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Artigo

economia

O PARADIGMA JAPONÊS DE ORGANIZAÇÃO


INDUSTRIAL: outras perspectivas
João Bosco Moura Tonucci Filho*

Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar e problematizar aspectos relevantes e nem sempre considerados
do chamado modelo japonês de organização do trabalho e gestão da produção. Além de uma breve apresentação
dos princípios básicos do Toyotismo, abordaremos também outras três dimensões ainda pouco exploradas: a his-
tória do seu surgimento no Japão e de sua futura difusão pelo mundo, seus pontos negativos e relações sociais de
exploração, além da questão acerca de sua transferibilidade para outros contextos macrosociais, especialmente o
caso brasileiro. Esperamos com isso contribuir para um maior conhecimento deste novo e cada vez mais difundido
paradigma de organização industrial.
Palavras-chave: Toyotismo; crise do Fordismo; paradigmas de organização do processo de trabalho; reestrutu-
ração industrial; indústria automobilística.
Abstract: The objective of this article is to analyse and to show the problems of relevant but not always considered
aspects of the so-called japanese model of work organisation and management. Besides a brief presentation of
the basic principles of Toyotism, we shall also approach three other dimensions that haven’t been deeply explored:
the history of its emergence in Japan and its future diffusion throughout the world, its negative points and social
exploiting relations, and the question of its transferability to other macroeconomic contexts, especially to the
Brazilian case. We intend to thus contribute to a higher understanding of this new and ever expanding paradigm
of industrial organisation.
Key words: Toyotism; crisis of Fordism; labour process organisation paradigms; industrial restructuring; auto-
motive industry.

sistema japonês a outros contextos macrossociais,


1. INTRODUÇÃO em especial ao caso do Brasil. Esperamos com isso
contribuir para um maior conhecimento histórico e
O objetivo do presente trabalho é explorar e social desses métodos e técnicas que se tornam mais
problematizar aspectos relevantes do chamado mo- difundidos a cada dia no mundo globalizado, mas so-
delo japonês de organização do trabalho e gestão da bre os quais se sabe ainda tão pouco.
produção. Não se trata de uma análise completa de
todos os princípios, técnicas e do modo de funcio-
2. O Modelo japonês
namento desse sistema, o que se encontra esmiu-
çado em manuais de administração e engenharia de
produção, e mesmo em bons artigos que tratam do O modelo japonês de organização do processo
assunto. O que se busca é enfrentar outras questões de produção é um conjunto de técnicas, ferramentas,
importantes que nem sempre são explicitadas ou dispositivos, protocolos e princípios coerentemente
nem mesmo consideradas nas análises desse novo articulados com as relações industriais e sociais do
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paradigma de organização industrial. Faremos uma contexto macrossocial japonês. Este novo paradigma
breve descrição inicial do que é e como se estrutura de organização da produção e do trabalho surgiu no
este modelo. Depois, trataremos da história desse Japão após a Segunda Guerra Mundial e difundiu-se
modelo, das condições iniciais de sua formação na amplamente ao redor do mundo a partir da déca-
Toyota até a sua disseminação pelo resto do mundo da de 1970, diante da crise do modo de regulação
capitalista e industrial. Então, nossa análise recairá fordista (DRUCK, 1999). Recebeu diversos nomes,
sobre outra problemática, que é a de reconhecer os como Toyotismo, Ohnismo, ou produção enxuta e
pontos negativos e controversos deste sistema, ana- flexível. Apesar de ter sido concebido originalmente
lisando suas contradições e suas relações sociais de na Toyota, o sistema não se confinou às suas fábri-
exploração muitas vezes encobertas. Para finalizar, cas e logo foi adotado por outras grandes empresas
uma breve discussão acerca da transferibilidade do japonesas, como a Honda, a Sony, a Mitsubishi e a

*Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica do CEDEPLAR/FACE/UFMG e graduando em Ciências Econômicas nesta
mesma instituição. Endereço eletrônico de contato: jtonucci@cedeplar.ufmg.br.

