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Desenvolvimento Sustentável: limites e perspectivas no debate contemporâneo

Sustainability development: limits and perspectives in the contemporary debate


Développement Soutenable : limites et perspectives dan le débat contemporain
Desarrollo Sostenible: límites y perspectivas en el debate contemporáneo

Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues Chaves*


Débora Cristina Bandeira Rodrigues**
Recebido em 3/2/2006; revisado e aprovado em 20/6/2006; aceito em 2/8/2006

Resumo: O presente artigo traz para discussão reflexões em torno das concepções de desenvolvimento sustentável
existentes na contemporaneidade, abordando os limites e perspectivas que envolvem a concretização desta forma
de desenvolvimento. A presente discussão se faz pertinente à medida que, entende-se que uma proposta viável de
desenvolvimento sustentável coloca em evidência aspectos para construção de novos rumos no tratamento das
questões ambientais planetárias, ao mesmo tempo em que aponta para as determinações políticas e econômicas
que embasam o modelo de desenvolvimento vigente.
Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável; meio ambiente; política.
Abstract: The present article brings to discussion reflections around the conceptions of maintainable development
existent actually, approaching the limits and perspectives which involve the materialization of this development
way. The present discussion is done pertinent as well as understands each other a viable proposal of maintainable
development places in evidence aspects for construction of new directions in the treatment of the planetary
environmental subjects, at the same time in that appears for the political and economical determinations that base
the model of effective development.
Key words: Maintainable development; environment; politics.
Résumé: Le présent article mène à discuter sur des réflexions autour des concepts du développement durable de
l´environnement existant, en abordant les limites et perspectives qui englobent la concrétisation de cette forme de
développement. Cette discussion se fait pertinente à mesure que la compréhension montre l’existence d’une proposition
valable de développement durable et met en évidence des aspects pour obtenir de nouvelles manières de traitement
des milieux environnants planétaires, en même temps qu’elle indique les déterminations politiques et économiques
qui forment la base effective du modèle actuel de développement
Mots-clé: Développement; milieu environnant; politique.
Resumen: El presente artículo trae para discutir reflexiones en torno a las concepciones de desarrollo sustentable
existentes en la contemporaneidad, abordando los límites y perspectivas que envuelven la concretización de esta
forma de desarrollo. La presente discusión se hace pertinente en la medida que, se entiende que una propuesta viable
de desarrollo sustentable coloca en evidencia aspectos para construcción de nuevos rumbos en el tratamiento de las
cuestiones ambientales planetarias, al mismo tiempo en que apunta para las determinaciones políticas y económicas
que envasan el modelo de desarrollo vigente.
Palabras clave: Desarrollo sustentable; medio ambiente; política.

Tão ambígua quanto usual, a expressão elas encontra-se a proposta de desenvolvi-


“desenvolvimento sustentável” remete a uma
mento sustentável.
corrente de reflexões que perdura há mais de
vinte anos (GODARD, 1997, p.107). Segundo Godard (2002), foi após a dé-
cada de 70 que começa a se estabelecer a
1 Introdução consciência de que as raízes dos problemas
ambientais estariam nas formas de desenvol-
Nas últimas três décadas a discussão vimento tecnológico e econômico, sendo im-
em torno da relação Estado-sociedade-natu- possível o tratamento das questões, sem uma
reza tem sido intensificada, tanto em níveis reflexão e conseqüente ação sobre este mo-
internacionais quanto nacionais, podendo delo de desenvolvimento proposto. Assim,
ser identificados neste processo diferentes as chamadas políticas de meio ambiente não
tendências de análise e interpretação, entre podem ser tratadas “à margem dos proces-

*
Docente do Dep. Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas, Doutora em Política Científica e
Tecnológica; Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos Sócio-ambientais e de Desenvolvimento de
Tecnologias Apropriadas na Amazônia. (socorro.chaves@ig.com.br).
**
Pesquisadora Grupo Interdisciplinar de Estudos Sócio-ambientais e de Desenvolvimento de Tecnologias
Apropriadas na Amazônia; Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia; Doutoranda em Biotecnologia.
(deb.crist@ig.com.br).

