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ECONOMIA
Flávio R. Versiani
Com a colaboração de Bruno C. Rezende e Patrícia C. Rodrigues
Março/2010
empresas exploradoras. Outra alteração importante de preços, nos últimos anos, resultou da
queda no valor do dólar em reais (a taxa de câmbio). Isso tem dificultado a vida dos exportadores
brasileiros (já que suas vendas externas valem menos, em reais), mas favorecido os consumidores
de produtos importados, como computadores ou equipamento industrial (o que tem, aliás,
facilitado a modernização de empresas nacionais), assim como o turismo no exterior.
monetária — fixação da taxa básica de juros, regulação do sistema financeiro, etc. —, a política de
relações com o resto do mundo — envolvendo a forma de determinação da taxa de câmbio, o
lançamento de impostos sobre o comércio exterior, etc. —, e assim por diante.
Pode-se dizer que a resposta à questão acima é positiva — num certo sentido. Não que o 4
curso de Introdução à Economia possa fornecer uma explicação bem definida sobre, por exemplo,
por que a economia brasileira tem crescido pouco, nos últimos vinte anos, depois de ter tido uma
das taxas de crescimento mais altas do mundo, na maior parte do século XX; ou por que o preço
do petróleo cresceu tanto, até 2008. De fato, nem em cursos mais avançados seria possível obter
respostas nítidas a essas perguntas. Em Economia, como em geral nas ciências sociais, não há
certezas matemáticas sobre as causas dos fenômenos estudados; geralmente existem diversos
fatores causais, e não é fácil determinar quais os predominantes, especialmente no caso de
fenômenos mais complexos. Nos casos acima, especificamente, pode-se dizer que não há
consenso entre economistas sobre o que tenha sido a causa principal dos fenômenos indicados.
Essa idéia tem, sem dúvida, severas limitações como uma explicação geral do
comportamento humano: é fácil pensar em indivíduos, ou coletividades, cujas ações derivam
primordialmente de outros tipos de motivação, que não o maior ganho individual. Há,
evidentemente, ações altruístas, ou motivadas primordialmente por considerações éticas ou
religiosas, ou culturalmente determinadas. Nem tudo pode ser explicado por uma simples busca
de ganho econômico. De fato há uma ampla literatura crítica dessa noção de um “homem
econômico” (homo œconomicus é a expressão latina que se costuma usar nesse contexto), ou
seja, de pessoas (ou empresas) que agissem sempre racionalmente, buscando seu maior ganho 5
Mas o que os economistas em geral sustentam é que, sem ignorar que o comportamento
humano tenha determinações complexas, e que, em várias circunstâncias, pessoas possam agir de
forma economicamente “irracional”, a hipótese da maximização do ganho como determinante
básico das ações dos agentes econômicos tem grande valor explicativo, principalmente nas
modernas economias de mercado, levando a conclusões que se ajustam razoavelmente bem à
realidade. É importante ressaltar que a hipótese não pressupõe autômatos dedicados unicamente
à busca de maiores lucros, máximas vantagens monetárias. O altruísmo pode também mostrar
racionalidade, por exemplo. Se você pretende doar para uma instituição de caridade, e procura
antes saber como essa instituição aplica o dinheiro, quais os projetos envolvidos, quantas pessoas
são atendidas — você estará buscando, de forma “racional”, garantir que sua doação seja bem
aplicada e cumpra, da melhor maneira possível, suas intenções filantrópicas. Avaliando as
possibilidades (as várias instituições que poderiam ser objeto de sua doação), você escolherá
aquela que propicie a maximização dos efeitos benéficos de sua iniciativa. É o que chamamos
acima de comportamento maximizador.
A regularidade empírica é, pode-se dizer, o principal argumento a favor da hipótese de um
comportamento voltado à maximização de ganhos: ao longo de décadas, acumulou-se uma
vastíssima literatura empírica que, partindo desse pressuposto, obtém bons resultados, do ponto
de vista de sua adequação ao mundo real e ao senso comum.