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Nissan. Assim, preferimos aqui utilizar a denominação • Engajamento do trabalhador no processo produtivo
Ohnismo, que nos remete diretamente ao principal estimulado por contrapartidas (conteúdo mais rico e
mentor do modelo, o engenheiro de produção Taiichi menor grau de parcelarização do trabalho, relativa
Ohno (CORIAT, 1994). estabilidade de emprego, possibilidade de ascensão
Apresentaremos aqui sinteticamente as prin- dentro da fábrica etc);
cipais características deste modelo sui generis de • Produção em massa (com grande diferenciação de
organização industrial. Primeiramente, nos voltamos produtos), mas flexível e enxuta. Economias de escala
para a caracterização do processo de trabalho, ou e escopo se complementam virtuosamente.
seja, da organização ao nível interno e microeconô-
mico e da linha de montagem da fábrica. Os livros de b. Caracterização das Relações Industriais e
administração e manuais de engenharia de produção Salariais
exploram exaustivamente este lado do modelo japo- • Existência de contrapartidas e concessões aos tra-
nês, muitas vezes vulgarizando-o e se esquecendo balhadores. Relações entre operariado e patronato
das relações entre seus diversos componentes. De- são mais cooperativas do que combativas;
pois, apresentamos as relações salariais (internas) • Estabilidade de emprego (vitalício e fixo)1;
e industriais (externas), ou seja, as relações que a • Sindicalismo de empresa (corporativo, hierarqui-
fábrica estabelece com seus trabalhadores e operá- zado e pouco combativo);
rios e também com outras empresas fornecedoras e • Salário e promoção por antigüidade (possibilidade
subcontratadas. de ascensão do trabalhador);
• Permanente requalificação dos trabalhadores e
a. Caracterização do processo de trabalho
investimentos em capital humano, com cursos de
• Produção orientada pela demanda e grande impor-
treinamento internos e externos;
tância das encomendas. Produção flexível ajustada
• Possibilidade de promoções internas;
às necessidades do mercado;
• Aumento sustentado do salário real (às vezes su-
• Sentido de trás pra frente da produção e sistema
perior ao aumento da produtividade) em conjuntura
de cartazes e avisos de identificação de quantidades
econômica de pleno-emprego;
necessitadas (Kan-Ban);
• Intensificação e extensão da jornada de trabalho;
• Redução absoluta de estoques de insumos, pro-
• Trabalhador é estimulado ao engajamento flexível
dutos intermediários e de produtos finais (Estoque
na produção;
Zero, Just in Time interno e externo);
• Segmentação e dualismo no mercado de trabalho:
• Produção enxuta. Eliminação dos excessos gordu-
empresas centrais contratam a mão-de-obra mais
rosos da fábrica. Produção do máximo com o mínimo
qualificada (quase sempre masculina), e médias e
necessário, evitando desperdícios (Muda);
pequenas empresas (normalmente fornecedoras)
• Ganhos de produtividade internos à fábrica, com-
empregam trabalho mais precarizado e terceiriza-
plementando as economias de escala externas (ori-
do, incorporando também a mão-de-obra feminina
ginadas no aumento do tamanho da planta produ-
e imigrante;
tiva);
• Just in Time externo: imposição de prazos e de
• Diferenciação intensa e busca pela qualidade dos
uma logística flexível e eficiente às fornecedoras da
produtos;
fábrica principal;
• Ganhos de produtividade associados à flexibilida-
• Cooperação e competição entre a empresa central
de da fábrica;
e as suas fornecedoras;
• Trabalho em equipe. Célula de trabalho ao invés
• Empresas subcontratadas também fazem inova-
de postos individuais;
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ção;
• Requalificação do trabalho: multifuncional (rotação
• Rede de empresas, com possibilidade de cruza-
de tarefas) e polivalente (produção, manutenção/re-
mento de propriedade.
paro das máquinas e controle de qualidade); Todas estas técnicas e princípios talvez pa-
• Defeitos não devem ser passados para frente. Cír- reçam desconexos, ou, ao contrário, podem dar a
culos de Controle de Qualidade (CCQ) e inovações impressão de que se tomadas e aplicadas separada-
incrementais introduzidas pelos trabalhadores; mente irão resultar em ganhos de eficiência e produ-
• Busca permanente por melhorias (Kaizen); tividade. O que a análise crítica do modelo japonês
• Autonomação: autonomia dos trabalhadores com
1 Como veremos mais a frente, esta tão propalada estabilidade de
automação e auto-ativação; emprego no modelo japonês se aplica apenas a uma parcela muito
• Menor parcelarização e divisão do trabalho, com en- pequena da classe trabalhadora. Uma imensa quantidade de operários
(empregados principalmente fora da fábrica central) se insere no mer-
riquecimento de seu conteúdo. Permanece a separa- cado de trabalho de forma precária e não estável. A desqualificação e a
ção entre a execução e o planejamento/concepção; subcontratação são traços marcantes deste outro “lado” do modelo.

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O paradigma japonês de organização industrial: outras perspectivas

