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Capítulo IV
O Lamento do Cristão
Alejandro G. Frank
Introdução
Neste quarto capítulo consideraremos uma nova bem-aventurança. No capítulo anterior vimos
que o inicio de uma vida bem-aventurada, uma vida realmente cristã, feliz e abençoada por
Deus começa com a humildade de espírito. Vimos que a humildade refere-se no sentido de
entendermos a nossa insignificância diante de Deus e entendermos a nossa natureza
pecaminosa diante da santidade de Deus. Vimos que isto é o primeiro passo necessário para
tornar-nos discípulos de Cristo. Essa atitude nos levará a uma postura diferente diante das
outras pessoas, pois já não se trata mais do que eu sou diante dos outros, mas o que eu sou
diante de Deus. Escutei uma vez a Paul Washer dizer em uma pregação que não existem
grandes homens de Deus, mas existem homens pequenos e insignificantes que estão sob a
poderosa mão de um Deus grande e poderoso. É a grandeza de Deus o que importa. Ora,
entendermos isto, automaticamente nos leva a um segundo passo desta sequência de bem-
aventuranças que retratam o caráter do cristão, que é a seguinte:
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Para o mundo isto pode ser símbolo de fraqueza, para o cristão isto é símbolo de felicidade e
esperança. O Senhor Jesus disse: “Ai de vós, os que agora rides! Porque haveis de lamentar e
chorar” (Lucas 6.25b). Ou também Tiago disse: “Afligi-vos, lamentai e chorai. Converta-se o
vosso riso em pranto, e a vossa alegria, em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele
vos exaltará.” (Tiago 4.9-10). Estes conceitos são loucura para o mundo. Cristo nos manda
chorar e nos lamentarmos para que algum dia, em um futuro não muito distante, nós
possamos rir de alegria, mas Ele nos chama de felizes quando choramos!
Mas uma questão essencial que devemos nos perguntar é: por que motivo os cristãos
deveríamos chorar e nos lamentar? Em que situações os crentes somos bem-aventurados se
nos lamentamos? Isto é muito importante, pois poderíamos achar que qualquer motivo de
choro já nos torna dignos de sermos chamados bem-aventurados, o que não é certo. Portanto,
vamos a estudar o verdadeiro significado desta bem-aventurança. Mas antes disso veremos
alguns conceitos errados sobre a mesma, para depois sim vermos o que ela realmente
significa.
Um primeiro erro é achar que esta bem-aventurança trata daqueles que choram por
sofrimentos de qualquer tipo. Há pessoas que dizem: meu chefe está me tratando mal, estou
sofrendo, portanto sou bem-aventurado. Outros podem pensar: o meu matrimônio não está
funcionando, estou sofrendo, portanto sou bem-aventurado. Há detrás destas ideias um
grande pecado do ser humano: a autocomiseração, que é aquele estado de pena de nós
mesmos, quando nos lamentamos por todas as situações que devemos passar. Isto é um
pecado e não uma bem-aventurança, pois coloca ao ser humano no mais alto do seu
egocentrismo, achando que é um pobre sofredor e que mereceria algo melhor. Há pessoas que
tem uma situação difícil e logo começam ficar mal-humoradas, andam mostrando para todos
que estão mal, se queixam, reclamam e acham que desta maneira são bem-aventuradas. Elas
estão tendo pena de si mesmo. Esta atitude é diferente ao que a Palavra nos manda quando
diz: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos” (Filipenses 4.4). A
autocomiseração coloca a pessoa em uma situação de vítima das circunstâncias e a leva a ser
murmuradora contra Deus, mesmo que muitas vezes sem percebê-lo e fazendo-o de maneira
indireta. Também, a autocomiseração faz com que pequemos por sermos desagradável com
outras pessoas. É o típico caso de alguém zangado que não fala com ninguém, embora as
pessoas que estão na sua volta não tenham nada a ver com a sua situação. Ele pensa: “os
outros tem que me aguentar assim, pois sou eu quem está sofrendo, eles tem que entender,
se apiedar de mim e me suportar dessa maneira, pois eles estão bem, sou eu quem está
sofrendo”. Percebem o egoísmo que há por trás disso? Esta atitude é um pecado diante do
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Outro erro é achar que esta bem-aventurança se trata de uma vida cristã triste, mórbida, que
manifesta uma piedade fingida. Esta bem-aventurança não significa que devemos viver como
miseráveis e quase de uma maneira indigna em relação aos bens materiais. Também não
significa que devemos nos carregar com penitências nem com ações pesadas de serem levadas
a cabo para manifestar a minha piedade. Neste tipo de erro há certa noção de “fazer algo”
mais do que “ser alguém”. As pessoas que entendem desta forma esta bem-aventurança,
buscam “criar” coisas que as oprimam para serem consideradas dignas do reino de Deus. Eis
aqui mais uma manifestação humana da busca da salvação por obras e não pela fé.