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Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 8, N. 13, p. 99-106, Set. 2006.
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sos de ação coletiva e de organização eco- desempenha nesse processos de mudança;


nômica” (p.201). Pode-se afirmar que estas oferecer um conjunto de critérios para se avaliar
a pertinência de ações mais especificas (SACHS,
são a base das referências feitas usualmente Inagcy).
às noções de ecodesenvolvimento (SACHS, O aprofundamento e visibilidade nos
1980) ou de desenvolvimento sustentável debates em torno de uma proposta de de-
(GODARD, 1994). senvolvimento sustentável, segundo Godard
A noção de desenvolvimento susten- (1997), não tem sua origem no relatório de
tável, segundo alguns autores (GODARD, Brundtland, mesmo reconhecendo sua con-
2002, IGNACY, 2002 e SIMONIAN, 2000) tribuição, o referido autor aponta três prin-
ainda é incerta, uma vez que esta se encon- cipais correntes teóricas nos meios científi-
tra segundo Godard (1997) no cruzamento cos e dos especialistas vinculados na análise
de várias tradições intelectuais, onde na do desenvolvimento econômico e de suas
atualidade serve para expressar um desejo conseqüências sobre o meio ambiente.
de “conciliação entre desenvolvimento eco- No começo dos anos 70, sob a direção
nômico e a proteção ao meio ambiente do do Programa das Nações Unidas para o Meio
planeta a longo prazo” (p.108), ao mesmo Ambiente, encontra-se uma primeira corren-
tempo em que favorece aproximações inte- te de pensamento (FARVAR, 1977;
lectuais, recomposições teóricas e reorgani- GLAESER, 1984; SACHS e SIMONIS, 1990)
zações institucionais. O autor chama aten- que se dedica em promover o que ficou co-
ção para o fato de que, estas noções mais nhecido como “estratégias de ecodesenvol-
abrem campos novos de debate que propria- vimento” (SACHS, 1974, 1980 e 1993). Esta
mente organizam as noções já existentes. seria concebida como uma nova abordagem
Ressalta ainda, que os “conceitos e doutri- do desenvolvimento, onde as estratégias pen-
nas, regras e procedimentos práticos vão ser sadas teriam suas bases fundadas no “aten-
elaborados de acordo com a conveniência dimento às necessidades fundamentais (ha-
das decisões econômicas, das regras jurídi- bitação, alimentação, meios energéticos de
cas e das inovações institucionais” (p.109). preparação de alimentos, água, condições sa-
Neste sentido, o significado das ques- nitárias, saúde e decisões nas participações)
tões em jogo devem ser buscados, por um das populações menos favorecidas, priorita-
lado nas concepções teóricas e por outro nas riamente nos países em desenvolvimento, na
funções exercidas nos processos políticos e adaptação das tecnologias e dos modos de
institucionais. Neste contexto, pode-se afir- vida às potencialidades e dificuldades espe-
ma que nas sociedades contemporâneas o cíficas de cada ecozona, na valorização dos
desenvolvimento assume valor central, sen- resíduos e na organização da exploração dos
do este valor alimentado por vários compo- recursos renováveis pela concepção de siste-
nentes ideológicos: necessidade de progres- mas cíclicos de produção, sistematizando os
so técnico identificado ao progresso huma- ciclos ecológicos” (GODARD, 1997, p.111).
no, ambição de domínio sobre a natureza Esta perspectiva de abordagem em pri-
(GODARD, 2002). meiro plano focaliza às populações, a partir
Nesta perspectiva, pretendemos discu- da percepção de que as formas de subsistên-
tir, ainda que de forma pré-liminar, as noções cia desenvolvidas, bem como as atividades,
que envolvem a proposta de um desenvolvi- têm sua organização fora da economia de
mento sustentável, sem perder de vista os limi- mercado oficial (agricultura familiar de sub-
tes e possibilidades que envolvem esta questão. sistência, economia urbana informal), basea-
do neste entendimento as bases do desenvol-
2 Noção de Desenvolvimento vimento destas atividades estariam na parti-
Sustentável: uma construção a partir de cipação direta das populações envolvidas no
multiplas origens processo, ao mesmo tempo em que buscam
a criação de novas formas institucionais de
O conceito de desenvolvimento sustentável... É impulso e de planificação em nível dos esta-
um enfoque de desenvolvimento sócio- belecimentos humanos e distritos rurais.
econômicos orientado para: a satisfação de Nesta forma de abordagem, conside-
necessidades básicas; o reconhecimento do
papel fundamental que a autonomia cultural rada crítica e pragmática quanto a forma de

