenta grande diversidade interna, consoante as regiões e os grupos que a
usam. Mas, também por isso, é uma das principais línguas internacionais do
mundo.

É possível ter percepções diferentes quanto à unidade ou diversidade internas


do português, conforme a perspectiva do observador.

Quem se concentrar na língua dos escritores e da escola, colherá uma


sensação de unidade.

Quem comparar a língua falada de duas regiões (dialectos) ou grupos sociais


(sociolectos) não escapará a uma sensação de diversidade, até mesmo de
divisão.

Unidade

Uma língua de cultura como a nossa, portadora de longa história, que serve de
matéria prima e é produto de diversas literaturas, instrumento de afirmação
mundial de diversas sociedades, não se esgota na descrição do seu sistema
linguístico: uma língua como esta vive na história, na sociedade e no mundo.

Tem uma existência que é motivada e condicionada pelos grandes movimentos


humanos e, imediatamente, pela existência dos grupos que a falam.

Significa isto que o português falado em Portugal, no Brasil e em África pode


continuar a ser sentido como uma única língua enquanto os povos dos vários
países lusofalantes sentirem necessidade de laços que os unam. A língua é,
porventura, o mais poderoso desses laços.

Diz, a este respeito, o linguista português Eduardo Paiva Raposo:

A realidade da noção de língua portuguesa, aquilo que lhe dá uma dimensão qualitativa para
além de um mero estatuto de repositório de variantes, pertence, mais do que ao domínio
linguístico, ao domínio da história, da cultura e, em última instância, da política. Na medida em
que a percepção destas realidades for variando com o decorrer dos tempos e das gerações,
será certamente de esperar, concomitantemente, que a extensão da noção de língua
portuguesa varie também.

Diversidade

A diversidade linguística que o português apresenta através do seu enorme


espaço pluricontinental é, inevitavelmente, muito grande e certamente vai
aumentar com o tempo.

Os linguistas acham-se divididos a esse respeito: alguns acham que, já neste


momento, o português de Portugal (PE) e o português do Brasil (PB) são línguas
diferentes; outros acham que constituem variedades bastante distanciadas
dentro de uma mesma língua.

Onde se fala a língua portuguesa?

Com uma pequena excepção - constituída pelo território de Portugal


continental e insular (e pelas comunidades emigrantes de França, Canadá,
Estados Unidos, etc.), a língua portuguesa é falada na zona compreendida
entre as duas linhas tropicais.

Entre o trópico de Câncer e o Equador encontram-se Cabo Verde, Guiné, Goa e


Macau. Nestas regiões, o português é falado por uma parte mais europeizada
da população, a par de outras línguas, como os crioulos africanos, o concanim
(dialecto do marata) e o cantonês (língua do sul da China). Aí também se
encontram Diu e Damão, onde a manutenção do português não está
assegurada; mas os crioulos aí desenvolvidos seguirão um processo de
desenvolvimento análogo ao que ocorreu no Sri-Lanka e em Malaca. Do outro
lado do mundo, na Guiana Holandesa, a província de Surinam alberga uma
outra relíquia do passado colonial: o papiamento.

Entre o Equador e o trópico de Capricórnio, o panorama é muito mais amplo e


mais complexo. Em São Tomé, português e crioulos mantêm um convívio
semelhante ao de Cabo Verde, enquanto em Timor um português de
implantação relativamente recente não teve tempo de crioulizar.

Ao lado destas pequenas unidades linguísticas, acham-se os maiores espaços


lusofalantes do mundo:

a) o Brasil, país de reduzida variedade dialectal, onde nenhuma outra língua


faz concorrência à portuguesa como veículo de comunicação nacional ou
regional (ao passo que nos Estados Unidos o inglês reparte essa função com o
castelhano e no Canadá com o francês);

b) Angola e Moçambique, onde o português reparte a sua influência com


numerosas línguas nacionais e é falado como língua materna por uma parte
não maioritária da população. Nestes dois grandes países, a sua importância e
as suas perspectivas de futuro vêm-lhe do papel como língua de
administração, cultura e ensino, como língua de relação internacional e,
principalmente, como língua de relação inter-étnica (papel que, na Guiné-
Bissau, por exemplo, cabe ao crioulo).

Porque se fala português em tantos países?

A língua portuguesa foi transportada para os territórios colonizados durante a


expansão extra-europeia, sendo um dos principais instrumentos desse
processo.