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“Estudos no Sermão do Monte” D.Martyn Lloyd Jones, Editora Fiel.
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precisa manifestar-se antes que haja real alegria na salvação”. As pessoas precisam ser
convencidas do pecado e sofrer por ele para poder se arrepender e buscar refúgio nos braços
de Cristo.
Este tipo de lamento, de choro e arrependimento não é aquele que qualquer pessoa do
mundo tem quando faz algo errado e tem o que dizemos de “peso de consciência”, mas trata-
se de um arrependimento salvador, pois está focalizado na grandeza de Deus diante do nosso
pecado. Um exemplo que temos na Bíblia de um arrependimento que não foi salvador foi o de
Saul, que depois de ter pecado e ter sido repreendido por Samuel ele reconheceu sua falta,
mas a não se humilhou diante de Deus. Ele ficou muito mais preocupado com a sua reputação.
Por outro lado, Davi sim apresentava o tipo de lamento e arrependimento da bem-
aventurança em análise, pois ele se lamentava da sua situação diante de Deus e clamava por
perdão. Trata-se aqui daquele arrependimento, lamento, que provem da consciência de
sermos pecadores e precisarmos de Cristo.
Mas o cristão retratado nas bem-aventuranças não é apenas alguém que se lamentou alguma
vez, mas o cristão segue chorando e se lamentando pelos seus pecados. À medida que
crescemos no conhecimento de Deus, a nossa consciência sobre nossas faltas e pecados
também cresce e, portanto, a nossa sensibilidade acerca das coisas que ofendem a Deus
também cresce. Um claro exemplo é aquele que temos na Bíblia sobre o grande apóstolo de
Deus: Paulo. Em Romanos 7 e 8 vemos a luta do apóstolo reconhecendo que ele lutava contra
seus próprios pecados e que se lamentava diante de Deus clamando: miserável homem que
sou! Essa consciência sobre nós mesmos é a que nos aproxima mais à graça do Senhor, é
somente assim que entendemos bem o que significa João 3.16 quando diz que de “tal maneira
amou Deus ao mundo”, de tal maneira Deus me ama que mesmo ainda tendo faltas e pecados
na minha carne o Senhor me perdoa, me purifica e me ajuda a crescer na fé e na conduta
cristã.
Este senso sobre nós mesmos e a lamentação ao respeito é diferente daquela atitude de
muitas igrejas de hoje que buscam mostrar para ganhar outras pessoas. Há pessoas nas igrejas
que acreditam que o crente tem que estar se esforçando para mostrar uma aparência de
vivacidade e jovialidade para que as pessoas do mundo vejam que há felicidade dentro da
Igreja. Mas isto não provém da alma. Claro que há alegria na Igreja, mas também tem que
reinar um senso de “lamento espiritual” que busca consolo constantemente nos braços de
Cristo. Nas épocas dos grandes avivamentos precisamente era isto o que havia. Havia um
grande senso do peso do pecado e de temor a Deus. Os homens eram sérios, levavam a
conduta a sério e choravam por si mesmos e pelas almas dos outros. Isto precede à alegria em
Cristo. A nossa alegria provem como um resultado desse lamento, ela tem que ser viva, ela
tem que ser um resultado de sentirmos o peso do nosso pecado e acharmos perdão em Cristo.
Isto é a verdadeira alegria.
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exemplos como o do Senhor Jesus chorando por Jerusalém (Lucas 13.34), pela dureza que o
povo teve para aceita-lo como Messias, ou podemos ver ao apóstolo Paulo se lamentando pelo
seu povo que não entendia a mensagem do evangelho (Romanos 10.1-3). Assim, todo
verdadeiro cristão também chora pela necessidade de Cristo que as pessoas têm. No reino de
Deus não há lugar para pessoas que dizem ser cristãs, mas se mostram indiferentes com as
suas famílias e amigos que não conhecem a Cristo. O povo de Deus é um povo que deve
clamar por misericórdia e graça para a salvação das almas, e deve estar preparado para ir à
busca dessas almas perdidas. Isto é o que significa o grande comissionamento que o Senhor
Jesus deu para seus discípulos em Mateus 28.19: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Não podemos ir se
antes não temos esse peso pelo pecado dos outros. Ora, esse “ide” começa no nosso lar, se
estende a nossa família, vizinhos, colegas de trabalho e somente depois vai até os confins da
terra. Os discípulos foram encomendados a começarem pela casa de Israel, pelos seus
patrícios, e depois sim para os gentios. Da mesma maneira, não podemos nos preocupar dos
de fora e esquecer as pessoas mais próximas de nós que precisam do Salvador. Devemos
chorar e clamar por elas!
