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MISSIONÁRIOS FERIDOS
Categoria: Missões / Liderança / Igreja
Copyright © 2009, Antonia Leonora van der Meer
Todos os direitos reservados
Primeira edição: Março de 2009
Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro
Preparação e revisão: Paula Mazzini Mendes
Colaboração: Délnia Bastos
Diagramação: B. J. Carvalho
Capa: Caio Campana
Ficha Catalográfica Preparada pela Seção de Catalogação
e Classificação da Biblioteca Central da UFV
Missionários feridos -como cuidar dos que servem /
Antonia Leonora van der Meer. -Viçosa, MG : Ultimato,
M495m
2009.
2009
I76p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7779-026-5
1. Igrejas protestantes -Missões. 2. Sofrimento Aspectos
religiosos -Igrejas protestantes. 3. Missionários Vida
religiosa. 4. Missionários -Aspectos sociais. L Titulo.
CDD. 22.ed. 266.4
PUBLICADO NO BRASIL COM AUTORIZAÇÃO E COM TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
EDITORA ULTIMATO LTDA
Caixa Postal 43
36570-000 Viçosa. MG
Telefone: 31 3611-8500
Fax: 313891-1557
www.ultimato.com.br
SUMÁRIO
Prefácio 7
Introdução 11

Parte um: Sofrimento e missão -modelos bíblicos


1.A vida de Jesus 15
2. O ensino de Jesus 25
3. A vida de Paulo 33
4. O ensino de Paulo 49
Parte dois: Contextos atuais de sofrimento
5. Guerra e violência 67
6. Problemas sociais 81
7. Perseguição 95
8. O preço 111
Parte três: Cuidado e apoio
9. Valores bíblicos 119
10. Como cuidar dos que servem 127
Apêndice -Ouvindo os próprios missionários 155
Notas 165
Bibliografia 169
PREFÁCIO

A missão é a fé em movimento. Movimento do Espírito Santo,


mas também movimento de homens e mulheres que se dedicam
integralmente à obra do Senhor.
A fé é missionária porque é baseada na vida de Jesus de Nazaré,
que desceu dos céus e, sendo Deus, viveu na terra como homem.
É inspirada na Palavra de Deus, anunciada, pregada, para
que todo aquele que crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Quando nos debruçamos sobre a história da Igreja verificamos
que, ao lado da Reforma e dos avivamentos, o movimento
missionário é uma das suas páginas mais inspiradoras
e desafiadoras.
No Brasil não poderia ser diferente. A consciência missionária,
desde o Congresso Missionário Ibero-Americano
(COMIBAM) em 1987, mobilizou o povo de Deus na obediência
ao mandato de Jesus de anunciar o evangelho a todas as
nações.
Muitos pastores foram despertados para missões, surgiram
várias agências e um grande número de missionários foi enviado
para as mais remotas áreas do Brasil e do exterior. Foram
8 MISSIONÁRIOS fERIDOS
muitas conferências, estratégias, treinamentos, levantamento
de recursos, relatórios, testemunhos e livros.
No entanto, nem sempre se considerou que o mais importante
em missões é a pessoa do missionário. Não se trata de
um herói, mas de um ser humano com suas carências, dores e
dificuldades. No afã de resultados, pouco se cuidou da pessoa
do missionário.
Deixar a família, a cultura, uma profissão para se entregar
a um outro povo, muitas vezes em situação de penúria, guerra,
doenças endémicas e perseguições, foi o contexto para o
amadurecimento de muitos. Para outros, no entanto, gerou
grande sofrimento, crise emocional e espiritual. Muita gente
foi enviada, mas pouco cuidada, com pouca retaguarda pastoral
e financeira.
Tonica escreve a partir de uma realidade que só quem vivenciou
sabe o que representa. Ela serviu como missionária
em Angola durante dez anos e, de volta ao Brasil, passou a se
preocupar com a saúde integral (espiritual, física e emocional)
do missionário. Desde 1996 trabalhando no Centro Evangélico
de Missões (CEM), ela tem direcionado sua pesquisa
acadêmica para o tema do cuidado pastoral de missionários,
além de se envolver ativamente em programas de restauração
de missionários. Por exemplo, ajudou a criar o Grupo de Cuidado
Missionário, ligado à Associação Brasileira de Missões
Transculturais.
Tenho o privilégio de conhecer Tonica desde 1973 e colaborar
com ela nos encontros anuais de restauração para
missionários no CEM. Ouvimos suas histórias, seus desafios,
suas dores, mas acima de tudo aprendemos com eles, com sua
dedicação, seu amor sacrificial, seu desprendimento, sua dependência
de Deus e sua obediência. Lições preciosas desses
que, certamente, representam aquilo que a igreja brasileira
tem de melhor. Eles são a resposta de Deus para aqueles que
PREFÁCIO
nunca ouviram o evangelho e que vivem em lugares remotos
e carentes.
Missionários Feridos revela uma realidade que nos desafia, e
o faz com sabedoria, integridade e compaixão. Dessa forma,
se junta a outras importantes iniciativas surgidas nos últimos
anos em favor dos missionários. Contribui para que eles tenham
uma retaguarda cada vez mais eficiente no apoio espiritual
e material quando do envio, e para que, ao voltar do campo,
em vez de apenas enfrentar uma agenda pesada e muitos
compromissos, possam ser cuidados, acolhidos, pastoreados, e
encontrar descanso, restauração e encorajamento.
Sim, porque, o mais importante em missões é a pessoa do
missionário.
Osmar Ludovico da Silva
INTRODUÇÃO

o crescimento do número de rrusstonanos brasileiros


transculturais é motivo de alegria. Nossas limitações financeiras
e nosso estilo de vida simples fazem com que nos encarnemos
mais rapidamente em comunidades carentes.
Em 1989 havia 880 missionários transculturais; em 2005,
esse número subiu para 3.195. O número de missionários atuando
na Janela 10/40 cresceu de 44 em 1989 para 640 em
2005.
Há missionários brasileiros servindo em países como Angola,
Moçambique e Guiné-Bissau -lugares assolados por
guerras e desastres naturais, e que enfrentam situações de extrema
pobreza. Recentemente, a igreja brasileira respondeu ao
clamor do povo do Timor Leste, país que sofreu muito por
causa da guerra e da destruição.
Vários missionários transculturais brasileiros servem em
campos onde há muitas dificuldades e sofrimento, mas pouco
cuidado pastoral ou apoio prático. Ainda hoje, alguns são
12 MISSIONÁRIOS FERIDOS
abandonados por suas igrejas e retornam ao Brasil, arrasados,
sem esperança e em crise de fé. Isso mostra que ainda temos
muito que aprender sobre como melhor apoiar e cuidar dos
missionários.
Como esses missionários podem exercer seu ministério
em contextos tão difíceis, enfrentando tantas necessidades?
Os brasileiros geralmente vêm de famílias com muita interação
e cuidado mútuo. Por isso, é muito difícil para eles suportar
a solidão. A maioria dos missionários que sofre com
depressão, por exemplo, enfrenta incompreensão e trava uma
batalha árdua e solitária para superar a dor.
Este livro tem como objetivo ajudar as igrejas e agências
brasileiras a compreender melhor os contextos de sofrimento
em que seus missionários atuam e motivá-las a oferecer mais
cuidado e apoio adequados a fim de reduzir as taxas de retorno
prematuro do campo.
A primeira parte aborda o sofrimento na vida de Jesus e
de Paulo, e a forma como eles prepararam seus discípulos e as
igrejas jovens para enfrentarem o sofrimento. A segunda descreve
alguns contextos atuais de sofrimento em que os missionários
e suas famílias estão inseridos. A terceira apresenta sugestões
de como cuidar melhor dos missionários, tendo como
base os resultados de entrevistas feitas com missionários que
servem em locais onde há muito sofrimento e com líderes de
agências missionárias e igrejas que enviam obreiros para esses
campos. E o apêndíce mostra o resultado da pesquisa entre os
próprios missionários.
Que as páginas a seguir nos ajudem a compreender o sofrimento
que os missionários enfrentam e a perceber como ele está
relacionado à missão cristã. Que outros se animem a responder
aos desafios existentes, para que Cristo se torne conhecido e
mais pessoas possam ter sua esperança de vida renovada.
Parte 1

Sofrimento e missão -modelos bíblicos


Antes de nos atentarmos para o que os escritores
contemporâneos têm a dizer sobre dor e sofrimento,
precisamos observar as Escrituras. Esta primeira parte
aborda especificamente os aspectos do sofrimento na
vida de Jesus e de Paulo, a forma como eles reagiram e o
que ensinaram a seus discípulos sobre esse tema. Mostra
o que podemos aprender com eles e como podemos ser
desafiados em relação ao nosso próprio testemunho e
ministério missionário.
capítulo um

A VIDA DE JESUS
-----.....o~----

As PERGUNTAS RELACIONADAS AO SOFRIMENTO NA VIDA e no


ministério dos cristãos hoje precisam estar conectadas à
compreensão bíblica do sofrimento de Cristo, que sofreu
pelos seres humanos e por sua criação a fim de restaurá-los da
corrupção para a glória de Deus. Aceitamos com gratidão esse
sofrimento. Ninguém é chamado a sofrer da mesma maneira
-este foi o preço que somente ele poderia pagar: a culpa
de nossos pecados para a redenção completa. Mas Jesus nos
chama a negarmos a nós mesmos, a seguirmos o seu caminho
para a cruz, a sermos objetos do ódio do mundo e a sofrer; não
para pagar pelos nossos pecados, mas para testemunhar sobre
a nova realidade do seu reino.
Esse testemunho provoca reação daqueles que estão nas trevas,
que pertencem ao sistema vigente desse mundo, rebelde
à vontade de Deus. Sofreremos por sermos seus seguidores.
O próprio Jesus sofreu quando aceitou nossa natureza, enfrentou
nossas tentações, viveu nossa tristeza e dor, levou sobre si
nossos pecados e morreu nossa morte. Sua identificação total
em amor significou sofrimento.
Jesus veio para servir, para amar e dar a si mesmo. Mas
isso não é motivo de lamento, pois esta era a única maneira
16 MISSIONÁRIOS FERIDOS
pela qual a humanidade e a criação poderiam ser restauradas.
Jesus assumiu as limitações e fraquezas de um ser humano: se
tornou dependente de seus pais, vulnerável a ameaças violentas,
a sede e fome, ao cansaço e exaustão e a relacionamentos
difíceis. Por exemplo, Jesus teve de fugir para o Egito com seus
pais quando ainda era pequeno, vivendo como refugiado em
terra estrangeira.
o Messias que restaura os pobres
Maria compreendeu a vinda do Messias como Deus agindo
contra o orgulho dos poderosos e dos ricos e se colocando ao
lado dos humildes e famintos; uma identificação clara com
os pobres e insignificantes deste mundo. Deus inverte os conceitos
humanos de grandeza e insignificância ao destituir os
opressores, os orgulhosos e os ricos de seu poder e autossuficiência
e exaltar o pobre, o humilde e o faminto, ou seja, todos
os que se reconhecem necessitados. Em outras palavras, Deus
vira de ponta-cabeça as estruturas sociais (Lc 1.51-53).
Apesar de impressionados com seu ensino, os ouvintes de
Jesus não queriam aceitar suas afirmações ou reconhecer seu
ministério. Em sua leitura e aplicação da profecia de Isaías
61.1-2, Jesus enfatizou: boas novas para os pobres, incapacitados
de resolver seus problemas por falta de recursos; liberdade
para os cativos, que não podiam ir aonde quisessem ou precisassem
ir; libertação para os oprimidos, quaisquer que fossem
as causas de sua opressão que os destituíssem de sua dignidade
e valor; e o ano do favor do Senhor, o jubileu, com a devolução
das propriedades aos seus donos por direito (Lv 25.10).
A tentação no deserto
As palavras de Deus no batismo de Jesus -"Tu és o meu Filho
amado, em ti me agrado" -unem os temas de entronização
A VIDA DE JESUS 17
(SI 2) e servo sofredor (Is 42). Depois de ter sido batizado por
João, Jesus foi levado para o deserto pelo Espírito, onde jejuou
durante quarenta dias e foi tentado pelo diabo três vezes
(Mt 4.1-11; Mc 1.12-13; Lc 4.1-13).
1. "Manda esta pedra transformar-se em pão" (Lc 4.3), ou
seja: Alimente as multidões e você será rei. A tentação
era a de não se submeter às limitações da existência humana.
Seria um ato de insubordinação e falta de fé. Jesus
decidiu esperar a provisão do Pai, ele aceitou viver dentro
das limitações dos seres humanos. "Nem só de pão
viverá o homem, mas de toda palavra que procede da
boca de Deus" (Mt 4.4).
2. "Se me adorares, tudo será teu" (Lc 4.6). Jesus discerniu
o caráter ídolátrico da fome de poder político. Era a tentação
de fundar o reino messiânico, em aliança com os
poderes das trevas. Muitos sucumbem à tentação de atingir
seus objetivos por meio da violência e manipulação,
em vez do amor autossacrificial.
3. "Joga-te daqui para baixo..." (Lc 4.9). Essa tentação estava
relacionada à afirmação do reinado divino; ele foi
desafiado a não confiar em Deus, e sim tentá-lo, para
ver se ele manteria as suas promessas. Foi a tentação de
evitar o caminho mais difícil, de dar uma demonstração
de poder. Mas Jesus escolheu o caminho do sofrimento
e da morte, e não o da aclamação popular.
A tentação é parte do sofrimento humano. Temos um inimigo
que está presente quando nos sentimos fracos e desanimados,
e que nos oferece uma saída fácil; ou quando recebemos
elogios e reconhecimento, ele nos estimula a nos sentirmos autossuficientes.
Isso leva os cristãos em missão a erros sérios ou
ao pecado, luta, pressão e sofrimento.
18 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Previsão de sua morte
Jesus sabia que precisava sofrer para cumprir as Escrituras, e
repetidas vezes mostrou saber que sofreria uma morte violenta
e prematura; também sabia que sua morte tinha um propósito
(]o 12.27; 13.1).
Nos Evangelhos Sinópticos
O sofrimento de Jesus é anunciado várias vezes nos Evangelhos
Segundo Marcos (8.31; 9.12, 31; 10.32-34) e Mateus
(l6.21; 17.22-23; 20.17-19). Depois da confissão de Pedro,
Jesus começou a falar a seus discípulos que ele iria sofrer, seria
rejeitado, morto, e ressuscitaria três dias depois. Ele seria entregue
aos gentios, que iriam zombar dele, cuspir nele, açoitálo
e crucificá-lo.
O texto de Lucas 5.35 sugere morte violenta, e Lucas 9.21-22
ensina que seu sofrimento não era acidental, e sim um imperativo
divino. A cruz era parte da vocação de Jesus, a alternativa
política para o quietismo e a insurreição.
Em Lucas 9.51 e 12.50, Jesus está decidido a ir a Jerusalém
e não tenta escapar do sofrimento: "Mas tenho que passar por
um batismo, e como estou angustiado até que ele se realize".
Jesus estava consciente de que iria passar por uma grande provação
(cf, Lc 13.32-33; 17.25; 18.31-34).
No Evangelho Segundo João
Há sete referências para a "hora" em que ele iria deixar este
mundo e voltar para o Pai. Essa hora estava no controle do
Pai; apesar de os judeus terem tentado, sem sucesso, colocar
as mãos nele, só o conseguiram quando era chegada a sua hora
(]o 7.25-44). A glória de Jesus seria vista em sua limitação como
ser humano e na auto-humilhação de sua encarnação (]o 1.14).
Ele se referiu à sua morte como um evento pelo qual ele e seu
Pai seriam glorificados. O Pai e o Filho revelaram seu amor
A VIDA DE JESUS 19
sacrificial na cruz. Apenas depois de crucificá-lo, os homens
conseguiriam compreender quem era Jesus. João usa a expressão
"ser levantado" ao fazer referência à cruz, porque sua maior
glória consistia em aceitar a vergonha e humilhação da cruz
00 8.28; 13.31-33). Jesus glorificou o Pai ao fazer a sua vontade;
ao aceitar a cruz, ele se tornaria uma bênção para muitos
00 16.16-22; 17.1-5). Jesus explicou a Nicodemos que ele precisava
ser levantado a fim de oferecer vida eterna. Assim como
a serpente de bronze foi um sinal da graça perdoadora de
Deus, Jesus seria levantado para oferecer perdão e cura eternos
003.14-15). Depois de Jesus ter sido levantado da terra (indicação
do tipo de morte que ele sofreu), "todos os homens", e não
apenas os judeus, foram atraídos a ele 00 12.23-32).
Ao expulsar os vendedores do templo, uma ação que provocou
reações fortes e questionamentos quanto à sua autoridade,
Jesus respondeu: "Destruam este templo, e eu o levantarei
em três dias". Jesus afirmou que a maneira ritual usada pelos
judeus para se aproximarem de Deus não era mais válida e que
ele abriria um novo caminho de acesso a Deus 00 2.19-22).
Jesus refere-se a si mesmo como o pão da vida, ensinando
a seus ouvintes que eles precisavam comer sua carne e beber o
seu sangue. Oferecer sua carne significa sua morte voluntária,
para que o mundo tivesse vida 006.48-57). A primeira preocupação
do pastor é com a ovelha, não com sua própria vida.
O bom pastor foi morto porque se ofereceu como sacrifício
voluntário 00 10.11-18).
No contexto da visita de alguns gregos que queriam vê-lo,
Jesus fala sobre o grão de trigo que precisa morrer a fim de
produzir vida 00 12.24). Esses gregos foram os primeiros de
muitos que viriam de todas as partes do mundo para receber
nova vida. Mas antes, Jesus tinha de morrer. No mundo natural
e espiritual, a vida vem através da morte. A morte não é
uma tragédia, e sim um triunfo.
20 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Luta no Getsêmani
Jesus começou a se sentir "aflito e angustiado" (Mc 14.33).
Jesus orou: "Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice;
contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres"
(Mt 26.39). "Estando angustiado, ele orou ainda mais intensamente;
e o seu suor era como gotas de sangue que caíam no
chão" (Lc 22.44). Em sua segunda oração ele pediu: "Meu Pai,
se não for possível afastar de mim este cálice sem que eu o beba,
faça-sea tua vontade" (Mt 26.42), e um anjo veio fortalecê-lo. Era
o cálice da agonia das trevas espirituais, de se tornar o pecado do
mundo e enfrentar o juízo divino pelos nossos pecados. Jesus
decidiu beber o cálice que o Pai havia lhe dado. No Getsêmani,
foi travada a batalha mais importante do universo. Se ele falhasse
tudo estaria perdido; em seu triunfo, foi garantida a vitória.
Julgado por Pilatos
Nas províncias romanas, a pena capital era uma prerrogativa
do governo, mas Roma abriu uma exceção, que permitiu que
os judeus punissem aqueles que violassem seu templo. Se Jesus
fosse morto pelos judeus teria sido por apedrejamento. Mas
Ele foi "levantado" -uma expressão que se refere à morte
numa cruz 00 18.28-40; 19.1-16).
A discussão entre Pilatos e Jesus sobre a natureza da verdade
é relevante. Jesus define o reino em termos de verdade,
que está próxima à ideia de realidade, de um relacionamento
genuíno com Deus, e de verdade e justiça nos relacionamentos
interpessoais. Pilatos ficou impressionado com o silêncio de
Jesus e viu que não tinha base para acusá-lo de algum crime.
Ordenou que ele fosse açoitado (um açoite era um chicote de
tiras de couro com pedaços de osso ou chumbo em suas extremidades).
Por causa da pressão da multidão, Pilatos libertou
Barrabás e entregou Jesus para ser crucificado. Judas entregou
A V1DA DE JESUS 21
Jesus aos judeus (motivado pela cobiça); eles o entregaram a
Pilatos (por inveja); e Pilatos entregou-o aos judeus (por covardia).
Porém, na esfera divina, o Pai o entregou, ofertou-o,
e Jesus se entregou para morrer por nós. Jesus experimentou
sofrimento físico, relacional e emocional, ao levar sobre
si a condenação que merecíamos para que fôssemos libertos
(Mt 27.11-26; Mc 15.1-20; Lc 23.3-25).
Crucificado e morto
Jesus foi preso pelos sacerdotes e executado por Roma como
se fosse um líder popular extremamente perigoso. Simão foi
forçado a carregar a sua cruz e as mulheres de Jerusalém choraram
por ele. Jesus respondeu: "Filhas de Jerusalém, não chorem
por mim; chorem por vocês mesmas e por seus filhos"
(Lc 23.28). Suas palavras expressam compaixão, e não condenação.
Eles o crucificaram, dividiram suas roupas lançando
sortes. A acusação escrita em latim, grego e hebraico era:
"Este é Jesus, o Rei dos Judeus" (Mt 27.37), mostrando que
ele era considerado uma ameaça para o Império Romano
(Mt 27.32-44; Mc 15.21-32; Lc 23.26-43; Jo 19.16-30).
Jesus orou: "Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem"
(Lc 23.34). Ele orou por seus inimigos e teve compaixão deles
(Lc 6.27-35). Lucas 23.42-43 registra o arrependimento do
ladrão que orou: "Lembre-se de mim quando entrares no teu
reino" e a resposta de Jesus: "Hoje mesmo estarás comigo no
paraíso". Outros o insultaram: "Salvou os outros, mas não é
capaz de salvar a si mesmo [...] Desça agora da cruz L..]Que
Deus o salve agora, se dele tem compaixão, pois disse: 'Sou o
Filho de Deus!'" (Mt 27.39-43). Na realidade, Jesus não poderia
salvar os outros e também salvar a si mesmo.
Da hora sexta à hora nona, o céu ficou escuro. Não foi um
eclipse solar, pois era dia de lua cheia. Na hora nona Jesus
22 MISSIONÁRIOS FERIDOS
exclamou: "Eloi, Eloi, lama sabachtani" (Mt 27.46), expressão
do profundo horror que lhe causava a separação de seu Pai.
A escuridão foi um símbolo das trevas espirituais, da exclusão
absoluta da luz da presença de Deus. Jesus estava sozinho
e abandonado por Deus. Foi uma verdadeira separação entre
o Pai e o Filho, uma ação voluntária de ambas as partes.
A exclamação de Jesus expressa a dor de ter sido abandonado
pelo Pai. Jesus foi abandonado para que nós nunca sejamos
abandonados (Hb 13.5).
Jesus bradou em alta voz: "Está consumado" ao 19.30),
expressando sua resposta à vontade do Pai e anunciando que
a redenção do mundo estava completa. Ele assumiu, de livre
vontade, o julgamento pelos nossos pecados, movido pelo seu
amor por nós. Ao final, ele disse: "Pai, nas tuas mãos entrego o
meu espírito" (Lc 23.46). A cortina do templo se rasgou de alto
a baixo. A barreira do pecado que separava o homem de Deus
foi derrubada, foi aberto um novo caminho de acesso a Deus.
o significado do sofrimento de Jesus
O Cristo crucificado é o Cristo do pobre, aquele que tomou
a forma de servo para estar com eles e amá-los. O chamado
para seguir a Jesus está associado ao seu sofrimento e, portanto,
segui-lo significa negar a si mesmo, tomar a sua cruz
e compartilhar do seu sofrimento. O teólogo alemão Jürgen
Moltmann afirma que "O sofrimento do amor não tem medo
do que é doente e feio, mas o aceita [...) a fim de curá-lo". 1
Jesus sofreu e foi rejeitado. Alguém pode sofrer e ser admirado,
mas a rejeição elimina a dignidade do sofrimento. A cruz
fala sobre morrer como um pária. Ser crucificado com Cristo
significa perseverar apesar de não receber nenhum apoio.
Jesus morreu por nossos pecados, recebeu a penalidade que
nós merecíamos. A cruz ensina que nossos pecados são tão
A VIDA DE JESUS 23
sérios, que a única saída foi Deus levá-los sobre si, em Cristo,
a fim de oferecer-nos perdão. É preciso compreender a gravidade
do pecado e a santidade de Deus. A cruz é a expressão da
misericórdia e da justiça divinas, o lugar onde, em santo amor,
Jesus pagou por nossos pecados.
O pano de fundo principal da cruz não é apenas nosso pecado,
é também a reação justa de um Deus santo contra essas
coisas. Assim como a graça de Deus está relacionada à sua atividade
pessoal graciosa, a ira se refere à sua hostilidade pessoal
contra o pecado. Mas isso não diminui seu amor pelo pecador.
Precisamos compreender a santidade de Deus e a nossa pecaminosidade,
para compreender a necessidade e a glória da cruz.
Por causa do grande amor de Deus por nós, Cristo veio
para nos salvar (Lc 1.78; Tt 2.11). Deus não desejava agir em
amor à custa de sua santidade, ou em santidade à custa de
seu amor. Ele satisfez seu amor santo ao morrer nossa morte
e suportar nosso julgamento. Nosso substituto não foi apenas
Cristo, nem apenas Deus, mas Deus em Cristo. Ao entregar
seu Filho, Deus entregou a si mesmo. O amor divino triunfou
sobre a ira divina por meio do autossacrifício. Amor é Jesus
dar sua vida por nós; amor é Deus enviar seu Filho para morrer
por nós.
Resumindo, Deus deu seu Filho e Jesus deu sua vida para
nos libertar como pessoas e como sociedade, criando uma
nova comunidade, que deve aprender a viver de acordo com
seu exemplo e ensino. Ele sabia que o custo seria alto, mas
estava disposto a pagar o preço e se tornar o servo sofredor de
Deus. A vida de Jesus foi marcada pelo sofrimento e rejeição.
Isso não fez dele um objeto de pena, pois ele sempre esteve no
controle e se deu de forma consciente e voluntária por causa
de seu grande amor por nós. Para nos libertar, Jesus teve de
enfrentar nossas algemas e opressão, nossos pecados pessoais
e também as estruturas sociais opressoras. Ele confrontou o
24 MISSIONÁRIOS FERIDOS
pecado de maneira firme e os pecadores com paciência. Trouxe
nova vida por meio de sua morte e sofrimento e preparou o caminho
para que pudéssemos seguir seus passos, se quisermos
também ser instrumentos da graça restauradora de Deus.
capítulo dois