Quando a expansão começou no início do séc. XV, a língua acabava de sair de


uma outra fase de expansão territorial, que a transportara até ao Algarve
desde o seu berço: as terras galegas e nortenhas.

O português é uma língua nascida no norte e que cresceu para sul. Tal como
aconteceu com o castelhano e com o francês, começou por ser um conjunto de
dialectos provinciais (galego-portugueses), passou a língua de uma nação e
depois a veículo de um império. Distinguem-se, neste percurso, dois ciclos
sucessivos:

I. o da elaboração da língua, desenvolvido entre os sécs. IX e XIV na esteira da


Reconquista territorial. Conquistado o Algarve e fixadas as fronteiras, foi o
território repovoado por povos do norte, que transplantaram a sua língua para
o sul, onde se falava árabe e havia ainda vestígios de antigos dialectos
românicos meridionais. A língua ocupante transforma-se pelo contacto com os
substratos locais e pela mistura, nas novas terras, de dialectos que no norte se
achavam separados. Os dialectos a sul do Mondego são por isso mais
homogéneos que os seus parentes mais velhos do norte.

II. o da expansão da língua: a transferência do poder para o centro do reino,


com a capital em Lisboa, fez que a partir do séc. XV os novos dialectos falados
nesta região ganhassem ascendente sobre os do norte e fornecessem a base
para a elaboração de uma norma culta de características meridionais, que está
na origem do moderno padrão linguístico. Neste período, enquanto se
consolida e estrutura dentro de portas, a língua portuguesa expande-se para
fora das fronteiras europeias.

Esta divisão em dois grandes momentos, em que uma dimensão espacial


tempera e naturaliza o conceito geralmente fictício de período histórico, é
proposta em termos muito semelhantes por Paul Teyssier, na sua clara História
da Língua Portuguesa.

Geografia e história da língua estão entrelaçadas. O motivo por que se fala


português no Rio de Janeiro é o mesmo motivo por que se fala português em
Elvas e não se fala em Badajoz. A geografia de uma língua reflecte a geografia
política e humana da nação que a fala. Mas é uma geografia projectada no
tempo, que permite descobrir realidades que já não estão à vista. Quem
sentiria, em Malaca, a presença dos portugueses que abandonaram a cidade
há 400 anos, se não se encontrassem famílias de nome português, rezando em
português e falando o papiá cristão, um crioulo onde despontam palavras e
expressões reconhecíveis, reveladoras de uma descendência portuguesa?

Ciclo da Elaboração da Língua

As origens do romance galego-português

Depois das invasões germânicas (que no séc. V chegaram à Península Ibérica),


a Europa fragmentou-se politicamente, sendo o ano de 476 o marco que
assinala a queda do Império Romano do Ocidente. A diferenciação do latim
vulgar, que já era uma realidade linguística na época da unidade política,
acentua-se cada vez mais. Pensa-se que por volta do ano 600 o latim vulgar
não fosse falado em nenhuma região do Império. Por essa época falar-se-iam
novas línguas na Gália, na Ibéria, na Récia, na Itália, na Dalmácia e na Dácia:
eram os romances. Um romance é uma língua medieval resultante da evolução
do latim numa antiga província do Império Romano.

A autonomização de um romance galego-português a partir do séc. VII na


antiga província Gallaecia et Asturica (Galiza, norte de Portugal, ocidente de
Astúrias) é denunciada por dois fenómenos de mudança fonética que afectam
o seu léxico.

1º fenómeno: palatalização dos grupos iniciais latinos pl-, kl-, fl- na africada
palatal surda tš

Latim Galego-português Forma portuguesa


contemporânea

plicare tšegar chegar

clamare tšamar chamar

flagrare tšeirar cheirar


Esta evolução terá ocorrido no noroeste da Península durante os séculos de
permanência dos invasores germânicos, suevos (411-585) e visigodos (585-
711).

2º fenómeno: lenição das consoantes intervocálicas latinas -n- e -l-

Latim Galego-português Forma portuguesa


contemporânea

manu mão-o mão

mala maa má

Este segundo fenómeno terá ocorrido durante a permanência árabe, logo no


seu início. Ele aparece pela primeira vez atestado no séc. IX e admite-se que
tenha sido posterior a pl-, kl-, fl- > tš por se encontrar menos difundido no
território português.

Quando se iniciou a Reconquista cristã, promovida no ocidente peninsular pela


monarquia asturiana a partir do séc. IX, já se falaria no canto noroeste da
Península Ibérica o romance galego-português.