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desenvolvimento dominante proposto no tores não existe relação entre crescimento e


pós-guerra, sua concretização se deu por degradação do meio ambiente (BECKMAN,
meio de projetos, de níveis experimentais ou 1974), apresentam aqui um erro de objetivo,
demonstrativos, buscando apóio em inicia- uma vez que “a teoria do crescimento é or-
tivas de organizações populares locais, de ganizada em torno da questão da poupan-
militantes ou independentes, com apoio de ça e do investimento, ou seja, do julgamento
organizações internacionais ou de agências dos fluxos de consumo no tempo”
públicas. Encontra limitações no aspecto eco- (GODARD, 1997, p.113), ao contrário os pro-
nômico e político, tendo em vista sua propos- blemas ambientais deveriam ser tratados
ta, que apresentava como necessidade para como ineficácia da distribuição dos bens eco-
se discutir o ecodesenvolvimento, a necessi- nômicos em dado momento. Foram feitas
dade de mudanças políticas nacionais e uma análises sobre os regimes de exploração de
reestruturação das relações econômicas Nor- recursos naturais não renováveis
te-Sul. Isto significaria uma mudança de pos- (DASGUPTA e HEAL, 1979 e SOLOW,
tura nos modos de vida e desenvolvimento 1974) ou renováveis (CLARK, 1973 e 1990)
dos países industriais, sendo esta considera- com objetivo de identificar: a) as condições
da condição sine qua non para uma harmo- possíveis de uma exploração economica-
nização dos direitos ao desenvolvimento, não mente ideal; b) verificar as implicações so-
só de alguns países mas de todos, bem como bre a evolução destes recursos; e c) deduzir
a preservação do meio ambiente do planeta. as possíveis conseqüências analíticas para o
Esta proposta considerada radical, não agra- estudo do crescimento e da distribuição do
dou a muitos, o que levou, após um entusias- bem estar. Neste processo vários modelos
mo inicial, a proposta de ecodesenvolvi- foram construídos a fim de analisar as im-
mento a ficar relegada às esferas marginais. plicações lógicas de uma exigência de
Numa segunda corrente de pensamen- equidade entre as gerações nas trajetórias de
to (CONSTANZA, 1989; DALY, 1977; crescimento máximo, os respectivos níveis de
GEORGESCU-ROEGEN, 1978 e PASSET, consumo acessíveis a cada geração, bem
1979), tem-se a proposta de um projeto que como as condições de transferência de cus-
desenvolva uma nova representação teórica tos de uma geração a outra.
da atividade econômica tendo como ponto As correntes apresentadas são debati-
de partida a confrontação com os novos con- das a fim de dar um conteúdo ao objetivo de
ceitos e modelos desenvolvidos pelas ciências desenvolvimento sustentável. Contudo, a
da natureza, como: termodinâmica, evolu- definição mais conhecida e citada é a do re-
ção e organização do ser vivente, ecologia, latório Brundtland (1988), onde desenvolvi-
entre outros. Os teóricos ligados a esta cor- mento sustentável “é o que responde às ne-
rente de pensamento iniciam com formu- cessidades do presente sem comprometer a
lações críticas, tais como: questionam a capacidade das gerações futuras de respon-
autogestão do sistema econômico, impossi- der às suas próprias necessidade”
bilidades da extrapolação das soluções locais (GODARD, 1997, p.113). Autor ressalta que,
para globais, impossibilidades de reciclagem ainda assim, são várias as formas de inter-
completa das matérias-primas, devido aos fe- pretação desta definição.
nômenos da entropia, não possibilidade de Neste sentido, entende-se que há limi-
troca entre capital natural e capital produti- tes e possibilidades apontados nas diferen-
vo reprodutivo. Os resultados destas abor- tes perspectivas de desenvolvimento susten-
dagem conduz ao que se pode chamar de “ tável.
bioeconomia” ou “ economia ecológica”
(ecological economics), onde segundo autor, a 3 Limites e perspectivas para uma nova
inspiração interdisciplinar permanece muito proposta de desenvolvimento sustentável
variada.
A terceira forma de abordagem apre- As diferentes noções de sustentabi-
sentada pelo autor, se coloca no prolonga- lidade ou mesmo de desenvolvimento, difi-
mento da teoria neoclássica do equilíbrio e cultam a realização de uma interpretação
do crescimento econômico. Para alguns au- prática dos objetivos políticos formulados em