nos ensina é que, para que o Ohnismo possa surtir rência da produção, do “espírito Toyota”, chamados
os efeitos desejados, deve haver uma coerência ló- também simplesmente de “Ohnismo”.
gica e articulada entre todas as partes do sistema O sistema Toyota é o resultado de um processo
(CORIAT, 1994). Assim, tentativas de aplicar apenas de maturação demorado, feito de inovações suces-
algumas ferramentas do modelo japonês (como o sivas ou de importações de métodos e conceitos de
CCQ, ou o Just in Time), como tem sido comum no outros sistemas ou modelos. “A criação, a inovação,
Brasil, resultaram em ganhos de produtividade não sempre nasce da necessidade”, nos diz Ohno (CORIAT,
tão expressivos como no Japão (FERRO, 1990). Além 1994). Vamos agora nos deter na necessidade, ou
disso, a adaptação do modelo japonês a outros con- mais, no conjunto das limitações e das oportunida-
textos sociais costuma ocorrer sem ganhos e conces- des que se impuseram a Ohno e que explicam parte
sões para o operariado, cuja inserção no mercado de do sentido profundo das suas inovações.
trabalho flexibilizado se dá cada vez mais de forma Entre 1947 e 1950 há a importação para o
precarizada e exploratória. setor automobilístico das inovações técnico-organi-
zacionais herdadas da experiência têxtil. São inova-
ções que buscam primeiramente introduzir a auto-
3. Origens do modelo japonês nomação (automação com autonomia), e assim uma
nova organização do trabalho e espacialização das
oficinas. Trata-se inicialmente de tirar benefícios do
Em 1950, o jovem engenheiro Eiji Toyoda re-
saber-fazer adquirido no ramo têxtil, mas também de
alizou uma viagem de três meses à fábrica Rouge da
repensar o posicionamento do operário na fábrica.
Ford, complexo industrial em Detroit que levou ao
Os anos de 1949 e 1950 são de maior im-
paroxismo o ideal de Henry Ford de controlar uma
portância na gestação do sistema, já que alguns
fábrica completamente integrada verticalmente.
eventos-chave vão se suceder nesse breve período.
Após examinar e estudar cuidadosamente o maior
Primeiramente, em 1949 a Toyota passa por uma
e mais eficiente complexo industrial do mundo da
seríssima crise financeira, colocando-a a beira da
época, que colocava no mercado 7.000 carros por
falência. Devido ao colapso nas vendas e à crise,
dia, Eiji escreveu uma carta para sua empresa, a
a Toyota enfrenta durante dois meses uma greve e
Toyota Motor Company, dizendo que “havia algumas
manifestações diversas, o que resulta em uma de-
possibilidades de melhorar o sistema de produção”
missão em massa de cerca de 1600 empregados. A
(CORIAT, 1994).
demissão dos operários é seguida pela demissão do
A Toyota foi criada em 1918, e produzia inicial-
próprio presidente-­fundador Kiichiro Toyoda e são
mente máquinas têxteis. Antes da II Guerra Mundial,
tomadas medidas de um plano de reestruturação im-
produzia caminhões a partir de um esforço próprio
posto por um grupo bancário como preço para salvar
de engenharia e desenvolvimento, combinado com
a Toyota da bancarrota. Logo terminada a greve e
cópias e imitações de produtos importados. O es- as demissões, estoura a Guerra da Coréia, e assim
forço de guerra empreendido pelo governo militar encomendas em massa são endereçadas ao grupo.
impediu que a Toyota produzisse carros de passeio, Essa situação paradoxal, de grande afluxo de en-
se concentrando nos veículos pesados, como os ca- comendas num momento em que a fábrica demitiu
minhões militares. É somente no final da década de grande parte do seu pessoal, conduzirá a soluções
1940 que encontramos as origens do Sistema de originais e inovadoras.
Produção Toyota. Durante a década de 50, a indústria automo-
O principal responsável pela introdução das bilística tem uma produção ainda irrisória. Em 1950,
inovações organizacionais que darão origem ao sis- a Toyota produz apenas 11.706 veículos, nem mesmo
tema Toyota é Taiichi Ohno, brilhante engenheiro de o dobro do que produzia a fábrica de Rouge por dia!
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produção sem diploma universitário. Começou a sua Diante dessa condição, Ohno tem que refletir sobre
carreira na Toyota Motor Company em 1943, depois como realizar ganhos de produtividade sem ampliar o
de ter trabalhado quase dez anos na empresa têxtil volume de produção e explorar economias de escala.
do grupo Toyota. Aprendendo de início com os ma- Trata-se de um mercado interno ainda reduzido para
nuais de administração norte-americanos, Ohno logo automóveis, com demandas curtas e diferenciadas.
percebeu que seria necessário “pensar pelo avesso” Não há um mercado em rápida expansão e integra-
todo o legado ocidental do sistema taylorista-­fordista ção, o que nos EUA abriu espaço para a produção de
de produção, que ele admirava, mas considerava massa em série e padronizada, ao taylorismo e ao
inadequado à situação do Japão (CORIAT, 1994). fordismo. É somente na década de 60 que a sociedade
Além disso, criticava o modelo de Taylor e Ford por japonesa se torna modernamente motorizada.
ser ineficiente, rígido e dispendioso. É a Ohno que O ano de 1949 é decisivo para o engajamento
devemos creditar as formulações básicas e originais da Toyota em métodos inovadores. A crise financeira
do modelo Toyota de organização do trabalho e ge- se originou com uma queda da demanda, provocada