Ora, isso tem grande relevância prática. Se as pessoas costumam em geral agir buscando o 6
maior ganho individual, daí decorre que elas responderão a incentivos econômicos. Por exemplo:
se o preço de um bem sobe, o custo de seu uso aumenta, e portanto pode-se esperar que seu
consumo diminua. E o contrário, se o preço cai. Essas relações simples de causa e efeito abrem
caminho para o entendimento de um amplo conjunto de fenômenos (e não apenas fenômenos
econômicos) e podem, também, informar medidas de política.
Dois exemplos tópicos podem ilustrar o alcance abrangente dessa relação entre a
introdução de um incentivo (ou desincentivo) econômico e uma reação subseqüente. O primeiro
se refere ao comportamento de professores de ensino fundamental nos Estados Unidos, diante da
introdução de um sistema de testes (adotados em vários estados daquele país) que previa
recompensas para as escolas cujos alunos se saíssem bem, e penalidades para aquelas onde os
resultados fossem maus. Esses incentivos (positivos ou negativos) atingiam também os
professores de turmas individuais: em casos extremos, eles poderiam ser demitidos. Um estudo
estatístico feito em escolas públicas de Chicago revelou que cerca de 5% dos professores
responderam a esses incentivos de forma um tanto inesperada: “corrigindo” uma parte dos testes
de suas turmas, antes que os resultados fossem apurados. Há evidência de que esse tipo de
adulteração ocorreu também em outros estados que adotaram prática similar. Vê-se, nesse caso,
que um incentivo econômico fez com que certo número de professores (logo quem!) adotasse um
comportamento ditado apenas por seu interesse pessoal, ainda que ferindo diretamente a ética.
Apesar de o grupo de fraudadores ter sido proporcionalmente pequeno, isso teve conseqüências:
pelo menos um estado americano foi levado a rever o sistema de incentivos, em parte para evitar
que fossem apropriados por meio de expedientes ilícitos. 1
1
Levitt, S.D & Dubner, S.J. Freakonomics. New York: HarperCollins, 2005. pp. 26 e ss. (Há uma tradução
brasileira desse livro, que apresenta vários exemplos surpreendentes de aplicação da teoria econômica a situações
concretas).
O outro exemplo aponta para uma possível utilização daquelas relações de causa e efeito
no desenho de políticas públicas. Diminuir a propagação de doenças sexualmente transmissíveis é
certamente um objetivo importante de política — inclusive de política econômica, pois tais
moléstias impõem um custo elevado à sociedade. Tem sido observado que o consumo de bebidas
alcoólicas por jovens favorece tal propagação, na medida em que está associado a uma maior
incidência de relações sexuais sem proteção. Nesse sentido, poder-se-ia supor que um aumento 7
no preço de bebidas, desestimulando seu consumo, pudesse influir na difusão daquelas moléstias.
Pois um estudo cuidadoso, com técnicas estatísticas que controlam o efeito de outros possíveis
fatores causais, chegou exatamente a essa conclusão: a maior incidência de impostos sobre
cerveja está relacionada a uma menor ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis.2
Esses exemplos sugerem que a hipótese comportamental básica da análise econômica não
só tem relevância empírica, e em situações as mais variadas, como pode indicar instrumentos para
a consecução de objetivos de política. Para dar outro exemplo: muitos lamentam a prática, tão
disseminada em nossas grandes cidades, da pichação de paredes com iniciais ou símbolos, às
vezes como forma de competição entre turmas de adolescentes. Se se julga necessário combater
esse hábito, isso poderá ser feito com campanhas educativas (como a caracterizada pela frase
“Picasso não pichava”, adotada em Brasília); mas um economista certamente sugeriria, também, a
adoção de uma alíquota mais alta no imposto sobre a venda de tubos de tinta sob pressão. Isso
com certeza reduziria o ânimo dos pichadores em prosseguir com essa forma tão pouco
recomendável de expressão pessoal.
2
Markowitz, S., R. Kaestner & M. Grossman. An Investigation of the Effects of Alcohol Consumption and
Alcohol Policies on Youth Risky Sexual Behaviors. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, May 2005
(Working Paper 11378).