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torno da proposta de “desenvolvimento sus- podem ser relacionados como: 1) um com-


tentável”. Segundo Godard (1997), os conhe- portamento de segurança e de prevenção dos
cimentos produzidos em torno desta riscos conhecidos; 2) a otimização do tempo
temática apresentam limitações, são incom- para conhecer os fenômenos, e assim respon-
pletos e controvertidos. Alerta para não ga- der de forma mais eficaz aos problemas ain-
rantia de transferências ou mesmo a tradu- da incertos neste campo; busca por soluções
ção de raciocínios de determinada escala de “de menor arrependimento”, que possam
organização ou de uma área de conhecimen- atender de forma simultânea vários objeti-
to para outra. È importante ressaltar que, as vos da coletividade (HOURCADE, 1994 apud
diferentes definições apresentadas apontam GODARD 1997). Contudo, vemos hoje um
para exigência de sustentabilidade como princípio que pode ter influência ainda mai-
valor normativo, e que permita formulação or que o “desenvolvimento sustentável”, que
de objetivos coletivos, aspecto que tem sido é o “princípio da precaução”. Este princípio
alcançado ao nível do planeta. O desafio se tem suas bases estabelecidas no direito in-
impõe na passagem destas normas a nível ternacional, posteriormente entrando no di-
planetário para regras ou normas válidas em reito interno, aonde vai além das questões
escalas locais, onde são vários os mecanismos ambientais e passa a tingir o conjunto dos
que podem interferir no processo. A exigên- riscos maiores, principalmente no campo da
cia de sustentabilidade não torna homogê- saúde.
nea as diferentes realidades sócio-econômi- Pelo “princípio da precaução” enten-
ca e culturais que constituem o planeta. de-se “que ele pode exigir ações que limitem
Desta forma pode-se dizer que a as emissões de certas substâncias potencial-
sustentabilidade deverá ter diferentes estru- mente perigosas, sem esperar que uma rela-
turas a partir das diferentes escalas de orga- ção de causalidade seja estabelecida de ma-
nização na qual se encontre inserida. Uma neira formal sobre bases científicas” (p.118).
principal dificuldade para concretização Neste campo do debate é possível es-
desta proposta é que do ponto de vista dos tabelecer uma dupla relação entre as noções
fenômenos ecológicos, são analisados primei- de desenvolvimento sustentável e o princí-
ramente em nível local (ecossistemas) ou re- pio da precaução: 1) ambas tem sua gênese
gional (biomassa e regiões biogeográficas), e na tomada de consciência de que determi-
depois, de forma mais abrangente e conjun- nadas conseqüências ou ações são irrever-
tural a nível planetário. síveis; 2) na área do desenvolvimento susten-
Com as discussões desenvolvidas e a tável, com tantas incertezas, pode-se apro-
partir das análises realizadas, o que se pode ximar estas noções de duas maneiras: a
perceber é que “aplicação de uma política concretização de uma política de desenvol-
de sustentabilidade do desenvolvimento não vimento sustentável, hoje significaria assu-
pode ser derivada diretamente nem de uma mir uma postura de precaução diante dos
otimização econômica intertemporal, obser- riscos cujas conseqüências seriam sofridas
vados pelos preços nos mercados, nem dos pelas gerações futuras; ao contrário disso,
conhecimentos científicos dos processos este mesmo princípio possibilitaria dar uma
biofísicos, dos quais depende a reprodução tradução prática a algumas preocupações
de nosso meio ambiente” (GODARD, 1997, que não poderiam transformar-se em ação,
p.117). Neste caso, a operacionalização de cita o exemplo do risco climático do planeta.
uma proposta de desenvolvimento sustentá- Na linha do desenvolvimento susten-
vel, deve tomar como referência à construção tável existem aqueles que acreditam que a
de mediação de critérios estratégicos que pos- medida da precaução deve ser bem avalia-
sam dar conta do atual estado de incertezas da, medida, para outros a medida deveria
que envolvem esta questão. Tais critérios de- ser imposta de forma absoluta. Existem ain-
verão orientar a gestão dos elementos pas- da, os que impõem a necessidade de resulta-
siveis de conhecimento no momento atual. dos de pesquisa que demonstrem as conse-
Referido autor cita três exemplos de qüências de determinados projetos antes
atitudes que podem dar base para uma polí- mesmo de serem autorizados e implemen-
tica de “desenvolvimento sustentável”, que tados.