O português antigo

Depois de afirmada a independência de Portugal no séc. XII e de estabelecidas


as fronteiras do reino em meados do séc. XIII, estavam reunidas condições para
que aquele romance galego-português fosse promovido a língua nacional.

O primeiro passo era tornar-se língua escrita (da documentação oficial, da


literatura e também do uso diário). O mais antigo documento oficial, datado,
escrito em português, que chegou até nós (o Testamento de Afonso II, de 1214)
prova, devido às suas convenções gráficas mais ou menos estáveis, que no
ambiente da corte já se escrevia em português há algum tempo. Com isso se
harmoniza a datação da mais antiga cantiga trovadoresca, Ora faz ost’o senhor
de Navarra, de João Soares de Paiva: o ano de 1196. E a Notícia de Torto, um
documento privado sem data, mas situável à volta de 1214, atesta como a
língua portuguesa era já usada, pontualmente, para registar apontamentos
informais e efémeros; esta prática foi recentemente comprovada por uma
Notícia de Fiadores de 1175. Mas é a partir de 1255 que começa a produção
regular de documentos escritos em português, primeiro na chancelaria régia,
depois por toda a parte.

A abundante produção escrita em português torna possível, desde então,


observar com mais pormenor as mudanças que a língua vai sofrer entre os
sécs. XIII e XV e que, por graduais transições, a levarão a transformar-se de
língua medieval em língua clássica. Destacam-se as seguintes ordens de
mudanças:

a) mudanças da estrutura da língua:

no plano fonético, eliminação de hiatos (sequências vocálicas que eram muito


abundantes no português antigo), convergência no ditongo –ão das
terminações nasais em –õ, em –ã e em –ão hiático dos verbos e dos nomes,
elevação para –u do –o final átono dos nomes (muito abundante como
morfema masculino), queda do –d– intervocálico na segunda pessoa plural dos
verbos (amades > amaes > amais), início da transformação do sistema
medieval de sibilantes (2 fricativas apicais, s e ss, e 2 africadas predorsais, ts e
dz > 2 fricativas apicais e 2 fricativas predorsais, ç e z > 2 fricativas (ou apicais
ou predorsais);

no plano morfológico, regularização de paradigmas verbais (substituição de


formas irregulares por formas analógicas) e nominais (mudanças de género);

no plano lexical, entrada de cultismos por relatinização.


b) mudanças sociolinguísticas:

a língua de cultura transfere a sua base dialectal do norte para o centro do


reino (assim, o futuro padrão não se baseará nos dialectos fundadores da
língua, mas em dialectos que nasceram devido à Reconquista);

agrava-se o distanciamento em relação ao galego, entretanto impedido pelo


domínio castelhano de existir como língua de cultura.

Todos estes fenómenos coincidem com profundas transformações sociais no


reino: a diminuição da população devido à peste no reinado de D. Fernando, as
invasões castelhanas, a crise dinástica e a substituição da classe nobre, o início
das conquistas ultramarinas. É intuitivo que, apesar da sua diferente natureza,
os factos linguísticos e os históricos se acham interrelacionados. Mais difícil
será determinar se essas relações são de coincidência ou de causalidade e,
neste caso, qual o sentido em que as motivações actuaram.

O português médio

O período que vai de finais do séc. XIV a inícios do séc. XVI é, devido à acção
conjugada de todos estes fenómenos de mudança, aquele em que a língua
mais rápida e radicalmente se transfigurou. Sendo um período de transição,
em que se sobrepõem os processos terminais da elaboração da língua nacional
com os esboços da sua expansão imperial, possui no entanto características
próprias, o que leva muitos autores a tratá-lo como um período autónomo.

Os anos entre 1425 e 1450 parecem ter assistido às transformações mais


acentuadas.
O português europeu

Não se sabe exactamente em que medida o português europeu terá sido


influenciado, na sua evolução, pelo fenómeno da expansão ultramarina (para
além dos vocabulários exóticos acolheu um número considerável de arabismos,
por contactos no Oriente e no norte de África). Prossegue o movimento de
regularização das estruturas gramaticais que vinha do português medieval, a
língua da corte (entenda-se: de Lisboa) é apresentada pelos gramáticos como
padrão linguístico, a língua de grandes escritores (Camões, p. ex.) adquire uma
projecção exemplar, o léxico enriquece-se com importações do latim e do
grego, vindas directamente ou através do castelhano.