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pela política de austeridade conduzida pelo gover- Essa reconstituição histórica da situação com a
no nipônico. A Toyota teve então que se submeter qual Ohno se defrontou é necessária, pois já de início
às vontades de um grupo bancário, que impunha a coloca as especificidades do modelo japonês original.
redução de pessoal e ajustamento das quantidades Devemos reconhecer todos os limites conjunturais e
de carros produzidos às quantidades efetivamente estruturais que estão na explicação das inovações or-
vendidas. Ohno relata também que durante esse ganizacionais do novo método de produção introduzi-
período reinava uma absoluta desordem na progra- do na Toyota. Essas características próprias e únicas
mação da produção e na acumulação de estoques. do contexto macrosocial japonês da época se revela-
Havia acúmulo excessivo de peças intermediárias e rão mais importantes quando tratarmos da questão
de produtos em curso de fabricação, o que causava da transferibilidade do modelo japonês a outros paí-
grandes prejuízos, tanto de tempo quanto de mate- ses. Sem mercado interior e matéria-prima, Ohno tem
rial. Aí também está uma das explicações da crise da que enfrentar os sindicatos, e postula a necessidade
Toyota, e uma motivação para a idéia de produção então de repensar os métodos de produção norte-
com estoque zero, central no Ohnismo. ­americanos: ao invés de produtos padronizados, es-
Até o início da década de 50, o sindicalismo de toques e economias de escala, o sistema Toyota tem
indústria, bastante combativo, foi a regra no Japão. o desafio de obter ganhos de produtividade (produzir
Diante da onda de racionalização da produção que a custos mais baixos) sem poder contar com eleva-
varre o país nesse período, esses sindicatos organi- das economias de escala externas, sem estoques e
zam greves, movimentos de resistência (os traba- com produtos voltados para um mercado interno com
lhadores japoneses não se adaptavam aos métodos demandas bastante diferenciadas.
tayloristas de controle do trabalho) e reivindicações
salariais. O conflito de 1950 com a Toyota, que resul-
tou na demissão em massa, é apenas um exemplo das
4. Difusão do Modelo Japonês
lutas nesse momento. Todos esses conflitos terminam
com a derrota do sindicalismo de indústria, e pode- Para compreendermos os motivos que levam
se admitir que já em 1953 o sindicato de empresa, à disseminação das práticas japonesas ao redor do
também chamado de corporativista, afirmou-se e se mundo a partir principalmente da década de 1980,
torna o interlocutor entre a direção da Toyota e os precisamos nos deter um pouco na crise do sistema
trabalhadores. Trata-se de um sindicato de natureza taylorista-fordista de organização da produção e de
diversa, muito mais cooperativo do que combativo, controle do trabalho. O grande e primeiro sintoma da
como fica explícito na campanha sindical de 1954: crise do modo de regulação fordista2 (que deu supor-
“Proteger nossa empresa para defender a vida!” (CO- te ao regime de acumulação intensivo que vigorou
RIAT, 1994). Ao lado desse processo de destruição dos finais da II Guerra até meados da década de 70,
das antigas estruturas sindicais, o Ohnismo implica período que ficou conhecido como a Era de Ouro do
também em um conjunto de contrapartidas implíci- Capitalismo) é a diminuição do ritmo de crescimento
tas ou explícitas aos trabalhadores em troca de um da produtividade a partir dos fins dos anos 60 (GLYN
maior engajamento na produção. et ali, 1990). Contata-se um movimento generali-
Durante os anos 50 e o começo dos anos 60 zado de lutas e resistências nas fábricas ocidentais,
observa-se a introdução do método Kan-Ban. Nasce com altos índices de absenteísmo, de turnover, de
das reflexões do presidente-fundador, para quem o sabotagens, além do aumento dos dias perdidos com
“ideal seria produzir exatamente aquilo que é ne- greves e paralisações da produção. Avança também o
cessário no tempo exatamente necessário” (CORIAT, poder dos sindicatos, que exigem a continuação dos
1994), e também das pesquisas de Ohno a respeito ganhos de produtividade incorporados aos salários
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do sistema de reabastecimento dos supermercados (DRUCK, 1999).


americanos. Trata-se de transplantar uma inovação É nesse acirramento da luta de classes e no
do setor de comércio para o setor industrial. esgotamento dos ganhos de produtividade associados
Entre 1962 ao pós-1973, o esforço é de exten- 2 O conceito de modo de regulação fordista foi elaborado dentro daquilo
são do método Kan-Ban aos subcontratantes e forne- que se convencionou chamar de Teoria da Regulação Francesa. Esta
corrente teórica teve como objetivo compreender a crise do capitalis-
cedores. No interior da empresa, o sistema conhece
mo a partir da década de 1970, e para tal buscou construir categorias
vários desenvolvimentos e aperfeiçoamentos. Após analíticas menos abstratas do que as utilizadas originalmente por Marx.
o primeiro choque do petróleo, a economia japonesa Um regime de acumulação corresponderia a um padrão de crescimento
do sistema capitalista delimitado historicamente, capaz de minimizar
passa por uma estagnação temporária, situação na
ou repartir as distorções deste sistema. Um modo de regulação seria
qual o Ohnismo apresenta a sua grande flexibilida- a forma de articulação dos arranjos institucionais e convenções sociais
de miraculosa: a busca de ganhos de produtividade responsáveis por dar suporte e estabilidade a um determinado regime
de acumulação. Para uma apresentação mais completa destes conceitos
mesmo na ausência de crescimento e de economias e de seus desdobramentos teóricos, ver o livro de Robert Boyer, A Teoria
de escala. da Regulação: uma análise crítica (1990).