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A discussão, em torno deste princípio, objetivos: o primeiro apresenta a necessida-


demonstra a relação ambivalente entre de- de de se favorecer a eliminação das barreiras
cisão e conhecimento científico. Vários ques- entre diferentes disciplinas e diferentes tra-
tionamentos são levantados, a partir deste dições de pensamento, buscando assim, a
debate, quanto a responsabilidade da prova construção da interdisciplinaridade, que ain-
exigida para que determinadas ações sejam da se articula com certa dificuldade, tendo
desenvolvidas, num cenário de incertezas e em vista os muros construídos pelo próprio
onde os saberes ainda não estão estabiliza- conhecimento científico.
dos, neste caso, de quem é a responsabilida- Para Leff (2002), a superação do pa-
de da prova? E qual a prova a ser dada? drão de conhecimento fragmentado domi-
Uma evidência que se coloca hoje nos nante, vai depender da nossa capacidade de
fóruns de discussão é que, a partir do mo- perceber e discutir a problemática em toda
mento em que se estabeleceu o princípio da sua complexidade e totalidade, não centran-
precaução nos tratados e convenções, os Es- do as análises na separação, mas buscando a
tados assumiram a não preocupação nos construção de enfoques mais integrados e
momentos das tomadas de decisões sobre democráticos de percepção das questões am-
questões que hoje são colocadas em discus- bientais. Neste sentido, a proposta de desen-
são, como exemplo temos a mudança climá- volvimento sustentável, pode proporcionar
tica do planeta, mesmo na ausência de pro- certo equilíbrio entre as diferentes disciplinas
va científica teórica e empírica. científicas advindas de diferentes tradições de
Autor coloca que este princípio da pre- pensamento, estabelecendo uma interlocução
caução pode ajuda no processo de modifi- fecunda entre estas. Faz-se necessário, ain-
cação dos comportamentos, mas chama da, o reconhecimento da relevância das dis-
atenção para o fato de também servir de cussões éticas e morais, do estabelecimento
inibidor para o desenvolvimento das empre- de ligações entre as ciências da natureza no
sas e da tecnologia. Neste ponto, poderia se interior das análises econômicas, procuran-
tornar contraditória com a proposta do de- do, ainda, articular os dados científicos e os
senvolvimento sustentável. Para efetivação “procedimentos de revelação dos valores co-
deste princípio, são necessários estabeleci- letivos, no interior dos dispositivos de gestão”
mentos de regras que possam garantir uma (GODARD, 1997, p.123); o segundo objetivo
aplicação sensata e previsível. O que se cons- proposto, seria o de reintegrar as políticas de
titui em desafio a ser superado. meio ambiente numa perspectiva de desen-
volvimento econômico, este aspecto vem con-
4 Funções e objetivos do firmar um consenso político internacional de
desenvolvimento sustentável na manter o desenvolvimento econômico no cen-
contemporâneidade tro das decisões e da sociedade, indo de en-
contro a toda decisão pautada na conserva-
A noção de “desenvolvimento susten- ção da natureza. Segundo Godard (2002),
tável” tem adquirido difusão ampla e diversi- umas das questões centrais que emergem no
ficada no meio social e acadêmico, o que contexto internacional pós década de 70, é a
implica na possibilidade de atendimento de discussão quanto ao grau de compatibilida-
uma variedade de projetos, valores, atores e de entre o desenvolvimento econômico e a
grupos sociais os mais diversos. Contudo, as preservação do meio ambiente. A partir des-
incertezas que ainda envolvem esta noção ta perspectiva de análise, se teria uma tese de
colocam à função que tem exercido na atua- incompatibilidade entre estes dois objetivos,
lidade, entendida num processo de constru- o que implica idéia da necessidade de um
ção buscando: aproximar problemáticas e “crescimento zero” ou mesmo de uma situa-
interesses diferentes, abrindo caminho para ção “estacionária” (DALY, 1997), podendo
novas formas de relação, favorecendo ainda ter ainda uma redução no crescimento
reorganizações. (GEORGESCU-ROEGEN, 1979).
Numa perspectiva prática de aborda- Nesta linha de pensamento, opõem-se
gem, a noção de desenvolvimento sustentá- duas antíteses: para determinado grupo, so-
vel atende de forma indiscutível a vários mente com taxa elevada de crescimento se