No plano oral, os dialectos desenham um mapa muito semelhante ao moderno:


dialectos mais diferenciados e conservadores a norte das Beiras, mais
nivelados no sul do país e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Enquanto
no norte se mantém o sistema das quatro sibilantes, prevalece no sul (e na
pronúncia padrão) o sistema simplificado de duas sibilantes predorsais; esta
oposição é reforçada por algumas diferenças de comportamento a nível do
vocalismo.

É pelo séc. XVII que se generaliza em Portugal um fenómeno de elevação das


vogais fechadas e e o em posição pretónica, que passam a ser pronunciadas
respectivamente como e mudo [@] e como [u] e que, modernamente, chegam
mesmo a desaparecer. Pode ser que esta elevação tivesse raízes medievais;
afinal, já ocorrera com o –o em posição final. Mas quando se generaliza no
reino, já estava instalada no Brasil uma variedade anterior a esta evolução,
razão por que palavras como metodologia soam diferentemente em bocas
portuguesas e brasileiras, sendo estas as mais conservadoras.

Mantém-se viva a distinção antiga entre a fricativa palatal surda [š],


representada pela grafia x, e a africada correspondente [tš], escrita com ch. Só
no séc. XVIII, e apenas nos dialectos do sul, esta africada desapareceria.
É neste mesmo século que o –s em posição final (de sílaba ou enunciado)
adquire a sua actual pronúncia palatal, a qual parece ter sido levada para o
Brasil pela corte de D. João VI, onde afectou apenas o dialecto da capital.

O som do português europeu não sofreu, depois disto, alterações significativas,


para lá de uma tendência, que talvez não seja tão moderna como parece, para
articular fracamente as vogais átonas, o que tem efeitos sobre a estrutura das
sílabas e o remate dos vocábulos.

O português extra-europeu

Fora da Europa, o português teve dois tipos específicos de actuação:

a) ainda no séc. XVI, instalou-se com dialectos transplantados de Portugal em


territórios como o Brasil e a Índia, onde teve desenvolvimentos próprios, com
grande autonomia em relação à variedade europeia, chegando aos nossos dias
com plena vitalidade no primeiro caso e em estado de relíquia no segundo;

b) ao longo do litoral africano e asiático, associou-se a línguas locais para


produzir pidgins e crioulos, possivelmente segundo uma matriz única (um
protocrioulo português) que explicaria as semelhanças entre línguas que nunca
tiveram contacto. Este processo deu, como resultados modernos, a situação
linguística de Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e certas áreas do Índico.

Este processo de crioulização também ocorreu no Brasil, mas uma maciça


imigração europeia, constante desde o séc. XVI até ao XX, levou a que
prevalecesse o primeiro tipo. O mesmo aconteceu ao Angola e em
Moçambique, com a imigração do séc. XIX e XX.
Dialectos

Como é sabido, todas as línguas naturais mudam e apresentam variação


interna de acordo com a localização geográfica ou o estatuto social dos seus
falantes. As fronteiras dialectais que os dialectólogos explicitam, chamadas
‘isoglossas’, são a interpretação cartográfica dos dados linguísticos recolhidos
por observação ou por inquérito linguístico.

A diversidade dialectal do português europeu tem sido caracterizada pelos


seus principais estudiosos (José Leite de Vasconcellos, Manuel de Paiva Boléo e
Luís Filipe Lindley Cintra) a partir, sobretudo, de características fonéticas
diferenciadoras, ou seja, com base no estabelecimento de ‘isófonas’. Em
termos fonético-fonológicos, existem, no território nacional português diversas
variedades diatópicas distintas, algumas das quais possuem caracteríticas
muito específicas, que dificultam a compreensão mútua.

Actualmente considera-se que no território português continental há duas


grandes subdivisões dialectais: os dialectos setentrionais e os dialectos centro-
meridionais. Quanto aos dialectos insulares, originalmente descendentes de
variedades centro-meridionais do continente, verifica-se que apresentam
particularidades fonético-fonológicas muito marcadas. Os dialectos insulares
têm sido objecto de investigação dialectológica aprofundada nas últimas
décadas.

Mapa I: Geografia do Português e dos Crioulos de Base Portuguesa


Mapa II: Os dialectos portugueses segundo Luís Filipe Lindley Cintra

Dialectos portugueses
setentrionais

Dialectos transmontanos e
alto-minhotos

Dialectos baixo-minhotos-
durienses-beirões

Dialectos portugueses
centro-meridionais

Dialectos do centro litoral

Dialectos do centro interior


e do sul

Limite de região
subdialectal com
características peculiares
bem diferenciadas

You might also like