o ENSINO DE JESUS
-----.......c:o~----

DURANTE SUA VIDA, JESUS ENSINOU SEUS DISCÍPULOS através de


suas atitudes em relação ao sofrimento. Nunca buscou seu
próprio conforto, estava sempre disposto a pagar o preço necessário
para que sua missão fosse cumprida, buscava agradar
a Deus em todas as coisas e abençoar e restaurar os seres humanos
caidos. Além de viver com transparência diante de seus
discípulos, Jesus falou com eles e usou suas próprias experiências
para ensiná-los e prepará-los para enfrentar o sofrimento.
o Sermão do Monte
Bênçãos são prometidas aos discípulos que deixam tudo para
seguir a Jesus, que por causa do seu chamado estão prontos a
negar a si mesmos (Mt 5.3-12; Lc6.20-23).
"Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o
Reino dos céus" (Mt 5.3). Os pobres são os que dependem
humildemente de Deus (SI 34.6), que por meio da convicção
dada pelo Espírito Santo reconhecem que não podem salvar a
si mesmos. Também são os literalmente pobres como mostra o
texto de Lucas 6.20-28. Eles buscam a ajuda de Deus, sabendo
que não a merecem.
26 MISSIONÁRIOS FERIDOS
"Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados"
(Mt 5.4). Essa tristeza se refere ao arrependimento, reconhecimento
de sua incapacidade moral e contrição humilde. São os
que choram pela situação de violência, degradação moral e opressão
presentes no mundo. Lutero fala que carregam, em nome de
Cristo, o sofrimento que encontram em seu caminho.
"Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra
por herança" (Mt 5.5). Os humildes são gentis com os outros,
renunciam a seus próprios direitos e enfrentam a violência
com paciência. Valores mundanos, por outro lado, ensinam
que os que lutam receberão a herança e os humildes serão
desprezados.
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois
serão satisfeitos" (Mt 5.6). Essa fome está relacionada a um
padrão de vida de acordo com a vontade de Deus e sempre
inclui justiça social-buscar de maneira ativa a liberdade para
aqueles que são oprimidos. Os discípulos cristãos têm fome
de serem completamente renovados e anseiam pela renovação
completa da terra, levando sobre si a angústia pelos pecados
dos outros, com um amor irresistível pelos desprezados.
"Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia"
(Mt 5.7). A palavra é EÀ.Elll1.OvEç (eíeérnones) e significa
misericórdia, compaixão pelo miserável e aflito; uma palavra
que está relacionada à dor, desespero e pobreza. Nossa misericórdia
é fruto da misericórdia que recebemos de Deus.
"Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus"
(Mt 5.S). Refere-se àqueles que são sinceros, que têm um relacionamento
transparente com Deus e com os outros e que buscam
purificação contínua na fonte de todo perdão. Essas qualidades
são indispensáveis para termos comunhão com Deus.
"Bem-aventurados os' pacificadores, pois serão chamados
filhos de Deus" (Mt 5.9). Ao promovermos reconciliação, sofreremos
reações. Jesus fala que poderá haver conflitos na casa
o ENSINO DE JESUS 27
daqueles que o seguem (Mt 10.37); porém, não devemos nunca
promover conflitos, pois Deus é o autor da paz e reconciliação.
Os pacificadores serão chamados "filhos de Deus", porque eles
seguem seu propósito, renunciando à violência e suportando
o sofrimento ao invés de infringi-lo a outros. Eles sofrem ao
enfrentar o ódio e o erro e vencem o mal com o bem.
"Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa, os
insultarem, os perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia
contra vocês" (Mt 5.10-12). Aqueles que buscam a justiça e seguem
a Cristo podem ser rejeitados e perseguidos como fruto
do conflito entre sistemas que têm valores contraditórios.
A reação cristã não é a autopiedade ou a raiva, mas o regozijo.
o preço do discipulado
Jesus explicou que seus seguidores não teriam segurança, que
o compromisso com o Reino é mais sério que outros compromissos
humanos, e que tal compromisso causaria problemas e
conflitos. Jesus escolheu seguir o caminho da cruz, e seus discípulos
precisavam estar prontos para segui-lo. Ser discípulo é
dar prioridade e compromisso absolutos a Cristo. Qualquer
um que não esteja disposto a carregar a sua cruz não pode ser
discípulo de Jesus. Por isso, a cruz é a característica que define
o estilo de vida do discípulo, chamado para sofrer a hostilidade
do mundo, com Cristo, por causa do reino (Lc 9.57-62;
14.25-35; Mt 8.18-22; 10.34-39).
Ser discípulo de Jesus significa colocar os interesses particulares
de lado e aceitar o sacrifício e o sofrimento que precisam
ser enfrentados por estar a seu serviço. Isso se aplica a todos
os discípulos, pois sem autonegação, sem tomar a cruz e seguir
a Jesus não há discipulado. Isso também significa não negá-lo
em situações de perseguição, mesmo quando a punição é a
morte; pois quem se envergonha de Cristo vai descobrir que o
28 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Filho do Homem se envergonhará dele quando vier em glória.
Carregar a cruz é a única maneira de triunfar sobre o sofrimento.
Jesus estava preparando seus discípulos para uma missão
global, para a edificação de sua igreja entre as nações. Ele
sabia que o reino do mal declararia guerra contra a sua igreja,
por isso ele ensinou seus discípulos como encarar a violência
que seria desencadeada contra eles (Mt 16.18, 24-26; 17.12;
23.33-36; Mc 6.4; 8.34-38; Lc 9.23-26).
o exemplo de Jesus
O lava-pés ao 13.1-17) foi a encenação de uma parábola.
Faz referência à cruz, e foi a maneira de Jesus mostrar um novo
modelo de liderança: Ele, Mestre e Senhor, lava os pés de seus
discípulos e deseja que eles sigam o seu exemplo. Enquanto os
discípulos discutiam sobre quem era o maior, Jesus explicou
que não deveriam ser como os poderosos deste mundo, mas
que o maior seria o menos importante e aquele que lidera seria
aquele que serve. Jesus ensinou que grandeza em seu reino
vem através de serviço, através de ajudar os outros a crescerem.
Em João 17.18 e 20.21 fica claro que nossa missão precisa
seguir seu modelo de encarnação (Mt 20.26-28; Mc 10.45;
Lc 22.24-26). Jesus sabia que o mundo queria matá-lo, e que
ele salvaria o mundo por meio da sua morte. Ele sabia que
seus discípulos enfrentariam a mesma resistência. Por isso,
grande parte de seu ensino foi sobre sofrimento e morte.
O pastor romeno Josef Ton diz que "A característica básica que
Deus quer desenvolver em seus filhos é a de servo, a capacidade
de perceber as necessidades e feridas dos outros e agir para
supri-las".'
A cruz do discípulo
O propósito da cruz de Jesus foi o perdão de nossos pecados; sua
cruz foi um evento único, que nunca será repetido. A salvação
o ENSINO DE IESUS 29
do mundo consiste no sofrimento de Cristo pelos pecados do
mundo e na proclamação de sua salvação para todas as nações.
Essa salvação não pode alcançar as nações sem o autossacrifício
de seus mensageiros. Por isso, levar nossa cruz significa que o
objetivo principal de nossa vida será testemunhar de Cristo para
os outros, fazendo discípulos e ensinando-os a obedecer a Cristo.
Isso pode custar nossa reputação, pode nos levar para o campo
missionário e pode até mesmo significar a morte. Quando
os discípulos de Jesus ouvem o chamado de Deus e obedecem,
pregando as boas novas para as nações, vivendo em humilde
obediência e demonstrando compaixão e amor pelas outras pessoas,
eles se sacrificam em prol da salvação do perdido.
A cruz de Cristo é o símbolo do serviço sacrificial, um
estímulo a uma perseverança paciente e o caminho para a
santidade madura. O lugar do sofrimento no serviço, e da
paixão na obra missionária é pouco ensinado hoje; o segredo
da efetividade missionária é a disposição para sofrer e morrer.
Hebreus 12 e João 15 nos levam a concluir que Deus usa
o sofrimento como um meio de graça, pois ele produz fé e
humildade purificadas e também traz benefícios para outras
pessoas, por meio da solidariedade e do serviço. Sofrimento
e serviço, paixão e missão fazem parte da experiência de Jesus
e de seus discípulos.
Cristo suportou suas provações por causa da "alegria que lhe
fora proposta" (Hb 12.2). Compartilhar seus sofrimentos é compartilhar
sua glória. É a esperança da glória que torna o sofrimento
suportáveL O propósito de Deus é nos apresentar puros,
e com grande alegria diante de sua gloriosa presença (jd 24).
A reação do mundo
O ódio do mundo contra os seguidores de Cristo é causado
exatamente por pertencerem ~
Cristo. Eles o odiaram porque
ele realizou as obras de seu Pai entre eles 00 15.18-25).
30 MISSIONÁRIOS FERIDOS
A palavra "mundo" se refere ao mundo sem Deus, organizado
em oposição a ele; por isso, um estilo de vida coerente com o
ensino de Jesus expõe a escuridão do "mundo" e gera ódio.
Aqueles que estão em Cristo serão inevitavelmente perseguidos
pelo mundo. A perseguição começará com rejeição, mas
poderá resultar em violência e martírio. Jesus disse que tal
oposição seria suportável, por que em meio às situações que
passamos, experimentamos comunhão com seu sofrimento e
isso confirma que pertencemos a ele (]o 16.1-4, 33). Isso não
significa que devemos desenvolver uma aceitação passiva da
perseguição, e sim uma compreensão de que isto aconteceria e
um compromisso de servir àqueles que estão sofrendo.
Jesus ensinou seus discípulos a não resistirem ao perverso,
mas estarem prontos a reagir com humildade e disposição
para servir. Jesus fala sobre reações pessoais e recomenda que
vençamos o mal com o bem, não apenas aceitando o mal feito
por outros, mas amando os que fazem o mal e trazendo-os para
Deus. Os discípulos podem se comportar assim porque são
filhos de um Pai que ama aqueles que o criticam e o odeiam
(Mt 5.38-48; Jo 3.16; Lc 6.27-36).
Jesus ensinou uma nova ética guiada pelo amor de Deus
(Mt 6.32-34). Ser um discípulo significa seguir a Jesus e
aprender dele. Também significa um paralelismo de caráter
e comportamento: perdoar como ele nos perdoou (Lc 11.4;
Mt 6.14; 18.32-35); amar incondicionalmente como Deus
amou (Lc 6.32-36; Mt 5.43-48) e como Cristo amou, entregando
a si mesmo (Jo 13.34; 15.12).
Jesus enviou seus discípulos como ovelhas entre lobos,
como pessoas vulneráveis que precisam ser astutas como as
serpentes e ao mesmo tempo ingênuas como as pombas. Não
é uma questão de revidar, ou de usar a violência contra violência,
mas uma disposição para o martírio se for necessário
(Lc 12.3-12; Mt 10.16-33),
o ENSINO DE IESUS 31
Ao ajudar seus discípulos a se prepararem para a perseguição
que sofreriam e ao ensinar como eles deveriam agir frente a essa
perseguição, Jesus mostrava estar preocupado em prepará-los
para participarem de sua missão.
Ele os conclamou a serem testemunhas audazes quando estivessem
à frente de líderes hostis (Mt 10.17-18).Em Lucas 21.13,
ele os ensinou a usar essas oportunidades para testemunhar.
Mesmo hoje em dia, cristãos que estiveram frente a frente
com autoridades hostis ficaram surpresos com a capacidade
que tiveram de falar e testemunhar. Durante a perseguição é
fácil perder o domínio próprio e fazer coisas tolas ou provocar
as autoridades. Sabedoria e inocência são necessárias quando
se está sob perseguição. Os discípulos serão odiados por suas
famílias e por todos os homens. Em tal situação, a resposta
não é a amargura, e sim o amor perseverante. Jamais devemos
negar a Cristo ficando escondidos. Resta-nos a pergunta:
De que julgamento temos mais medo, do julgamento dos homens
ou do julgamento de Deus? (Mt 10.34-39).
As promessas de Deus
Jesus ensinou que guerras, fome, terremotos, falsos cristos e
perseguições viriam, mas que "aquele que perseverar até o fim
será salvo" (Lc 21.5,37; Mt 24; Mc 13). A missão cristã suscita
perseguição e Jesus quer que seus discípulos continuem a pregar
o evangelho, permaneçam firmes na fé e não fiquem abalados
pela oposição. A grande preocupação e a repetida ordem
dada por Jesus é vigiar e orar, ser cuidadoso, estar alerta. Por
isso, ao enfrentarmos situações de crise e sofrimento crescente
no fim dos tempos, somos estimulados não a especular, mas a
desenvolver uma atitude de vigilância e prontidão.
Jesus prometeu recompensar os que estão prontos a sofrer
em seu serviço, aos que servem a Deus e aos menos importan
32 MISSIONÁRIOS FERIDOS
tes (Mt 5.12; 10.42; 16.25-27). A recompensa é cuidar das
propriedades do Mestre (Mt 24.47; Lc 12.44,19.17-19). Todos
os que se sacrificaram por causa de Jesus "receberão cem vezes
mais e herdarão a vida eterna" (Mt 19.29). Somos mordomas
de Deus, e a maneira como administramos as coisas terrenas
prova nossa fidelidade a Deus. A qualidade de nossa ação como
mordomas determinará se seremos dignos de receber posições
de autoridade no céu. O desejo do Pai é conceder todas as coisas
a seus filhos, mas eles precisam provar que são fiéis e capazes de
administrar sua herança.
Jesus não promete um caminho fácil, ou abundância imediata
de bênçãos materiais. Ele manda que seus discípulos o
sigam em serviço humilde, sofrimento e vitória final. Todos
precisam pensar sobre o quanto custa seguir a Jesus. Pertencer
a ele significa ser odiado pelo mundo; segui-lo significa
morrer a fim de produzir fruto e ganhar a vida eterna. Ele
também prometeu sua presença, força e sabedoria, necessárias
para cumprir a missão de pregar o evangelho a todas as nações
e discipulá-las.
capítulo três
A VIDA DE PAULO
-----.......o~----

PAULO É O PERSONAGEM MISSIONÁRIO MAIS INTRIGANTE e inspirador


da Bíblia. Ele estava disposto a pagar um alto preço por
uma vida de compromisso e obediência. Logo depois de sua
conversão, Paulo foi chamado para sofrer em nome de Jesus
e por causa do evangelho. Paulo aceitou esse grande desafio
e enfrentou muitas aflições e humilhações, aprendendo a se
tornar mais dependente de Deus. Ele também preparou seus
seguidores, ensinando-os sobre a necessidade de aceitar o sofrimento
como parte da vida cristã, da batalha entre o reino da
luz e o reino das trevas.
Para aprendermos sobre Paulo como modelo de compromisso
radical, estudaremos seus próprios escritos e também os relatórios
de Atos, escritos por Lucas, seu companheiro de viagem,
sobre os sofrimentos que ele enfrentou em seu ministério.
Sofrimento no ministério apostólico e missionário
Não foi Paulo quem decidiu seguir a Jesus. Foi Jesus que o chamou
(Ar 9.1-6, 15-16) e teve um encontro com ele na estrada
para Damasco. Saulo compreendeu que Jesus estava vivo e que
suas afirmações eram verdadeiras; que sua perseguição aos cris
34 MISSIONÁRIOS FERIDOS
tãos tinha sido, na verdade, perseguição ao próprio Cristo. Logo
após a sua conversão, compreendeu que tinha sido escolhido
para levar o nome de Jesus aos gentios e judeus, e que essa missão
envolveria muito sofrimento.
Paulo mostrou que uma teologia bíblica da glória está intrinsecamente
ligada a uma teologia da cruz. Deus revelou a
si mesmo em fraqueza em seu Filho, que foi humilhado e desprezado,
assim como seus servos serão. Paulo viu os apóstolos
como seguidores de Cristo, traçando o caminho da cruz. Por
causa de sua posição de liderança tornaram-se alvos da fúria do
inimigo. Mas os apóstolos enfrentaram o sofrimento, e glorificaram
a Deus por meio de suas ações e reações (lCo 4.9-13).
Paulo compreendeu que os apóstolos deveriam estar dispostos
a morrer como mártires, algo que não deveria ser visto como
um evento trágico, mas como uma comissão dada por Jesus.
Enquanto a maioria dos comentaristas evangélicos não
presta muita atenção às aplicações atuais desses textos bíblicos
sobre sofrimento, Josef Ton, líder que sofreu sob a ditadura
comunista na Rornênia, interpreta o ensino bíblico sobre sofrimento
e sobre o martírio como o chamado supremo para
os cristãos. Hoje o martírio está se tornando uma realidade
para muitos cristãos. Não podemos ignorar essa possibilidade
e suas implicações na interpretação desses textos. Tensão
e sofrimento fazem parte do corpo de Cristo. Alguns podem
experimentar uma prosperidade tranquila enquanto outros
sofrem muitas pressões.
Paulo não omitiu sua fraqueza ou sofrimento porque sabia
que Deus transforma seres humanos fracos em instrumentos
de sua graça. Em 2 Coríntios 4, ele escreveu sobre como tinha
sofrido pressões por causa do seu testemunho cristão. Com
frequência se sentia encurralado ou perplexo, não sabendo
qual direção tomar, mas nunca em desespero; apesar de odia

do e caçado por causa de seu ministério, ele não foi deixado


A VIDA DE PAULO 35
como presa para seus inimigos, mesmo nos momentos em que
parecia que iriam destruí-lo. É importante ressaltar que depois
de cada palavra referente a sofrimento, está a expressão "mas
não". O versículo 8, por exemplo, diz que somos "pressionados,
mas não desanimados; ficarmos perplexos, mas não desesperados".
Deus estava com Paulo e deu-lhe forças conforme
suas necessidades. Paulo estava falando sobre sua experiência,
sua vulnerabilidade, e o poder de Deus para transformar todas
as situações. Carregar a morte de Jesus se refere ao sofrimento
relacionado a seu ministério, porque para Paulo, o martírio
não estava restrito à hora da sua morte, mas era expresso em
sua experiência diária (2Co 4.7-12; 6.4-10; 11.23-30).
Sofrimento e morte não são meritórios em si mesmos.
O único motivo válido é "pelo nome de Jesus". É precisamente
por meio daqueles que são perseguidos e desprezados pelo
mundo que o Espírito Santo opera transformações em muitas
vidas. Morrer não é ser destruído, mas entrar em regozijo
eterno e receber a coroa da justiça (2Tm 4.6-8). Isso se aplica
a todos os cristãos que se entregam à missão, pois haverá
sofrimento por causa das reações do mundo e por causa de
mal-entendidos e insultos, mesmo por parte de amigos e familiares.
É precisamente quando sofrermos por Jesus e com Jesus
que experimentaremos sua vida de ressurreição.
Nem todo sofrimento é comunhão com os sofrimentos de
Cristo. Para estar nessa categoria, ele deve se relacionar com a
obediência ao chamado cristão. O sofrimento verdadeiro nesse
sentido é chamado sofrimento de acordo com a vontade de
Deus (lPe 4.19), em nome de Jesus Cristo (Fp 1.29), e pelo
evangelho (2Tm 1.8).
Em 2 Coríntios 6, Paulo mostrou que era muito cuidadoso
com seu estilo de vida, evitando ofensas e procurando recomendar
a si mesmo como servo de Deus. Ele respondeu a
acusações, declarando que seu comportamento era evidência
36 MISSIONÁRIOS FERIDOS
de ser um verdadeiro ministro de Deus. Os líderes da igreja de
Corínto apresentaram uma imagem de poder, enquanto Paulo
compartilhava experiências de fraqueza. Quando seguimos a
Jesus, é a fraqueza, e não o poder, que autentica um ministério
verdadeiramente cristão. Paulo rendeu o comando de sua
vida inteiramente a seu Senhor. Seu amor pelos coríntios era
incondicional.
A resposta de Paulo a novos líderes (2Co 11) faz menção
de sua fraqueza e seu sofrimento por causa de Cristo. Aqueles
superapóstolos não sabiam o significado de ter comunhão
com os sofrimentos de Cristo. Na realidade, Paulo poderia
ter dito: "Eu plantei mais igrejas, preguei o evangelho para
mais povos e escrevi mais livros". Mas sua intenção não era
exaltar a si mesmo, senão a graça de Deus, que era suficiente
para sustentá-lo em meio às aflições. O sofrimento fazia parte
de seu ministério. O livro de Atos faz referência a cinco de
suas prisões. Mas quando a epístola de 2 Coríntios foi escrita,
apenas uma das prisões registradas no livro de Atos tinha
ocorrido; logo, ele foi preso mais vezes. Ele menciona que por
cinco vezes recebeu dos judeus 39 açoites, e nenhuma dessas
ocasiões é mencionada no livro de Atos. Essas surras podem
matar.
Três vezes os gentios o golpearam com varas; entretanto,
o livro de Atos menciona apenas uma dessas ocasiões. Paulo
enfrentou muitos perigos e dificuldades em suas viagens e sofreu
três naufrágios (antes da ocasião mencionada em Atos).
Fica claro que o livro de Atos não é um catálogo completo das
experiências dolorosas e humilhantes de Paulo. Muitas vezes
ele ficou sem dormir. Em outras ocasiões passou fome e sofreu
com o frio intenso. Sua vida esteve constantemente em perigo
por causa da inimizade dos judeus, das turbas de gentios, de
ladrões e, infelizmente, por causa de falsos irmãos. Sua vida
parece uma tragédia.
A VIDA DE PAULO 37
Mais do que todas essas aflições, Paulo sentia o peso de seu
cuidado diário para com as igrejas. Ele conhecia a inimizade
selvagem de Satanás, que faria qualquer coisa para destruir
o traballso do evangelho. Estava profundamente preocupado
com o respeito ao nome de Deus, especialmente nas igrejas, e
tinha uma preocupação pastoral com cada um de seus filhos
em Cristo (2Co 11.26-28).
O ministério de Paulo, na realidade, era o ministério de
Jesus por meio dele (1Co 1.28-29). Cristo viveu em Paulo e
operou seus propósitos por meio dele. Isso significa que, quando
Paulo sofria, Cristo sofria por meio dele (1Co 1.24).
Paulo nunca buscou ou provocou o sofrimento de maneira
desnecessária e sem sabedoria. Ele usou seus direitos como
cidadão romano para evitar ser açoitado pelos romanos e ser
linchado pelos judeus (At 22.25-29; 23.16-24; 25.9-11), mas, se
fosse necessário, estava disposto a sofrer pelo evangelho para
cumprir seu chamado e não sentia vergonha, pois era uma
honra sofrer por Cristo. Sua fé era fundamentada numa pessoa,
e não num credo (2Tm 1.11-12; 3.12).
Em Filipenses 1.12-24 Paulo discute a possibilidade do
martírio. Ele estava preparado para isso, mas a decisão era de
Cristo e ele seria exaltado por meio de sua vida ou por meio
de sua morte. Para manifestar a Cristo, Paulo estava disposto
a enfrentar sofrimento diário e morte. Seu objetivo era fazer
Cristo conhecido por meio de seu próprio sofrimento, porque
viver para Jesus significa fazer tudo, não importa o quanto
custe, para proclamar o evangelho a outros.
Ameaça, perseguição, e tortura
A perseguição contra Paulo começou logo depois que ele passou
a proclamar o evangelho em Damasco. Em Icônio, por
causa da calúnia e difamação dos judeus, as pessoas da cidade
planejaram apedrejar Paulo e Silas, mas eles conseguiram
38 MISSIONÁRIOS FERIDOS
escapar. Em Listra, eles foram inicialmente saudados como
deuses; depois, instigados pela oposição de Icônio, uma turba
raivosa apedrejou Paulo quase até à morte. Em Filipos,
uma das consequências da pregação do evangelho foi atrapalhar
o lucro de alguns empresários corruptos. Os donos de
uma jovem escrava esconderam o verdadeiro motivo de sua
raiva e declararam que Paulo e Silas tinham introduzido costumes
ilegais para os cidadãos romanos. Era aceitável seguir
outra religião, desde que ela não transgredisse as leis romanas
(At 9.23-24; 14.5, 19; 16.16-39).
Não se tem certeza de que o apóstolo Paulo travou embate
com animais selvagens na arena (raramente um cidadão romano
sofreria tal destino), mas as palavras usadas por ele podem fazer
referência a ameaças severas a sua vida (lCo 15.32). Paulo perseverou
porque sabia que havia vida após a morte. Em 2 Corintios
1.8-10, ele fala sobre a grande pressão que sentia, além de sua
capacidade para suportar. Mas Deus o alcança nessas circunstâncias
e o leva a um relacionamento mais profundo com ele.
O Paulo que escreve para Timóteo é um homem velho,
preso, que sabe que terminou seu ministério, apesar de ainda
estar lutando com necessidades humanas reais (2Tm 4.9-21).
Ele foi abandonado pelos amigos (9-13) e ficou sem apoio em
sua primeira defesa (16-18), Enfrentou sua provação sozinho e
se sentiu terrivelmente abandonado pelas igrejas e pelas pessoas
a quem amava. Vários de seus companheiros mais próximos
o deixaram. A deserção de Demas foi dolorosa; ele não foi
acusado de apostasia, mas de não estar disposto a enfrentar a
possibilidade do sofrimento ao se associar a Paulo. Sem poder
contar com Lucas, Paulo está sozinho na prisão e pede três
coisas: pessoas para fazerem companhia a ele, uma capa para
mantê-lo aquecido e livros. Ele pede a Timóteo que venha
logo. Em toda essa situação, entretanto, a presença de Cristo é
muito real, dando forças a Paulo para proclamar o evangelho.
A VIDA DE PAULO 39
"O Senhor me resgatou [...] e me livrará de toda obra maligna"
não significa libertação da morte, mas de qualquer mal que
não seja parte da vontade de Deus.
Prisão
Em Atas 22.26-29, Paulo foi colocado debaixo da proteção
do tribunal militar de Cláudio Lísias, que o resgatou de um
linchamento e o salvou de um compló por porte dos judeus,
tratando-o com o respeito que um cidadão romano merecia.
Em Atas 23.35, ele foi detido no palácio construido por
Herodes, o Grande, em Cesaréa, que funcionava como centro
administrativo do procurador. Em Atas 28.30-31, Paulo estava
em regime de prisão domiciliar em Roma, mas com liberdade
para compartilhar o evangelho com todos que viessem a sua
casa, sem qualquer impedimento por parte das autoridades
(cf. At 24.23-27; 26.29,32).
Paulo queria que os filipenses compreendessem que suas
cadeias não eram uma desgraça ou vergonha, mas uma evidência
da graça (Fp 1.7, 12-14). Ele estava com algemas nos
pés -como um criminoso, um malfeitor. Essa mesma palavra
foi usada para aqueles que foram crucificados com Jesus.
Paulo estava disposto a suportar todas as coisas por causa do
evangelho. Ele enfrentou a prisão com coragem e animou seu
filho Timóteo a não ter vergonha dele, nem do evangelho
(2Tm 1.8). Paulo continuou a insistir que ele era prisioneiro
de Cristo, e não de Roma; que ele estava ali por causa de
Cristo e porque Deus tinha permitido que ele fosse preso.
Esse conhecimento deu sentido a seu sofrimento e forças para
suportá-lo (2Tm 2.9).
Exemplo
Depois de apresentar sua maneira de viver no serviço de Cristo,
Paulo teve a coragem e autoridade (lCo 4.16) para conclamar
40 MISSIONÁRIOS FERIDOS
seus filhos a imitá-lo, vivendo a vida cotidiana de acordo com a
fé e com os valores cristãos. No capítulo 11, ele repete a mesma
exortação, explicando-a: "Tornem-se meus imitadores, como
eu o sou de Cristo" (v. 1). Cristo é o maior modelo e Paulo
também, enquanto ele imitar a Cristo.
Paulo está agradecido porque os tessalonicenses imitaram
sua atitude em relação ao sofrimento, como parte de uma
experiência de discipulado genuíno (lTs 1.6). A atitude de
Paulo para com eles é gentil, terna e sacrificial como a de
uma mãe. Em vez de Paulo ser uma carga para eles, tinha
sido como um pai em seu exemplo, instrução e disposição
para dar a sua própria vida por eles. Deu-lhes um exemplo
saudável, continuou a encorajá-los e exortá-los, ensinandoos
com sua palavra e com sua vida e instando-os a seguirem
seu exemplo. Nunca usou seus direitos para receber apoio financeiro,
mas trabalhou duro a fim de servir como exemplo
(lTs 2.6-10; 2Tm 3.7-9).
Paulo disse que era autossuficiente, forte o bastante para
não precisar de ajuda (Fp 4.11-13). Mais forte que seu domínio
próprio era sua dependência do Senhor. Paulo sabia ser humilhado,
o que significa mais do que disposição para o sofrimento
ou para o martírio; reflete sua atitude de não ter nenhuma
preocupação com seu próprio conforto.
Paulo descreve a si mesmo como objeto da misericórdia e
paciência de Cristo. Tanto seu estilo de vida como seu ensino
se tornaram uma regra para Timóteo. Paulo não se preocupava
apenas com o que Timóteo fazia, mas também com suas atitudes
(com fé e amor em Cristo Jesus), pois ele o via como seu sucessor
e herdeiro. Aqueles que fogem do mundo ou se conformam
com ele não sofrem oposição, mas todos os que permanecem
fiéis sofrerão, assim como Jesus sofreu (2Tm 3.12-14), Timóteo
se lembraria de como Paulo foi apedrejado por uma turba hostil
em Listra e sabia que ele tinha de seguir seu exemplo e enfrentar
A VIDA DE PAULO 41
provações semelhantes. Paulo mostrou como o Senhor tinha
sido bom para com ele e o tinha libertado e Timóteo podia
esperar a mesma ajuda (2Tm 3.10-14).
Paulo dependia de Deus e estava constantemente preocupado
com a fé de seus filhos. Sua atitude é de submissão obediente
a Cristo. Paulo aceitou uma vida de aflições e pobreza a fim de
enriquecer a muitos, explicando que foi o amor de Cristo que o
constrangeu a viver assim (2Co 5.14-15). Ele considerava a vida
de Jesus o exemplo mais atraente que ele podia encontrar. Em
Filipenses 3.10, Paulo expressa seu alvo de ser parceiro com Cristo
em seu sofrimento e se alegra porque os filípenses tinham sido
parceiros com ele em seu sofrimento por causa do evangelho.
Reação ao sofrimento
Quando Paulo e Silas foram cruelmente surrados e tiveram
os pés presos no tronco, na prisão em Filipos, à meia-noite,
os prisioneiros e carcereiros ficaram surpresos ao ouvirem
hinos de louvor a Deus no lugar de gemidos ou maldições
(At 16.22-30). Em Atas 20.22-27 e 21.4-13, Paulo estava a caminho
de Jerusalém, esperando prisão e tribulação, mas disposto
a enfrentar todas as coisas conquanto pudesse completar sua
tarefa. Ele não estava preocupado com a proteção de sua própria
vida, pois o mesmo Espírito Santo que o tinha avisado
dos sofrimentos iminentes, continuou a confirmar que ele deveria
ir para Jerusalém.
Paulo expressou sua mais profunda humilhação no contexto
da experiência de sua mais alta exaltação. Quanto à
natureza exata do "espinho na carne", foi melhor Deus ter
decidido nos deixar na ignorância. Era algo muito doloroso
e humilhante. Podemos identificar o espinho com nossa mais
profunda humilhação e dor. O espinho de Paulo atrapalhava
sua vida e drenava suas energias. Mas foi permitido por Deus
42 MISSIONÁRIOS FERIDOS
e, para o bem de seu servo, ele negou seu pedido de extirpá-lo.
O objetivo era manter Paulo humilde e dependente de Deus, e
ensinar-lhe o segredo de que o poder de Deus se manifesta na
fraqueza (2Co 12.7). Paulo, assim como Jesus no Getsêmani,
implorou três vezes por libertação, e o que parecia ser vitória
de Satanás foi transformado em triunfo da graça divina. Deus
ouviu sua oração, mas deu uma resposta diferente e Paulo aceitou
essa resposta, não com resignação, mas com regozijo. Ele
acolheu a fraqueza como um canal para a manifestação do
poder de Cristo (2Co 12.S-lO).
As fraquezas em que Paulo se alegrava foram as que suportou
por causa de Cristo; ele nunca buscou o sofrimento para
receber mérito. Com Paulo, aprendemos a discernir a mão de
Deus em circunstâncias dolorosas, sabendo que ele permanece
no controle. A resposta às orações de Paulo foi a promessa de
graça mais abundante, para viver com esse espinho doloroso.
Como cristãos, podemos aprender a ser mais que vencedores
em circunstâncias dolorosas. Temos o direito de orar por libertação,
mas se o Senhor não responder como desejamos,
aprenderemos a desenvolver perseverança (2Co 12.9-10).
Paulo encorajou os cristãos, mostrando que apesar de sua
prisão, o evangelho era livre e estava alcançando mais pessoas.
A grande preocupação de Paulo era continuar a exaltar a
Cristo com toda a ousadia, na vida ou na morte. Ele sabia que
Deus estava no controle, e que ele iria sofrer apenas o que
Deus permitisse. Ele sabia também que receberia ajuda do Espírito,
provisão generosa e força para enfrentar as provações.
Conhecer a Cristo, servi-lo e sofrer por ele deu sentido à sua
vida. Apesar de preferir enfrentar logo o martírio, ele queria
permanecer fiel a seu chamado e servir às igrejas, e por isso
acreditava que o Senhor iria libertá-lo. A decisão não seria do
Império Romano, mas de Deus (Fp 1.12-24).
A VIDA DE PAULO 43
Paulo percebeu que apesar de ter sido conquistado pelo
Senhor, ele ainda não tinha atingido o objetivo de Deus para
sua vida. Por isso seguiu adiante, compreendendo que sofrimento
e morte é o caminho para a vida ressurreta com
Cristo.
Consideramos o sofrimento como algo maligno e fazemos
o possível para evitá-lo. Achamos que o sofrimento faz as pessoas
duvidarem da bondade de Deus. Paulo passou por muitas
situações de sofrimento. Mesmo assim, ele nos chama para
nos alegrarmos no sofrimento. Para Paulo, o sofrimento é evidência
de que Deus nos ama (Rm 5.3-5). Há qualidades do
caráter que só podem ser desenvolvidas por meio do sofrimento.
Por isso, Deus usa as provações para nos aperfeiçoar. Os
sofrimentos de Paulo também eram evidência de seu amor por
seu Senhor e pelas pessoas a quem estava servindo.
Sofrimento -oportunidade para testemunhar
Asreações surpreendentes de Paulo e Silas na prisão em Filipos
deram oportunidade para apresentar o evangelho ao carcereiro
e sua família. O carcereiro creu, se arrependeu e, mais tarde, os
tratou com cuidado e respeito (At 16.29-34).
Enquanto estava na prisão em Cesareia, Paulo teve oportunidade
de falar sobre o evangelho para o governador Félix e sua
esposa Drusila. Quando foi trazido à presença de Festo, Agripa
e Berenice, Paulo relatou de maneira clara a mudança radical
que tinha acontecido em sua própria vida e seu chamado para
proclamar o evangelho a fim de libertar as pessoas da escuridão
para a maravilhosa luz de Deus. Ele fez referências claras a
Cristo, seu sacrifício propiciatório, morte e ressurreição para
que todos pudessem se tornar cristãos (At 24.24-26; 26.11-29).
Quando levamos o evangelho de vida e luz para os que
estão espiritualmente cegos, eles se sentem incomodados e
44 MISSIONÁRIOS FERIDOS
podem até mesmo nos matar. Entretanto, quando os crentes
reagem à violência com amor, muitos irão crer. Seguir nosso
Mestre e morrer em favor de outros é uma honra suprema
(Fp 3.10).
Em 2 Coríntios 4, Paulo descreve como as pessoas que não
creem tiveram suas mentes cegadas pelo deus desta era e como
Deus pode capacitá-las a crer, fazendo com que ele mesmo brilhe
"em nossos corações, para iluminação do conhecimento
da glória de Deus na face de Cristo" (v. 6). Esse é o tesouro
que Paulo carrega em um frágil vaso de barro. Suas tribulações
e morrer diário são por causa de Jesus, a fim de que a graça de
Deus seja espalhada. Enquanto ele sofre pelo evangelho, a verdade
brilha, penetrando os olhos cegos dos que não creem.
A auto-humilhação de Paulo
Os coríntios esperavam que Paulo defendesse seus direitos
apostólicos. Mas Paulo decidiu ignorar seus direitos; assim,
podia celebrar sua liberdade em Cristo, pois considerava um
grande privilégio ser chamado para proclamar o evangelho.
Ele era livre de todos os homens, mas se submetia a Jesus e
procurava a melhor maneira de ganhar as pessoas para Cristo.
Ele se preocupava com a sensibilidade de seus ouvintes e estava
disposto a se submeter às regras judaicas para alcançar os judeus.
Ele também era livre para ignorar as obrigações religiosas,
a fim de alcançar pessoas que estavam fora do sistema religioso
vigente. Ele era forte, mas sensível às pessoas de consciência
mais fraca. Fez todas essas coisas "por causa do evangelho"
(lCo 9.19-23).
Filósofos gregos cobravam por seus serviços e recusar remuneração
os tornaria suspeitos. Paulo lembra aos coríntios que
ele se humilhou e se sustentou com trabalho braçal enquanto
lhes proclamava o evangelho porque se sentia em débito
A VIDA DE PAULO 45
com Cristo, aquele que se humilhou para ser nosso Salvador.
Se não podiam aceitar a humilhação de Paulo, como reagiam
a Jesus? Se Paulo estava errado, Jesus também estaria errado?
Como eles, que experimentaram o poder transformador do
evangelho pelo ministério de Paulo, poderiam questionar a veracidade
de sua missão apostólica? Ele recebeu apoio de outras
igrejas e passou necessidades em Corinto, mas permaneceu firme
em sua decisão de não aceitar remuneracão (2Co 11.7-9).
Paulo declarou que teria razão para se orgulhar no dia de
Cristo se a fé dos filipenses provasse ser genuína e pura. Ele
já tinha se oferecido como sacrifício a Deus. A vida de Paulo
seria oferecida como libação se ele morresse como mártir,
e ele enfrentou essa possibilidade com alegria porque iria
contribuir para a causa do evangelho (Fp 2.16-17). Paulo
tinha sofrido a perda de todas as coisas que eram valiosas
para ele, considerando-as refugo a fim de receber um ganho
maior. Compreendeu que a comunhão profunda com Cristo
só era possível através do compartilhar de seus sofrimentos.
Todos os cristãos devem vigiar e orar continuamente a fim de
compartilharem do sofrimento de Cristo. É um chamado
para conhecer a Cristo por meio de uma vida de serviço e
sofrimento (Fp 3.8-11).
Paulo pede orações
Paulo esperava enfrentar grandes dificuldades em sua viagem
para Jerusalém e pediu aos cristãos para lutarem em oração, se
juntando a ele em sua luta contra as forças das trevas, e permanecendo
ao lado dele em intercessão persistente. Seu pedido
era urgente: "Recomendo-lhes, irmãos, por nosso SenhorJesus
Cristo" (Rm 15.30). Ele sabia que os inimigos judeus fariam
qualquer coisa para causar a sua morte. Ele também orou por
sua visita a Roma, para que seus planos fossem realizados de
46 MISSIONÁRIOS FERIDOS
acordo com a vontade de Deus. Como a oração de Paulo foi
respondida? Apesar de ter sido bem recebido e de ter escapado
de um linchamento por meio da intervenção dos romanos, ele
não foi liberto dos rebeldes em Jerusalém. Três anos depois,
ele visitou a igreja em Roma, mas só depois de passar muito
tempo na prisão (Rm 15.30-31).
Paulo contou com as orações dos crentes como um prérequisito
para ser liberto pelo poder de Deus. Essas orações
também promoviam comunhão entre os crentes e Paulo já antevia
as orações de agradecimento (2Co 1.11).
Paulo sabia que estava envolvido numa grande luta e pediu
a seus amigos que orassem por ele, pois precisava de forças especiais
para seu ministério de libertar as pessoas dos poderes das
trevas por meio da proclamação do evangelho. Ele precisava de
poder para pregar com ousadia e clareza. Eram orações totalmente
devotadas aos planos de Deus, pois Paulo não buscava libertação
da prisão, mas liberdade para pregar (Ef 6.19-20; 1Co 4.3).
Em 2 Tessalonicenses 3.1-2, ele faz um apelo enfático por
orações: "Orem por nós, para que a palavra do Senhor se
propague rapidamente e receba a honra merecida". Pediu
que ele e sua equipe fossem libertos dos homens perversos.
Sabia que estavam envolvidos em uma luta espiritual. Sabia
também que o Soberano Senhor estava com eles.
Recebendo consolação para consolar outros
Paulo ficou desanimando com as graves aflições que tinha sofrido
na Ásia, mas Deus o livrou e o consolou. Ele põde, então,
descrever Deus como o Pai de toda consolação, que oferece
conforto completo em qualquer circunstância. Em 2 Coríntios
1.3-7, Paulo usa dez vezes a palavra "consolação", no sentido
de estar ao lado do outro para encorajá-lo durante uma provação
difícil. O uso do verbo no presente indica que Deus nos
AVIDADEPAULO 47
conforta constantemente, em todas as nossas aflições; por isso,
nossos problemas são transformados em triunfos à medida que
Deus se faz conhecido em nossas fraquezas. Aqueles que experimentam
consolo de Deus estão mais capacitados para apoiarem
outras pessoas. Assim como os sofrimentos de Cristo foram um
prelúdio para sua glória, devemos estar dispostos a compartilhar
de seu sofrimento se desejamos compartilhar sua glória.
Ao servirmos a Cristo poderá haver decepções, mas não desespero;
aflições, mas não falta de consolo (2Co 1.3-7). No Novo
Dicionário Internacional de Teologia do NovoTestamento, B. Gãrtner
afirma que "os cristãos esperam não o fim do sofrimento, mas
seu alvo".
Observar a vida de Paulo de forma mais ampla, além do
sofrimento, nos lembra que ele era servo de Cristo, um pregador
corajoso e capaz, um pastor com um coração amoroso
e sensível, um homem conquistado pelo grande e imerecido
amor de Cristo. Um dos segredos de sua perseverança
contínua no ministério e de seu espírito inabalável era sua
disposição para sofrer por Cristo, sem restrições. Se o Senhor
se entregou completamente em favor dos pecadores, como ele,
seu servo, poderia fazer menos? Ele sofreu na mão dos judeus,
em circunstâncias perigosas, sofreu por causa de inimigos pagãos,
amigos infiéis e solidão, mas sabia que essas coisas eram
temporárias, que haveria recompensas gloriosas para todos
aqueles que aguardam a vinda do Senhor.
capítulo quatro
o ENSINO DE PAULO
-----......O~----