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O paradigma japonês de organização industrial: outras perspectivas

à disseminação do taylorismo-fordismo que se explica Incorporated) em 1983, onde cada parte entrou com
parte da crise do modo de regulação fordista, toda- 50% do capital. Foi utilizada uma antiga planta da
via não se deve desconhecer outros fatores, como GM em Fremont, na Califórnia, de tecnologia tradi-
o esgotamento do Estado de Bem Estar Social e das cional e com um histórico de problemas trabalhistas
políticas keynesianas de estímulo ao crescimento, consideráveis. Os resultados foram surpreendentes,
desarranjo da ordem econômica internacional, cho- já que a planta conseguiu obter níveis altíssimos de
ques exógenos de custo (como o Choque do Petró- produtividade, só inferiores às fábricas japonesas.
leo) e aceleração da inflação (GLYN et al., 1990). O Ao mesmo tempo, inúmeras outras plantas da GM
ano de 1968 condensou parte dessa crise, marcado se modernizaram adotando as mais caras tecnologias
por manifestações de rua e estudantis, ocupações de
microeletrônicas e da robótica, mas mesmo assim não
fábricas, greves etc. Essas eclosões súbitas de insa-
alcançaram a eficiência da NUMMI (WOOD, 1992). As
tisfação revelavam uma recusa aos padrões vigentes
empresas japonesas que se instalaram nos EUA da
de organização econômica e sociopolítica.
década de 80 (Honda, Toyota, Mitsubishi, Nazda e
Do ponto de vista estrito do processo de tra-
Nissam) têm conseguido excelentes resultados, com
balho, os operários não mais aceitavam a gestão
maiores níveis de produtividade e qualidade que suas
taylorista-fordista, que impunha um trabalho par-
concorrentes norte-americanas.
celarizado, desqualificado, intenso e rotinizado. Não
A Europa demorou um pouco mais do que os
mais aceitavam a separação entre trabalho manual
EUA para ingressar no processo de reestruturação
e trabalho mental, entre execução e planejamento/
concepção, fórmula tão cara ao “one best way” de industrial (WOOD, 1992). A Volkswagen e a Fiat,
Taylor. Essa resistência dos trabalhadores leva, de maiores empresas européias, após as dificuldades
certa forma, ao esgotamento desta forma de controle vividas devido à estratégia de automação massiva,
do capital sobre o trabalho, extremamente rígida e todavia rígida, buscaram aproximar-se gradativa-
autoritária (DRUCK, 1999). mente dos métodos japoneses no final da década de
Para responder a essa crise, as grandes em- 80. Na França, a Renault procurou reproduzir quase
presas automobilísticas ocidentais (e principalmente integralmente os métodos japoneses e a PSA (Peu-
as norte-americanas, que estavam perdendo compe- geot-Citröen) tem adotado esse padrão de organi-
titividade) iniciam planos de reestruturação produ- zação da produção com significativas adaptações. As
tiva, com crescente adoção da base microeletrônica plantas das empresas norte-americanas e japonesas
e da introdução de práticas e métodos do modelo implantadas na Europa estão em geral em um nível
japonês, a partir daí considerado mais eficiente do mais avançado. Na Coréia do Sul, a empresa Hyundai
que os modelos tradicionais. Deve-se levar em con- vem obtendo sucesso com sua política agressiva de
ta também que a crescente globalização implica em exportações para os EUA, em parte graças ao apoio
uma nova forma de concorrência intercapitalista, em gerencial e tecnológico da Mitsubishi. Na Suécia, a
que a qualidade e a diferenciação tornam-se as novas SAAB e a Volvo se aproximaram de um sistema mais
bases da busca por produtividade (CORIAT, 1994). flexível e mais artesanal do que o japonês, consti-
Questiona-se assim a rigidez de sistemas de pro- tuindo o que ficou conhecido como Modelo Sueco,
dução do tipo fordista, procurando substituí-los por
Volvismo ou Kalmarismo.
esquemas mais flexíveis, capazes de atender tanto
É nesse contexto de globalização, acirramento
às reivindicações dos trabalhadores por um trabalho
das pressões competitivas, Terceira Revolução Indus-
mais rico e menos monótono, mas também satisfa-
trial e menor crescimento econômico internacional
tórios à acumulação do capital.
que se dá a difusão do modelo japonês ao redor do
No entanto, a busca pelo aumento da pro-
mundo. Nesse período, muitos analistas chegaram a
dutividade por meio da adoção do modelo japonês,
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dizer que a hegemonia econômica norte-americana
associada ao processo de automatização e parcial
estava ameaçada pelo Japão, que crescia a taxas vi-
robotização das plantas industriais, resultou primor-
gorosas desde a década de 50 e que apresentava um
dialmente em demissões em massa. O downsizing,
ou a redução dos efetivos empregados, foi a princi- novo modelo de organização industrial, considerado
pal estratégia para enxugar os “excessos gorduro- mais eficiente e produtivo que os rígidos modelos
sos da fábrica” e assim aumentar a produtividade ocidentais. As inovações japonesas são introduzidas
por trabalhador. primeiramente no setor que lhes deu origem, o au-
No final da década de 70, a Ford lançou o seu tomobilístico, mas depois se estendem a outras in-
programa interno de mudança organizacional cha- dústrias, tanto no Japão quando no resto dos países
mado After Japan, conseguindo significativas melho- industrializados. As técnicas japonesas são também
ras de produtividade e qualidade. A General Motors importadas pelo Terceiro Mundo, fenômeno que será
(GM) estabeleceu uma joint-venture com a Toyota melhor analisado quando nos determos na questão
chamada NUMMI (New United Motor Manufacturing da transferibilidade desse modelo.