Mas também há um choro e lamento pela situação de outras pessoas que sofrem sendo
cristãs. Diz a Palavra: “Em todo tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão” (Provérbios
17.17). O crente não é aquele que foge dos problemas das outras pessoas, mas se aproxima e
chora junto com elas sensibilizando-se pelos problemas que estas estão enfrentando. Ora esta
atitude é bem diferente a do mundo, principalmente em nosso século, onde se vê que a
sociedade tem medo dos compromissos. As pessoas fogem dos problemas dos outros. Todos
perguntam “como você está?”, mas são poucos os que realmente estão dispostos a escutar
uma resposta negativa. Isto se faz apenas para ser cortes e educado, uma mera formalidade
hipócrita. O mundo não quer se estressar com mais problemas, basta os próprios de cada um.
No egoísmo não há lugar para sofrer do lado de outros que sofrem, melhor é procurar
diversão, risos e festa onde se esquecem dos próprios problemas. Todavia, o crente é alguém
que além de sofrer pelos seus próprios pecados, além de sofrer pelos pecados dos outros e
interceder por eles, também sofre junto aos necessitados. Oh, como faríamos diferença se
todos os cristãos fossem dessa maneira! Como diminuiria o trabalho dos psicólogos e como as
pessoas encontrariam consolo na esperança do Senhor! Se os crentes fossem a chorar com os
que choram e trouxessem consolação e esperança para eles! Precisamos lembrar que esta
bem-aventurança também significa isto.
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meio das provações da vida e nas tentações contra o pecado. Paulo falou sobre a sua
esperança nos seguintes termos (2 Coríntios 4.16-18):
16 Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se
corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia.
17 Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória,
acima de toda comparação,
18 não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que
se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas.
O apóstolo Paulo estava relatando suas dificuldades e sofrimentos como servo de Deus, sendo
perseguido, maltratado, injuriado por causa de estar pregando o evangelho. Mas a sua
esperança estava na glorificação futura que ele receberia do Senhor. Aquele eterno peso de
glória, que ficará por sempre em todos nós se formos gratos ao Senhor. Precisamos lembrar
que a Palavra nos diz que para o Senhor é agradável quando sofremos por causa do Seu nome
(1 Pedro 2.20-21; 4.14) e por isso somos bem-aventurados se choramos por Ele. Mas vejam
que estou falando de sofrermos pelo nome dEle. Têm pessoas que, por exemplo, nos seus
trabalhos, no tempo em que elas deveriam estar trabalhando (porque são pagas para isso),
passam evangelizando e, portanto, são repreendidas por seus chefes e estes as proíbem fazer
isto. Que dirá uma pessoa assim? Estou sendo perseguido e sofrendo por Cristo? Claro que
não! Além dela estar sofrendo, também está dando um mal testemunho da vida cristã, pois
está roubando o tempo do seu trabalho para o qual foi contratada. Outro exemplo é o de
filhos crentes com pais incrédulos. Se eles querem ir à igreja e os pais o proíbem, mas eles vão
igual achando que assim estão honrando o nome de Cristo. É este um sofrimento legítimo?
Claro que não! Pois a Palavra manda aos filhos serem submissos a seus pais, somente assim
estarão dando um bom testemunho e sofrendo legitimamente por causa do Senhor.
Então quando é legítimo sofrer por Cristo e ser bem-aventurado? Eu diria que quando estamos
sendo obedientes à Palavra e, como consequência somente disso, é que sofremos. O caso dos
filhos que se submetem a seus pais incrédulos e sofrem por isso seria um bom exemplo. Ou o
caso de irmãos que são firmes na doutrina correta e por causa disso são desprezados em
lugares onde não se tolera toda a verdade de Deus seria outro bom exemplo. Precisamos de
muito discernimento para não cair na autocomiseração e não acharmos que estamos sendo os
pobres sofredores quando, na verdade, somos os responsáveis de estarmos sofrendo
equivocadamente. Que o Senhor nos ajude para não nos enganarmos e para sermos tidos
como justos sofredores por sua causa!
1) Vimos que essa lamentação que é mencionada nas bem-aventuranças não é algo
exterior, que provém do esforço para mostrar algum tipo de miséria e pobreza
externa, nem muito menos é um estado de depressão espiritual ou uma
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Finalmente, não podemos esquecer das promessas finais: “porque eles receberão
consolação”. Se chorarmos por todas essas coisas, sabemos que seremos consolados. Essa
deve ser a nossa alegria já hoje, nós nos alegramos hoje em sabermos que seremos
consolados amanhã! Que paradoxo, mas que verdadeira é a vida cristã! Para o mundo é
loucura, mas para nós é salvação! Não esqueçamos dessas maravilhosas promessas que
temos em Cristo Jesus, pois temos um grande galardão e uma herança na qual não haverá
mais lágrima nem pranto! Toda glória seja dada a Ele!