PAULO FOI UM GRANDE MESTRE E ESTRATEGISTA MISSIONÁRIO. Por


estar constantemente viajando e por causa de seu chamado
como pioneiro, ele precisava delegar muitas responsabilidades
à equipe de obreiros que viajava com ele e aos líderes locais.
Ele escreveu suas epistolas para manter suas igrejas firmes nas
verdades e estilo de vida do evangelho, para ajudá-las a crescer
no conhecimento do Senhor e para que discernissem entre
ensinos falsos e verdadeiros. Suas epístolas estão relacionadas
a sítuações da vida real. Paulo estava sempre ensinando e dando
exemplo do estilo de vida cristão e fazendo com que seus
leitores compreendessem que o sofrimento por Cristo é parte
da vida cristã.
A necessidade do sofrimento
o Novo Testamento mostra que a tribulação faz parte da vida
dos cristãos. São aqueles que sofrem com Cristo que compartilharão
sua glória, e Jesus mostrou a seus seguidores que deveriam
avaliar o custo e estar preparados para o sofrimento. Paulo
preparou seus convertidos para uma vida de tribulação, mas
também prometeu a presença e graça de Deus para todas as
50 MISSIONÁRIOS FERIDOS
situações. Os cristãos tinham visto como Paulo foi perseguido
e eles também precisavam estar preparados para reações fortes
contra o testemunho deles (At 14.22)
Paulo os encoraja com a promessa do apoio contínuo do
Espírito Santo. O Espírito se identifica com nosso sofrimento
e intercede por nós com gemidos inexprimíveis, ansioso por
nossa libertação. Ele sabe como orar de acordo com a vontade
de Deus. Deus age para nosso bem em todas as coisas, e mesmo
as experiências aparentemente negativas têm um bom propósito
na vontade de Deus. O sofrimento e humilhação atuais
confirmam que iremos receber glória no reino de Deus. No
propósito de Deus há uma relação entre sofrimento e glória,
pois Deus nos ama e nos "predestinou para sermos conformes
à imagem de seu Filho" em nosso caráter, conduta, amor e
missão (Rm 8.26-30).
Em Romanos 8.31-39, Paulo apresenta uma série de questões
retóricas que servem para provar que ninguém e nada
pode prejudicar aqueles que foram chamados por Deus, que
deu seu único Filho por nós e com ele nos dará todas as coisas.
Nenhuma acusação pode ser sustentada contra nós, nenhuma
perseguição, nenhuma necessidade física, nenhum perigo e
nem ameaça de morte pode nos separar do amor de Cristo.
Algumas vezes tudo pode parecer sombrio, mas a luz da graça
de Deus brilha através das nuvens de sofrimento e nos conforta.
Os cristãos vivem num mundo de poderes que se opõem a
Deus e os ameaçam, mas eles podem permanecer firmes porque
são mais do que vencedores. Deus não nos promete libertação
de problemas, mas que os problemas nunca poderão nos
separar de seu amor.
Os cristãos de Filipos estavam enfrentando a pressão da
perseguição, mas Paulo confiou que eles permaneceriam firmes
na fé. A oposição traz sofrimento em nome de Cristo,
mas por meio desse sofrimento a fé é provada como sendo
o ENSINO DE PAULO 51
verdadeira, e Deus providencia graça para permitir que os crentes
permaneçam firmes em seu sofrimento por Cristo (Fp 1.28-29).
Os cristãos em Tessalõnica receberam a mensagem do evangelho
num contexto de perseguição, mas a compreenderam
e a receberam muito bem. A mensagem do evangelho lhes
trouxe alegria, por meio do Espírito Santo, tornando-os mais
parecidos com Jesus, um exemplo para outros (lTs 1.6-8),
e imitadores das igrejas na Judeia em sua fé e sofrimento
(lTs 2.14). Timóteo foi enviado para visitá-los, para dar-lhes
apoio, encorajá-los e ajudá-los a crescer na fé. Paulo ensinou
aos novos convertidos que o sofrimento é parte da vocação
cristã e que, em meio a tribulações, é possível aprender que
o Senhor é fiel e protege do maligno (lTs 3.2-8); O próprio
Deus controla o grau de provação e dá a capacidade para permanecermos
firmes.
Em Romanos 8.17, Paulo escreveu que somos cc-herdeiros
com Cristo se sofremos com ele. "Em Romanos 8.18, Paulo
enfatiza que os sofrimentos do tempo presente não se comparam
à glória futura, por isso o sofrimento pode ser considerado
um dom precioso" (Fp 1.29).
Os sofrimentos dos mensageiros do evangelho têm por objetivo
a proclamação da graça de Deus (2Co 4). Ele desenvolve
em nós o caráter que precisamos ter para a vida na glória.
Deus nos chama para sermos companheiros do sofrimento de
Cristo, assumindo seus objetivos como nossos objetivos e seus
métodos como nossos métodos. Seguir o exemplo de Cristo
significa sacrifício e serviço.
Paulo declarou que eles tinham recebido a graça da salvação
e de sofrer por Cristo (Fp 3.10). Compartilhar de seus
sofrimentos é parte do conhecer a Cristo e eles receberam essa
graça especial. Deus manifesta sua sabedoria nos lugares celestiais
por meio da fidelidade de seus filhos e por meio da
disposição deles para seguirem no caminho da cruz (Ef 3.10).
52 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Alegria no sofrimento e na tribulação
Um grande privilégio da justificação é o livre acesso a Deus
por meio de Cristo. Por isso Paulo podia expressar a alegria
da esperança da glória de Deus, pois os crentes serão transformados
na imagem da glória de Deus, refletida neles. Torna-
se claro que o sofrimento é o único caminho para a glória
(Rm 8.17), e que produz perseverança e um caráter testado.
Nos gloriamos nas tribulações porque elas levam a um processo
de santificação, que resulta na esperança cristã que não
nos decepcionará, porque o amor de Deus inunda nossos
corações (Rm 5.1-5). Em Romanos 12.12, a esperança cristã
nos leva a nos regozijarmos e a enfrentarmos as aflições com
perseverança. A alegria, que é fruto da esperança, e a perseverança,
que é fruto da adversidade, estão intrinsecamente
ligadas; fazem parte da vida da pessoa que toma a sua cruz
para seguir Jesus.
A fidelidade de Deus é a segurança dos cristãos. Essa segurança
garante nossa continuidade na salvação e nos capacita a
enfrentar provações (lCo 1.7-9).
1 Coríntios 10.12-13 fala sobre o perigo da tentação. A mesma
palavra se refere às provações que vem de Deus para purificar
seus filhos, e às tentações que vem do diabo para os seduzir
para o pecado. O ponto principal sobre a tentação não é a força
de sua atração, mas se ela resulta em mais resístência ao pecado
e maior fé em Deus. Podemos descansar em Deus, que é fiel e
não permite tentações além de nossas forças para suportá-las.
Paulo orou para que os colossenses fossem fortalecidos
com todo o poder para ficarem firmes ao enfrentar tribulações,
oposição e a prova de sua fé. Paulo confia que eles irão
desenvolver perseverança, com alegria. O poder da glória
de Deus descansa sobre aqueles que perseveram com Cristo
(Cll.ll).
o ENSINO DE PAULO 53
Consagração completa a Deus
Paulo ensinou que uma vida piedosa é uma necessidade
(Rm 6.11-13) e dá uma ordem: "não permitam que o pecado os
domine". "Não ofereçam os membros do vosso corpo ao pecado."
O verbo está no presente, e significa uma atitude contínua.
Os cristãos já morreram para o pecado e devem usar os membros
de seus corpos para servir a Deus. A retidão, assim como o
pecado, se manifesta de maneira concreta em nossos corpos.
Em Romanos 12.1-2, Paulo enfatiza a necessidade de um
compromisso total de vida a serviço de Deus. Paulo fala sobre
a consagração do corpo, em contraste com a filosofia grega
que deprecia o corpo. Nossos pés vão andar em seus caminhos
e nos guiar para lugares onde nossos lábios proclamarão
o evangelho para aqueles que ainda não o ouviram; nossas
línguas trarão cura e nossas mãos animarão ao que está desanimado.
Um sacrifício vivo é positivo e dinâmico, uma adoração
que envolve nossas mentes e corações, em contraste com um
mero ritual. O sacrifício vivo é para ser oferecido em nossos
contextos diários de trabalho e vida familiar.
Tal reação positiva em relação a Deus é acompanhada por
uma reação negativa ao padrão deste mundo. Os cristãos não
devem se conformar ao mundo, mas ser transformados pela
renovação das suas mentes, num processo contínuo, no qual
compreendem cada vez mais o que é bom e agradável a Deus.
Romanos 12 propõe uma transformação total de caráter e
conduta, semelhante ao modo de vida de Jesus e capaz de operar
transformação em nosso contexto.
Depois de morrer para a lei, Paulo estava livre para uma
vida totalmente consagrada a Deus (Gl 2.19-20). Ele compreendeu
que Cristo se sujeitou à maldição da lei para nos libertar
e nos capacitar a viver uma nova vida. Nossa vida anterior
morreu com Cristo e fomos ressuscitados com ele para uma
54 MISSIONÁRIOS FERIDOS
nova vida; o senhorio do pecado foi quebrado e somos livres
para servir a Deus. Em Gálatas 5.24, aqueles que pertencem a
ele vivem em comunhão com Cristo, compartilham sua cruz
e rejeitam o senhorio da carne e suas paixões. Essa crucificação
deve ser feita por nós, numa rejeição da carne e da sua
inclinação para o pecado. Temos de pegar nosso "eu" volúvel,
crucificá-lo e renovar essa ação diariamente.
Enfrentando conflitos espirituais
Paulo esperava que os cristãos em Roma fossem sábios para
andar na obediência e tão afastados do mal que pareceriam
ingênuos. Prometeu que Deus iria esmagar Satanás, e exortouos
a lutar contra ele, com a certeza de que seriam vencedores
no Senhor (Rm 16.19-20).
Paulo tinha uma avaliação realista do poder da descrença
e do orgulho na mente humana, ensinando que por trás
da resistência humana estão forças satânicas e que apenas as
armas espirituais fornecidas pelo Espírito Santo são capazes
de vencê-las. Esses baluartes pertencem à vontade e ao intelecto,
determinam a conduta do homem e estão baseados em
suas pressuposições e filosofia de vida. A rebelião do coração
humano é vencida quando a verdade de Deus prevalece e há
verdadeira libertação (2Co 10.3-5).
Em Efésios 6.10-12, Paulo apresenta os poderes que estão
por trás de todo o mal e oposição, especialmente no contexto
da evangelização mundial: o demónio e os poderes sob seu
comando. Paulo não estava preocupado em satisfazer nossa
curiosidade sobre eles, mas em nos advertir e ensinar a lutar,
não contra seres humanos, mas contra inteligências demoníacas.
Essas forças têm três características: são poderosas, chamadas
de "dominadores deste mundo de trevas"; usam seu poder
para fazer o mal, pois pertencem às trevas; são astutos e atacam
o ENSINO DE PAULO 55
de maneiras sutis, numa ação mais semelhante à de serpentes
do que leões, pois trabalham no disfarce da escuridão. Só o
poder de Deus pode vencê-los.
É necessário usar a armadura de Deus para permanecermos
firmes contra tal oposição. Parece que Paulo se inspirou
nos textos de Isaías que descrevem a batalha vitoriosa do Messias,
trazendo salvação para Israel e para os confins da terra.
Efésios 6.14 fala sobre a necessidade de usar o cinto da verdade
e a couraça da justiça, e em Isaías 11.4-5, o Messias é descrito
como alguém que traz justiça para os pobres da terra, e cuja
palavra é arma poderosa para vencer os poderes do maligno.
Ele usa sua retídão e fidelidade como cinto; um símbolo de
força, prontidão e também um enfeite. Ele protege e liberta
seu povo de toda injustiça e opressão e suas ações têm repercussões
profundas e abrangentes: a terra será cheia com o conhecimento
do Deus vivo (Is 11.9-12).
Isaías 52 descreve uma espera ansiosa por boas notícias; os
pés dos mensageiros são vistos de longe nas montanhas, trazendo
alegria e uma mensagem de esperança e salvação. Confirma-
se o reinado do Senhor sobre todos os poderes do mal
(Rm 10.15; Ef 6.15) quando ele "arregaça suas mangas" e usa
seu braço forte para trazer salvação (Is 52.7-10). Isaías 59 fala
sobre pecado, injustiça e sofrimento, explica que a princípio
Deus não ouvia as orações do povo porque viviam no pecado.
Mas houve arrependimento e o Senhor interveio. Seu braço
trouxe salvação quando vestiu sua armadura: a justiça como
couraça, o capacete da salvação, vestes de vingança (ira justa) e
uma capa de zelo para libertar seu povo (Is 59.16-19). A armadura
do Messias é agora oferecida a seus seguidores.
Paulo estava preocupado com a proclamação do evangelho
para todos os povos e ensinou que os cristãos precisavam estar
constantemente alertas, orando sem cessar e usando sua armadura
em suas orações e em seu ministério missionário.
56 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Com o perdão dos pecados, vem a libertação das acusações
e de outros aspectos do poder de Satanás e o poder do pecado
é quebrado. Na cruz, os principados do mal foram vencidos.
Paulo descreve o desfile triunfal de um general vitorioso seguido
por centenas de prisioneiros de guerra -um sinal claro
da derrota deles. Ele proclama que Cristo teve uma vitória
semelhante na cruz, quando libertou seu povo da culpa e dos
grilhões do pecado. Essa é uma mensagem de esperança para
homens e mulheres em frustração e desespero: o Cristo crucificado
é o Senhor do Universo e todas as forças malignas estão
sujeitas a ele. Estar unido com Cristo é estar livre do domínio
deles (CI2.13-15).
Mostrando misericórdia àqueles que sofrem
Paulo ensinou os romanos a desenvolver relacionamentos que
são agradáveis a Deus, viver em amor e apoiar uns aos outros.
Encorajar inclui confortar aqueles que estão passando por aflições.
Como os cristãos primitivos não tinham uma vida fácil,
esse era um ministério muito necessário. A misericórdia está
relacionada a servir aos que têm necessidade, e isso deve ser
feito com alegria e não como se fosse uma carga desagradável
(Rm 12.8).
Paulo nos exorta a identificar as necessidades de outras pessoas
e a compartilhar nossos recursos com elas (Rm 12.12-20).
Abençoar aqueles que nos perseguem é uma atitude positiva
em relação àqueles que nos tratam mal. Não é apenas suportar
a perseguição. Numa atitude de amor cristão, nós invocamos
as bênçãos de Deus sobre eles e, por fazer o bem e suprir suas
necessidades, nós vencemos sua animosidade. Por meio do
amor podemos transformar inimigos em amigos, amontoando
brasas vivas sobre suas cabeças não para machucá-los, mas para
levá-los ao arrependimento e conquistá-los com amor. Há mais
o ENSINO DE PAULO 57
três imperativos: a) "Não paguem o mal com mal", ou seja,
vivam de tal maneira que os não-cristãos reconheçam a graça
de Deus na vida de vocês; b) "Não se vinguem", mas deixem
a justiça nas mãos sábias de Deus; c) "Não deixe que o mal os
vença", ou seja, nunca deem lugar ao mal em suas reações, mas
vençam o mal com o amor (Rm 12.17-21).
Em 1 Coríntios 13.4-7, Paulo descreve o amor em ação:
Paulo
menciona cinco atitudes de renuncia: o amor é
paciente, é bondoso, não inveja, não se vangloria, não
se orgulha.
Paulo fala sobre cinco atitudes negativas de outras pessoas:
algumas nos provocam constantemente e precisamos
aprender a amá-las como são. Quando as palavras e ações
de outros nos prejudicam, precisamos aprender a perdoar
e esquecer. Nunca devemos nos alegrar com o mal
feito por outros. O amor não pode se alegrar quando a
verdade é negada.
A palavra
"tudo" aparece quatro vezes. Isso deixa claro
que o amor vem de Deus e não é uma realização humana:
"tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta".
O amor ajuda a confiar, a renovar nossa esperança e a
superar nossas dificuldades.
Paulo ensinou os cristãos a apoiar os irmãos necessitados
em Jerusalém. Uma das razões para a doação por parte das
igrejas gentias era a promoção da unidade do corpo de Cristo.
Ele percebia a doação e a generosidade como graça de Deus
e temia que os coríntios estivessem perdendo essa graça, enquanto
os macedónios tinham dado generosamente apesar da
sua pobreza (2Co 8.14). Paulo falou sobre a necessidade de
promover igualdade. Seria errado os cristãos na Judeia viverem
em grande pobreza enquanto outros viviam confortavelmente.
58 MISSIONÁRIOS FERIDOS
A igreja deve ser modelo da justiça de Deus para o mundo.
Embora muitos cristãos se sintam satisfeitos em serem fiéis no
dízimo, a verdadeira atitude cristã nos levará além desse ato
de dar o mínimo, e apenas para a igreja onde somos membros
(2Co 8 e9).
Paulo também ensinou sobre a necessidade de estarmos
prontos para agir com gentileza em relação aos que foram apanhados
em pecado, com o objetivo de restaurá-los. Cada um
de nós tem cargas e Deus não deseja que as carreguemos sozinhos.
Amar uns aos outros, como Cristo nos amou, geralmente
não leva a ações espetaculares, mas ao ministério prático de
carregar as cargas uns dos outros. O serviço cristão é exigente,
e Paulo nos encoraja a seguir em frente, porque a colheita
depende de sermos fiéis na semeadura. Pessoas virão a Cristo
por meio de nosso testemunho prático e receberemos a recompensa
nos céus (016.1-2, 9-10).
Em termos práticos, aqueles que viveram por meio de pequenos
furtos, devem aprender a trabalhar com as próprias
mãos para se sustentarem e poderem ajudar os outros, pois a
graça da generosidade é uma virtude cristã, assim como a bondade,
a compaixão, e o perdão de uns para com os outros. Esses
são atas que refletem como Deus agiu com graça em nossas
vidas (Ef 4.28-29). Apoio mútuo, tolerância e perdão devem
marcar os relacionamentos dos cristãos, pois nosso exemplo
de perdão é o próprio Senhor (C13.12-16).
Paulo também incita os cristãos a oferecer cuidado pastoral
aos membros das igrejas, a exortar o tolo, encorajar o desanimado
e ajudar os fracos na fé ou no viver cristão. Paulo
apresenta uma visão da igreja local como uma comunidade
de conforto mútuo, encorajamento e serviço, com membros
dispostos a abençoar aqueles que lhes causaram sofrimento
(lTs 5.14-15). Os ricos são chamados a serem generosos,
o ENSINO DE PAULO 59
a usarem sua riqueza para fazer o bem e a alcançarem os
necessitados. Essas ações não vão empobrecê-los, e sim dar-lhes
tesouros mais preciosos no céu (1Tm 6.17-19).
Formando o caráter de Cristo
Cristo era o modelo supremo de Paulo, que lutou para segui-lo
e ser moldado por Deus à sua semelhança. Ele tinha o mesmo
objetivo em mente para as igrejas e para seus filhos na fé. Nós
também somos chamados a sermos imitadores de Deus como
seus filhos amados, nos tornando cada vez mais semelhantes
a ele. Assim como Jesus manifestou seu amor ao morrer em
nosso lugar, sendo obediente até o fim, Deus deseja que sejamos
obedientes, demonstrando amor sacrificial a outros e um
sacrifício agradável a Deus (Ef 4.32; 5.1-2),
Não deve haver busca de interesses próprios ou orgulho,
mas humildade em procurar o interesse dos outros. O maior
exemplo de tal amor é Cristo, modelo de perfeita humildade
e renúncia. Uma demanda bastante alta é colocada sobre
os que creem: "Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo
Jesus" (Fp 2.5). O direito de Jesus era ser igual a Deus, mas ele
não se apegou a isso. Esvaziou-se, tomando a forma de servo,
vindo à terra como um homem comum, semelhante a nós
em todas as coisas (exceto no pecado). Sua vida na terra foi
de auto-humilhação e culminou numa morte vergonhosa na
cruz. Se seguirmos tal amor e humildade como nosso modelo,
nenhuma tarefa será difícil demais, nenhum relacionamento
exigente demais (Fp 2.5-8).
Temos a promessa de que Cristo viverá em nós, que sua
imagem será formada em nós, se aceitarmos uma vida de humildade,
sofrimento e renúncia. Nossa recompensa real é nos
tornarmos como ele, imitando-o e tendo sua mente desenvolvida
em nós. Quando entendemos a humildade de Jesus e
60 MISSIONÁRIOS FERIDOS
seu autossacrifício, ficamos maravilhados com o privilégio de
sermos parceiros dele em seu ministério. O pastor Josef Ton
diz:
Sofrer por Cristo significa [...] que Cristo ainda sofre por
causa de um mundo moribundo e ainda está aperfeiçoando
seu corpo [...]Tornar-nos conforme a imagem de Cristo
ao clamar o poder de sua ressurreição em nossa própria
doação autossacrificial e, se formos escolhidos por Deus,
morrer em seu serviço.'
Quando compreendemos o amor de Cristo na cruz, sua vida
doada em favor de outros, somos conquistados por tal amor e
aprendemos a desejar ter uma vida semelhante; a sermos mais
preocupados com o interesse dos outros, com sua salvação e
maturidade crescente. Enfrentaremos várias lutas e talvez o
martírio, mas, em tudo isso, continuaremos sendo transformados
mais e mais, de acordo com o caráter de Cristo.
A glória futura
Os cristãos receberam uma nova vida, paz com Deus e esperança
da glória de Deus. Mas há várias ameaças à realização desta
esperança, como as tribulações que causam tensão na vida cristã.
Os cristãos têm a esperança de que, apesar das aflições, eles
atingirão a salvação final. Aqueles que depositam sua esperança
na glória de Deus não serão envergonhados, pois Deus deu seu
mais precioso presente pelos pecadores e os cristãos continuam
a permanecer firmes apenas em sua graça. Aqueles que pertencem
a Cristo compartilharão de sua glória (Rm 5.1-11).
"Cc-herdeiros" significa que entraremos com Cristo na
posse de sua herança, que compartilharemos sua glória, que
é a recompensa de Cristo. Mas não há como partilhar sua glória,
se não houver partilha em seu sofrimento. Entretanto, os
sofrimentos do presente perdem o significado quando comparados
com a radiante glória do Deus imortal (Rm 8.17-18).
o ENSINO DE PAULO 61
Paulo ensina que todas as criaturas estão passando por
um período de ansiedade, enquanto esperam pela revelação
da glória dos filhos de Deus, pela libertação das correntes da
corrupção, da morte presente no mundo. Esses gemidos da
criação não são de morte, mas de nascimento. Um sofrimento
na esperança de uma nova vida. Deus prometeu libertação de
tudo o que é mal e sem sentido; prometeu uma nova harmonia
para a criação. Como cristãos, também gememos em nossa
fraqueza e sofrimento esperando a totalidade da salvação e
ressurreição de nossos corpos (Rm 8.19-23).
O fogo testará a genuinidade do nosso trabalho. Precisamos
orar para que nossos esforços estejam impregnados com
a graça de Deus e que nossa motivação seja a glória de Deus.
Se esse é o caráter de nosso serviço, nós receberemos nossa
recompensa. Não há dúvida de que há valores mistos em todo
o nosso trabalho. Além disso, nesse mundo, nosso trabalho
nem sempre é avaliado corretamente. Mas o Senhor revelará
seu caráter verdadeiro, julgando a qualidade do trabalho feito
e não a quantidade. A parábola dos talentos sugere que nossa
recompensa será um serviço de maior responsabilidade. Por
outro lado, o trabalho feito de maneira errada não terá nenhum
fruto permanente (lCo 3.12-15).
Paulo contrastou a vida que vivemos externamente, em
nosso corpo mortal, com o que somos internamente, o que já
pertence à era que há de vir. Então nosso progressivo desgaste
externo é acompanhado por uma renovação interna. Nós
também, como novas criaturas, esperamos a glória eterna, que
de longe supera todas as coisas. Desse modo, vemos que as tribulações
presentes são temporárias e leves, enquanto a glória
é eterna. Paulo pode ter parecido um fracasso, mas seu olhar
estava fixo na glória além, em ver o Senhor face a face, e em
ser transformado à sua imagem (2Co 4.16-18).
62 MISSIONÁRIOS FERIDOS
1 Coríntios 15.58 ensina que há vida além desta presente,
onde os cristãos receberão suas recompensas. Em 1 Coríntios
2.7-9, Paulo fala sobre a glória futura -além de qualquer imaginação
-que Deus preparou para nós. Como cristãos somos
herdeiros de Deus, porque somos seus filhos. Mas a posse atual
de nossa herança é condicional, está relacionada à nossa
parceria com Cristo em seu sofrimento (Rm 8.16-17) e à nossa
obediência a Deus (1Co 6.9-10).
Tomar posse de nossa herança significa ser glorificado com
Cristo (1Co 6.2-3), pois os filhos de Deus serão encarregados
dos negócios de seu reino. Tal recompensa não implica em
mérito de nossa parte: recebemos isso apenas pela graça de
Deus, pois não merecemos nada. Mas será que os filhos de
Deus estão preparados para lidar com a sua herança? Deus nos
testa, principalmente por meio de nossas aflições. Ao mesmo
tempo, ele é fiel e nos dará graça para vencer as lutas.
Nossa salvação começa quando somos reconciliados com
Cristo e termina quando recebemos a glória de Deus. No intervalo
há uma cadeia de eventos, entre eles as tribulações que
produzem perseverança e a perseverança que produz um caráter
aprovado (Rm 5.3-4). O objetivo final dessa sequência é
que seremos aprovados por Deus. Estaremos diante do trono
de Deus para sermos recompensados pelas obras feitas por
nossos corpos, sejam boas ou más (2Co 5.9-10).
Paulo encorajou os tessalonicenses a viverem conforme o
Deus que os chamou para o seu reino, insistindo que eram
herdeiros da sua glória. Eles deviam desenvolver e manifestar
seu caráter (lTs 2.12). Ele também agradeceu a Deus pela
perseverança daqueles cristãos em meio à perseguição e tribulações.
"Vocês estão passando" -o verbo está no tempo
presente, ou seja, as tribulações ainda continuavam. Se Deus
permitiu que sofressem, eles podiam ter certeza que ele os
estava preparando para sua glória e usando a perseguição
o ENSINO DE PAULO 63
como meio para desenvolverem sua fé, amor e perseverança,
em contraste com a raiva e amargura de seus perseguidores.
A graça transformadora de Deus os estava adequando para
sua herança eterna.
Quando o Senhor Jesus vier, ele será revelado em seu esplendor,
mas seu esplendor também será revelado em nós e
por meio de nós. Não apenas veremos, mas compartilharemos
sua glória para sempre (2Ts 1.4-7; 10-11). Aqueles que morrem
com Cristo tomarão parte em sua ressurreição e em sua
glória. A vida cristã é retratada como uma vida de morrer e
perseverar. Aqueles que compartilham de sua morte na terra
irão compartilhar de sua vida no céu. A estrada para a vida é a
morte e a estrada para a glória é o sofrimento (2Tm 2.11-13).
Paulo olhou em retrospectiva para seu ministério e descreveu-
o com as seguintes expressões: "Combati o bom combate",
combinando metáforas atléticas e militares e deste modo expressando
sua dedicação à causa de Cristo; "completei a carreira",
completou a tarefa para a qual tinha sido chamado; e
"guardei a fé", ou seja, manteve o tesouro do evangelho e o
entregou a discípulos capazes (2Tm 4.6-8). Agora ele aguardava
a coroa que lhe seria entregue. Enquanto a justiça humana
tratou Paulo como um criminoso comum, Deus reservou a
ele, seu servo, a coroa de justiça.
Paulo escreve sobre as tribulações serem usadas para testar
se os cristãos são dignos do Reino de Deus. Jesus discorreu
sobre o valor das tribulações (2Ts 1.5, 11; Lc 20.35), ensinando
que a fidelidade determina posições de maior ou menor
autoridade no céu. Recebemos nossa herança pela graça de
Deus, mas devemos sofrer pelo reino e andar de maneira digna.
Portanto, há dois níveis de ação. no nível mais elevado é
Deus quem salva, chama, santifica e glorifica. Porém, no nível
humano, nós temos que crer, ser zelosos pelas boas obras, negar
a nós mesmos, servir a Deus e às outras pessoas, enfrentar
64 MISSIONÁRIOS FERIDOS
dificuldade e buscar a santidade. Se seguirmos esses requisitos,
nos tornaremos mais parecidos com Cristo, refletindo seu caráter
e Deus nos concederá responsabilidades ainda maiores.
Como será a eternidade para aqueles que sofreram por
Cristo, que morreram com e por ele? Paulo escreve que eles
reinarão com Cristo (2Tm 2.11-12), e que essa é sua recompensa
principal. Deus treina seus filhos para responsabilidades
maiores na eternidade, e por meio do processo de sofrimento
nos tornamos dignos e capacitados para lidar com a autoridade
de governar.
Paulo era um obreiro comprometido e dedicado, não se
amedrontava com os perigos, ameaças e reações de ódio. Ele
também aprendeu a trabalhar com pessoas de caráter diferente
e a valorizar seus dons, compromisso e suas contribuições.
Ele nunca pensou que estava mais capacitado que os outros
para fazer o trabalho, mas sempre pedia que outros o acompanhassem
e dava-lhes oportunidades e responsabilidades. Paulo
valorizava seus companheiros de trabalho e amava suas igrejas.
Seu cuidado amoroso é expresso em suas cartas. Não era
um amor superprotetor, mas um amor firme. Sua ambição é
que eles fossem aprovados diante do trono do julgamento de
Cristo e não simplesmente tivessem uma vida confortável aqui
e agora.
Podemos aprender muito com Paulo. Se seguirmos seu
ensino e ênfase no discipulado, poderemos preparar nossos
missionários e nossas igrejas para enfrentar e suportar provações
por Cristo, quando isto for necessário para levar o evangelho
aos não-alcançados, e ensiná-los a fazer isso com alegria.
Poderemos ajudá-los a depender da presença e do conforto
de Deus, e também permaneceremos ao lado deles em amor,
compreensão e encorajamento contínuo.
Parte 2