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tro da fábrica, fora dela ele exclui e precariza parte


5. Economia Política e da força de trabalho, como apontaremos.
contradições do modelo japonês Começaremos pelas relações de subcontrata-
ção e terceirização. Na fábrica montadora principal e
O que nos interessa aqui é evitar qualquer nas suas grandes fornecedoras (com a qual ela mui-
tipo de mistificação do modelo japonês, revelando tas vezes tem capital cruzado, estabelece relações de
para além dos seus inegáveis traços positivos as longo prazo e coopera tecnologicamente) aplicam-se
suas contradições e os seus aspectos nem sempre as técnicas e princípios toyotistas (garantindo assim
considerados. estabilidade de emprego, flexibilidade interna, salá-
Vamos começar por tudo aquilo que pode ser rios mais altos etc.). Todavia, na rede de subcontra-
considerado positivo nos métodos japoneses. Primei- tação, em que se acham as micro, pequenas e mé-
ramente, é inegável que a forma como a divisão do dias empresas, o trabalho ainda é precário, instável e

trabalho é repensada no modelo japonês constitui taylorizado. Maior se torna a exploração dessa força

uma vantagem em relação ao taylorismo, sistema que de trabalho nas franjas do toyotismo quando a em-

leva ao extremo a prática de segmentação, desqua- presa central aplica aos seus fornecedores Just In
Time externo, com rigorosidade na entrega de peças
lificação e especialização do trabalho. No Ohnismo,
e componentes (HIRATA, 1996).
ao contrário, temos polivalência e multifuncionalida-
Situação ainda pior é a das mulheres, que
de do operário, trabalho em grupo, não há rigidez de
além de terem que se empregar em trabalhos pre-
postos de trabalho, e o operário deve saber, além de
cários (quase não há mulheres na Toyota, por exem-
executar o seu trabalho, monitorar/reparar as máqui-
plo), têm ainda que realizar o seu trabalho doméstico,
nas e fazer controle de qualidade. São traços de uma
como cuidar da casa, cozinhar e educar os filhos, já
flexibilidade interna, possibilitada por um enriqueci-
que o homem deve se dedicar inteiramente à empre-
mento do conteúdo do trabalho, rompendo em par-
sa na qual trabalha (HIRATA, 1996). Essa rígida divi-
te com a escola norte-americana na dicotomia entre
são sexual do trabalho no Japão é bastante explícita,
trabalho manual e trabalho mental (CORIAT, 1994).
acarretando para as mulheres uma descontinuidade
Pode-se até mesmo dizer que nas grandes fábricas
na sua carreira profissional e uma inserção subordi-
japonesas houve um certo “embranquecimento” dos
nada e precarizada no mercado de trabalho.
colarinhos azuis3.
Outra característica da sociedade japonesa é
Além disso, deve-se reconhecer que o modelo
a posição central e inquestionável que a esfera do
japonês obtém o maior engajamento do trabalhador
trabalho ocupa na vida dos trabalhadores. Particu-
na produção por meio de uma série de contraparti-
larmente, estamos tratando da extensão da jornada
das que lhes são dadas. Salários crescentes, parti-
de trabalho, que se revela nas práticas generalizadas
cipação nos ganhos de produtividade, possibilidade
de uso apenas parcial do tempo de férias (sete dias
de ascensão dentro da empresa, emprego vitalício,
anuais após um ano de empresa), a realização de
requalificação permanente da força de trabalho atra-
horas extras nem sempre remuneradas e o número
vés de cursos internos ou externos, flexibilidade na
excessivo de horas trabalhadas (oficialmente consi-
divisão do trabalho, rotação de tarefas etc. Todas
derada em torno de 2000 horas por ano). O karochi
essas contrapartidas vão compor aquilo que pode
(morte por excesso de trabalho) já é considerado
ser chamado de “democracia salarial”, que fica ainda
doença profissional, e preocupa desde a década de
mais patente quando observamos os baixos índices
80. É interessante notar que mesmo sendo uma eco-
de desigualdade do Japão e o leque salarial estreito
nomia tão produtiva e tecnologicamente avançada,
das empresas (um diretor chega a ganhar apenas 5
o Japão continua com uma das jornadas de trabalho
vezes mais que um trabalhador manual desqualifi-
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mais extensas do mundo (HIRATA, 1996).


cado) (CORIAT, 1994).
Outro segmento que está em crescimento
Todavia, estamos aqui olhando para o que o
há alguns anos é o de estrangeiros, normalmente
modelo nos revela à primeira vista. Até agora, nos
ilegais. Solução encontrada para suprir a demanda
concentramos na fábrica principal em si, nos esque-
por mão de obra não-qualificada e semiqualificada
cendo de todas as complexas e sutis relações que se
barata na indústria, construção civil e serviços, os
estabelecem com o mundo exterior, nem tão demo-
dekaseguis são em sua maioria asiáticos (oriundos
cráticas e flexíveis assim. Se é patente que o modelo
das Filipinas, Paquistão, Bangladesh, China, Coréia
japonês atende a demandas sociais importantes den-
do Sul, Tailândia, mas também do Peru, Argentina
3 No jargão dos discursos da esquerda das décadas de 1960 e 1970, e Brasil). Deste conjunto, a maioria é composta por
colarinhos brancos designavam os trabalhadores de escritório, de ge- mulheres: serventes, recepcionistas, empregadas
rência e ligados ao setor de serviços, enquanto colarinhos azuis eram os
operários que trabalhavam no chão da fábrica, direta e corporalmente
domésticas, operárias etc. Observa-se então uma
envolvidos na produção. internacionalização do mercado de trabalho japonês,
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O paradigma japonês de organização industrial: outras perspectivas