É uma noção simples, e que pode ser aplicada em várias circunstâncias: horas de estudo na
sexta-feira à noite provavelmente terão um custo de oportunidade maior do que na segunda-feira,
pois as chances de fazer coisa mais agradável costumam ser maiores no primeiro caso.
A relevância desse conceito em Economia decorre do fato de que as decisões dos agentes 8
Colocado dessa forma, o conceito pode parece trivial, sem grande substância analítica. No
entanto, vemos, com freqüência, ser deixada de lado a idéia básica, aí expressa, de que para fazer
uma coisa é preciso, quase sempre, deixar de fazer outra, o que envolve necessariamente um
confronto entre alternativas. Quantas vezes não ouvimos políticos afirmarem que todas as suas
propostas de gasto público são absolutamente necessárias, nada é dispensável, “a importância de
um hospital não pode ser avaliada em dinheiro, pois vidas não têm preço” — e idéias que tais? E
isso não é apenas retórica: muitas decisões sobre o orçamento do governo são tomadas sem
consideração de seu custo, em termos dos gastos que deixam de ser efetuados. Dispêndios
chamados “sociais” são obviamente necessários; o programa “Bolsa-Família”, por exemplo,
beneficia grande número de pessoas de poucos recursos, e tem tido um efeito significativo na
redução do nível de pobreza, nos últimos anos. Mas não se pode esquecer de um fato
fundamental: os recursos são finitos, e portanto é indispensável que, ao se contemplar um
aumento nos gastos sociais, o custo de oportunidade dessa decisão seja levado em conta.
A votação do orçamento do governo deve (ou deveria) ser o momento de considerar esses
custos de oportunidade. A importância, para a sociedade, do último real gasto na área de saúde
deve equivaler à do último real gasto na área de educação, ou de transportes, ou se segurança. Ou
seja: “na margem”, os benefícios trazidos pelos dispêndios nos vários setores deveriam ter a
mesma relevância.
Na prática, esse processo é dificultado por vários fatores, entre os quais ressalta a
existência das chamadas vinculações orçamentárias. Nossa Constituição estabelece que certas
proporções do orçamento sejam necessariamente vinculadas a determinadas áreas: gastos
relativos ao ensino, por exemplo, devem corresponder a pelo menos 18% da receita de impostos
da União, e a 25%, nos Estados e Municípios. Gastos de saúde têm, igualmente, uma fatia 9
qualquer cidade brasileira. A procura foi enorme, mas durou pouco, pois a promoção foi logo
proibida pelo governo. A justificativa foi de que se tratava de venda abaixo do custo,
caracterizando concorrência desleal. Seria correta essa justificativa? Certamente o custo médio de
transportar um passageiro em viagem aérea é muito superior a cinqüenta reais; mas o que as
autoridades envolvidas não perceberam foi o fato de que o custo médio não é relevante, nesse
contexto, mas sim o custo marginal. Dado que existam assentos não ocupados (e a ocupação
média raramente ultrapassa 80%, nas companhias aéreas), a inclusão de um passageiro adicional,
em aviões com duzentos ou mais lugares, acrescenta muito pouco ao custo total da viagem (e, por
outro lado, traz ganhos de propaganda para a transportadora). Levando em conta, como é
correto, o custo marginal, não se poderia acusar a empresa de uma prática comercial contrária às
normas de concorrência. (A proibição foi depois suspensa, e de fato tem havido oferta de
passagens até por R$1,00, ultimamente).
Algumas falácias. Armado dos conceitos acima, você poderá identificar algumas
afirmativas ou crenças bastante comuns — você já deve ter se defrontado com alguma delas —
mas que são de fato economicamente incorretas, e podem levar a decisões inadequadas,
contrárias ao interesse social (como no caso das passagens aéreas).
Despoluição. Poluição é algo ruim, e é desejável eliminá-la. Mas muitas vezes são
apresentadas e defendidas propostas de uma despoluição radical — por exemplo, a ponto de
tornar potável a água do Lago Paranoá. A questão é que o custo de oportunidade de tais
empreendimentos seria, muito provavelmente, desproporcional aos benefícios daí advindos. Em
situações desse tipo, o objetivo mais racional será uma despoluição parcial, que leve a uma
situação com a qual se possa conviver, a um custo razoável, em cotejo com demais demandas da
sociedade e os recursos disponíveis.