Contextos atuais de sofrimento


É importante analisar as diferentes situações de grande
sofrimento no mundo atual a partir do olhar dos nacionais
e das pessoas enviadas para servir entre eles. Esta
parte apresenta situações de sofrimento decorrentes de
grande pobreza, problemas sociais, perseguição, violência
e guerra, levando em conta a situação global nos últimos
vinte anos, que representa um desafio especial para
a tarefa missionária hoje.
capítulo cinco

GUERRA E VIOLÊNCIA
-----......O~----

o SOFRIMENTO É PARTE INTRÍNSECA DA VIDA HUMANA, apesar de


a cultura pós-moderna valorizar as facilidades e as riquezas,
e defender o 'direito' a um nível de conforto cada vez maior.
Isso é ilusão. Vivemos em um mundo violento, repleto de
ódio e egoísmo, onde o número de vítimas continua a crescer.
Apesar de confrontados diariamente com situações que
provocam sofrimento, preferimos manter distância emocional
dessas situações. É preciso, portanto, recuperar a visão
bíblica e ouvir o chamado de Deus para ministrar àqueles
que estão alquebrados pelo sofrimento, ouvir com atenção
o que eles dizem e procurar compreender suas necessidades
e sua dor.
A igreja precisa aceitar esse desafio missionário e aprender
a apoiar e cuidar melhor de seus servos, que ministram o amor
de Cristo àqueles que sofrem.
O teólogo croata Miroslav Volf afirma que vivemos em
um mundo dominado pela injustiça, pelo preconceito e
morte. Durante as guerras na antiga Iugoslávia e em Ruanda,
as pessoas desenvolveram um apetite insaciável pela
brutalidade.
68 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Samuel Escobar, teólogo peruano, afirma que vivemos
num período de progresso científico e tecnológico que anda
de mãos dadas com formas refinadas de barbárie.
Em Ruanda, professores e freiras, médicos e enfermeiros
compilaram listas de pessoas a serem mortas e traíram seus
colegas. Em Moçambique, 48% dos postos de saúde foram
destruídos e pacientes, sequestrados; 45% das escolas foram
destruídas. Em EI Salvador, soldados assassinaram cirurgiões
que estavam fazendo cirurgias, por suspeitarem que estivessem
tratando "subversivos". Forças sérvias bombardearam hospitais
na Croácia e na Bósnia.
Dados chocantes
Na década de 70 houve catorze guerras por ano. Na década de
90, houve pelo menos cinquenta. De todas as pessoas mortas
em consequência de conflitos armados na Primeira Guerra
Mundial, 5% eram civis; na Segunda Guerra Mundial, 50%
eram civis; e na década de 90, mais de 90% eram civis. Nos
últimos dez anos, 2 milhões de crianças morreram na guerra, de
4 a 5 milhões ficaram feridas ou com deficiências físicas, 12 milhões
desabrigadas e 1 milhão ficou órfã ou separada dos pais.
Tabela 1 -Morte em contextos de guerra
País Anos
Total de mortes
causadas pela
guerra
Mortes em
batalha
Porcentagem
de mortes em
batalha
Angola 1975-2002 1,5 milhões 160.475 11%
Congo 1998-2001 2,5 milhões 145 mil 6%
Libéria 1989-1996 150 a 200 mil 23.500 12-16%
Moçambique 1976-2002
500 mil
a 1 milhão
145.400 15-29%
5udão 1982-2002 2 milhões 55mil 3%
(Relatório de Segurança Humana, 2005)
GUERRA E VIOLÊNCIA 69
Tabela 2 -Refugiados e deslocados de guerra
Anos
Deslocados de guerra
(em milhões)
Refugiados de guerra
(em milhões)
1970-1974 6 2.5
1980-1982 7.5 10-11
1990-1994 23-25 17
2000 22 12
2002 25 10
(Relatório de Sequrança Humana, 2005)
Ficamos um pouco menos chocados ao olhar apenas para o
número de refugiados; entretanto, muitas vezes os deslocados
(refugiados internos) vivem em situações muito precárias, e
o número de pessoas que se encontram nessa situação e suas
necessidades pessoais ainda são enormes. Dados das Nações
Unidas mostram que em 1997 havia 37,4 milhões de refugiados
e 26 milhões de deslocados de guerra.
Consequências emocionais e sociais da guerra
Uma análise estatística é diferente da reflexão sobre o sofrimento
causado pelas guerras, especialmente aos inocentes e
indefesos. Um grupo social se sente indefeso quando não vê
significado no que aconteceu a eles e quando suas maneiras
tradicionais de lidar com as crises se tornam inúteis. Na Guatemala,
apenas a menção dos nomes das vítimas já era considerada
uma atividade subversiva e as viúvas "esqueceram" os
nomes de seus maridos assassinados.
A verdade precisa ser dita. As famílias dos latino-americanos
que foram torturados e desapareceram durante as ditaduras
de Direita querem saber quem foram seus algozes e como
seus queridos morreram. As vitimas do regime comunista da
Europa Central e Oriental querem saber quem foram os informantes
e o que estava escrito nos arquivos da KGB. Ao
70 MISSIONÁRIOS FERIDOS
buscarem a verdade, estão tentando proteger e restaurar sua
dignidade. Esquecer os abusos é dar carta branca a futuros
algozes; lembrar suas transgressões é levantar uma barreira
contra futuros abusos.
O sofrimento causado pela violência e pela guerra não termina
com o fim das agressões. Há uma carga de sofrimento
emocional e social que precisa ser enfrentada, que exige uma
resposta de amor e de busca pela justiça.
Pessoas com deficiência
Outra terrível consequência da guerra é o sofrimento das pessoas
que se tornam deficientes físicas, com poucas oportunidades
para desenvolver seu potencial. A exposição de pessoas
a conflitos armados causa sofrimento físico e deficiências
permanentes como: amputação, perda da visão ou audição e
a rejeição por serem "diferentes". Essas pessoas precisam de
apoio e aceitação.
As pessoas com deficiências físicas podem sofrer muitas restrições
e têm de lidar com o isolamento, o que acaba levando
a uma baixa autoestima. Jesus se apresentou como advogado
das pessoas com deficiências (Lc 4.16-18). Precisamos ajudá-los
a confiar em Deus, que pode curá-los; entretanto, é preciso
também fortalecê-los para viver de acordo com suas novas limitações.
Podemos ajudar a igreja a aprender a desenvolver
atitudes corretas.
Ainda há grande necessidade nessa área em Angola e em
outros países onde houve longos períodos de guerra violenta.
As vítimas precisam ser respeitadas e valorizadas, precisam de
ajuda para viver novamente uma vida com sentido e significado.
Não é uma tarefa fácil quando o número de vítimas é alto
e a vida é difícil até mesmo para as pessoas saudáveis.
GUERRA E VIOLÊNCIA 71
Pessoas violentadas
A guerra permite a ocorrência de violência desumana, incluindo
o estupro. A violência sexual sempre foi parte de situações de
guerra, mas nunca foi praticada de maneira tão sistemática como
nas guerras recentes. Estima-se que 250 mil mulheres e garotas
foram estupradas em Ruanda entre os anos de 1994 e 1995.
Os sérvios estupraram de maneira sistemática mulheres bósnias
muçulmanas. Quando falamos em estupro é preciso levar em
consideração os aspectos sociais, culturais, politicos, psicológicos
e físicos do estupro. Os traumas causados por essa violência estão
misturados à experiência da perda dos maridos, filhos e casas.
Os resultados dos estupros são infecções, desde as mais comuns
até HIV/ aids, e incluem o trauma físico, o aborto ou o nascimento
de crianças cujas mães não têm condições de cuidar
delas.
As agências que ofereceram ajuda humanitária nos Balcãs
não pensaram na necessidade de contextualização da psicoterapia
ocidental. As pessoas enviadas não estavam familiarizadas
com as maneiras culturais de lidar com as perdas. Um grupo
local abriu um Centro de Apoio à Mulher contra a Violência
Sexual para atender sobreviventes e condenar a violência sexual
como forma de subordinação feminina.
Em Uganda, um programa de terapia para vítimas de tortura
organizou reuniões com as mulheres cuja maioria tinha
sido estuprada. A equipe ofereceu exames médicos e tratamento
de saúde. Uma mulher de 42 anos e sua filha tinham sido
estupradas por vários soldados, enquanto sua família (que foi
assassinada logo depois) foi forçada a assistir e aplaudir. Essas
mulheres estavam reconstruindo sua casa e roça, e cuidando
dos filhos de uma prima. Sentiam-se envergonhadas em falar
sobre o estupro. O que elas mais precisavam era de ajuda médica,
assistência prática e encorajamento.
72 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Nos hospitais de Angola e mesmo nas igrejas havia histórias
sobre estupros brutais. Quanta dor e raiva isso causou nas vítimas
e em suas famílias. Essas pessoas precisam de ajuda para se
sentirem dignas novamente.
Crianças
A vida das crianças está sob constante ameaça numa guerra; a
violência causa sofrimento e prejuízos em longo prazo. Ficam
expostas à fome e ao frio, especialmente durante os períodos
em que estão fugindo do inimigo. É comum as famílias se separarem
ou os pais serem mortos, deixando crianças pequenas
que não podem fornecer nenhuma informação sobre suas origens.
Experiências traumáticas para as crianças incluem perderem
todo o suporte familiar, serem forçadas a matar seus pais
ou serem sequestradas, presenciarem um bombardeio, verem
a destruição de suas casas e serem forçadas a se juntar às forças
de combate.
Em tempos de guerra, crianças com frequência sofrem abuso
sexuaL Elas experimentam culpa, humilhação e vergonha.
Têm pesadelos, começam a urinar na cama, têm medo de ficar
sozinhas e têm uma autoimagem negativa. A possibilidade de
poderem contar suas histórias num contexto de confiança ajuda
essas crianças. Elas precisam se sentír aceitas e não forçadas
a falar. Precisam aprender a aceitar e respeitar seus próprios
limites e os limites dos outros.
Crianças foram forçadas a participar ativamente na guerra
em 33 conflitos diferentes nos anos de 1995-1996. Em Serra
Leoa, em 1997, havia 50 mil combatentes rebeldes, metade
deles com idade entre 8 e 14 anos. A maioria foi recrutada
contra sua vontade; outras acreditavam que tinham de lutar
para defender sua terra ou sua família, e recebiam drogas para
amortecer o medo. Algumas gostavam da vida no exército,
pois tinham liberdade para saquear e estuprar.
GUERRA E VIOLÊNCIA 73
Em Moçambique, na década de 80, a taxa de mortalidade
infantil durante a guerra civil com a Resistência Nacional Mocambicana
(RENAMO) foi a mais alta do mundo. Criancas
,,
foram forçadas a matar seus pais e irmãos e ver barrigas de
mulheres grávidas serem abertas. Quando a RENAMO invadia
uma vila, queimava casas, estuprava mulheres e garotas e
levavam crianças pequenas, algumas com apenas 6 anos, para
trabalhar em suas bases.
Essas crianças podem superar as crises e crescer emocional
e espiritualmente. Elas precisam aprender a discernir o que é
certo e o que é errado, e o ensino precisa se dar em um ambiente
seguro. Esse é um grande desafio para a missão cristã.
Os filmes Diamante de Sangue (2006) e Hotel Ruanda (2004)
não exageraram ao mostrar a realidade dessas crianças.
Restauração do trauma de guerra
Como pessoas de outras culturas podem compreender o que
significa o sofrimento causado por trauma de guerra e oferecer
cuidado adequado? As guerras criam uma memória social
traumática. É preciso estimular apoio mútuo, ouvir o que as
pessoas atingidas consideram prioridades e fortalecer as estruturas
comunitárias e familiares. O conceito de transtorno de
estresse pós-traumático foi desenvolvido em culturas ocidentais,
mas a maioria dos conflitos ocorre em contextos não-ocidentais.
O desafio é fortalecer os que sofrem em consequência
dos conflitos e ajudá-los a reconstruir um senso coletivo de
realidade, moralidade e dignidade. Grande parte do benefício
alcançado pelos centros de aconselhamento em Sarajevo não
foi devido aos especialistas em saúde mental, mas ao fato de
as pessoas terem um espaço para se encontrar e criar uma solidariedade
coletiva.
É necessário ajudar a reunir famílias, para reconstruir as estruturas
sociais e econômicas. É necessário quebrar o ciclo da
74 MISSIONÁRIOS FERIDOS
impunidade e promover a justiça. Asvozes das vítimas precisam
ser ouvidas e seus algozes precisam ser responsabilizados.
Desde o ano de 1990, antes da guerra mais recente, centenas
de milhares de crianças iraquianas morreram em consequência
do embargo económico imposto pelo Ocidente.
Essas mortes são menos traumáticas do que as causadas por
bombas? É preciso compreender a inter-relação das forças culturais,
socioeconâmicas e políticas operantes em uma guerra
e como o povo reage a essa situação e ao sofrimento por ela
causado. Pessoas afetadas pela guerra geralmente estão preocupadas
com seu mundo social despedaçado.
É realmente necessário ser sensível à cultura local e fortalecer
as maneiras de se lidar com o trauma de guerra que são
apropriadas à cultura. Durante e logo após o término de uma
guerra, as estruturas sociais podem estar tão enfraquecidas
que há necessidade de ajuda externa. Em Angola, tanto nativos
como estrangeiros, inclusive missionários, ficaram mentalmente
doentes em consequência do trauma de guerra.
A restauração é uma forte possibilidade mesmo em circunstâncias
caóticas. Se, ao sofrermos, não dermos lugar à amargura,
nossa força e sabedoria aumentarão. Crianças e adultos
precisam ter um relacionamento significativo com Deus e ter a
esperança que brota da certeza de que Deus não os abandona.
Servindo de maneira adequada
Como responder a um mundo que sofre? Para avaliar o trauma
sofrido por uma pessoa, é preciso compreender o grau
de exposição a situações extremamente estressantes e quanto
apoio recebeu de familiares, amigos ou agentes externos. Fatores
internos como estabilidade emocional, fé em Deus e experiências
anteriores de trauma também influenciam. Pessoas
traumatizadas precisam conversar com alguém que as ouça e
GUERRA E VIOLÊNCIA 75
encoraje a contar a história completa -não apenas os fatos,
mas também os sentimentos associados aos fatos. Significa dedicar
tempo e atenção com sensibilidade. Quando terminar
de contar sua história podemos encorajar a pessoa ferida a
entregar sua dor para Jesus e deixar que ele carregue a dor e as
feridas (Is 53.4), ajudá-la a se dirigir a Deus para receber graça
para perdoar (Mt 5.43-48) e orar por sua restauração.
Como cristãos somos chamados a ser promotores da paz,
que na Bíblia significa vida plena. Vida plena é muito mais
do que ausência de violência e inclui o compromisso da igreja
na luta por um mundo mais justo e menos violento. Podemos
trabalhar junto com outros setores da sociedade que buscam
os mesmos benefícios.
Insights
A guerra nos Bálcãs
A guerra nos Bálcâs foi uma experiência aterradora. Como
é possível superar tanto ódio?
Miroslav Volf, teólogo croata, questiona como devemos
nos posicionar a respeito da história de violência entre os povos.
Os sérvios afirmam que os croatas assassinaram 700 mil
sérvios em campos de concentração durante a Segunda Guerra
Mundial. Os croatas dizem que foram "apenas" 30 mil pessoas
e que os sérvios assassinaram mais croatas durante e logo
após a guerra. Como cristãos devemos procurar a verdade,
com humildade para reconhecer que não somos os detentores
exclusivos dela. É impossível reconstituir os fatos ocorridos no
passado de maneira isenta, sem nenhuma influência de um
ponto de vista em particular.
Limpeza étnica sugere que a outra etnia é uma sujeira que
precisa ser eliminada. Os outros têm de ser colocados em
campos de concentração, massacrados ou enterrados em valas
76 MISSIONÁRIOS FERIDOS
comuns. A exclusão é frequentemente um mal perpetrado
pelos "bons" cujas ações são fundamentadas em seus preconceitos
e convicções. Nos evangelhos vemos a conexão entre a
percepção de justiça que os inimigos de Jesus tinham a respeito
de si mesmos, e os planos que eles maquinaram para provocar
sua morte. A identidade cultural se insinua com força
religiosa. Assim, pode transformar um assassinato em um ato
de piedade.
A religião se tornou uma maneira de legitimar o uso da violência
para fins políticos. Adoradores do mesmo Deus brigam
entre si, e ambos acreditam que Deus está do seu lado. Senhores
de guerra decidem que é permitido ser violento quando
não existem alternativas não-violentas ou quando seus objetivos
são justos.
Se ouvirmos o que as vítimas relatam sobre seus inimigos
ficaremos chocados com a maldade deles. Mas quando os algozes
são confrontados com sua própria maldade, eles a negam e
tentam provar que estavam agindo em defesa própria. Muitas
vezes as vítimas de ontem são os algozes de hoje.
A disposição para amar e acolher pode nos ajudar a perceber
indicios de justiça na causa e nas ações do outro. Porém,
o ódio nos cega de tal maneira que apenas vemos as injustiças
cometidas por eles. Com toda a dor causada pela exclusão e
violência, como é possível pensar sobre a possível justiça da
ação dos algozes? Só poderemos ser capazes de perceber os
dois lados da situação se estivermos engajados na luta pela justiça.
Entretanto, quanto pior for a injustiça sofrida, mais cega
a pessoa fica em relação à injustiça que ela mesma inflige.
o genocídio em Ruanda
O genocídio brutal em Ruanda causou sofrimento inimaginável
e centenas de milhares de mortes. Como a igreja deve
reagir e ajudar a superar esse mal?
GUERRA E VIOLÊNCIA 77
o ruandense Laurent Mbanda, diretor do programa de
desenvolvimento da Cornpassion Internacional, comenta
sobre as raízes históricas desta luta. Os missionários "padres
brancos" a princípio promoveram o desenvolvimento econômico
dos hutus pobres. Posteriormente, a igreja católica romana
e as autoridades belgas favoreceram os tutsis, em relação à
educação e empregos. O rei e vários chefes se converteram e
o catolicismo se tornou a religião dos poderosos. A igreja católica
romana, antes aliada dos hutus, passou a ser aliada dos
tutsis e depois se tornou novamente aliada dos hutus.
Em 1959, o país testemunhou uma disputa de poder entre
hutus e tutsis. Depois do assassinato de milhares de tutsis e o
exílio de mais centenas de milhares, a igreja poderia ter promovido
a reconciliação, mas não tomou nenhuma iniciativa.
Alguns assassinos, ao irem se confessar, ouviram dos padres:
"Vá em paz, meu filho, matar um tutsi não é pecado". Em
1963 e em 1973 houve outras ondas de assassinatos, mas a
igreja não se pronunciou. Durante os assassinatos de 1994, as
igrejas foram palco de genocídio em massa.
A reconciliação só é possível quando a justiça é feita, quando
há confissão e mudança de atitude dos que apoiaram os
massacres. Depois dos assassinatos de 1959, missionários protestantes
escreveram um manifesto de protesto. Durante os
assassinatos de 1973, os protestantes não se manifestaram. Em
1994, os hutus que não concordaram com o genocídio e apoiaram
seus amigos tutsis também foram mortos. O silêncio das
missões cristãs foi estarrecedor. Depois dos massacres, cristãos
nativos se reuniram para oração e confissão.
Gary Haugen, fundador e presidente da Internacional
Justice Mission, foi para Ruanda como oficial das Nações
Unidas para reunir provas contra os algozes para o Tribunal
Criminal Internacional. Em 1994, cerca de meio milhão
de mulheres e crianças foi morto a facão, por seus vizinhos.
78 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Haugen entendeu que Deus amava essas pessoas e odiou o mal
que elas sofreram (cf Ez 22.25-30). Cada corpo depositado
naquelas valas comuns foi criado à imagem de Deus. Muitas
pessoas preferem se afastar do mundo sombrio da injustiça,
ou buscar o amor de Deus sem amar a seu irmão. Outros oferecem
seus serviços, como os cinco pães e dois peixes, e dizem:
"Jesus, estão à sua disposição".
A Catedral de St. Jean, em Kibuye, foi cuidadosamente
limpa, mas o odor penetrante de um sepulcro coletivo ainda
permanecia. Nesse chão centenas de crianças e mães indefesas
foram mortas a facadas. O governador da província ordenou
que as mulheres e crianças tutsis fossem buscar refúgio na igreja.
Durante os massacres anteriores as pessoas encontraram
refúgio nas igrejas. Esse mesmo governador incitou a milícia
extremísta hutu contra elas, e foram assassinadas com facões,
barras de metal e porretes de madeira com pregos.
Os mutilados em Angola
No mesmo período da crise nos Balcãs, Angola estava atravessando
uma guerra ainda mais sangrenta, mas esse conflito
foi grandemente ignorado pela comunidade internacional. De
acordo com as Nações Unidas, no final de 1992 e no ano de
1993, morreram mil pessoas por dia em Angola.
Durante a guerra em Angola, visitei hospitais, principalmente
o hospital para deficientes físicos, e me tornei amiga
de crianças, jovens e adultos. Nunca encontrei um grupo de
pessoas tão necessitado e tão receptivo. Muitas vezes me senti
sobrecarregada com suas necessidades, por ter poucos recursos
para oferecer-lhes esperança e conforto. Porém, dezenas se tornaram
cristãs. Um enfermeiro paraplégico é agora encarregado
de uma clínica de saúde, de uma escola para enfermeiros e
se tornou pastor de uma igreja que teve início em seu quintal,
com cinco pessoas. Eles construíram um templo muito sim
GUERRA E VIOLÊNCIA 79
ples, onde 150 pessoas se reúnem para o culto de domingo e
já têm duas igrejas filhas.
Sempre havia crianças nos hospitais, algumas muito deprimidas
por causa da dor contínua, e outras que tinham perdido
a família inteira e se sentiam desesperadamente sozinhas. Um
menino estava muito magro e deprimido, mas quando, com a
ajuda da Cruz Vermelha, conseguimos encontrar sua família,
ele recuperou sua alegria e força. Muitas crianças viram seus
pais serem mortos. Um garoto perdeu as pernas por causa de
uma mina terrestre. Ele se converteu, mas teve gangrena, sofreu
muito e morreu. Sua família não-cristã foi muito impactada
por seu testemunho.
Outro menino estava muito triste e solitário quando chegou
ao hospital. Dei a ele um caderno e lápis de cor. Todas
as semanas eu o visitava e via o que ele havia desenhado. Aos
poucos ele recuperou a alegria e coragem para viver. Um dia
ele disse: "Agradeço a Deus por ter me trazido para este hospital,
porque eu não conhecia a jesus, mas agora o conheço e
vou falar dele para minha família". Quando ele recebeu alta,
foi deixado sozinho, num quarto escuro, na casa de um tio,
com pouco contato humano e sem oportunidade de estudar.
Logo depois ele pegou uma infecção e morreu. Em Angola,
campeã mundial em minas terrestres, há tantas pessoas com
deficiências físicas e a vida é tão difícil que geralmente essas
pessoas são consideradas uma carga pesada demais para se
carregar.
A maior parte dos deficientes físicos eram ex-soldados, que
lutaram numa guerra que não era deles. Restou a sensação de
que suas vidas perderam o valor. Alguns eram tão receptivos,
que na minha primeira visita creram em Jesus. Para outros, isso
levou mais tempo. Muitos eram influenciados pelo ensino marxista,
então foi necessário um diálogo paciente. Aqueles que
creram recuperavam a alegria e coragem para viver e servir os
80 MISSIONÁRIOS FERIDOS
outros. Numa ocasião, não havia água no hospital e encontrei
dois rapazes, que tinham sido operados recentemente, febris e
sedentos. Não tinham familiares para cuidar deles e por isso
não tinham água para beber. Encontrei um de meus amigos
deficientes que tinha conseguido encher um bidão e uma garrafa
de água, depois de esperar quatro horas numa fila em sua
cadeira de rodas. Pedi a ele: "Você poderia dar um litro de água
para esses dois homens? Senão eles vão morrer de sede". Ele
nem hesitou e deu 20% de sua preciosa água.
Um amigo especial foi José Gomes, tetraplégico, que chegou
ao hospital quando tinha 16 anos. Ele era marxista e não
tinha nenhum interesse na Bíblia ou em orações. Tornei-me
sua amiga e, aos poucos, começamos a discutir questões de fé.
Ele creu em Jesus e se tornou uma pessoa alegre, com desejo
de alcançar outros e de ser útil. Decidiu aprender a escrever
com a boca. Já escreveu um livro contando seu testemunho.
Ele desejou ser uma bênção para outras pessoas deficientes e,
com alguns amigos, iniciou o projeto FENADOR (Felicidade
na Dor), até que Deus o chamou para si em abril de 200S.
O projeto continua e procura oferecer educação escolar e oficinas
práticas como artesanato, culinária e computação. O objetivo
principal é ajudar portadores de deficiências físicas a crer
em Jesus, crescer na fé e ter sua dignidade restaurada. É resposta
a uma necessidade muito grande. De acordo com as Nações
Unidas, em 2001, Angola, um país com apenas 12 milhões de
habitantes, tinha um quinto de toda a população mundial de
pessoas com deficiências físicas causadas por guerra.
capítulo seis