implicando em uma redução da homogeneidade de desde meados da década de 80, mesmo que de for-
sua força de trabalho. ma incipiente.
Assim, não se deve considerar que esses “em- Primeiramente, por que se deve desejar a
pregos sujos” estejam fora do modelo: na verdade, transferência do modelo japonês? Por que escolher
são partes essenciais de seu funcionamento. O tra- esses métodos extremos de controle social, essa ten-
balho não-qualificado, instável, precário e tayloriza- são extrema, essa sociedade que vive à sombra das
do não é uma exceção, na verdade apenas 30% da grandes corporações? Deve-se levar em conta que a
mão-de-obra japonesa pode se beneficiar das con- internacionalização do modelo japonês foi impulsio-
trapartidas do Ohnismo! (HIRATA, 1996). Trata-se nada, antes de tudo, pela sua melhor adequação à
de uma sociedade marcada por uma clivagem mui- concorrência intercapitalista no mundo globalizado.
to forte entre aqueles homens que são contratados Em um ambiente de demanda instável, marcado pela
pelas grandes empresas (normalmente os melhores diferenciação e qualidade dos produtos, o Ohnismo
alunos) e o grande resto da população que continua pode ser muito mais eficiente que os rígidos padrões
se empregando em postos tradicionais. Além disso, tradicionais. Além disso, o modelo japonês é positivo
a completa dominação que a grande corporação ja- no seu questionamento à divisão do trabalho taylo-
ponesa exerce sobre a vida de seus empregados (em rista, abrindo espaço para uma flexibilidade interna
uma espécie de paternalismo moderno) não lhes dei- (CORIAT, 1994). Ele entra assim em harmonia com
xa tempo suficiente para cultivar relações afetivas e algumas das necessidades e demandas sociais que
familiares, e o lar fica assim entregue aos cuidados se manifestam há vários anos. O sistema japonês
da mulher. É uma “democracia salarial” muito pe- pode então atender tanto aos interesses do capital
culiar, dado que exclui dos seus benefícios a grande (maior competitividade internacional) quanto do as-
maioria da classe trabalhadora. salariado (trabalho mais rico, qualificação, salários
Como as fábricas japonesas são mais produti- maiores etc.).
vas do que suas concorrentes ocidentais, conseqüen- É inegável que as origens dessa inovação
temente as suas taxas de exploração (e de extração social são bastante específicas (como já pudemos
de mais-valia) são mais elevadas. Isto explica em analisar), e dificilmente as condições históricas de
parte porque as taxas de acumulação e de lucrativi- sua formação serão repetidas. Por outro lado, pelo
dade das empresas automobilísticas japonesas são menos nas suas contribuições essenciais, o modelo
mais altas do que as das companhias norte-america- japonês é perfeitamente reproduzível. Esta é uma
nas e européias, mesmo que o salário médio de um típica contradição histórica, que coloca de um lado a
trabalhador japonês (mais produtivo) seja bastante singularidade e do outro a universalidade (CORIAT,
próximo ao de um norte-americano. 1994). Não ocorreu o mesmo a Taylor e a Ford, e
É importante aqui revelar esse “lado oculto” mesmo assim os cronômetros e as esteiras de mon-
do modelo japonês para evitar qualquer tipo de enal- tagem não se disseminaram pelo mundo? Há então
tecimento mistificador de primeira hora, tão comum a possibilidade de transplantar o modelo japonês,
nos vulgares manuais de administração e nas reco- mesmo que para condições sociais particulares e
mendações de firmas de consultoria. Não se quer distintas da original.
negar que ele possui traços distintos que o tornam Não se deve reduzir nunca o modelo japonês
preferível em certos aspectos, como já apontado a algumas de suas técnicas tomadas isoladamente.
acima. O que não se quer é expor apenas a parte Os seus efeitos virtuosos só são obtidos quando o
“bonita” e “limpa” do modelo, escondendo as suas sistema é considerado como o todo. Feitas essas ob-
relações de exploração mais profundas. Não se deve servações, devemos ter cuidado com a “japonização”
esquecer que ainda falamos de capitalismo, e assim que se vem processando no mundo, por duas vias
de exploração da classe trabalhadora com o objetivo distintas, ambas incompletas e simplificadoras. Uma
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de acumulação de capital. dessas vias é a identificação do modelo japonês com
a simples individualização das relações de trabalho. O
que se busca é se aproveitar da atual onda de libera-
6. A questão da transferabilidade lismo para questionar e destruir todas as garantias e
tradições de negociação e contratualização herdadas
Para finalizar, vamos nos deter um pouco em do fordismo. Não há contrapartidas estimulantes ao
questão de maior relevância, que é a da possibili- empregado, mas apenas a flexibilização externa do
dade do modelo japonês de organização do traba- mercado de trabalho (CORIAT, 1994). A outra via é
lho e gerência da produção ser transplantado para aquela que vê o Ohnismo apenas como um arsenal de
outras realidades sociais. Isso nos preocupa por ser ferramentas que podem ser utilizadas à la carte, não
fundamental perceber quais são as condições que dando conta assim dos efeitos virtuosos advindos da
determinaram a sua transferência ao Brasil, que já coerência interna do sistema. Assim, virou moda falar
começou o seu processo de reestruturação industrial de Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), Just in