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poderia ter o financiamento de uma política questões pertinentes ao futuro do meio am-
ambiental vigorosa, centrada na difusão rá- biente “depende da evolução do conteúdo
pida da inovação, considerando custos de global dos modos de desenvolvimento no
manutenção ou de restauração de ambien- Norte como no Sul (modos de consumo, es-
tes, bem como para concretização de meca- colha de tecnologias, organização do espa-
nismos de reciclagem de materiais ou de eli- ço, gestão dos recursos e dos resíduos)”
minação de dejetos; para outro grupo, seria (GODARD, 1997, p.125), e estas decisões
possível pensar harmonização entre os obje- não dependem única e exclusivamente dos
tivos do desenvolvimento e a preservação setores especializados da ação pública, mas
ambiental, mas assumir tal postura exigiria dizem respeito ao conjunto da sociedade. Al-
a elaboração de uma nova concepção de gumas ações desenvolvidas nas últimas dé-
modelos de desenvolvimento, o que impli- cadas demonstram certa mudança de atitu-
caria mudanças significativas nos modos de de frente às questões do meio ambiente, uma
vida, nos modos de produção, assim como delas foi a convenção internacional sobre o
nas opções técnicas e nas formas de organi- clima e a biodiversidade, realizada e assina-
zação social e das relações internacionais. da no Rio de Janeiro em junho de 1992, onde
Esta perspectiva de análise revela o para além dos conflitos de prioridades entre
quanto à relação sociedade e natureza são Norte e Sul, se estabeleceram compromissos.
resultado de uma construção histórico- Neste contexto, a retórica do desenvol-
social, a partir do estabelecimento das rela- vimento sustentável tem sido utilizada por
ções dos homens entre si, num determinado diferentes grupos como recurso de denún-
tipo de sociedade. Este modelo precisa ser cia política ou exercício de cidadania. Este
repensado, uma vez que as políticas de meio aspecto revela que, o tratamento desta
ambiente não podem ser mais marginaliza- temática tem possibilitado abertura de no-
das ou relegadas a um plano secundário as vos espaços de expressão, ao mesmo tempo
decisões econômicas e sociais. Neste sentido, em que se constitui como novo espaço de le-
os princípios estabelecidos na Declaração do gitimidade internacional.
Rio de Janeiro sobre “meio ambiente e desen-
volvimento” expressam, principalmente nos 5 Considerações
princípios 4 e 8 que “para chegar a um desen-
volvimento sustentável, a proteção do meio As discussões em torno de uma pro-
ambiente deve fazer parte integrante do pro- posta viável de desenvolvimento sustentável
cesso de desenvolvimento e não pode ser con- colocam em evidência aspectos que precisam
siderada isoladamente; e o segundo estabele- ser tratados, de forma a poder se estabelecer
ce que a fim de chegar a um desenvolvimen- novos rumos para o tratamento das ques-
to sustentável e a uma melhor qualidade de tões ambientais planetárias, ao mesmo tem-
vida para todos os povos, os Estados deveri- po em que aponta para as determinações
am reduzir e eliminar os modos de produ- políticas e econômicas que embasam o mo-
ção e de consumo não viáveis, e promover delo de desenvolvimento vigente.
políticas demográficas apropriadas” (p.124). Neste cenário algumas questões, se-
Por fim, um terceiro objetivo apresen- gundo Sachs (2002) se impõe: como promo-
tado coloca a necessidade de ligar a proble- ver um desenvolvimento sócio-econômico,
mática de meio ambiente e relações Norte- capaz de trabalhar a partir de princípios éti-
Sul, para efetivação deste objetivo se faz ne- cos que respeitem, as gerações presentes sem
cessário num primeiro momento o estabele- comprometer as gerações futuras? Como
cimento de um compromisso, uma vez que estabelecer, neste modelo de sociedade, uma
os países do sul defendem seus interesses de relação com a natureza que não referende a
desenvolvimento econômico e de privilégios consolidação de práticas predatórias comu-
quanto ao acesso a financiamentos e tecnolo- mente efetivadas? Como estabelecer um
gias. Neste contexto, os países do Norte se novo padrão social de comportamento, não
apresentam de forma mais sensível às ques- de dominação do homem sobre a natureza,
tões de preservação e equilíbrio do meio mas trabalhando no estabelecimento de uma
ambiente. De maneira mais aprofundada, as simbiose sociedade-natureza?