PROBLEMAS SOCIAIS
------......o~-----

A TAREFA DA IGREJA É PROClAMAR O EVANGELHO do reino de Deus


em seu próprio contexto. Porém como pregar o evangelho em
contextos de pobreza, corrupção, injustiça e violência? Missão
integral significa obedecer ao mandamento de Jesus de proclamar
o evangelho, e isto inclui suas implicações espirituais,
físicas e sociopolíticas. Precisamos refletir sobre os conflitos
sociais de nosso tempo e nos envolver nos movimentos de reconciliacão.
É necessária uma atitude de humildade, servico e
..
amor genuíno.
Davíd Bosch define a missão cristã como:
a relação dinâmica entre Deus e o mundo [...] como retratado
no nascimento, morte, vida e ressurreição de Jesus de
Nazaré [...] Missão se refere a missioDei [...] a autorrevelação
de Deus como aquele que ama o mundo [...] Missões se referem
a formas particulares de participação na missioDei [...]
A tarefa missionária é tão coerente, abrangente e profunda
quanto as exigências da vida humana... [O] sim de Deus
para o mundo se revela [...] no engajamento missíonário da
igreja quanto às realidades da injustiça, opressão, pobreza
.I' . 1
[]... e VIO enCla.
82 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Devemos reconhecer a contribuição da igreja católica romana
ao pensamento teológico e à prática pastoral. Austin P. Flannery
escreve sobre as conclusões do Concílio Vaticano II:
A alegria e esperança, a tristeza e angústia dos homens de
nosso tempo, especialmente daqueles que são pobres ou
aflitos [...] são a alegria e esperança, a tristeza e angústia
dos seguidores de Cristo [...] Em nenhuma outra época a
humanidade gozou tanta abundância de riquezas [...] e ainda
assim imensa proporção da população mundial é assolada
pela fome e por extrema pobreza [...] Grande número
de pessoas têm nítida consciência de estarem privadas dos
bens do mundo por causa da injustiça [...] nações famintas
clamam pela ajuda de seus vizinhos afluentes.2
No contexto da América Latina, o Concílio de Puebla, em
1979, conclui:
O luxo de alguns poucos convertidos é um insulto contra
a extrema pobreza de grandes massas [...] Nessa angústia e dor,
a Igreja discerne a situação de pecado social [...] uma situação
devastadora e humilhante de pobreza desumana em que
milhões de latino-americanos vivem. Em vários paises latinoamericanos
há um clamor crescente por justiça em favor das
pessoas que sofrem. Afirmamos a necessidade de uma igreja
integral com opção preferencial pelo pobre, a fim de alcançar
sua libertação holística.'
o pobre no contexto urbano
É necessário dar atenção especial ao pobre que vive nos grandes
centros urbanos. Há um número crescente de crianças na rua,
vítimas de todo tipo de exploração. Uma situação que é, em
grande parte, consequência da desintegração familiar. Asigrejas
se tornaram fonte de ajuda e esperança para o pobre urbano.
Ascidades com seu acúmulo de [...] servicos educacionais
e médicos têm atraído as massas, mas a mesma ganância,
PROBLEMAS SOCIAIS 83
injustiça e o abuso [...] têm tornado os corações dessas
cidadesemuma selvadeconcreto [...]ondesereshumanos
vivem em alienação e desespero."
o escritor Viv Grigg, autor de Servos entre os Pobres eO Grito
dos Pobres nas Cidades, considera os pobres urbanos o maior
desafio missionário contemporâneo devido às suas grandes
necessidades. A quantidade de pessoas nessas condições continua
a crescer e elas são bastante receptivas ao evangelho. Isso
se aplica aos muçulmanos em Karachi, aos hindus em Calcutá
e aos budistas em Bangcoc. As causas principais desse crescimento
são a pobreza rural e as guerras, que forçaram muitos a
procurar a segurança das grandes cidades. Em São Paulo, a familia
com quem Grigg morou veio das montanhas onde eram
muito pobres, não havia atendimento médico disponível, e
por isso apenas dois dos cinco filhos sobreviveram. Eles se mudaram
para a cidade, onde o pai trabalhava à noite por um
salário irrisório. Apesar disso a vida melhorou, eles tiveram
mais três filhos e todas as crianças frequentavam a escola.
De acordo com Shahid Yusuf, do Banco Mundial, nos primeiros
25 anos do século 21, a pobreza mundial ficará cada vez
mais concentrada nos grandes centros urbanos. O número de
pobres urbanos, vivendo em pobreza absoluta, cresceu dramaticamente
na América Latina, na África e nos países asiáticos
com economia menos favorecida. A renda média familiar de
países industrializados é 38 vezes maior do que a de cidades
africanas: 9.544 dólares contra 252 dólares por ano. O crescimento
urbano é muito maior nos países pobres -5% ao ano,
contra 0,7 % em países desenvolvidos. Em 2015 haverá 527
cidades com mais de 1 milhão de habitantes, e de cada quatro,
três estarão em países em desenvolvimento. Estão nestes países
oito das dez megacidades do mundo. São cidades com mais
de 10 milhões de habitantes, como Cidade do México, São
Paulo, Bombaim, Calcutá e Xangai.
84 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Em 2015, haverá 27 cidades desse porte e a população
urbana dos países em desenvolvímento excederá 4 bilhões.
No Brasil, o número de chefes de família sem renda triplicou
em dez anos: em 1991 havia 1,4 milhão e esse número
cresceu para 4,1 milhões em 2001. Esses números representam
9,2% de todos os chefes de família no Brasil e estão concentrados
principalmente nas grandes cidades.
Uma igreja batista de classe média em Buenos Aires recebeu
a visita de um ex-traficante de drogas, que indagou se a
igreja estaria disposta a receber seus velhos companheiros. No
domingo seguinte, vinte pessoas viciadas em drogas começaram
a frequentar a igreja. A igreja se envolveu num programa
de reabilitação, jovens da igreja começaram um ministério
com crianças carentes com dificuldades de aprendizado e uma
assistente social e seu marido se mudaram para a favela para
servirem de maneira mais efetiva. A igreja começou a cuidar
de pacientes com HIV/aids e desenvolveu um programa de
missão integral.
O pastor argentino Arturo Baspineiro serve na Fundação
Kairós de Buenos Aires, organização comprometida em encontrar
novas maneiras de servir e proclamar o evangelho nas
áreas de educação, saúde, habitação, alimentação e emprego.
A Fundação ajuda as igrejas a organizarem encontros que têm
por objetivo promover ações práticas de missão integral.
Em Lima, surge uma nova favela a cada mês, de acordo
com o Banco Mundial. Desde 1960, a população de Lima
quadruplicou de 1,5 milhão para mais de 6 milhões. Sem
escritura, a posse de propriedade não é garantida; as crianças,
em vez de irem à escola, ficam tomando conta da casa
enquanto seus pais trabalham, para impedir que outra família
desabrigada ocupe a casa. Em 1998, o Banco Mundial aprovou
um empréstimo de 38 milhões de dólares para o registro legal
de 960 mil propriedades urbanas. O governo contribuiu com
PROBLEMAS SOCIAIS 85
24 milhões de dólares e 1,3 milhão de pessoas carentes são
agora proprietárias de suas casas.
Itaperussu, perto de Curitiba, é a comunidade mais pobre
do estado do Paraná, com índices elevados de desemprego, criminalidade
e mortalidade. O projeto Monte Horebe oferece a
essas pessoas uma nova esperança. Por causa da necessidade de
cobertores, iniciou-se um curso de corte e costura. Foi aberta
uma creche para cuidar das crianças, que depois se transformou
em uma pré-escola e, posteriormente, em uma escola de
ensino fundamental. Esse projeto é administrado por um casal
nacional e é praticamente autossuficiente.
Em 2001, 837 milhões de pessoas viviam em favelas urbanas,
locais de extrema pobreza e degradação ambiental, com
grandes riscos de doenças, mortalidade e tragédias. Na Índia,
um estudo mostrou que em nove favelas não havia latrina e
que em outras dez favelas, havia dezenove latrinas públicas
para 102 mil pessoas.
O governo de Calcutá desenvolveu uma estratégia para reciclagem
de água. Hortas são plantadas com adubo' de lixo
orgânico e irrigadas com esgoto tratado e 3 mil hectares de
tanques de criação de peixes integram o tratamento de esgoto
e de cultivo de peixes. Com esse processo, todo o esgoto de
Calcutá é tratado, os campos adubados com lixo orgânico produzem
150 toneladas de vegetais e 16 mil toneladas de arroz e
os tanques de peixes produzem 8 mil toneladas de peixes por
ano. Grupos da comunidade administram o projeto.
Na favelade Tatalon, em Manila, o governo decidiu construir
alguns banheiros e bombas de água e permitir que as pessoas
comprem um pequeno terreno pagando cerca de seis dólares por
mês, durante 25 anos. É um local de esperança, onde o evangelho
é bem recebido. Metro Manila tem cerca de 10 milhões de
habitantes. Por causa do alto índice de crescimento populacional,
corrupção, tensão política e desastres naturais, a pobreza e
86 MISSIONÁRIOS FERIDOS
o desemprego têm aumentado. Cerca de 3 milhões moram
em favelas. Há novecentas áreas carentes na cidade e não há
igreja em quatrocentas delas. Nos últimos dez anos, o número
de igrejas dobrou e há um movimento crescente para plantar
igrejas e trazer desenvolvimento comunitário para essas áreas.
Nas áreas urbanas do Quénia, 60% das pessoas vivem abaixo
da linha de pobreza, em favelas onde não há água encanada,
eletricidade, rede de esgoto ou latrinas. A favela Kibera, em
Nairóbi, tem um odor fétido característico e não é adequada
para moradia. O pastor Makuku, da igreja reformada, desenvolve
ali seu ministério e é respeitado e amado pelo povo. Há
muitas igrejas nas favelas de Nairóbi, mas seus líderes não são
treinados. Makuku está formando o Ministério Daybreak Word
and Deed [Alvorada, palavra e ação], com o objetivo de treinar
pastores nas áreas de liderança, auxílio jurídico, plantação de
igrejas e justiça social.
Há um contraste entre o rápido crescímento da igreja nas
favelas da América Latina e a presença insignificante da igreja
nas favelas da Asia. Em Lima, de 60 a 90% das igrejas evangélicas
são localizadas em favelas. Na Cidade do México, a maioria
das igrejas está entre os pobres.
Os pobres urbanos são um dos maiores desafios missionários
de nossos tempos. Como cristãos, é nossa tarefa estar
cientes do que acontece ao nosso redor, responder às necessidades
de maneira adequada, aprender com aqueles que os
serviram com excelência a alcançar os pobres com o amor e a
humildade de Cristo.
A criança no contexto de pobreza
Precisamos prestar atenção à realidade chocante do sofrimento
das crianças e estar prontos a atender suas necessidades.
De acordo com dados da UNICEF e da Visão Mundial,
500 milhões de crianças não receberam comida suficiente
PROBLEMAS SOCIAIS 87
para crescerem fortes e sadias. Há 2,5 milhões de crianças com
deficiências mentais no mundo árabe e menos de 50 mil participam
de um programa oficial de atendimento. Em alguns
países da África, um terço das crianças perderam seus pais por
causa de HIV/aids.
Cerca de 2 milhões de crianças recebem o apoio de cristãos
do mundo todo. Mas esse é um número pequeno quando
comparado à necessidade: 10 milhões de órfãos por causa da
aids, 10 milhões de vítimas da guerra; 10 milhões envolvidas
em prostituição, 150 a 300 milhões vivendo nas ruas. A Visão
Mundial tem um projeto no norte de Bangcoc, onde ensina
atividades que podem gerar renda a garotas. Eles oferecem um
bom treinamento e combatem a prostituição através da mídia
local. Em dois anos, o número de garotas que teriam sido vendidas
para o mercado de prostituição caiu 80%.
Devido à grande pobreza, em 1996 havia 120 milhões de trabalhadores
infantis -com idades entre 5 e 14 anos -trabalhando
até doze horas por dia. As crianças recebem os salários mais
baixos, trabalham sob as piores condições e não têm direitos legais.
Nas ruas, crianças sobrevivem catando papelão, engraxando
sapatos, vendendo pequenos artigos, tomando conta de carros
etc. Algumas famílias pobres mandam seus filhos para as ruas.
Em outros lares, a violência os empurra para as ruas. No México,
40% das crianças vivendo nas ruas tinham entre 5 e 8 anos e
60% entre 9 e 14 anos. Com o crescimento das cidades, há um
aumento acentuado da prostituição infantil. A cada ano, 1 milhão
de crianças é vendido para o mercado sexual. Na Tailândia,
crianças são raptadas nas vilas e vendidas para o mercado sexual,
onde atendem dez, vinte ou trinta homens por dia.
No sudeste asiático, muitas crianças trabalham em fábricas
em condições precárias, e a solução desse problema não
é simples. A pressão internacional levou fábricas têxteis de
Bangladesh a demitirem 75% de seus trabalhadores infantis.
88 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Nenhum deles foi para a escola e a maioria acabou trabalhando
em condições piores. Se o mundo gastasse 1% do que gasta em
armas durante um ano, poderia oferecer educação gratuita em
boas escolas para todas as crianças.
Na maioria dos países pobres, metade da população é composta
por crianças e muitas estão em situação de risco. Para
mudar esses fatos, deveriam ser organizados mais projetos cristãos
para oferecer oportunidades de ensino e abrigo. A igreja
precisa fortalecer as estruturas familiares na comunidade e
estar envolvida na provisão de proteção e educação para crianças.
A Rede Viva mantém contato com 20 mil organizações
cristãs que atendem crianças carentes. Ela fornece informação
e cooperação aos cristãos, a üNOs seculares e aos governos e
é uma estrutura de apoio importante para o ministério com
crianças em situação de risco.
Encarnação -serviço e estilo de vida apropriados
Como cristãos, qual é nossa responsabilidade para com os pobres?
Qual é a vontade de Deus para a sua igreja em meio a
tanto sofrimento? Como podemos seguir o modelo de Jesus,
que se tornou um de nós para nos servir?
[onathan Bonk, direitor executivo do Overseas Ministries
Study Center nos Estados Unidos, escreve sobre missão de
acordo com os padrões bíblicos:
Precisamos de uma missiologia que recupere o modelo de
servo [...] que deixa seu mestre estabelecer a tarefa. Preci

samos de uma missiologia que recupere [...] o principio do


(grão de) trigo [...] Precisamos de uma missiologia que dis

tinga entre [...] organização engenhosa e encarnação custo

sa. Precisamos uma missiologia que nos mova para longe


da "eficiência" e nos ensine a caminhar com os pobres."
A encarnação é o paradigma cristológico para a missão,
como vemos nos evangelhos. A missão inclui compaixão
PROBLEMAS SOCIAIS 89
como resultado da inserção nas multidões, e não deve ser
simplesmente uma opção acadêmica, mas uma ação clara de
serviço. Missão inclui confrontar os poderes da morte com o
poder do Servo Sofredor.
O cristianismo não criou raízes na Índia porque nunca perdeu
o estigma de ser estrangeiro. A fé cristã precisa ser interpretada
dentro do contexto de seu ambiente e cultura -uma
tarefa que envolve risco, como todas as interpretações em diferentes
tempos e contextos.
Na África Sahariana dar dinheiro e ajudar as pessoas que
moram próximas é um sinal de amizade e solidariedade. Como
uma pessoa rica pode ser considerada amiga se não estiver
pronta a compartilhar seus bens com quem tem necessidade?
Quando compartilhamos o evangelho em contextos muçulmanos,
precisamos estar prontos a suprir as necessidades dos
convertidos que podem ter perdido tudo após sua conversão.
Nas reuniões entre cristãos angolanos que pediam ajuda a
representantes de ONOs, alguns do segundo grupo ouviam
o que os angolanos tinham a dizer, enquanto outros já "sabiam
o que era o melhor para eles". Alguns cristãos nacionais
acreditavam que as ONOs ficaram ricas por estarem envolvidas
em projetos com angolanos pobres e por divulgarem
fotografias de sua situação humilhante, e que as ONOs não
permitiam que a situação melhorasse porque seria o fim de
seus recursos.
É necessário criar estruturas de apoio para os obreiros que
servem entre os pobres. O escritor Viv Origg enfatiza a necessidade
de cristãos que, como Jesus, estejam prontos a viver
entre os pobres nas mesmas condições em que eles vivem, demonstrando
um estilo de vida encarnado e buscando a transformação
dos poderes que promovem injustiça e opressão.
Um pastor na Ásia decidiu viver entre os pobres de Manila
e lutar por habitações melhores. O diretor local do Sistema
90 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Financeiro para Habitação e lideres de gangues foram ver o
que ele estava fazendo. Eles decidiram ajudar em seu projeto
de construção e ao verem esse homem expressar em sua vida
o amor e a justiça de Deus alguns se converteram. Precisamos
enviar homens e mulheres assim, dispostos a viver como os
pobres entre os pobres, pregar o evangelho e plantar igrejas
nessas regiões carentes.
A marginalização não consiste apenas em pobreza econômica,
é também a falta de oportunidade para o desenvolvimento
humano, é uma maneira de ver a si mesmo e o mundo: um
sistema espiritual, cultural e sociaL Ao servir pessoas marginalizadas
é necessário viver entre elas, entendê-las e aprender a
trabalhar junto. Pessoas marginalizadas desenvolveram redes
sociais para sobrevivência, como várias familias compartilhando
o cuidado das crianças. A Igreja precisa redescobrir o valor
da adoção de um estilo de vida simples, do compartilhar seus
pertences com os pobres.
Na parábola do Bom Samaritano não sabemos o nome
nem idade da vítima, se ela é casada ou solteira, sua classe
social ou sua religião. A única informação que temos é que ela
é uma pessoa e como tal é feita à imagem de Deus. Jesus nos
fala sobre a indiferença do sacerdote e do levita. Eles tinham
muitas razões para justificar sua incapacidade de ajudar. Jesus
intencionalmente faz com que a pessoa que oferece ajuda seja
um samaritano. Ninguém esperaria nada de bom dele. O que
o motivou a agir foi ele ter visto o homem e sentido compaixão
(Lc 15.33). O samaritano não ofereceu apenas primeiros
socorros, mas ofereceu tudo o que estava ao seu alcance.
A mensagem do amor de Deus se torna digna de crédito quando
acompanhada de um serviço de amor. O amor não é apenas
dar bens materiais, mas também doar a si mesmo. Portanto,
não é possível amar se não há disposição para enfrentar o
sofrimento.
PROBLEMAS SOCIAIS 91
Missão integral
Jesus ensinou seus seguidores a buscar os valores do seu reino,
a serem sal e luz. O que isso significa para a igreja em missão
hoje?
A teologia da libertação na América Latina foi fruto da preocupação
de teólogos católicos romanos com as questões de
pobreza e justiça. Por causa de sua preocupação com o contexto
em que estavam inseridos e por meio do estudo da bíblia,
líderes evangélicos na América Latina descobriram que justiça
e transformação social são temas que devem fazer parte da
agenda do povo de Deus e assim influenciaram o movimento
evangélico em todo o mundo.
Joseph D'Souza, escritor indiano e presidente da Dalit
Freedom Network, organização que luta pelo fim das castas
na Índia, formula algumas perguntas importantes:
Como lidamos com a acusação de que a fé cristã só constrói
escravos maís dóceis sob os seus opressores e não lida com
o assunto da justiça [...]? Corno convenceremos as pessoas
de que Deus é um Deus de justiça, clemência e compaixão?
Corno mostraremos às pessoas que, ao nível humano,
Crísto foi pregado à cruz porque se posicionou em favor
da justiça, compaixão e clemência, e que ele era urna real
ameaça à ordem política e religiosa dos seus diasi"
Em muítos circulos missionários chegou-se à conclusão de
que tanto a abordagem da caridade tradicional quanto a abordagem
mais abrangente (educação, saúde e capacitação agronômica)
não são modelos adequados. Surgiu então o modelo de
desenvolvimento, com o pressuposto de que aquilo que é bom
para o Ocidente seria bom para o Terceiro Mundo. Entretanto,
a situação socioeconõmica dos pobres continuou desesperadora;
eles não perceberam que a pobreza está relacionada às relações
estruturais globais. O verdadeiro problema é o da dominação e
dependência, da relação opressores versus oprimidos. A pobreza
92 MISSIONÁRIOS FERIDOS
só será eliminada quando as raízes causadoras da injustiça forem
extirpadas. A libertação precisa ser efetiva nas várias esferas de
opressão social, pessoal, e de pecado.
A morte de Jesus na cruz para nossa salvação é a essência do
evangelho, mas, sua morte não pode ser isolada de sua vida.
Ele foi crucificado por causa de sua identificação com pessoas
à margem da sociedade. A cruz é também um manifesto em
favor da reconciliação entre indivíduos e grupos rivais. A reconciliação
exige sacrifício tanto da parte do opressor quanto
da parte do oprimido. Demanda o fim da opressão e injustiça
e o compromisso com justiça e paz.
O movimento evangélico missíonário tem percebido, aos
poucos, a necessidade de desenvolver uma missão integral que
responda a todas as necessidades humanas.
No Congresso de Lausanne, em 1974, foi redescoberto o
conceito bíblico de missão integral, com ênfase no evangelísmo
ao mesmo tempo em que relaciona missão a todas as áreas de
necessidade humana. Foi enfatizada a necessidade de considerar
as lutas espirituais, ideológicas e sociais que estão presentes nos
contextos específicos em que a missão é realizada. Em Lausanne
II, em 1989, houve sinais de progresso significativo em relação à
prática de missão de acordo com a agenda de Lausanne I, especialmente
no Terceiro Mundo e na Europa Oriental: estilo de
vida simples, missão integral e o tema do reino de Deus sendo
colocados em prática segundo o modelo de Jesus.
Uma das afirmações da Declaração de Foz do Iguaçu é:
Enfatizamos a natureza holística do evangelho de Jesus
Cristo. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento demonstram
a preocupação de Deus com as pessoas como
um todo, dentro da sociedade como um todo."
E um de seus compromissos:
Num mundo cada vez mais controlado pelas forças da eco

nomia global, os cristãos precisam estar atentos ao efeito


PROBLEMAS SOCIAIS 93
corrosivo da riqueza assim como ao efeito destrutivo da
pobreza. Devemos estar atentos ao etnocentrismo do nosso
entendimento a respeito das forças econômicas. Comprometemo-
nos em denunciar as realidades da pobreza
mundial e nos opormos às politicas que servem ao poderoso
ao invés do fraco [...) Chamamos todos os cristãos a se
comprometerem a refletir acerca da preocupação de Deus
pela justiça e bem-estar de todos os povos."
Alguns cristãos mantêm um equilíbrio saudável entre
a importância fundamental do evangelismo e o serviço às
pessoas em todos os aspectos de sua humanidade sofrida.
Isso define missão como missão integral. Mas outros ainda
definem missão apenas como oferecer salvação do pecado.
Jesus respondeu a todos os tipos de necessidades humanas
(Lc 4.16-28).
A visão de pobres e leprosos chorando no funeral da
Madre Teresa e do evangélico Graham Staines não será esquecida
por um longo tempo. Muitos vieram a Cristo por causa
do testemunho deles. A igreja e a missão na Índia precisam
produzir mais pessoas envolvidas no ministério entre os pobres,
movidas pelo amor de Cristo para cumprir a missão integral.

Quando Jesus encontra seus discípulos pela última vez,


eles o adoram, apesar de alguns duvidarem. É a essa comunidade
que adora e duvida que Jesus entrega a grande comissão.
Jesus tem "toda autoridade", a mensagem é para "todas
as nações", e eles recebem a tarefa de ensiná-los a "obedecer
todas as coisas que ordenei a vocês". Isso significa que não podemos
fazer separação entre evangelismo, discipulado e serviço.
Fazer discípulos está relacionado a todas as dimensões da
vida. Lucas 4.18-19 mostra como Jesus cumpriu sua missão e
quais foram os padrões que ele estabeleceu para nossa prática
missionária. A manifestação do "ano do favor do Senhor"
94 MISSIONÁRIOS FERIDOS
foi acompanhada por sinais do reino no ministério de Jesus:
esperança para os perdidos, inclusão dos marginalizados, libertação
dos oprimidos, cura dos doentes, dignidade para as
mulheres. O reino conquistou as ruas, superou as tradições e
convidou os desesperançados para o banquete da vida.
capítulo sete