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TONUCCI FILHO, João Bosco Moura

Time, estoque zero e programas de qualidade total. Brasil, na maior parte dos casos, não passa de uma
Trata-se de uma visão estritamente “tecnicista”, que adoção conveniente de algumas ferramentas e técni-
não altera profundamente a estrutura de organização cas, que apenas reforçam as formas tradicionais de
do processo de trabalho na fábrica. Também nessa controle do trabalho. Também se proclama nos meios
via raramente há contrapartidas aos trabalhadores, neoliberais a flexibilização do mercado de trabalho,
dado que a maioria dessas inovações organizacionais colocando em risco as garantias dos assalariados for-
é aplicada ainda combinada e articulada a rígidos mo- mais. Todo esse processo se dá em meio ao aumento
delos tayloristas-fordistas (FERRO, 1990). generalizado do desemprego e do mercado informal
Para concluir, algumas observações quanto de trabalho, o que coloca limites ao poder de barga-
ao caso brasileiro. Aqui também o modelo japonês nha das organizações trabalhistas. Assim, as empre-
é importado durante o processo de reestruturação sas buscam também copiar o modelo japonês na sua
industrial. Não são demandas internas de mudança face mais perversa, a da subcontratação (também
que desencadeiam esse interesse pelos métodos ja- chamada de terceirização, e uma verdadeira febre
poneses, mas sim a abertura comercial que coloca as durante a década de 90 no Brasil), o que implica em
empresas brasileiras em desvantagem em relação às ainda maior precarização do trabalho.
suas concorrentes internacionais. As práticas japone- O que se conclui é que, enquanto novos com-
sas são então introduzidas, assim como a automação promissos sociais não se estabelecerem (o que de-
microeletrônica, para garantir a competitividade da pende tanto de reformas estruturais que alterem
indústria nacional, acostumada a ganhos espúrios de a desigual sociedade brasileira quanto da situação
produtividade. Todavia, não se trata de transferência conjuntural) dificilmente será possível que o “espíri-
simples e pura. to Toyota”4, na sua plenitude, seja verdadeiramen-
No Brasil, a aclimatação do taylorismo-for- te transplantado para o Brasil. Enquanto isso, ele
dismo resultou em um modelo de desqualificação e é aplicado apenas onde é conveniente ao capital e
baixa remuneração da força de trabalho, com pou- à exploração, não possibilitando nenhuma melhora
cas garantias salariais e de estabilidade de emprego significativa para a classe trabalhadora.
(Devemos nos lembrar que as pressões trabalhistas
ficaram contidas durante o Regime Militar, durante o
qual houve uma queda do salário real e aumento das 4 “Espírito Toyota” é o nome poético dado por Taiichi Ohno ao sistema
produtivo toyotista, idéia desenvolvida na sua obra L’Esprit Toyota
desigualdades sociais). Associa-se a isso a cultura
(1990).
gerencial brasileira, tipicamente autoritária, forte-
mente hierarquizada e bastante desigual quando se
trata da repartição entre lucros e salários (FERRO, Artigo recebido em: 06/2007
1990). Assim, a introdução do modelo japonês no Artigo aceito para publicação em: 09/2007

REFERÊNCIAS
Revista Multiface V 01, No 02

BOYER, R. A Teoria da Regulação: uma análise crítica. São Paulo: Nobel, 1990.
CORIAT, B. Pensar pelo Avesso: o Modelo Japonês de Trabalho e Organização. Rio de Janeiro: Revan: UFRJ, 1994.
DRUCK, M. Globalização e Reestruturação Produtiva: o Fordismo e/ou Japonismo. Revista de Economia Política, vol. 19, nº2 (74),
abr./jun. 1999.
FERRO, J. Aprendendo com o “Ohnoísmo” (Produção flexível em massa): lições para o Brasil. Revista de Administração de Empre-
sas, FGV/SP, vol. 30, nº 3, jul./set. 1990.
GLYN, A.; HUGUES, A.; LIPIETZ, A.; SINGH, A. The Rise and Fall of the Golden Age. In: MARGLIN, S.; SCHOR, J. (Org.). The
Golden Age of Capitalism: Reinterpreting the Postwar Experience. Oxford: Clarendon, 1990.
HIRATA, H. Fordismo e Modelo Japonês. In: FORTES, Augusto Abreu Sá; SOARES, Rosa Maria Sales de Melo. Padrões Tecnológicos,
Trabalho e Dinâmica Espacial. Brasília: UNB, 1996.
OHNO, T. L’esprit Toyota. Paris: Masson, 1990.
WOMACK, J.; JONES, D.; DANIEL, R. A Máquina que Mudou o Mundo. 4.ed. Rio de Janeiro: Campus, 2004.
WOOD, S. A administração japonesa. Revista de Administração, São Paulo, vol. 26, nº 3, jul./set. 1991.
______. Fordismo, Toyotismo e Volvismo: os caminhos da indústria em busca do tempo perdido. Revista de Administração de
Empresas, FGV/SP, vol. 32, nº 4, set./out. 1992.

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