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Introdução
1. A obra
Tal como chegou até nós pela tradição manuscrita, a Política, mais que
um tratado, é uma coleção de formulações, destinadas a servir de base
à exposição oral. A crítica minuciosa - e em curso - estabeleceu
indubitavelmente que os oito livros da Política não resultaram de um
impulso criativo único. Aristóteles foi membro da Academia Platônica
desde 367 a. C., quando com dezessete anos chegou a Atenas vindo da
longínqua cidade natal de Estagira, até à morte de Platão em 348 a.C.
Após ensinar três anos em Assos e dois em Mitilene, foi tutor do príncipe
Alexandre. Regressado a Atenas em 335 a.C. aí criou, e ensinou, no
Liceu. Abandonou a cidade em 323ª.C. "para evitar um segundo crime
contra a filosofia", e morreu o ano seguinte em Calcis, na ilha de Eubeia.
Nos trinta anos que decorrem entre os primeiros e os últimos livros, o
discurso reflete a tensão entre duas orientações, a um tempo
divergentes e conciliantes, das investigações de Aristóteles: as
experiências da vida criativa racional, inculcadas pela Academia
platônica, e o estudo da multiplicidade das manifestações do ser. Em
política, tratava-se de confrontar o bem supremo com os regimes da
cidade-estado que estava a ser ultrapassada pela monarquia mundial.
Como é regra geral, a simples leitura dos textos originais desfaz a maior
parte dos equívocos hermenêuticas. A Política é uma obra unitária na
qual convergem oito tratados relativamente independentes cuja datação
aproximada e concatenação ficaram estabelecidas na interpretação
clássica de Werner Jaeger, de 1928. No essencial, a seqüência dos oito
livros foi determinada pelo próprio Aristóteles no parágrafo final da Ética
a Nicómaco: "Primeiro, procuraremos rever o que foi dito pelos nossos
predecessores que investigaram este assunto. Depois, com base na
nossa recolha de constituições, consideraremos o que preserva e o que
destrói as cidades bem como as respectivas constituições e quais são as
causas de que umas sejam bem governadas e outras não. Estudadas
estas questões, podemos compreender melhor qual a melhor
constituição, como cada uma deve ser ordenada e de que leis e
costumes carece".
2. A natureza da cidade
3. A forma da cidade
Uma vez que estes dados eram óbvios, é preciso justificar por que razão
Aristóteles não investigou na Política a seqüência que conduzia desde o
regime até ao ciclo político, à nação helênica, à história grega e à
comparação entre civilizações. A decisão de eleger a polis como a única
unidade de inquérito depende do que lhe parecia relevante no seu
conceito de ciência política e dentro da experiência helênica. Aristóteles
é um filósofo: interessa-se pela estrutura e não pela história da
sociedade. Admite um modelo proveniente das investigações históricas,
mas insiste em articular a essência da polis. Isso é sustentável, desde
que se admitam os pressupostos: a natureza do homem atualiza-se
através do culto do bios theoretikos; a manifestação da humanidade do
só é possível numa cidade-estado. Nenhum destes pressupostos
aristotélicos é hoje admissível num quadro de referências muito mais
diferenciado pelo cristianismo, pela modernidade, e também pelo
anticristianismo e pela pós-modernidade.
Uma vez que não existe uma solução final dos conflitos sociais, as
soluções possíveis assentam no estabelecimento de uma ordem justa. O
que é justo beneficia a cidade e cada cidadão. "A justiça é própria da
cidade já que a justiça é a ordem da comunidade de cidadãos e consiste
no discernimento do que é justo". A justiça deve presidir e regular as
relações sociais entre os membros da cidade, de modo a conferir
fundamento e coesão e à vida social. A justiça política (politikón dikaion)
que é própria do homem articulado em sociedade tem dois aspectos: a
obediência às leis, às quais se deve ajustar a conduta dos cidadãos: e o
critério de igualdade (isonomia) não para todos, senão para os iguais, já
que a desigualdade parece justa, e é, com efeito, não para todos, senão
para os desiguais.
8. A presente edição