PERSEGUIÇÃO
-----......:o~----

A PERSEGUIÇÃO SEMPRE FOI UMA MARCA DA IGREJA CRISTÃ,


especialmente da Igreja em missão. Hoje a Igreja é maior, há
mais testemunhas e missionários, os campos missionários são
maiores e mais pessoas sofrem perseguição e martírio. Em
muitos países, outras ideologias e religiões são predominantes
e resistem a nossos esforços missionários. Na obediência
ao chamado missionário precisamos estar prontos a enfrentar
essas dificuldades. Também precisamos dar apoio àqueles que
vivem em contextos de perseguição.
Porém, nem tudo pode ser considerado perseguição. Alex
Buchan e Paul Estabrooks, da missão Portas Abertas, citam o
Irmão André: "Se um cristão mata um muçulmano, e em vingança
um muçulmano mata um cristão, isso não é perseguição".
Alguns cristãos construíram uma igreja perto de um templo budista
no Sri Lanka e foram apedrejados por isso. A igreja foi
demolida não por perseguição, mas por falta de sabedoria. Perseguição
é a oposição por ser um seguidor de Cristo e não por
causa de comportamento belicoso e atos de provocação.
Algumas publicações ocidentais também podem incitar a
perseguição. Por exemplo, ao fazerem pesquisa na internet,
96 MISSIONÁRIOS FERIDOS
líderes hinduístas leem o que as organizações missionárias e
igrejas ocidentais publicam e interpretam literalmente as palavras
"guerra", "batalha", "espiar a terra". Assim, entendem
que o interesse dos missionários é dominar a terra e desrespeitar
sua cultura e religião, o que aumenta ainda mais a perseguição
aos cristãos locais.
Tokunboh Adeyemo, secretário-geral da Associação de Evangélicos
na África, escreve que: "Em muitos lugares, a perseguição
religiosa, a hostilidade política e a intolerância cultural estão
aumentando. São colocadas barreiras no caminho da missão."!
Em vista das violações constantes da liberdade religiosa e
com base no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, a Assembleia Geral das Nações Unidas redigiu a
Declaração da Eliminação de Todas as Formas de Intolerância
e Discriminação Baseadas em Religião ou Crença, proclamada
pela resolução 36/55 de 25 de novembro de 1981:
Considerando que a quebra e o desrespeito dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, em particular do direito
de liberdade de pensamento, consciência, religião ou
qualquer crença, tenha trazido direta ou indiretamente,
guerras e grande sofrimento à humanidade [...] Considerando
que a religião ou crença, para qualquer um que
professe L..] é um dos elementos fundamentais de sua
cosmovisão e que a liberdade de religião [...] deve ser [...]
respeitada e garantida [...] [Estamos] preocupados com as
manifestações de intolerância e existência de discriminação
em matéria de religião ou crença ainda em evidência
em algumas partes do mundo.!
A Aliança Evangélica Mundial (WEA) recebeu status de
consultora oficial da Organização das Nações Unidas (ONU)
em 1997. Esse privilégio permite que a WEA apresente um relatório
anual e faça uma apresentação oral na reunião plenária
da Comissão de Direitos Humanos das ONU, em Genebra,
Suíça, a cada primavera.
PERSEGUiÇÃO 97
A Aliança Evangélica Mundial I...] estima que haja mais
de 200 milhões de cristãos no mundo hoje que não tenham
direitos humanos plenos, como definido pela Declaração
dos Direitos Humanos das Nações Unidas, simplesmente
por serem cristãos I...] a liberdade religiosa está
sendo violada I...] e há a necessidade urgente de assegurar
o direito de liberdade religiosa para todos I...] governos
locais e nacionais devem respeitar o direito de cada um
praticar, ensinar, propagar, mudar e observar sua religião
I...] grandes violações da liberdade religiosa como: genocídio,
assassinatos, escravidão e tortura fundamentados na
fé ou crença religiosa I...] devem ser objeto de sanções I...]
Deve ser rejeitado o uso indevido da psiquiatria e da ciência
para restringir a liberdade religiosa. O sequestro de
membros de uma fé religiosa para forçá-los a mudar sua
fé ("desprogramação") I...] deve ser condenado com vigor
pelas autoridades do governo I...] cada fé religiosa deve receber
proteção igual de sua liberdade religiosa e políticas
do governo não devem estabelecer hierarquia de religiões
I...] Do mesmo modo I...] as religiões devem agir com honestidade,
responsabilidade e respeito para com os direitos
humanos e dignidade humana.'
A perseguição coexiste com o cristianismo desde o seu
início. Como a igreja conseguiu permanecer firme em tempos
de sofrimento e martírio? Tácito, historiador do primeiro
século, afirma que "além de serem condenados à morte,
eles eram feitos (por Nero) objetos de diversão, eram jogados
às feras e mortos pelas mordidas de cachorros; alguns eram
crucificados, outros eram incendiados para iluminarem a noite".
A Declaração de Foz do Iguaçu fez uma afirmação desafiadora:
Sofrimento, perseguição e martírio são realidades presentes
na vida de muitos cristãos. Reconhecemos que nossa obediência
missionária envolve sofrimento e que a igreja tem
experimentado esta realidade. Afirmamos nosso privilégio
e responsabilidade de interceder por aqueles que estão debaixo
de perseguições. Somos chamados a compartilhar
suas dores, proporcionar todo alívio que pudermos aos seus
98 MISSIONÁRIOS FERIDOS
sofrimentos [...] Num mundo cada vez mais injusto e
violento [...] comprometemo-nos a preparar a nós mesmos
e a outros para sofrer no serviço missionário e servir à igreja
sofredora. Comprometemo-nos a articular uma teologia
bíblica do martírio."
o missiólogo africano Seth Anyomi afirma:
Sofrimento, perseguição e martírio, temas antes negligenciados
na doutrina cristã, são agora parte integrante de
nossa reflexão [...] O chamado para [...] reunir esforços
para trazer liberdade e justiça aos cristãos oprimidos no
mundo inteiro também é um chamado para os cristãos se
tornarem verdadeiramente o corpo de Cristo onde quando
um sofre, todos sofrem com ele.5
Wilfred Wong é advogado evangélico e serve os cristãos por
meio da Campanha do Jubileu e como lobista da Comissão
de Direitos Humanos nas Nações Unidas. Ele menciona uma
visita que fez a líderes que supervisionam 2 mil pastores e evangelistas
nas Ilhas Maluku, Indonésia. Meses antes de sua visita,
centenas de obreiros foram mortos, alguns deles queimados
vivos, outros cortados em pedaços. Um pastor perguntou:
"Porque ninguém se importa conosco?" Wong ressalta que precisamos
obter autorização para defendê-los. É importante verificar
se a pessoa tem dependentes que precisam de assistência.
É importante confirmar a informação, com a corroboração de
uma fonte independente. Antes de procurar auxílio jurídico, é
preciso verificar a gravidade da perseguição e a possibilidade de
a ajuda jurídica piorar ainda mais a situação da vítima.
Muita coisa já foi escrita sobre perseguição e martirio de cristãos
em paises comunistas. Em tais contextos há discriminação,
intimidação e prisão com a finalidade de criar apóstatas e não
mártires. O governo exige o registro das igrejas, mas a vida de
uma igreja registrada ainda é difícil. Desde que o evangelho chegou
ao Vietnã, os cristãos foram perseguidos. Sob o domínio
PERSEGUiÇÃO 99
dos vietcongs, os cristãos sofreram por seus princípios morais
e sua aversão à violência. Explosões violentas destruíram casas
de missionários, em Banmethuot. Os sobreviventes se esconderam
num líxão e cinco missionários foram levados como reféns.
A perseguição de cristãos tribais continuou, com sequestros em
massa e massacres. Em 1972, houve um reavivamento por todo
o Vietnã e em An Loc, 1.086 pessoas vieram a Cristo. Porém,
em 1978, sessenta pastores foram presos. Apenas recentemente
conquistou-se certa liberdade religiosa.
Em 1991, no Vietnã, o pastor Ding foi preso por dois anos.
Seu crime foi a propagação de religião "sob o disfarce de trabalho
social". Padres e pastores foram atacados, intimidados,
multados e enviados para campos de reeducação. Muitos morreram
na prisão. Hoje há cerca de 5 milhões de católicos romanos
e 1 milhão de protestantes no país.
Todos os missionários foram expulsos do Camboja em
1965, mas depois do golpe de estado de Lon Nol, eles retornaram.
Em 1972, foi realizado um evento evangelístico com
Stanley Mooneyham, da Visão Mundial. Na primeira noite,
quinhentas pessoas aceitaram a Cristo. A igreja cresceu de
trezentas pessoas em 1970 para 10 mil em 1975. Porém, em
1975, o partido comunista Khmer Vermelho tomou o poder e
mais de 2 milhões de cambojanos foram mortos. Apenas dois
pastores sobreviveram ao período do Khmer Vermelho. O cristianismo
agora é tolerado, mas ainda há poucos cristãos.
No Camboja, 90% dos protestantes e 30% dos católicos
foram mortos. Mam Barnabas, por exemplo, passou dez anos
em três campos de trabalhos forçados. Seu pai, seis irmãos e
29 membros da família foram mortos; somente sua mãe sobreviveu.
Hoje Barnabas está reconstruindo sua igreja.
O pastor chinês Allen Yuan foi levado para um campo de
trabalho forçado perto da fronteira soviética. Quando Deng
Xiaoping chegou ao poder, prisioneiros com mais de 60 anos
100 MISSIONÁRIOS FERIDOS
de idade, que serviram por mais de vinte anos, foram libertos.
Quando Yuan chegou em sua casa, sua família não o reconheceu.
O pastor Wang Mingdao foi sentenciado à prisão perpétua
em 1950. Ele foi finalmente libertado em 1980, cego e
doente, mas firme na fé.
As ações corajosas de cristãos podem influenciar a sociedade.
O pastor Lazlo Tokes, na Rornênia, foi perseguido pela
Polícia Secreta por vários anos, situação que piorou depois
que ele falou na televisão húngara sobre a violação de direitos
humanos e da liberdade religiosa, em 1989. Quando a polícia
veio prendê-lo, um grupo composto por cristãos de várias igrejas
e por não-cristãos resistiu à policia. Esse foi o começo da
revolução romena.
Nos anos de 1960-1961, em Cuba, vários padres católicos romanos
e bispos foram presos. Apenas em Havana, 20 mil pessoas
foram presas. Mais de uma centena de padres e 2 mil freiras
foram expulsas. Espiões do governo começaram a frequentar
reuniões da igreja. Em 1990, Cuba afrouxou as restrições.
Em 1974, houve um golpe comunista na Etiópia. O Coronel
Mengistu se tornou ditador e proclamou a formação da República
do Povo, em estilo soviético. Em 1977, ocorriam até 150
assassinatos e execuções por dia. Os militares usaram dinamite
para execuções em massa, para economizar munição. Mais de mil
crianças foram massacradas e seus corpos deixados nas ruas. Líderes
cristãos foram perseguidos até o final do regime, em 1991.
Em Angola, depois de 1991, houve uma mudança na economia
e na atitude do governo em relação às igrejas. O governo
angolano tentou manter certo controle sobre as igrejas por
meio do registro. Uma igreja registrada tinha o direito de receber
visitantes estrangeiros e seu pastor tinha direito a obter
passaporte e viajar para fora do país. As igrejas não-registradas
não tinham direito algum, mas raramente sofriam perseguição
direta.
PERSEGUIÇÃO 101
Evangelizar estudantes universitários, futuros líderes da
nação, era um problema. Numa província, os universitários
cristãos foram ameaçados de expulsão. No final do semestre,
houve uma reunião pública e os cristãos foram obrigados a
declarar se escolhiam os estudos ou sua religião. Os estudantes
menos corajosos já tinham deixado o grupo, mas cada um
dos sete que permaneceram disse: "Nós queremos estudar, nós
queremos servir nosso país, mas não podemos negar nosso
Senhor". Então foram impedidos de continuar seus estudos,
forçados a entrar para o exército e enviados para frentes de
batalha. Continuaram a ser testemunhas fiéis.
A perseguição raras vezes foi severa no pais, mas havia a
pressão psicológica que influenciava o comportamento cristão.
A maioria dos cristãos se tornou muito submissa. Alguns
cristãos foram presos por roubo nos departamentos onde trabalhavam,
e fingiram estar sendo perseguidos por causa de
sua fé.
Perseguição na China
Devido ao tamanho de sua população e ao maravilhoso crescimento
da igreja cristã em tempos de perseguição, a China merece
consideração à parte. Numa visita ao país em 2000, fiquei
impressionada ao ver na cidade de Guangzhou uma "igreja
não-oficial" se reunindo abertamente numa rua movimentada,
com 1.500 pessoas por culto. Também fiquei impressionada
com o fervor cristão e crescimento do ministério de líderes
e igrejas do Movimento Patriótico das Três Autonomias (autogovernada,
autossustentada e autopropagada).
É interessante observar o diálogo entre dois cristãos, um
pertencente à igreja oficial e outro pertencente à "igreja doméstica".
Ambos os grupos sofrem, ambos crescem e ambos
possuem muitos crentes verdadeiros. O primeiro disse:
102 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Somos visíveis, então as pessoas podem nos achar com
facilidade, temos permissão de ter um local para reuniões,
um pastor pode nos liderar e podemos ter algumas cópias
da Bíblia. É claro que há certo controle do governo, mas
pensamos que temos mais ganhos do que perdas [...) e estamos
felizes em sermos patriotas."
E o segundo replicou:
Ah, mas nós somos livres. Sofremos por causa de nossa
desobediência civil quando as autoridades nos encontram,
mas por outro lado somos livres para amar a Deus [...) a
Palavra de Deus é muito preciosa para nós por ser tão difícil
termos Bíblias. Os descrentes não determinam o que
podemos ou não ensinar.'
Em 1958, a maioria das igrejas foi fechada. O crescimento
de igrejas domésticas foi influenciado por igrejas chinesas autóctones:
A Família de Jesus, organizada por [ing Tianying, o
Pequeno Rebanho, fundada por Watchman Nee, e o ministério
de Wang Mingdao. Em 1978, Deng Xiaoping declarou que
era perigoso tentar eliminar a religião pela força e que permitia
a visita de estrangeiros às ígrejas. Porém, em províncias mais
remotas, a perseguição continuou. A essência da nova política
é que a crença religiosa é um assunto privado. O governo não
propagaria o ateísmo nas igrejas e a igreja não disseminaria
qualquer literatura religiosa na sociedade.
As políticas do governo chinês em relação à religião se tornaram
mais liberais na década de 80, mas voltaram a ser mais
rígidas depois da supressão do movimento democrático de
1989. O Gabinete de Assuntos Religiosos é responsável pela
implementação da política religiosa. A Segurança Pública é
responsável pela prisão dos envolvidos em atividades religiosas
ilegais e monitora a influência estrangeira.
Os Departamentos dos Assuntos Religiosos têm escritórios
municipais e provinciais para exercer controle sobre as ativida
PERSEGUIÇÃO 103
des religiosas. Exorcismo e orações por cura são proibidos. Nas
igrejas oficiais, a pregação do evangelho, o batismo, a Santa
Ceia e os estudos bíblicos são permitidos. Pastores das igrejas
reconhecidas que têm a fé evangélica e que se concentram na
pregação do evangelho atraem muitos crentes. Hoje as igrejas
podem pedir de volta suas propriedades (que foram confiscadas
pelo governo), por meio dos comitês locais dos Assuntos
Religiosos. Muitos líderes presos foram libertos e dirigem igrejas
oficiais.
A igreja reconhecida dirige seminários, um programa de
publicações, treinamento para líderes leigos, grupos de jovens
e agências humanitárias. Crescem também as atividades religiosas
conduzidas pelas igrejas domésticas. Pesquisas confiáveis
concluem que havia entre 40 e 50 milhões de cristãos na China
em 1998. Muitas pessoas participam dos dois tipos de igreja.
Lareau Lindquist, da organização Barnabas International,
descreve seu encontro com Samuel Lamb, o pastor da maior
igreja doméstica na China. Mesmo tendo sido preso duas vezes,
uma por dezesseis meses e outra por vinte anos, ele insiste:
"Maior perseguição é seguida por maior crescimento [...] o sofrimento
não é nada para nós [...] Deus vai nos fortalecer".
Perseguição no contexto de outras religiões mundiais
Há uma reação crescente contra o cristianismo também em paises
onde outras religiões se fortaleceram ou foram revitalizadas.
Em Israel, grupos ortodoxos judeus agridem ministros
evangélicos, especialmente os que recebem judeus que se
convertem à fé cristã. Membros de uma igreja em Jerusalém
tiveram seus nomes pichados nos muros, foram comparados
a membros da Ku Klux Klan, e acusados de serem apoiados
pela Organização pela Libertação da Palestina (OLP). Jogaram
pedras nas janelas de uma igreja em Tiberíades e colocaram
fogo no edifício. Apesar disso, a igreja está crescendo.
104 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Muitos cristãos indianos foram deserdados por suas famílias
e centenas foram mortos em tumultos. Em Tamil Nadu, um pastor
indiano foi pego numa emboscada e decapitado por membros
de uma seita hindu radicaL Outros missionários indianos
receberam cartas ameaçadoras.
A irmã Rani Maria serviu os pobres na Índia com muito
amor. Certa vez, quando ela foi visitar sua família, homens
armados de um partido hindu fundamentalista pararam o
ônibus, a arrancaram de lá e a esfaquearam mais de quarenta
vezes. Metade dos cristãos na Índia é da casta dos intocáveis,
portanto, não têm permissão para entrar nos templos hindus,
apesar de serem considerados hindus. Pastores e missionários
cristãos indianos foram mortos por servir essas pessoas. Desde
agosto de 2008, a perseguição a igrejas e lideres cristãos tem
crescido em várias províncias da Índia.
Em Bhatakpur, no Nepal, duas vans policiaís chegaram ao
final do culto em uma igreja, prenderam quarenta pessoas e espancaram
o pastor Bahadur Dewan. O chefe de polícia ameaçou
os crentes: ''Vaiacontecer o mesmo com vocês se não se curvarem
a esse ídolo". O pastor permaneceu na prisão por vários anos.
No Butão, país budista onde os monges têm cargos oficiais
no governo e são sustentados pelo Estado, a conversão é ilegaL
Em 1992, algumas famílias cristãs estavam celebrando o Natal,
quando um policial veio e as fotografou. Três pessoas foram
interrogadas, espancadas e forçadas a assinar um pedido de
permissão para deixar o país.
No Paquistão, Salamat Masih, de 14 anos, foi acusado de
escrever na parede da mesquita -o garoto é analfabeto. Ele
foi condenado à morte. Sua história ficou conhecida no Ocidente,
a sentença foi revogada e ele conseguiu fugir do país.
Algumas cortes civis paquistanesas protegem os cristãos, mas
essas cortes estão perdendo poder. Há incursões de gangues
em vilas cristãs, que invadem casas, estupram mulheres e
PERSEGUIÇAo 105
raptam meninas. Cerca de 90% dos cristãos estão desempregados
ou têm os empregos mais desprezados pela sociedade.
Na Argélia, duas freiras francesas que serviram o povo por
33 anos foram assassinadas. Sete monges trapistas foram assassinados
em 1996. O monge superior deixou uma carta para
ser lida após sua morte:
Minha vida não tem maior valor do que qualquer outra.
Nemmenorvalor[...)Jáviviosuficiente parasaberqueeu
compartilho do mal que parece, infelizmente, prevalecer
no mundo [...) Gostaria, quando for a hora [...) de pedir
perdão a Deus e a todos os companheiros seres humanos,
e ao mesmo tempo perdoar de todo o meu coração aquele
que vai me matar. 8
O islã foi declarado a religião oficial do Egito em 1980. As
leis da Sharia foram adotadas e a perseguição aos cristãos é
crescente, especialmente contra os muçulmanos convertidos.
Nesse pais há milhares de conversões forçadas ao islã. Em
1996, uma turba de 10 mil jovens muçulmanos atacou lares
cristãos em várias vilas. Contudo, vários líderes evangélicos
relatam que hoje há mais oportunidades para evangelizar e
mais liberdade do que havia alguns anos atrás.
No Sudão, os habitantes do norte mataram meio milhão de
habitantes do sul por meio de armas, bombas, fome e doenças.
Líderes cristãos foram açoitados e esfregaram sal em suas feridas.
Alguns foram esfaqueados. A maior parte das igrejas foi destruída.
Em 1989, um novo governo perseguiu cristãos, matou pastores
e queimou igrejas. Os conflitos e massacres continuam, mas
são de caráter mais étnico do que unicamente religioso.
O pastor Mehdi Dibaj, do Irã, ficou na prisão por dez anos.
Foi libertado, mas desapareceu quando estava a caminho da
festa de aniversário de sua filha, no dia 24 de junho de 1994.
Seu corpo foi encontrado em um parque de Teerã, no dia 5 de
julho. Enquanto estava na prisão ele escreveu para seu filho:
106 MISSIONÁRIOS FERIDOS
"Sempre invejei os cristãos que ao longo da história da Igreja
foram martirizados por causa de Cristo Jesus nosso Senhor. Que
privilégio viver para nosso Senhor e também morrer por ele".
Desde o início, a fé cristã foi considerada uma ameaça para
as religiões, as ideologias e os interesses políticos. A perseguição
ainda é uma realidade muito presente em países de outras
maiorias religiosas e precisamos preparar nossos missionários
e igrejas para enfrentá-la.
Perseguição às mulheres
Os líderes homens são presos ou assassinados com maior frequência,
o que não significa que as mulheres não sofram nesses
contextos estressantes e perigosos.
K'Sup Nri era a esposa de um líder vietnamita chamado
Dieu, que foi levado para um campo de reeducação. Ela trabalhou
arduamente no campo para sustentar seus filhos pequenos,
com saudades do marido, mas sem ter notícias dele e sem
poder visitá-lo. Foi pressionada a desistir da sua fé. Orava constantemente,
mas tinha a impressão de que Deus não respondia.
Um dia, as autoridades a informaram que Dieu tinha morrido.
Ela ficou desconsolada. Um jovem oficial comunista ouvia seus
lamentos e mostrava preocupação por ela. Ela acabou se casando
com ele. Alguns meses depois recebeu a notícia de que Dieu
ainda estava vivo. Desesperada, ela cometeu suicídio.
A chinesa Alice Yuan passou por muitas dificuldades para
criar seus filhos enquanto seu marido estava na prisão, por
vinte e dois anos. Eles tinham ido a Beijing para visitar a mãe
de seu marido e foram forçados a ficar. Ele começou a pregar
nas ruas, formou uma igreja, e então foi preso. Ela sofreu com
a solidão e a discriminação, mas recebia doações de outros
cristãos para alimentar seus filhos, e conseguiu um emprego.
Colocando sua confiança no Senhor, ela recebeu graça para
enfrentar suas lutas.
PERSEGUiÇÃO 107
A iraniana Takoosh é viúva de Haik Hovsepian. Ele era
líder de uma comunidade que estava crescendo. Certa ocasião,
sofreram um acidente de carro por causa de um motorista
negligente. Eles ficaram feridos e seu filho bebê morreu.
Takoosh levou bastante tempo para superar essa perda. Posteriormente
nasceram mais três meninos e uma menina. Haik
se tornou líder do Conselho Iraniano de Pastores e se recusou
a parar de pregar para muçulmanos. Quando seu filho mais
velho tinha 23 anos, Haik desapareceu; seu corpo mutilado
foi encontrado um tempo depois. Takoosh ficou arrasada, mas
Deus falou a seu coração e ela conseguiu perdoar os assassinos
do marido. Ela recebeu cuidado amoroso da igreja, e tornou-se
uma fonte de conforto para viúvas de outros mártires.
Mary, uma moça egípcia, foi raptada para se tornar muçulmana.
Derramaram ácido sulfúrico em seus pulsos para remover
a cruz tatuada. Seu pai foi advertido de que se interferisse
na vida da Mary e ela se ferisse, ele seria responsabilizado.
Em 2007, houve um atentado violento em Malatya, Turquia,
contra um alemão e dois turcos que trabalhavam numa
pequena livraria cristã. Diante da televisão e dos jornais do
país, as viúvas publicamente declararam perdoar aos algozes
que torturaram e mataram seus maridos.
Desafio
Infelizmente, nos países onde há liberdade religiosa, a igreja
não se envolve no sofrimento dos que são perseguidos por
causa de sua fé. Precisamos entender o que isso significa para
os que estão sofrendo. Durante um interrogatório, a resposta
de ]osefTon a um oficial de segurança romeno que ameaçou
matá-lo foi:
Sua maior arma é me matar. A minha arma maior é mor

rer [...] você sabe que meus sermões estão em todo o país
agora, gravados em fitas. Se você me matar [...] quem quer
108 MISSIONÁRIOS FERIDOS
que ouça meus sermões vai dizer: "É melhor ouvir o que
ele fala. Esse homem selou suas palavras com seu sangue".
Elas vão soar dez vezes mais alto do que antes."
Ton aprendeu que, quando agia com cautela e tentava salvar
sua vida, ele na realidade a estava perdendo; quando decidiu
perder sua vida, ele a ganhou. A polícia feriu o pastor romeno
Vasile Talos durante uma tentativa de assassinato, mas depois
que Ton falou no rádio que a pregação dele seria mais poderosa
por causa das feridas da perseguição, naquela mesma noite,
Talos pregou para uma igreja lotada.
O pastor Baruch Maoz, de Jerusalém, sofreu perseguição
por muitos anos e crê que mostrar fraqueza e medo encoraja a
intimidação por parte da oposição.
Os perseguidos são membros do mesmo corpo de Cristo
e a dor deles deve ser a nossa dor. Aprendemos com
Paulo a não ficar intimidados com sofrimento e perseguição
(2Co 4.7-12; 11.23-30). Ele conhecia e usava seus direitos
como cidadão romano para escapar de ser açoitado e morto
(At 21.35-40; 22.23-29; 25.7-12) e ensinava que o sofrimento
era parte da vida de uma testemunha cristã (2Tm 2.1-3;
3.10-12). Não devemos nos comprometer ou permanecer em
silêncio para escapar da perseguição; devemos ser sábios e
aprender como melhor nos relacionar com nosso contexto a
fim de não sofrermos desnecessariamente.
Revendo o conceito de martírio
A igreja primitiva considerava o martírio um chamado especial
em momentos de perseguição e expansão. Como responder ao
sofrimento dos mártires cristãos hoje? Como preparar os missionários
enviados para contextos onde podem ser chamados
a sofrer por causa de seu testemunho?
Joseph D'Souza acredita que "no fim das contas é o martírio
que revela ao mundo a própria essência da mensagem cristã".'?
PERSEGUiÇÃO 109
A perseguição nem sempre purifica a Igreja; algumas vezes
leva a heresias e apostasia. Entretanto, sempre há exemplos de
pessoas que enfrentaram o martirio com coragem e fidelidade.
Precisamos enxergar o sofrimento como Deus o vê e desenvolver
um caráter semelhante a Cristo, anunciando o evangelho
até os confins da terra. Em 202 depois de Cristo, Perpétua e
Felicidade foram presas em Cartago e lançadas às feras. Perpétua
estava amamentando e Felicidade estava grávida. Porém, ambas
entraram na arena com coragem e alegria. Os mártires de Lyon,
no ano 177 depois de Cristo, também sofreram perseguição feroz.
A alegria do martirio veio da percepção de que teriam a honra
de sofrer pelo Senhor. Havia uma intimidade extraordinária
entre Deus e o sofredor, fato que deu novas forças aos mártires.
O bispo Inácio, já condenado e a caminho de Roma, escreveu
à igreja de Éfeso que seu desejo era "obter graça para
receber meu destino sem interferência". Ele estava receoso de
que, em seu amor, eles o quisessem libertar:
Pois se vocês continuarem em silêncio e me deixarem sozinho,
eu serei a palavra de Deus, mas se vocês amam minha
carne, então eu serei novamente apenas uma voz. Concedam
[...] que eu seja derramado como oferta a Deus [...]
Deixem que eu sirva de alimento para as feras, eu sou trigo
de Deus, e estou sendo moído pelos dentes dos anímais
selvagens, que eu seja um pão puro."
No tempo da Reforma, Lutero sabia que poderia morrer
por pregar as Noventa e Cinco Teses nas portas da Catedral
de Wittenberg. Ele estava disposto a morrer pelo evangelho e
considerava que a igreja verdadeira era a igreja dos mártires.
A perseguição contra os anabatistas começou em 1523;
o motivo principal era a liberdade para escolher sua própria
religião. Milhares foram martirizados. Os anabatistas desenvolveram
sua própria teologia do sofrimento e suas palavraschave
eram: obediência e discipulado (viver como Jesus viveu).
110 MISSIONÁRIOS FERIDOS
o sofrimento era considerado uma prova de veracidade e o
martírio um sermão que tocava os corações.
A recompensa pela perseguição é a comunhão mais íntima
com Deus -e receber de Deus responsabilidades ainda maiores
(Mt 25.14-30). Ser perseguido por amor a Cristo resulta em nossa
qualificação para sermos glorificados com ele. O sofrimento
produz semelhança com Cristo, qualidade essencial para reinar
com ele. Jesus chama as pessoas para serem totalmente leais a
ele e as envia ao mundo como mensageiras. Deus revelou, em
Jesus, que o sofrimento e o autossacrifício são seus métodos para
lidar com os problemas do mal e do pecado. Somos chamados a
enfrentar os problemas do mundo com o mesmo amor. A glória
de Deus brilha por meio do autossacrlfício de cada mártir.
Muitos livros com testemunhos de cristãos que estão sofrendo
hoje tendem a glorificar o sofrimento, como se ele
produzisse uma categoria superior de cristãos. Temos de estar
prontos para sofrer na realização de nossa tarefa, se esta for a
vontade de Deus, conscientes de que este é um desafio real
para a igreja em missão, e que Deus vai dar a graça e a força
necessárias. Porém, devemos evitar a veneração daqueles que
sofrem por causa de seu testemunho.
Em Angola, durante a guerra, sob o regime marxista, ouviam-
se histórias inverídicas, criadas para abastecer um mercado
ávido por relatos de heróis que sofreram por Cristo.
O tema da perseguição é complexo. Por um lado, pode
produzir uma nova unidade e solidariedade e ajudar pessoas
a amadurecerem na fé. Por outro, alguns líderes que foram corajosos
ao enfrentar perseguições podem ser tentados a pensar
que fazem parte de uma elite espiritual e achar que têm uma
autoridade especial. Alguns permanecem humildes e realmente
recebem sabedoria e graça, mas quando começam a sentir
que são especiais, tendem a formar um grupo de seguidores
e rejeitar aqueles que não reconhecem sua posição especial.
É uma tentação perigosa.
cap ítulo oito

o PREÇO
------(o~----

A VIDA MISSIONÁRIA É UM PRIVILÉGIO. Porém, é uma carreira que


tem um alto custo. Há muitos desafios, o estresse está sempre
presente e com frequência envolve sofrimento. Por isso, os
missionários precisam de compreensão e apoio amoroso.
O cuidado do obreiro é especialmente necessário em locais
com muitas necessidades espirituais, sociais e de ação humanitária
de emergência. É importante apoiar os que trabalham
com grupos que foram negligenciados pelos esforços missionários
da Igreja.
A maioria dos missionários brasileiros recebe pouco cuidado
pastoral, apesar de muitos líderes de agências e de igrejas atualmente
estarem mais conscientes dessa necessidade. As igrejas esperam
que seus missionários sejam pessoas especialmente capacitadas
por Deus, que apresentem grandes histórias de sucesso.
Porém, há missionários deprimidos por causa de experiências
dolorosas no campo, por causa de problemas em sua equipe ou
por serem confrontados com situações de guerra e morte.
Os missionários e suas famílias sofrem com atendimento
médico precário, salário insuficiente, educação escolar inadequada
para os filhos e falta de recursos na aposentadoria.
112 MISSIONÁRIOS FERIDOS
o sofrimento é uma parte desafiadora da vida missionária,
e os missionários enviados para contextos difíceis precisam de
cuidado e apoio constantes.
Felicity Bentley-Taylor nasceu na China, era filha de missionários,
e enfrentou situações de perigo e sofrimento desde
a infância. Quando tinha 4 anos, ela e seus pais vivenciaram
o conflito da guerra entre China e Japão. Em 1949, quando
foi criada a República Popular da China, ela foi enviada para
a Inglaterra para estudar. Anos mais tarde, ela serviu como
pioneira na Sociedade Missionária Sul-Americana (SAMS)
e na Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos
(CIEE), no Chile e na Bolívia. Ela afirma: "Ser uma pioneira
significa que [...] nenhum colega da SAMS trabalhou comigo
entre os estudantes [ ] e apenas aos poucos começou a participação
de chilenos [ ], com quem eu podia dividir o trabalho.
Batalhei com a solidão por anos".'
]0 Anne Dennet é uma médica que serviu por doze anos
como missionária na Somália. Agora ela exerce um ministério
de aconselhamento. Quando ela foi para o campo, esperava
causar um impacto positivo nos relacionamentos com seus colegas
de trabalho e com os nacionais. Porém, logo percebeu
que o relacionamento com seus colegas era prejudicado por
pensamentos críticos e que as demandas irracionais dos nacionais
a irritavam. O pressuposto de que a ida para o campo
liberta os missionários de suas lutas com velhos padrões de
comportamento é irreal. Em vez disso, por causa da tensão da
vida missionária, essas batalhas pessoais até se intensificam.
Os missionários enfrentam perigos de guerra e sequestro
em muitas regiões do mundo. Por exemplo, Janet Brown, que
serviu aos refugiados na guerra da Libéria, teve sua casa invadida,
seus filhos foram ameaçados de morte e ela foi estuprada.
Ela está aprendendo a lidar com isso, por meio da comunhão
com o sofrimento de Cristo.
o PREÇO I13
Vivienne Stacey descreve o exemplo de Ada Lum, uma
chinesa havaiana que serviu a CIEE. Ela se viu em meio aos
protestos estudantis no Vietnã, na Coreia e nas Filipinas:
Avisaram que ela deveria ficar em silêncio na frente de
um vietcong. Certa ocasião, em 1965, o ônibus quebrou à
noite [...] no território dos vietcongs. Carros que estavam
passando [...] levaram os cinquenta passageiros até que só
ficaram ali Ada e seu intérprete. Um carro [...] parou e elas
tiveram que entregar todo o dinheiro que tinham em troca
de uma carona até a cidade mais próxima. 2
Lum enfrentou perigos no Vietnã, em meados da década
de 60. Ela fazia visitas regulares ao pais, retornando anualmente
para falar em conferências para a liderança. Nesse contexto
de sofrimento e insegurança, ela dizia: "Se essa é a última vez
que eu vou [para lá], vou me preocupar com o quêi'"
Em Luanda, Angola, vi soldados armados por todos os lados,
alguns deles bêbados. Em vez de flores, havia tanques de
guerra nas praças públicas. Era uma cena deprimente. Durante
as primeiras semanas, tinha medo de andar nas ruas. Fui
para Huambo, onde, com duas colegas brasileiras, compartilhei
dos parcos recursos alimentícios da família do pastor.
Uma guerra traz lágrimas e muita dor, mas também oportunidades
sem precedentes para apresentar o evangelho às pessoas
que sofrem. Encarei extrema pobreza e sofrimento no período
da guerra em Angola. Fiquei mais próxima dos que tinham
perdido a maioria dos membros de suas famílias; mulheres
que tinham sido cruelmente estupradas, e que se machucaram
por dentro e por fora. Muitos entenderam o amor de Deus.
A guerra é de fato um grande mal, mas a graça de Deus pode
manifestar-se em qualquer contexto.
Paula ü'Keefe viveu em uma zona de guerra durante um
ano e testemunhou da violência. Muitas vezes ficava sem eletricidade,
gás e água encanada, tinha de carregar baldes de
114 MISSIONÁRIOS FERIDOS
água por longas distâncias, os telefones estavam cortados e ela
não tinha contato com o mundo exterior. Um dia ela sentiu
vontade de se jogar da varanda de um prédio. Outra missionária
foi ao encontro dela na varanda e perguntou como ela
estava. Levou-a para sua casa para descansar por alguns dias,
ouviu seu desabafo e orou por ela. O Senhor providenciou
para Paula um lugar seguro e de descanso. Ela escreveu para
seu pastor, explicando o que tinha acontecido e recebeu uma
resposta afirmativa. Fica muito evidente que, a fim de sobreviver
numa zona de guerra, um missionário precisa de apoio
pastoral adequado e de pelo menos uma pessoa que seja seu
confidente, com quem possa compartilhar suas lutas.
Conflitos na perspectiva de trabalho e autoridade
As agências missionárias têm sua maneira de liderar e às vezes
as igrejas nacionais têm costumes diferentes relacionados à liderança
e serviço. Os missionários geralmente estão prontos a
dar o melhor de si, mas muitas vezes sentem falta de direção e
de liberdade para servir.
Muitos missionários sofrem pressão por parte de suas agências
e precisam lidar com relacionamentos difíceis com seus
colegas, liderança fraca, estruturas de autoridade patriarcal,
desorganização e treinamento inadequado.
Um missionário havia sonhado em ir para o campo quando
tinha apenas 8 anos de idade. Ele fez todo o estudo recomendado,
e mais um tempo de serviço com a InterVarsity
(ABU dos Estados Unidos). Quando finalmente chegou ao
campo missionário, teve de lidar com um líder que criava conflitos
constantemente. Ao final do seu primeiro período de
serviço, já estava pronto para desistir.
Os líderes de campo precisam aprender a oferecer aconselha

mento e ajudar na solução de problemas. Poucos missionários


o PREÇO 115
querem ser supervisionados por nacionais, mas ter um amigo
nacional como supervisor num país de acesso restrito pode ser
melhor do que ter como supervisor um missionário com dificuldades
para renovar o visto.
Choque cultural reverso
Muitas pessoas sabem que ir para outros lugares pode causar
sofrimento ao missionário, mas não fazem ideia de como o
processo de voltar para casa também pode ser doloroso.
A coreana Chun Chae Ok foi uma missionária pioneira
no Paquistão e professora na Ehwa Women's University,
na Coreia. Quando ela voltou para casa, depois de dezessete
anos servindo no Paquistão, se sentiu uma estranha entre
seus familiares e amigos, e passou por sofrimento extremo;
algumas vezes pensou que não fosse aguentar. Para muitos
missionários, a volta para casa é um desafio maior do que foi
toda a experiência missionária.
Uma missionária que estava em processo de reentrada em
seu país estava sob grande estresse. Desesperada, procurou o
pastor depois do culto dominical e disse: "Estou pendurada
na ponta de uma corda! Tenho a impressão de que estou soltando-
a! Preciso de sua ajuda!" Ele respondeu: "Estou muito
ocupado. Se for mesmo necessário, ligue para a mínha secretária
e marque um horário para quarta-feira da semana que
vem". Depois disso, ela decidiu tomar um vidro de remédio e
acabar com a vida.
Os missionários que retornam para seus locais de origem
com frequência se sentem confusos, exaustos, inseguros, perdidos
e solitários. O estresse da volta é um choque culturalreverso,
aumentado pelas reações de luto. Eles perdem a amizade com
os nacionais e não são mais respeitados por seu trabalho. Se os
missionários estão experimentando choque cultural reverso,
podemos assegurá-los de que essa é uma reação comum.
116 MISSIONÁRIOS FERIDOS
No mundo contemporâneo, milhões de pessoas sofrem por
causa da pobreza, da perseguição, da violência, das guerras e
das doenças. É trágico perceber que nossa cultura ocidentalizada
não prepara as pessoas para enfrentar dificuldades e sofrimento,
mas sim para defender seus direitos e seu bem-estar,
e para servir apenas se os custos não forem muito altos e se as
recompensas estiverem de acordo com suas expectativas. Temos
a tendência de esquecer que o preço para o alcance dos
povos não-alcançados envolve sofrimento, embora as recompensas
em longo prazo sejam ainda maiores: a glória de Deus,
nosso enriquecimento pessoal e bênçãos para aqueles a quem
servimos.
Hoje não há mais distinção entre países que enviam e países
que recebem missionários, e sim um chamado para que toda a
igreja alcance o mundo com o evangelho, ultrapassando barreiras
e trabalhando em parceria e aprendizado mútuo entre igrejas
ricas e pobres, experientes e sem experiência.
Parte 3
Cuidado e apoio
Com o objetivo de ouvir os próprios missionários que
servem em contexto de sofrimento, foi realizada uma
pesquisa (ver Apêndice) no período de abril a junho de
2003, com missionários que servem no Timor Leste, em
Angola, em Moçambique, no Brasil, e em outros países
mais fechados. Esta parte apresenta possíveis respostas
para as questões levantadas pelos missionários. São sugestões
práticas de como as igrejas locais e agências missionárias
podem aperfeiçoar o cuidado com seus enviados,
a partir do exemplo e do ensino de Jesus e Paulo.
capítulo nove