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Considerando estes questionamentos, revelam a necessidade de se buscar uma


para o referido autor, o conceito de sustenta- nova configuração para questão rural-ur-
bilidade não se constitui algo estático, mas bano de forma mais equilibrada.
dinâmico, uma vez que busca levar em con- e. “Sustentabilidade cultural”, esta se apre-
sideração as crescentes necessidades das senta de forma mais complexa para efeti-
populações, assim “O desenvolvimento sus- vação, uma vez que exigiria pensar o pro-
tentável não representa um estado estático cesso de modernização de forma endó-
de harmonia, mas, antes, um processo de gena, trabalhando as mudanças de forma
mudança, no qual a exploração dos recur- sintonizada com a questão cultural vivida
sos, a dinâmica dos investimentos, e a orien- em cada contexto específico. Deste prin-
tação das inovações tecnológicas e cípio, emerge a hipótese de um acesso a
institucionais são feitas de forma consciente modernidade a partir de múltiplas vias de
face às necessidades tanto atuais quanto fu- acesso, onde segundo Touraine (1988),
turas” (SVEDIN, 1987 apud SACHS, 2002, “além da necessidade de se traduzir o con-
p.474). ceito normativo de desenvolvimento sus-
Para Sachs (2002), a partir desta pers- tentável numa pluralidade de soluções lo-
pectiva de interpretação, o conceito de sus- cais, adaptadas a cada ecossistema, a
tentabilidade apresenta cinco dimensões cada cultura e, inclusive, soluções sistêmi-
principais: cas de âmbito local, utilizando-se o ecossis-
a. “Sustentabilidade social”, aspecto que tema como um paradigma dos sistemas de
deve ter como base o estabelecimento de produção elaborados pelo homem...”
uma proposta de desenvolvimento que (apud SACHS, p.475).
assegure um crescimento estável, com dis- Observando estas dimensões, o concei-
tribuição eqüitativa de renda, garantindo to de desenvolvimento sustentável ora em
o direito de melhoria de vida das grandes discussão revela os limites e fragilidades dos
massas da população. aspectos ecológicos globais, onde o enfoque
b. “Sustentabilidade econômica”, possível a de desenvolvimento sócio-econômico tem
partir de um fluxo constante de inversões sua orientação voltada para satisfação das
públicas e privadas, além do manejo e necessidades básicas para grande massa da
alocação eficiente dos recursos naturais. população que vive em situação de risco e
c. “Sustentabilidade ecológica”, através da exclusão social, reconhecendo ao mesmo
expansão da capacidade de utilização dos tempo o papel fundamental que o respeito à
recursos naturais disponíveis no planeta diversidade sociocultural desempenha nes-
terra, com menor nível de impacto ao meio te processo.
ambiente. Impondo-se, ainda, a necessi- Nesta linha de análise, Chaves (2004)
dade de redução do volume de substâncias afirma que a proposta de desenvolvimento
poluentes, a partir da adoção de políticas sustentável abrange, ao mesmo tempo, as-
de conservação de energia e de recursos, pectos econômicos, sociais, culturais, políti-
entre outras medidas. cos, tecnológicos e ecológicos, buscando uma
d. “Sustentabilidade geográfica”, uma vez integração entre estes vários fatores.
que a maioria dos problemas ambientais O que se pode perceber diante de to-
tem sua origem na distribuição espacial das as abordagens quanto à noção, concei-
desequilibrada dos assentamentos huma- tuação de desenvolvimento sustentável, o
nos e das atividades econômicas. Dois que se coloca em evidência é um processo
exemplos citados, para ilustrar tal questão, de construção, onde as várias correntes de
é a excessiva concentração da população pensamento do conhecimento científico es-
em áreas metropolitanas, e a destruição tão sendo convocadas para discutir e estabe-
de ecossistemas frágeis, de fundamental lecer critérios, que orientem as ações de de-
importância, pela falta de controle nos senvolvimento social e econômico numa
processos de colonização. Estes exemplos perspectiva de simbiose com a natureza.

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INTERAÇÕES
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