Gastos passados. Há um debate sobre a construção, ou não, de uma outra usina nuclear
para produção de energia elétrica, em Angra dos Reis. Centenas de milhões de dólares já foram
investidos no projeto, e alguns defendem que, dado que já se gastou tanto, mais vale completar a 11
obra, ou haverá um enorme desperdício dos recursos já despendidos. Ora, dirá você, isso é um
argumento economicamente falho. O que está gasto está gasto; isso não deve influir na decisão de
finalizar ou não o projeto. O que se deve indagar é se os benefícios derivados do investimento
adicional que será necessário para finalizar o reator compensarão os custos respectivos, em
confronto com outras formas de geração de energia (ou seja, uma comparação desse
investimento marginal com seu custo de oportunidade). Se isso não for verdade, o certo é
abandonar o projeto, e investir em outro. Poder-se-á culpar quem tomou decisões erradas no
passado, mas isso não deve servir de motivo para outra decisão errada, no presente. O raciocínio
vale tanto para investimentos estatais (como é o caso de Angra) como para um investidor privado,
movido pelo lucro.
Energia “velha”. Outro argumento que às vezes se ouve com relação a investimentos feitos
no passado refere-se a usinas hidroelétricas construídas anos atrás: argumenta-se que, como o
investimento “já foi pago” (por exemplo: houve um financiamento internacional já amortizado),
então essa energia “velha” é mais barata, e a tarifa cobrada por tais usinas deveria ser mais baixa
do que no caso de uma usina recém-construída. Ora, a usina antiga produz energia, gera um fluxo
de renda, e poderá ser vendida (e o eventual comprador vai querer tirar dela um rendimento
compensador para seu investimento, tal como se construísse uma usina nova). Não fará sentido
econômico forçar o dono da usina velha (muitas vezes o próprio governo) a ter um retorno mais
baixo sobre o seu patrimônio. Se o governo decidir cobrar menos pela energia de suas
hidroelétricas antigas, deverá deixar claro que está concedendo um subsídio aos compradores
(grandes compradores são, por exemplo, indústrias que consomem muita eletricidade, como a de
alumínio), à custa dos contribuintes.
Uma situação comum, nesse contexto, decorre de avaliações técnicas das condições de
operação de fábricas instaladas no passado. É freqüente, especialmente no caso de indústrias
tradicionais, como a de tecidos, que avaliações desse tipo, feitas por engenheiros ou técnicos
especializados, produzam relatórios muito críticos, mencionando equipamentos “obsoletos”,
instalações “ultrapassadas”, e aconselhando um reequipamento radical. Esses relatórios
costumam servir de base a iniciativas governamentais no sentido de estimular melhorias técnicas
nessas indústrias, como a abertura de uma linha de crédito (freqüentemente subsidiada) para
financiar o reequipamento. No entanto, muitas vezes a maquinaria existente, embora de fato
tecnicamente obsoleta, pode ainda produzir uma receita acima de seu custo de operação. Ou seja:
gera lucro para o dono da fábrica. Faz sentido substituir essas máquinas? Pode ser que o custo de
oportunidade desse investimento seja excessivo: a firma faria melhor aplicando seus recursos
disponíveis de outra forma. A não ser que os subsídios oferecidos pelo governo tornem o
reequipamento atraente, para o empresário; mas nesse caso são outra vez os contribuintes que
estarão assumindo o ônus — nesse caso, o ônus de um investimento economicamente
injustificado.
Em suma: há princípios gerais da Economia que podem certamente ser absorvidos num
curso introdutório, como o nosso, e que sem dúvida podem nos ajudar no entendimento do
mundo real — e eventualmente na identificação de afirmativas ou proposições falaciosas. Esse é,
talvez, o principal benefício que um curso introdutório de Economia pode proporcionar, para um
não-economista: dar-lhe elementos que contribuam para que ele/ela identifique idéias
econômicas erradas, e não se deixe iludir por propostas de política atraentes mas inviáveis, ou de
efeitos indesejáveis.