VALORES BÍBLICOS
-----......o~----

OS VALORES BÍBLICOS SÃO O OPOSTO do que o mundo ensina. São


considerados pela sociedade como falhas dos "fracassados". Entretanto,
são esses valores que nos ajudam a perseverar em situações
difíceis. Infelizmente, muitas igrejas têm atitudes e valores
semelhantes aos do mundo, e os aspectos do caráter cristão não
são ensinados nem desenvolvidos. Precisamos recuperar essa dimensão
essencial do discipulado, pois o treinamento missionário
não começa nas escolas de missão, mas na igreja locaL
Sofrimento pelo evangelho e no nome de Jesus
É preciso ter cuidado para não buscar ou glorificar o sofrimento,
como se ele fosse prova de uma santidade superior -ideia que
algumas vezes surge em contextos de sofrimento. Aqueles que foram
presos, que quase morreram ou que foram torturados são
considerados santos. Os que sobreviveram e continuam a servir
fielmente são muitas vezes vistos como cristãos de segunda classe.
A Bíblia deixa bem claro que o sofrimento como fruto da falta
de sabedoria não glorifica a Deus, pois é sofrimento merecido
(1Pe 2.18-20; 4.14-16). Algumas pessoas que vivem em contexto
de sofrimento são ousadas de uma maneira tola e provocam
J 20 MISSIONÁRIOS FERIDOS
problemas ao desrespeitar a fé ou a cultura majoritária. Outras
sofrem por se envolver em negócios no mercado negro, mas
se apresentam como pessoas que sofrem por causa de sua fé.
Os missionários precisam ser honestos e sábios, respeitar o
governo local, ouvir os conselhos dos cristãos locais e aprender
a dar testemunho de maneira contextualizada.
Também é muito importante não criar barreiras por causa
de comportamentos insensíveis. Devemos aprender com outros
grupos, como as ONOs, os líderes católicos romanos que
servem ao povo e as boas iniciativas do governo.
Sofrimento em nome de Jesus é o sofrimento que enfrentamos
quando fizemos o melhor que podíamos, servindo a
ele de forma fiel e por isso fomos desprezados, ameaçados,
torturados, presos ou mortos. Esse sofrimento traz fé, contentamento,
e uma profunda comunhão com Cristo.
Algumas vezes, a ajuda além da oração será muito limitada.
Em muitos casos, não será possível escrever abertamente. Pode
ser arriscado visitá-los, e os que forem precisam estar preparados,
a fim de não lhes causarem problemas.
Encorajamento espiritual e amizade, sensibilidade às necessidades
dos missionários, sabedoria para saber quando e como
eles devem deixar o campo de serviço por um tempo, reações
apropriadas em situações de prisão ou sequestro são algumas
questões que precisam ser seriamente consideradas.
As agências missionárias podem aprender com organizações
que lutam pela justiça a serviço de cristãos perseguidos. Pode ser
difícil enfrentar uma situação de sequestro e decidir como ajudar
as vítimas. Pagar o resgate encorajará os criminosos a seguir
nessas atividades. É preciso buscar auxílio de intermediários capazes,
que podem manter contato com os sequestradores e fazer
o que for justo para libertar as pessoas.
Sofrimento em nome de Jesus pode levar os missionários
a sofrer violência física, traumas ou precisar ser evacuados.
VALORES BíBLICOS 121
Algumas agências brasileiras têm planos para intervir nesses
casos, mas muitos missionários ainda enfrentam essas situacões
..
sem qualquer orientação. Alguns alegarão que o missionário
que é "realmente chamado" nunca deixará seu posto. Entretanto,
isso dependerá da situação no campo. Devemos ouvir os
conselhos dos cristãos locais e de outros missionários presentes
na mesma região; não podemos forçar as pessoas a permanecer
no campo se estiverem desgastadas, se sentindo incapazes de
lidar com o estresse gerado pela situação de risco, ou se a presença
de estrangeiros estiver causando perigo para os cristãos
nacionais. Há situações em que alguns precisam voltar, ser cuidados
e retornar ao campo quando for apropriado.
Aqueles que sofrem por servir a Cristo e por proclamar seu
reino podem ter a certeza de que nunca estarão sozinhos. Jesus
prometeu estar sempre com eles, em todos os lugares, e vai
manter sua promessa (Mt 28.18-20; Hb 13.5-6). Nem sempre
sentiremos sua presença, porque o sofrimento nos fere e algumas
vezes quase nos derruba, mas ele estará sempre perto e
não permitirá que os sofrimentos sejam maiores do que podemos
suportar (IPe 5.10; 2Co 4.7-11). Esse é um grande ânimo
para os missionários, especialmente em tempos de perigo, e
também para aqueles que os apoiam e cuidam deles.
Autonegação, humildade e serviço
Tornou-se comum avaliar o sucesso de um líder cristão por sua
agenda lotada e pelo número de seus seguidores. No entanto,
se avaliarmos a vida de Jesus com base nesses critérios, ele não
impressionará ninguém. Ele começou seu ministério muito tarde,
não agiu apressadamente, foi abandonado por muitas pessoas,
sempre foi pobre, se afastou das multidões que o aplaudiam
e morreu desprezado e ridicularizado pela maioria. Fica claro
que, para sermos seguidores de Jesus, capazes de lidar com contextos
de sofrimento, precisamos nos tornar peregrinos. Esse
122 MISSIONÁRIOS FERIDOS
é um conceito estranho para as normas culturais atuais, mas
muito necessário se queremos ser bênção para nosso mundo.
Os programas de missão devem oferecer um treinamento
pré-campo que estimule o desenvolvimento da maturidade
cristã e da humildade, por meio de exemplos de pessoas piedosas,
do ensino bíblico e da vida em comunidade. Esse é um
processo contínuo que precisa ser desenvolvido nas vidas e
nos relacionamentos dos missionários. No entanto, nenhum
treinamento produzirá efeito se as pessoas treinadas não estiverem
dispostas a ser moldadas.
Um treinamento com qualidade acadêmica ou um treinamento
prático são úteis, mas nenhum deles é suficiente para
manter o missionário no campo, especialmente em contextos
de grande sofrimento. A autonegação e a humildade serão
muito importantes no relacionamento com a agência, com colegas
e com líderes locais, pois os conflitos surgirão. O processo
de lidar com eles deve resultar em piedade crescente.
O caminho da cruz é a maneira como Deus lida com o mal
e com o sofrimento -amor sacrificial, obediência e serviço
até a morte. Não é o caminho da defesa de nossos direitos,
como aprendemos na sociedade secular, mas o caminho da
autonegação. Como resultado, pode-se receber ódio em troca
de amor, como aconteceu com Jesus. Alguns missionários
passaram pela experiência de servir com humildade e ser
mal-compreendidos ou tratados com amargura e ódio pelas
pessoas locais, ou, o que foi mais doloroso, por seus colegas
missionários, por seus líderes, ou por aqueles que os enviaram.
Precisamos manter nossos olhos em Jesus e servi-lo, pois
ele sabe o que estamos fazendo e trará frutos no seu tempo.
Justiça e paz
Não estamos buscando justiça e paz a qualquer custo. Estamos
buscando o governo justo de Deus para nós mesmos e para a
VALORES BÍBLICOS 123
sociedade, promovendo misericórdia e paz enquanto estas não
neguem a justiça. Isso significa que os missionários que servem
em contextos de sofrimento precisam desenvolver sensibilidade
aos apelos das pessoas, ter corações compassivos e mostrar
sabedoria ao atender as necessidades apresentadas. Precisam
estar comprometidos com a justiça bíblica, que busca restaurar
a dignidade e a esperança do pobre e do marginalizado.
Asigrejas e agências precisam de graça e sabedoria para apoiar os
missionários em contextos difíceis, se colocando ao lado deles,
orando por eles e mantendo contato. Buscar a justiça significará
confrontar as políticas e as práticas dos ricos e poderosos, feitas
com a intenção de manter o pobre submisso e dependente.
Os missionários e obreiros cristãos de ONGs precisam buscar
maneiras de apoiar aqueles que estão envolvidos nessa batalha.
Os missionários precisam saber estabelecer limites em sua
identificação com o estilo de vida dos pobres de forma que
estejam acessíveis sem prejudicar sua própria saúde. Para que
desenvolvam relacionamentos saudáveis, eles precisam manter
o equilíbrio entre o cuidado das pessoas locais e o cuidado de
sua própria vida familiar.
Perseverança
A maior parte dos povos não-alcançados vive em áreas de
risco: extrema pobreza, exposição a doenças, perseguição e
situações de violência. Os missionários precisam estar preparados
para perseverar na adversidade. A falta de segurança
gera muito estresse. Jesus falou que seus discípulos sofreriam
tribulações e que o evangelho seria pregado a todas as nações
(Mt 24.13-14). Perseverar, confiando em Deus, é a atitude cristã
frente ao sofrimento.
As igrejas, agências e institutos de treinamento precisam
desenvolver estudos bíblicos sobre esse tema, a fim de que os
candidatos compreendam que perseverança é essencial, e que
124 MISSIONÁRIOS FERIDOS
todos os cristãos passam por momentos de provação e dor.
A reação humana lógica nessas situações é desistir; porém,
nosso chamado cristão nos diz que devemos confiar em Deus
e seguir em frente, sabendo que ele não nos deixa sozinhos e
que trará bom fruto em meio às experiências difíceis.
As igrejas e institutos de treinamento também podem oferecer
oportunidades para os missionários servirem em ministérios
desafiadores na terra natal, ou em culturas menos distantes,
em situações nas quais a perseverança do missionário será
testada e fortalecida. Pode ser útil organizar acampamentos
de sobrevivência, onde os alunos têm de enfrentar lutas, ser
criativos e superar seus medos. No entanto, é preciso perceber
os limites de uma pessoa, e trazê-la de volta para um tempo de
renovação e cuidado pastoral quando não estiver mais conseguindo
enfrentar a situação no campo. Nesses casos, é muito
importante que a igreja-mãe, a agência e os líderes de campo
estejam em contato regular e sejam capazes de decidir juntos o
que será mais apropriado.
Márcia Tostes é diretora de cuidado pastoral na Missão Antioquia.
Ela relata o caso de uma missionária brasileira que passou
oito meses isolada numa cidade africana. Essa missionária
cuidou das vítimas da violência e a igreja se tornou um centro
de ajuda e esperança. Tostes questiona se outros missionários
estão preparados para as situações adversas que poderão ter de
enfrentar e afirma que precisamos treinar nossos obreiros para
perseverar em meio ao sofrimento, como testemunhas fiéis de
Cristo.' A cultura brasileira aprecia imensamente a beleza e o
desfrutar a vida -elementos raros em lugares onde a opressão
e a guerra são devastadoras.
Semelhança com Cristo
o sofrimento cristão não é sem sentido, pois Deus está no
controle da história do mundo, de sua Igreja e de cada um de
VALORES BÍBLICOS 125
seus filhos. Ele permite o sofrimento, mas está bem próximo
de nós nessas horas de dor e de agonia.
Fomos criados à imagem de Deus, mas essa imagem foi
distorcida pelo pecado e pela rebelião do homem. Por isso,
vivemos num mundo caído e não estamos livres do sofrimento.
Entretanto, sabemos que Deus, em sua misericórdia, usa
até mesmo as experiências dolorosas para nosso crescimento e
nos dará coragem para suportá-las. Deus continua a nos moldar
para refletirmos a sua glória e vivermos em sua presença
sem sentirmos medo.
Deus permite certas formas de sofrimento e perseguição
para nos ajudar a crescer, para nos purificar e para nos preparar
para uma glória maior em seu reino eterno. Algumas vezes
o sofrimento parece não fazer sentido, mas Deus continua no
controle e não permitirá que os poderes do mal vençam.
Ser chamado para servir ao Senhor é um grande privilégio
e uma grande responsabilidade. Nenhum missionário é
suficientemente forte, equilibrado, ou sábio para enfrentar e
resolver todas as questões que surgirem, por isso, precisamos
continuar aprendendo e permitindo que o Senhor nos molde
à sua imagem.
A recompensa
Como foi enfatizado na primeira parte, Paulo estava convencido
de que seus sofrimentos presentes resultariam em um inimaginável
peso de glória, e essa convicção lhe deu forças para
suportar lutas e dores contínuas (2Co 4.7-12,16-18). Parece, entretanto,
que em muitas igrejas ocidentais a ênfase mudou: não
esperamos mais as grandes bênçãos e recompensas no futuro;
queremos receber bênçãos imediatamente. Alguns até ironizam
os cristãos que almejam e falam das glórias futuras preparadas
para os filhos de Deus. Lendo a Bíblia e vendo a história da
igreja cristã, vemos que períodos de conforto e respeitabilidade
126 MISSIONÁRIOS FERIDOS
são exceções. Aqueles que servem em contextos de sofrimento
precisam ter sempre em mente a certeza das bênçãos futuras
preparadas para aqueles que creem em Cristo. Por isso, os cristãos
na Angola marxista e devastada pela guerra podiam cantar
com alegria e anseio pelas bênçãos do lar eterno. Talvezesse seja
o segredo da alegria e do louvor contagiantes que encontramos
nas igrejas africanas em meio à pobreza gritante.
As igrejas e agências missionárias precisam recuperar essa
perspectiva e compartilhar essa esperança com os missionários
e parceiros no campo e com as pessoas a quem servem.
Os cristãos não estão livres do sofrimento e precisam perseverar.
Porém, isso não é motivo de desânimo e sim de esperança.
Motivo para aprendermos a ter um espírito inabalável.
capítulo dez
COMO CUIDAR
DOS QUE SERVEM

-----.....o~----

PARA ALCANÇAR OS POVOS MENOS ALCANÇADOS, um número cada


vez maior de missionários estão sujeitos a sofrimento intenso
e a situações de perigo. Têm de servir em florestas, desertos
hostis ou metrópoles, entre povos que sofreram os horrores
da guerra e entre pessoas orgulhosas de sua própria cultura
e religião. Em alguns lugares, o simples desejo de ler a Bíblia
causa intensa oposição e pode levar à morte.
Alguns missionários precisam aprender outras línguas, mudar
o estilo de vida e adotar hábitos que parecem estranhos.
Podem ser questionados e mal compreendidos. Além disso, enfrentam
a saudade da família, dos amigos e da igreja, e começam
a se preocupar com os pais, que estão envelhecendo. ÀB vezes se
sentem solitários e precisam de alguém que os compreenda, já
que se tornaram duplamente estrangeiros: no campo missionário
e ao voltar pra casa e descobrir o quanto mudaram.
Assim, voltamos à pergunta que norteia este livro: como as
igrejas, as agências missionárias e os programas de treinamento
missionário podem preparar melhor as pessoas para atuarem
nesses contextos de sofrimento e ministrarem aos que ali vivem?
Quais são as necessidades mais prementes em termos de
128 MISSIONÁRIOS FERIDOS
treinamento pré-campo, de treinamento e cuidado contínuos
e de cuidado com aqueles que retornam à terra natal, temporariamente
ou de modo definitivo? Discutiremos algumas
ênfases que podem nos ajudar a responder a essas perguntas.
Apoio integral
Uma das necessidades apontadas pelos missionários foi a necessidade
de apoio integral, que inclui cuidado pastoral, apoio
para as necessidades do ministério, apoio financeiro, comunicação
e visitas regulares. Um quarto dos missionários mencionou
que a falta desse cuidado seria a principal razão para
fazê-los desistir e retornar do campo.
O psicólogo Kelly O'Donnell define o cuidado integral do
missionário como:
Um investimento contínuo [...] pelas agências missionárias,
igrejas [...] para [...] o desenvolvimento do pessoal
envolvido em missões. Focaliza-se em cada um que está envolvido
em missões [...]e fazassim durante todo o curso do
ciclo vital do missionário [...] O cuidado do missionário é
[...] a responsabilidade de cada um envolvido em missões
-a igreja que envia, a agência missionária [...] os especialistas
em cuidado missionário [...] relações mútuas que os
missionários formam com aqueles na cultura hospedeira
[...] o objetivo é desenvolver bom caráter, força interior e
habilidades para [...] permanecerem efetivos no trabalho.'
O cuidado pode se expressar num simples oferecimento
para a pessoa tirar alguns dias de férias; numa visita, num telefonema,
numa carta de encorajamento, ou num plano de
saúde para o missionário.
Essa pesquisa deixou claro o quanto os missionários estão
preocupados com o sofrimento das pessoas a quem servem e o
quanto desejam servir bem -mas se sentem inadequados para
fazê-lo. Um apoio mais integral, que os ajude a desenvolver projetas
e forneça os recursos necessários, seria de grande ajuda.
COMO CUIDAR DOS OUE SERVEM 129
Em relação ao apoio financeiro, é bom que os missionários
tenham um estilo de vida simples e mais identificado com o
povo, servindo com amor e respeito e considerando o povo
local como parceiro. Essa identificação é mais valiosa do que
o paternalismo oferecido por missionários que aparentam ser
ricos, por causa de seu estilo de vida e porque conseguem recursos
com facilidade. A solução não é parar de investir, e sim
fazê-lo com sabedoria, respeito e humildade, compreendendo
que, aos olhos de Deus, somos chamados a praticar justiça
e misericórdia em resposta à graça que recebemos de nosso
Senhor. Ele confiou a nós seus recursos materiais e financeiros
não como proprietários, mas como mordomos.
Cuidado pastoral e psicológico
Os principais fatores na prevenção de retorno precoce do missionário
do campo são: convicção de chamado, apoio familiar,
relacionamentos saudáveis e cuidado pastoral. Devemos priorizar
aqueles que trabalham entre os povos menos evangelizados
e oferecer apoio aos traumatizados pela guerra e pelos
desastres naturais. O cuidado pastoral os ajudará a servir com
amor, fidelidade, coragem e perseverança.
Embora nos preocupemos com os missionários, que geralmente
são os estrangeiros mais vulneráveis servindo em
contextos de sofrimento, existem outras pessoas que oferecem
seus serviços e também precisam receber cuidados.
O livro Sharing the Front Une and the Back Hills foi escrito
em resposta ao número crescente de "ataques terriveis contra
representantes das Nações Unidas, agências de ajuda humanitária,
a mídia, organizações não-governamentais [...] que
estavam em missão de aliviar [...) o sofrimento humano por
todo o mundo'l.? O objetivo do livro foi avaliar os riscos, o
sofrimento e a necessidade de cuidado especial dessas pessoas
que têm se dedicado a ajudar outras, muitas vezes à custa
J30 MISSIONÁRIOS FERIDOS
de sacrifício pessoal, e buscar formas de oferecer proteção e
um apoio mais abrangente. As organizações devem fazer o
que for possível para mítígar a vulnerabilidade crescente que
enfrentam. Antes da missão, é preciso oferecer treinamento
para lidar com os riscos que poderão surgir. "No campo
eles precisam aprender a minimizar todos os riscos e a evitar
aqueles que podem ser evitados.":' É importante fornecer informação
sobre reações de estresse e sobre a assistência disponível.
Uma comunicação franca é fundamental; as pessoas
precisam compreender que não há nada errado em procurar
ajuda psicológica. Depois da missão, a maior dor é que "amigos,
colegas e mesmo familiares l...] têm pouco tempo ou
interesse em ouvir e conversar sobre suas experiências L..]o
apoio social é um dos fatores mais importantes para se lidar
com o estresse traumático"."
Se receberem apoio e cuidado pastoral adequado, os missionários
podem aprender a lidar com seus problemas e dores.
Christopher Shaw vive na Argentina. Ele oferece cuidado
pastoral a missionários latino-americanos em vários campos.
Shaw afirma que os pastores latino-americanos consideram
que os missionários são maduros e não precisam de cuidado
pastoral, e que os missionários acreditam que não devem passar
por dificuldades ou ter feridas emocionais. Quando retornam
do campo, sabem que a expectativa dos seus mantenedores
é que eles apresentem relatórios positivos. As pessoas não
esperam ouvir que os missionários estão sofrendo.
Pessoas que trabalham com crianças em contextos traumáticos
também estão sob grande pressão. Elas geralmente têm
uma grande carga de trabalho e lutam com sentimentos de
incapacidade e inadequação. O cuidado com crianças órfãs
ou fisicamente mutiladas pode gerar muita raiva nos obreiros.
Hesitação em expressar emoções tem efeitos devastadores
em seu bem-estar e prejudicam o cuidado que esses obreiros
COMO CUIDAR DOS OUE SERVEM 131
oferecem. Eles precisam de um ambiente seguro onde possam
expressar sua raiva, frustrações e medos.
Missionários de todas as agências que participaram da pesquisa
consideram o cuidado pastoral e psicológico uma necessidade
prioritária. A necessidade de cuidado pastoral foi expressa
por 50% dos missionários e a necessidade de apoio psicológico
por 38%. Entre os entrevistados, 24% responderam
que recebem cuidado pastoral e os líderes de igrejas e agências
entrevistados concordam que essa é uma grande necessidade.
A maior parte dos líderes entrevistados declarou que oferece
cuidado pastoral a seus missionários e pouco mais da metade
declarou oferecer apoio psicológico. Entretanto, grande
parte dos líderes entrevistados são líderes mais experientes.
Muitos ainda não consideram esse apoío uma prioridade. É
necessário investir no crescimento espiritual e na estabilidade
emocional dos missionários antes de enviá-los para contextos
de sofrimento. Isso pode ser feito por meio de mentoria,
de cuídado pastoral, de atividades em grupo acompanhadas
por psicólogos, e do investimento pessoal em suas vidas e relacionamentos.
Isso é importante porque muitos candidatos
a missões vêm de lares desfeitos, tiveram envolvimento com
drogas ou passaram por experiências emocionais negativas. O
cuidado pastoral e psicológico dos obreiros exige um grande
investimento inicial, mas pode significar que essas pessoas,
que passaram por tragédias pessoais, serão mais sensíveis ao
lidar com pessoas que sofrem.
Alguns dos líderes entrevistados consideraram que a falta
de apoio pastoral seria a razão principal para o retorno prematuro
de missionários brasileiros. O retorno prematuro é uma
tragédia para aqueles que vão com a expectativa de ser uma
bênção, mas voltam desanimados. É também uma tragédia
para as igrejas, que vão hesitar em investir em missões novamente.
O aparente fracasso de alguns pode fechar as portas para
132 MISSIONÁRIOS FERIDOS
futuros missionários. Épreciso investir no acompanhamento dos
missionários, no cuidado pastoral e no atendimento de suas
necessidades. Isso significa gastar tempo escrevendo para eles,
dando telefonemas, e ajudando-os a encontrar maneiras de solucionar
seus problemas.
Cerca de um quarto dos missionários recebeu visitas de
líderes da agência missionária ou de membros de sua igrejamãe.
Foram visitas muito significativas quando esses líderes
tiveram coração pastoral e gastaram tempo ouvindo os missionários
e orando com eles. Alguns reclamaram que aqueles que
os visitaram não tinham tempo disponível para eles, e a visita
os deixou ainda mais frustrados.
Maís da metade dos líderes entrevístados afírmaram que visitaram
seus missionários no campo e 11% mencionaram oferecer
apoio em tempos de crise e de emergência -algo muito
importante no cuidado dos missionários, mas que infelizmente
ainda não é uma prática comum nas agências e igrejas brasileiras.
As visitas aos missionários representam um grande investimento.
Precisamos trabalhar junto com membros de outras
igrejas e agências para enviar pessoas que tenham coração pastoral,
prepará-las para compreender os missionários e o contexto
onde atuam, ajudá-las a organizar um programa que responda às
necessidades dos missionários e pedir-lhes que, ao retornarem,
compartilhem suas experiências e percepções com a igreja.
Poucas agências e igrejas compreendem como é a vida em
um contexto de guerra e violência. Por isso, é difícil para o
missionário compartilhar suas próprias necessidades e as do
povo que sofre; esses missionários precisam de muita oração,
orientação e apoio pastoral específico, especialmente quando
são forçados a deixar o campo de serviço e voltam para casa
emocionalmente esgotados.
Em vez de criticá-los ou julgá-los, devemos ficar ao lado
deles, animando-os e expressando nosso cuidado. Certamente
COMO CUIDAR DOS QUE SERVEM 133
não é o melhor momento para fazerem palestras e visitas a
igrejas, e sim para um tempo de descanso, cuidado espiritual,
mental e físico.
"Debriefing"
Uma das formas como a igreja ou agência pode mostrar cuidado
amoroso e compreensivo por seus missionários é por meio
da prática do debriefing. Laura Mae Gardner, missionária do
departamento de cuidado do missionário da Wydiffe Bible
Translators, define o debriefing como "um ouvir com hora
marcada, prestando atenção; é contar nossa história completa,
com experiência e sentimentos, fatos e emoções; é o 'descarregar'
de uma experiência".' O debriefing ainda é um conceito
novo para as agências missionárias e igrejas brasileiras.
Porém, essa prática de agendar um horário para ouvir o que
os missíonários têm a dizer, contar como foi a experiência no
campo, que problemas e desafios eles enfrentaram e relatar os
sentimentos atrelados a esses eventos, pode fazer uma grande
diferença em suas vidas. Significa que alguém os ouviu e os
compreendeu. O obreiro percebe que não é um fracasso como
missionário, mas um ser humano normal que está passando
por dificuldades. O debriefing deveria ser uma prática regular
quando os missionários retornam do campo, e especialmente
após passarem por períodos de grande estresse e sofrimento.
Pessoas que viveram em contextos de sofrimento, pastores
e psicólogos com disposição para ouvir são, provavelmente,
os que melhor podem oferecer esse serviço. Como qualquer
outro serviço cristão, deve ser aprendido e praticado com
humildade; devemos ouvir a Deus e aprender com aqueles a
quem ele concedeu sabedoria e discernimento, As consultas
organizadas pelo Grupo de Cuidado Integral do Missionário
da AMTB podem ensinar mais sobre isso.
134 MISSIONÁRIOS FERIDOS
A psicóloga Esly Regina Carvalho, autora do livro Saúde
Emocional e Vida Cristã, afirma que geralmente não se dá tempo
para os missionários processarem as conquistas e as perdas
ocorridas durante o tempo de serviço no campo. Outra reclamação
comum é que eles não têm com quem desabafar. Seria
bom providenciar o debriefing tão logo fosse possível."
No campo, os missionários podem sofrer incidentes traumáticos,
como doenças, guerras, abuso sexual ou ações terroristas.
Em 1999, a psicóloga clínica Debbie Hawker fez uma
pesquisa com 145 missionários e obreiros humanitários. Ao
perguntar qual tinha sido a pior experiência deles, 8% responderam
que tinha sido um incidente traumático. A maioria
respondeu que foram problemas de relacionamento (18%), dificuldades
culturais (21%) e insatisfação com a organização ou
com o trabalho (17%).7
Crianças também precisam de um espaço para compartilhar
seus sentimentos. É mais assustador sentir que algo está
errado e não saber o que é do que ouvir o que está acontecendo
e poder compartilhar seus sentimentos. Crianças pequenas
podem ter a oportunidade de desenhar o que aconteceu. Pode
ser proveitoso para crianças maiores e adolescentes compartilharem
seus sentimentos em família, mas eles talvez prefiram
compartilhar separado de seus pais, já que também podem ter
sentimentos fortes, talvez de raiva ou luto.
Encontros de restauração
Missionários casados e solteiros, de várias agências e denominações,
com experiência de campo na África, Ásia, Oriente
Médio, Europa, América Latina e entre povos indígenas brasileiros,
têm participado dos encontros de restauração para.
missionários, organizado pelo Centro Evangélico de Missões
(CEM), em Viçosa, MO. São encontros de uma semana, com
COMO CUIDAR DOS QUE SERVEM 135
um programa que busca a renovação da caminhada espiritual
com o Senhor e comunhão com pessoas que passam por lutas
semelhantes. O programa inclui temas como: reavaliação do
chamado; a dor do choque cultural reverso; cuidado fisico e
emocional das famílias dos missionários; como enfrentar tempos
de crise; nossa identidade em Cristo; lutas específicas de
casais e de solteiros; Jesus, nosso modelo missionário. É uma
experiência de restauração simplesmente pelo fato de estarem
juntos, serem ouvidos por pessoas que os compreendem, terem
um tempo tranquilo sem grandes demandas ou expectativas,
terem a oportunidade de perceber que suas experiências
são semelhantes e terem liberdade para chorar. A maior parte
sai restaurada.
Vida emocional
A solidão foi mencionada por 16% dos missionários, a maior
parte mulheres solteiras e casadas. As missionárias solteiras
podem se sentir solitárias quando não fazem amizades significativas
com outras pessoas e sentem muitas saudades da família,
amigos, igreja e de outras estruturas de apoio. As esposas
de missionários sofrem quando não têm uma função específica,
e são vistas como meros apêndices do ministério de seus
maridos e não como missionárias "de verdade". É difícil para
aquelas que não têm certeza de seu próprio chamado, mas estão
dispostas a acompanhar seus maridos, e para aquelas que
têm convicção de chamado, mas não encontram oportunidades
para servir.
Há mais missionárias do que missionários no campo, especialmente
em contextos de sofrimento." Precisamos levar suas
necessidades a sério. Podemos ajudá-las a aprender a oferecer
apoio e encorajamento mútuos e ajudar missionários homens
a ser sensíveis a suas necessidades, especialmente os líderes de
136 MISSIONÁRIOS FERIDOS
agências e dos conselhos missionários das igrejas. Também é
preciso compreender as necessidades emocionais e limitações
físicas das mulheres durante a gravidez e com filhos pequenos.
Com a compreensão e o encorajamento adequados, muitas
vão florescer e servir por um longo período, mas caso se sintam
abandonadas ou ignoradas, poderão desistir e voltar para
sua terra natal.
Depressão ou tristeza por causa do contexto foi um problema
mencionado por 18,7% dos missionários, e 5,3% disseram
ter pesadelos e sentir uma grande angústia. Essas respostas evidenciam
que há sobrecarga emocional por causa do contexto
de sofrimento e por causa das expectativas dos próprios
míssionáríos e das pessoas a quem eles servem, que os veem
como prontos para atender suas necessidades quando, com
frequência, podem fazer pouco. Os líderes entrevistados também
reconheceram que solidão, sentimento de perda, estresse
e esgotamento emocional são sentimentos reais que afetam
os missionários que servem em contextos de sofrimento. Há,
portanto, necessidade de auxílio mais constante e específico se
quisermos que os missionários permaneçam firmes.
Essa ajuda deve começar antes de irem para o campo, para
que aprendam a desenvolver as qualidades cristãs, a ter disposição
para enfrentar o sofrimento, a compartilhar as cargas
uns dos outros, a manejar conflitos e a entregar as preocupações
para Deus. Os missionários precisam de uma preparação
para aprender a lidar com suas próprias fraquezas e limitações
e saber onde procurar ajuda para suas necessidades emocionais
e relacionais.
Também é necessário preparar as igrejas, as agências e os
centros de treinamento para serem sensíveis e sábios ao lidar
com essas necessidades. Precisamos aprender a compreender
quando as pessoas já ultrapassaram sua capacidade de supor

tar a situação e precisam de um tempo de cuidado e descanso


COMO CUIDAR DOS QUE SERVEM 137
-antes que entrem num estado depressivo, antes que o estresse
comece a ameaçar e prejudicar os relacionamentos entre casais
e entre equipes missionárias. Essa ajuda pode ser oferecida por
meio de leituras recomendadas, e da disposição para ouvir os
missionários que têm coragem de compartilhar suas dores mais
profundas. Podemos aprender com pessoas que têm mais experiência
em oferecer aconselhamento a missionários, e ser mais
sensíveis para perceber sinais de ansiedade e necessidades não
expressas de forma verbal ou escrita.
É importante levar em consideração o pano de fundo dos
missionários brasileiros. As famílias brasileiras são gregárias
e possuem vínculos relacionais fortes. Os filhos adultos geralmente
permanecem em casa enquanto estudam e, muitas
vezes, até casarem. Os tios e avós fazem parte dessa estrutura
familiar de apoio. Geralmente, a igreja é uma comunidade
acolhedora. Por isso, estar em uma situação de solidão, sem
comunicação e apoio regulares, é uma experiência muito difícil
para um missionário brasileiro. Por outro lado, essas mesmas
características culturais ajudam os brasileiros a se integrar
em outras culturas com padrões parecidos.
Cuidados com a saúde
Por meio dos questionários respondidos, ficou evidente que
a necessidade de ajuda em caso de doença ou crise é uma de
suas maiores preocupações. Significa que precisamos melhorar
o auxilio na área de saúde. Apesar de 31,2% dos missionários
responderem que têm auxílio nessa área, muitos ainda ficam
sem nenhum apoio quando surge uma emergência médica ou
doença grave e alguns até morrem por causa da dificuldade
em encontrar auxílio disponível. Quando perguntados sobre o
que os levaria a abandonar o campo prematuramente, 12,5%
responderam que seriam os "problemas de saúde". Os líderes
entrevistados também consideraram a necessidade de cuidados
138 MISSIONÁRIOS FERIDOS
com a saúde como uma das principais, e 55,5% responderam
que oferecem provisão de saúde para seus missionários. Considerando
o contexto em que servem, com altas taxas de malária,
aids e outras doenças sérias, esse cuidado precisa ser aperfeiçoado,
para que os missionários e seus filhos tenham acesso
apropriado à saúde e possam continuar a servir as pessoas no
campo missionário.
Antes de serem enviados para o campo, os missionários
precisam receber instruções claras quanto ao cuidado preventivo
da saúde, primeiros socorros e orientações gerais sobre os
recursos disponiveis em caso de emergência. Precisam também
receber instruções básicas sobre como ajudar o povo local em
caso de emergência: cuidados básicos de saúde," informações
sobre o hospital mais próximo e quais os procedimentos de
emergência apropriados.
Recentemente, uma missionária brasileira sofreu um grave
acidente de carro em Angola, ficou seriamente ferida e foi levada
para um hospital na Namíbia. Um missionário brasileiro
que lá morava assinou os documentos, tornando-se responsável
pelas despesas. Como a vítima teve de permanecer na
UTI, a conta foi superior a 40 mil dólares. Sem dinheiro, o
missionário foi ameaçado com ação judicial. Depois de muita
oração e comunicação, as doações para o pagamento da dívida
começaram a chegar.
Cuidados com a família
Vários missíonários expressaram preocupações nessa área. Isso
aponta para a necessidade de oferecer orientação desde o treinamento
pré-campo, incluindo estudos de caso e avaliações,
para que as famílias possam ir e servir, sabendo que seus filhos
estão sendo cuidados. Os pais precisam saber quais são as
oportunidades de estudo para os filhos, quais os custos, o que
é mais apropriado para as crianças e receber orientação para
COMO CUIDAR DOS QUE SERVEM 139
fazer um planejamento cuidadoso. Precisam também pensar
sobre oportunidades de lazer, férias familiares e amizades para
as crianças. É difícil estabelecer regras gerais e inflexíveis que
se apliquem igualmente a todas as famílias, por isso, a orientação
pastoral e psicológica dada à família antes da ida para o
campo e durante a licença é parte dessa orientação geral.
A maior parte das crianças lida bem com a situação e amadurece
com a experiência transcultural. Entretanto, algumas
famílias parecem não ser capazes de enfrentar as dificuldades
e precisam voltar para casa e receber cuidado especial antes
de retornarem ao campo ou serem enviadas para um campo
diferente. Um dos líderes entrevistados relatou que um adolescente
de 13 anos era hiperativo e o comportamento dele
foi interpretado por líderes eclesiásticos locais como possessão
demoníaca; trataram-no de maneira humilhante e a situação
piorou. Quando voltou para sua terra natal e recebeu o tratamento
apropriado, o adolescente se recuperou, mas a família
não quis retornar para o mesmo campo.
Algumas agências e igrejas têm desenvolvido mais compreensão
sobre as necessidades dos filhos dos missionários, mas
essa questão precisa ser mais desenvolvida. Com frequência,
uma das experiências mais traumáticas para eles é deixar para
trás o país e o povo que aprenderam a amar, e ter de se adaptar
ao país de seus pais, que é estrangeiro para eles. Talvez eles se
comportem ou usem roupas que parecem estranhas aos adolescentes
em sua terra natal, fazendo-os parecer estrangeiros.
Existe também a necessidade de cuidar dos casais. Eles precisam
de cuidado pastoral e ajuda durante períodos de crise
em seu relacionamento. Essa ajuda pode estar disponível no
campo, ou talvez seja mais sábio enviar o casal de volta para
casa, não como fracassados, mas para um tempo de restauração.
A igreja local e a agência que os enviou precisam explicar
como o cuidado pastoral será oferecido.
140 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Existem algumas situações na vida familiar que naturalmente
geram muito estresse e vulnerabilidade. Os líderes de igrejas e de
agências missionárias precisam estar atentos e cuidar das famílias
em ocasiões como a gravideze o parto (especialmente no caso do
primeiro filho), quando a falta de apoio por causa de diferenças
culturais pode gerar grande pressão nos relacionamentos familiares,
ou quando os filhos chegam à adolescência e precisam de
boas escolas e de orientação para ajudá-los a crescer de maneira
saudável. Os missionários precisam saber que, se for preciso, poderão
retornar ao lar para um tempo de restauração.
Cuidados com as mulheres solteiras
As palavras "outros renunciaram ao casamento por causa
do reino dos céus" se aplicam a missionários cuja resposta
ao chamado de Deus inclui o celibato involuntário. Muitas
mulheres gostariam de se casar, mas o número de homens
solteiros é pequeno, e elas começam a se perguntar se há
algo errado. A aceitação dessa realidade significa que, nesse
momento em particular, estar solteira é parte da vontade de
Deus.
As mulheres solteiras são parcela significativa das pessoas
que responderam ao questionário, e estão presentes em todos
os campos onde há grande sofrimento. Annemie Grosshauser
trabalhou na África Oriental e na Ásia Central como conselheira
para mulheres estrangeiras. Em seu artigo "Apoiando
mulheres estrangeiras em contextos difíceis", ela escreve sobre
os desafios das mulheres estrangeiras em países muçulmanos.
As mulheres podem servir nas áreas de saúde, ensino, administração,
hospitalidade, cuidado e oração. Entretanto, mulheres
estrangeiras podem ser tocadas de maneira inapropriada em
público ou serem alvos de obscenidades. As mulheres cristãs
precisam de alguém a quem prestar contas. Uma parceira de
oração pode ser um grande apoio. É muito importante orga
COMO CUIDAR DOS QUE SERVEM 141
nizar um grupo de apoio de oração, pois elas precisam estar
preparadas para enfrentar batalhas espirituais. Muitas serão
confrontadas com as crueldades da guerra: evacuação, roubo,
abuso e estupro. Mulheres solteiras precisam de apoio especial
da equipe, especialmente em uma cultura muçulmana, por
causa do sentimento de solidão que resulta do estilo de vida
restrito que a mulher tem de levar.
Há algumas vantagens em ser solteira, mas também há
necessidades e desafios especiais. A principal vantagem é que
as solteiras têm maior liberdade para servir, para viajar, para
interagir com o povo local e mesmo para enfrentar situações
perigosas, se estiverem dispostas a pagar o preço. Como não
têm filhos que dependam delas, geralmente se integram mais
cedo, aprendem a língua mais rapidamente, desenvolvem bons
relacionamentos e encontram satisfação em seu ministério e
amizades.
Porém, essa mesma disponibilidade pode fazer com que outros
missionários e o povo local as sobrecarreguem, esquecendo
que elas também têm limitações e precisam de tempo para
atividades de lazer e descanso. Elas precisam estar conscientes
de que são responsáveis por cuidar de si mesmas e de que
precisam desenvolver redes de apoio mútuo. As missionárias
solteiras também precisam do apoio da agência e da igreja para
estabelecerem certos limites. Precisam investir em amizades
com pessoas com quem possam compartilhar suas necessidades
e dores e orar, ou simplesmente fazer alguma atividade de
lazer com outros.
Outro desafio que enfrentam é que geralmente têm mais
limitações para participar de atividades à noite, ou para viajar
sozinhas -coisas que uma mulher local não faria. Por não
pertencerem a uma família, podem ser vistas como mulheres
fáceis (prostitutas). Mulheres solteiras precisam ser discretas
ao se relacionarem com homens, precisam ser cuidadosas e
142 MISSIONÁRIOS FERIDOS
observar as regras locais e os limites para relacionamentos
respeitosos.
Outra necessidade, que nem sempre é atendida, é ter moradia
apropriada. Uma missionária desabafou que por dezoito
anos dividiu a casa com dezesseis companhias diferentes. fu
missões geralmente cuidam de maneira adequada das famílias,
mas pensam que as solteiras podem viver juntas. Isso pode
causar muito estresse, especialmente se há mudança contínua
das pessoas com quem compartilham a casa. Algumas desejam
morar sozinhas, enquanto outras preferem morar com mais
alguém, seja por questões de segurança, por medo de ficar sozinha,
ou porque é inadequado uma mulher sozinha receber
visitantes do sexo oposto. A melhor solução seria deixar as
pessoas solteiras escolherem (obviamente de acordo com as
possibilidades do campo e das finanças), e ajudá-las a encontrar
o tipo de moradia onde se sentem à vontade.
As mulheres solteiras querem ter o mesmo grau de participação
nas decisões que seus colegas casados têm. Com
frequência, os solteiros têm grandes responsabilidades, mas
não se lhes permite exercer qualquer papel de liderança. Isso
acontece dentro da comunidade missionária e na igreja local.
É claro que na igreja local há necessidade de se adaptar ao
que é próprio à cultura. Em minha experiência missionária
em Angola, onde a liderança da igreja era toda masculina e
onde a maior parte das igrejas não permitia que uma mulher
pregasse, fui aos poucos tendo maior liberdade para ministrar.
Alguns anos antes de deixar o país, pediram que falasse na
conferência nacional da Aliança Evangélica de Angola sobre
"O Papel da Mulher no Ministério da Igreja". Preparei minha
palestra com temor e tremor, mas ela foi bem recebida, e dei
essa mesma palestra em vários locais e várias ocasiões. Mais
tarde, as mulheres locais tiveram mais liberdade e voz em suas
igrejas e fui convidada a pregar em algumas dessas igrejas.
COMO CUIDAR DOS OUE SERVEM 143
A questão de ir solteira e permanecer solteira é um grande
.desafio para muitas mulheres, pois a maioria tem o desejo
de encontrar um marido com visão e chamado semelhantes.
Muitas que vão para o campo sozinhas casam-se com missionários
de outra nacionalidade ou com um cristão local -o
que também é uma área de cuidado pastoral, pois essas mulheres
enfrentam uma adaptação transcultural em seu próprio
lar, e isso também traz estresse. Um casamento transcultural
pode ser uma bênção, mas precisamos preparar as missionárias
solteiras para não entrarem de maneira precipitada em
relacionamentos transculturais. Antes de considerar tal decisão,
precisam estar adaptadas ao campo, servir bem sozinhas
e conhecer bem a cultura. Se as missionárias não estiverem
bem preparadas, e não receberem cuidado pastoral adequado,
elas podem entrar num relacionamento com potencial
de causar muitas feridas e que poderá significar até mesmo o
término de seu ministério.
As missionárias precisam de apoio amoroso e compreensão,
especialmente se, como resultado do compromisso a seu
chamado, elas permanecerem solteiras. Precisam de ajuda
para compreender que não são menos valiosas como pessoas
ou como mulheres. Precisam aprender a confiar no Senhor e
a acreditar que ele lhes dará graça para enfrentar cada dia, e
também cuidará delas quando ficarem velhas. Vamos, então,
continuar a enviar missionárias solteiras, ajudando-as a estarem
bem preparadas e emocionalmente estáveis, dando-lhes
apoio fiel, amoroso e continuo.
Relacionamento com colegas, igreja ou agência
Os missionários estão envolvidos numa batalha espiritual continuai
somadas a ela estão as fraquezas humanas e as diferenças
culturais ou de percepção pessoal. Assim, os conflitos e estresse
serão inevitáveis. Por um lado, os missionários envolvidos
144 MISSIONARIOS FERIDOS
precisam ser respeitados, precisam de líderes que os ouvem
sem preconceito, e oferecem compreensão e encorajamento.
Por outro lado, os líderes também precisam ser sábios, porque
alguns missionários causam problemas ao contarem sua própria
versão da história em sua terra natal, de uma maneira tão
convincente que recebem todo o apoio possível. Os líderes da
terra natal precisam ouvir os líderes nacionais e outros missionários,
a fim de terem uma visão mais correta da situação. Geralmente,
os problemas se agravam quando os líderes ouvem
apenas uma das partes envolvidas na situação.
Este tema foi mencionado por 16,9% dos missionários como
uma razão para considerar um retorno prematuro. Isso mostra
que há a necessidade de um melhor preparo para viver e servir
em equipes, especialmente em equipes transculturais. Há muitos
casos de estresse e desânimo por causa de dificuldades nos
relacionamentos com outros missionários; parcialmente porque
todos são pessoas com forte determinação (senão teriam ficado
em casa), mas também por falta de preparo para ouvir e dar
espaço para outros, por dificuldades em resolver conflitos e perdoar,
ou por falta de longanimidade, que é fruto do Espirito.
Um treinamento pode ser mais proveitoso quando os alunos
têm a oportunidade de servir juntos como equipe e de aprender
a se submeter a um líder com quem nem sempre concordam.
Viagens missionárias em um contexto transcultural podem ser
parte valiosa de um treinamento.
Alguns dos líderes entrevistados consideraram o relacionamento
entre o missionário e a agência como uma área de
estresse e como uma das razões para o retorno prematuro. Vários
missionários que responderam ao questionário haviam
trocado de agência ou estavam planejando fazê-lo. Alguns missionários
não têm liberdade suficiente para servir, não têm a
orientação que esperavam, não têm um cuidado pastoral que
atenda às suas necessidades, ou são alvo de expectativas muito
COMO CUIDAR DOS OUE SERVEM 145
altas -o que provoca um sentimento de fracasso e esgotamento
emocional. Há necessidade de desenvolver uma consciência de
Corpo, de compartilhar e ouvir um ao outro e de compreender
e respeitar os dons e limites um do outro. Há também a necessidade
de orientação e treinamento para manejo de conflitos
em contexto transcultural.
Adaptação transcultural e relacionamento
com a liderança
Entre os missionários entrevistados, 12,5% mencionaram os
relacionamentos com líderes nacionais como possível razão
para um retorno prematuro. Uma das razões é que os padrões
de liderança e o significado de ser líder mudam de uma cultura
para outra. Tanto os missionários quanto os líderes nacionais
agem de acordo com sua própria cultura, e acabam
se sentindo desrespeitados e criticados pelos outros. Parte necessária
do treinamento pré-campo é preparar os missionários
para respeitarem os líderes locais, se conterem para não falar
ou agir de maneira diferente do contexto em que estão, deixarem
mais iniciativas com os líderes locais, ouvi-los e estarem
cientes de que a responsabilidade da adaptação transcultural
está sobre aqueles que chegam para servir.
Um erro que tanto os missionários quanto as agências cometem
é pensar que os que investem financeiramente têm autoridade
para tomar as decisões -um paternalismo que causa
frustração e irritação aos líderes nacionais. Outro aspecto da
mesma situação é quando os missionários pensam que precisam
ajudar os nacionais, que são pobres, e continuam a fornecer
os recursos. Os missionários que se adaptam bem e vivem
de maneira mais semelhante ao estilo de vida dos cristãos nacionais
podem encorajá-los a usar seus próprios recursos. Mas
se o missionário aparenta ser muito rico e continua trazendo
todo tipo de recursos, as pessoas ficam dependentes e não
146 MISSIONÁRIOS FERIDOS
descobrem a alegria e a bênção de dar seus próprios recursos de
forma generosa. Esses temas precisam ser discutidos durante os
programas de treinamento missionário.
O choque cultural e a adaptação transcultural são temas
importantes na vida dos missionários. Mais da metade dos que
responderam ao questionário escreveram que muitos de seus
amigos locais parecem ser interesseiros, determinados a tirar
o máximo proveito do relacionamento com os missionários.
Isso é natural num contexto de grande pobreza, mas é também
um problema transculturaL Para alguns povos e culturas,
pedir é considerado natural e um verdadeiro amigo, com boas
condições, sempre ajudará.
Dos missionários entrevistados, 34,8% reclamaram da dificuldade
em satisfazer as expectativas das pessoas locais, que
sempre esperam muito mais do que eles podem oferecer. 31,2%
disseram que têm dificuldade de comunicação, de compreender
o que as pessoas querem dizer, e de saber se elas entenderam
a mensagem e as implicações da fé cristã para suas vidas cotidianas.
17,8% sentiram dificuldades com o antagonismo das
pessoas locais em relação aos estrangeiros e 14,2% tiveram problemas
para se adaptar à comida locaL Todas essas respostas
estão relacionadas a viver e servir numa cultura estrangeira e
expressam o quanto as pessoas se sentem inseguras, sem saber
como se relacionar com outras, como atender às suas necessidades,
e como servi-las melhor.
Os líderes também consideraram os relacionamentos
transculturais, a adaptação à outra cultura e o aprendizado
da língua como áreas de estresse para os missionários. Alguns
percebem que essas seriam razões para alguns retornarem prematuramente
do campo, apesar de outros afirmarem que seus
missionários não retornariam por causa de problemas de relacionamento
com o povo locaL Todas essas respostas indicam
que o treinamento missionário transcultural é extremamente
COMO CUIDAR DOS QUE SERVEM 147
importante e que a área de relacionamento com pessoas de
outras culturas deve ser parte fundamental do treinamento.
Orientação no ministério
Essa necessidade foi mencionada por 21,4% dos missionários,
especialmente por aqueles enviados de maneira independente,
isto é, sem o apoio de uma agência missionária. Nas questões
sobre as reações a contextos de sofrimento, 34% se sentiram
incapazes e inúteis, e 16% tiveram dificuldades em saber o
limite da doação pessoal. 9% mencionaram o sentimento de
incapacidade e de inutilidade como razões que podem levá-los
a um retorno prematuro.
Essas necessidades estão relacionadas ao preparo transcultural,
e abrangem temas como: contextualização, vida missionária,
estratégias missionárias, fenomenologia, antropologia
missionária e outros; experiências práticas de viagens missionárias
com orientações claras e avaliações, e o desenvolvimento
de caráter e maturidade emocional e espiritual. O sentimento
de incapacidade e inutilidade é uma resposta natural a contextos
de sofrimento extremo, quando as pessoas sentem que o
melhor que podem fazer, mesmo com todos os recursos desejados,
parece insignificante comparado à tremenda necessidade.
Pessoas que serviram às vítimas do tsunami na Indonésia manifestaram
sentimentos semelhantes. Precisamos discutir esses
desafios e deixar claro que qualquer serviço feito com amor e
sabedoria será significativo para as pessoas que servimos.
Enviar pessoas para contextos de sofrimento extremo é uma
grande responsabilidade. Não pode ser feito de maneira precipitada.
Não podemos deixar de lado os feridos, os que não
conseguem enfrentar as adversidades ou que estão enfrentando
problemas pessoais. Com treinamento apropriado, pessoas
que têm um chamado geralmente conseguem superar as dificuldades
e são uma bênção; suas fraquezas não são obstáculos,
148 MISSIONÁRIOS FERIDOS
se lidarem com elas de maneira apropriada. O desafio dos
grupos não-alcançados e dos povos necessitados é grande. Somos
responsáveis pelo cuidado daqueles que são enviados e
temos de ajudá-los a perseverar durante todo o período em
que precisarem permanecer no campo, para que, ao voltarem,
tenham o mesmo compromisso missionário e continuem a
servir em outras áreas.
Seria útil pedir a futuros missionários que sirvam em sua
terra natal, a comunidades carentes e a grupos de pessoas marginalizadas,
para que possam começar a compreender o que
significa servir pessoas vulneráveis, e para que possam desenvolver
mais recursos e habilidade para suportar desgastes emocionais
e físicos. Há várias oportunidades de servir crianças de
rua, dependentes químicos, presos, refugiados, imigrantes e
pacientes com aids ou câncer.
Preparo adequado
É urgente reavaliarmos o treinamento missíonário oferecido.
De acordo com o ReMAP 1,10 uma das razões para o retorno
prematuro do campo entre missionários brasileiros foi a falta
de treinamento apropriado. O ReMAP II mostrou que os missionários
mais bem preparados são os que permanecem mais
tempo no campo. Ainda existe a ideia de que os missionários
que são enviados para servir entre povos tribais e entre pessoas
muito pobres não precisam de treinamento, e a maior
parte das igrejas não está disposta a apoiar seus candidatos em
um programa de treinamento missionário adequado. Há uma
multiplicação de cursos de treínamento missionário oferecidos
por agências e igrejas locais, muitas vezes com professores sem
experiência de campo, e sem treinamento missionário. Esses
cursos oferecem programas muito curtos; às vezes os alunos
escutam poucas palestras, algumas boas, outras nem tanto.
Soube de um curso em que havia apenas uma noite para cada
COMO CUIDAR DOS QUE SERVEM 149
matéria. É claro que isso é insuficiente e a falta de treinamento
continuará a causar o retorno prematuro dos missionários.
As respostas aos questionários não apresentaram diferenças
evidentes dos problemas enfrentados por aqueles que receberam
treinamento de quatro ou cinco meses ou por aqueles
que foram treinados por dois anos. No Centro Evangélico de
Missões ainda acreditamos que um programa de treinamento
de dois anos não é um luxo, mas uma necessidade, e a maioria
de nossos ex-alunos têm servido bem e por muitos anos no
campo. Os missionários que participaram dessa pesquisa valorizam
um treinamento sólido (veja a tabela 3 do Apêndice).
O treinamento requerido para ajudar as pessoas a perseverar
nos campos de serviço deve, necessariamente, incluir:
Teologia bíblica de missões,
estudos bíblicos gerais e
específicos sobre o sofrimento no ministério de Jesus e
suas advertências de que devemos estar prontos para sofrer
quando abraçamos sua missão.
Antropologia cultural, contextualização, fenomenologia,
vida missionária, estratégias missionárias, aprendizado
de línguas -matérias que vão ajudar os alunos a compreender
pessoas de culturas e religiões diferentes e a se
relacionar com elas de maneira respeitosa, com disposição
para aprender.
Investimento sólido no cultivo da vida devocional pessoal
dos alunos, com oração, ensino sobre batalha espiritual
(ensino bíblico equilibrado) e o desenvolvimento de
um escudo de oração para sustentá-los durante o serviço
missionário.
Experiência prática de atividades missionárias, em grupo
e em lugares onde os alunos podem aplicar o que aprenderam
em sala de aula, se relacionar com pessoas que são
diferentes, e com contextos de sofrimento.
150 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Preparo para trabalhar em equipes, aprender a desenvolver
bons relacionamentos com os membros da equipe, a respeitar
os outros membros e os líderes, crescendo em compromisso
e humildade e estando abertos para avaliação mútua
e correção.
Ter mentores (líderes da igreja enviadora, da escola de
missões, da agência missionária). Oferecer um discipulado
pessoal, no qual assuntos específicos podem ser abordados
e trabalhados.
Contato com um psicólogo cnstao, durante o programa
de estudos, antes de serem enviados para o campo,
durante a licença, no campo missionário e no retorno à
terra natal. Esse psicólogo deve estar familiarizado com
as lutas que os missionários enfrentam.
Quando chegarem ao campo, os missionários precisarão
aprender a se integrar na cultura local, a desenvolver vínculos
com o povo, e a ler livros que os ajudem a compreender temas
sociais, religiosos e culturais daquele contexto. Missionários
mais experientes podem oferecer um programa de treinamento,
ajudando-os a compreender e a responder a situações locais.
Esse programa deve ser bem planejado e não deve ser
dado por missionários que não se adaptaram muito bem e que
não têm bons relacionamentos com o povo local.
Lazer
A falta de oportunidades de lazer é uma fonte contínua de estresse.
Em contextos onde há violência, guerra e pobreza, geralmente
não há restaurantes, sorveterias ou piscinas. Ir ao cinema
pode ser considerado inapropriado e as oportunidades de viajar
a passeio talvez sejam raras. As pessoas precisam aprender
a desenvolver formas alternativas de lazer e descanso para elas
mesmas e para seus filhos, como levar consigo jogos, artesanato,
COMO CUIDAR DOS QUE SERVEM 151
filmes e livros, e pedir a amigos em sua terra natal que enviem
recursos ocasionalmente. Por meio da amizade com outros missionários
e com a comunidade local, as oportunidades de lazer
podem começar a surgir.
Algumas agências missionárias têm regras severas. Os missionários
não podem retornar à terra natal antes de completar
três anos de serviço, mas podem tirar férias anualmente -se
houver alguma possibilidade local disponivel. Seria bom se as
igrejas e agências tivessem regras gerais, mas também fossem
flexíveis de acordo com as necessidades dos missionários em
situações específicas. Em alguns casos, é mais produtivo e econômico
voltar ao país de origem a cada um ou dois anos.
Literatura de apoio
Com vistas a melhorar o serviço de nossas igrejas e agências na
área de cuidado do missionário, uma de nossas preocupações
é oferecer literatura que possa ajudá-los a compreender e discernir
melhor essas necessidades. Embora não exista muitas
publicações nessa área, algumas obras podem ser úteis:
Autores estrangeiros

Valioso Demais para que se Perca, editado por William D.


Taylor (Descoberta, 1998)
Profissionais emMissões, de [onathan Lewis (Vida Nova, 1993)
A Missão de Enviar, de Neal Pirolo (Descoberta, 2001)
Florescendo em Outra Cultura, de Jo Anne Dennett
(Descoberta, 2004)
Autores nacionais
A Igreja Apaixonada por Missões, de Antonio Nasser (Abba
Press, 1995)
Missionários, Preparando-os para Perseverar, de Margaretha
Adiwardana (Descoberta, 1999)
152 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Do Chamado ao Campo, de Oswaldo Prado (Sepal, 2001)
O MeUwr para Missões, de Edison Queiróz (Descoberta, 1998)
Tropeços na Vida Missionária, de Jarbas Ferreira da Silva
(Vida Nova, 2003)
Serão como as Estrelas, de Márcia Tostes (Descoberta, 2003)
Há alguns artigos sobre o assunto na revista Capacitando,
da Associacão Brasileira de Professores de Missões (APMB),
e na revista Ultimato. Alguns desses artigos foram copiados e
distribuídos nas igrejas. Em outubro de 2004, por ocasião da
Consulta das Agências Míssionárias, Professores de Missões
e Grupo de Cuidado Integral do Missionário, foi lançado o
livro O Cuidado Integral do Missionário.
Nossa preocupação, entretanto, não deve s~r
apenas com
os missionários, mas também com os povos que estão em
situação de sofrimento, a quem eles são chamados a servir.
No Brasil, há boa literatura sobre o tema de missão integral.
A Editora Ultimato e a Fraternidade Teológica Latino-Americana
se preocupam com esse tema e publicaram bons livros
e artigos. Quando falamos de guerra e contextos de extrema
violência, nossa experiência como brasileiros é limitada e quase
não há literatura disponível. Talvez alguns brasileiros que
serviram as vítimas do tsunami na Ásia, em 2004, possam escrever
sobre o que aprenderam nesse contexto extremamente
doloroso. A visão da mídia sobre essas questões geralmente
é parcial e ela não aborda de forma profunda o que significa
viver nesses contextos e servir ao povo que mora ali.
Quanto ao tema da perseguição por causa da fé cristã, a
missão Portas Abertas publicou vários livros em português, e
há alguns livros disponíveis sobre a vida em contexto islâmico.
As diferentes sugestões práticas apresentadas são algumas
possíveis soluções para os difíceis temas levantados pelos questionários.
Visam contribuir para que o treinamento pré-campo,
no campo e pós-campo e o cuidado oferecido pelas igrejas locais
COMO CUIDAR DOS QUE SERVEM 153
e agências missionárias sejam aperfeiçoados. Assim, quem sabe
poderemos reduzir a taxa de retorno prematuro do campo entre
missionários evangélicos brasileiros e encorajar esses obreiros a
perseverar em meio a situações adversas e estressantes.
A igreja evangélica no Brasil já não é uma minoria oprimida
e a presente geração já não se lembra do preconceito e perseguição
que seus pais sofreram. Com a influência da teologia
da prosperidade, a ênfase em missão integral tem diminuído.
As pessoas se acostumaram a esperar bênçãos imediatas, e não
aprenderam sobre sua responsabilidade de serem testemunhas
na sociedade. Em algumas igrejas, o sofrimento é visto como
resultado de falta de fé ou como consequência de pecado. Assim,
tornou-se difícil para os missionários que passam por dificuldades
e lutas receberem apoio e compreensão.
Jesus e Paulo estavam prontos a sofrer preconceito, incompreensão,
perseguição e solidão porque sabiam que isso era necessário
para atingir os objetivos de Deus para a humanidade.
Eles sofreram pessoalmente e prepararam seus seguidores para
o sofrimento que enfrentam aqueles que manifestam a luz da
verdade em contextos de trevas e para compreender a batalha
espiritual envolvida no projeto missionário de Deus.
Se quisermos alcançar comunidades que sofrem, precisamos
recuperar a perspectiva bíblica sobre o sofrimento, especialmente
quando relacionada à tarefa missionária, e oferecer
mais misericórdia e compreensão aos missionários.
Aprender a ajudá-los não demanda planos sofisticados; está
relacionado a uma atitude de preocupação e apoio, ajudandoos
a buscar soluções para seus problemas.
Vários serviços já são oferecidos aos missionários, e há uma
crescente conscientização sobre a necessidade do cuidado integral
em várias agências e igrejas. Outras, entretanto, ainda
154 MiSSiONÁRIOS FERIDOS
estão começando a perceber a importância do cuidado e que o
missionário tem necessidades como todo ser humano. Há igrejas
e agências que continuam a enviar pessoas visando alcançar
os campos, mas sem preocupação com os custos pessoais para
os missionários. Muitos que enfrentam problemas e desistem
têm sido abandonados. Como resultado, algumas igrejas perdem
o interesse em investir na obra missionária, encarando-a
como muito dispendiosa e arriscada.
Quando as igrejas, agências, e institutos de treinamento
aprenderem a preparar melhor os missionários, investindo
não apenas na formação acadêmica, mas na formação do caráter
e em um compromisso de discipulado continuo, haverá
bons frutos.
Quando os líderes aprenderem a ouvir seus missionários,
compreendendo o contexto onde vivem, e oferecerem cuidado
integral, apoio financeiro e orientações práticas, os resultados
virão.
Os missionários se sentirão apoiados e dispostos a continuar
servindo de maneira sacrificial. Igrejas e agências verão que
seus investimentos fortalecem os missionários e se envolverão
cada vez mais. O povo local se sentirá mais respeitado, compreendido
e apoiado. A taxa de retorno prematuro diminuirá,
porque missionários, igrejas e agências terão aprendido a trabalhar
juntos.
apêndice

PESQUISA ENTRE
MISSIONÁRIOS QUE ATUAM
EM CONTEXTOS DE
SOFRIMENTO

-----.....o~----

OS CONTEXTOS DE SOFRIMENTO DISCUTIDOS NESTE LIVRO e o


ensino bíblico sobre o sofrimento no ministério levam à conclusão
de que o custo de fazer missão hoje é alto e, de acordo
com as Escrituras, vai continuar assim. Como resultado, não
são poucos os missionários que retornam dos campos prematuramente.

Cada vez mais se percebe a necessidade de analisar o retomo


prematuro dos missionários e encontrar soluções. Foi com esse
propósito que a Aliança Evangélica Mundial (WEA) organizou
umaforça-tarefaespecial,o Projeto de ReduçãodaTaxade Retorno
Prematuro de Missionários -ReMAP. O primeiro estágio foi
realizado entre os anos de 1994 e 1996. Mais recentemente, um
segundo estágio de estudo foi realizado para avaliar as condições
que estimulam os missionários a permanecer no campo. Outra
força-tarefa da WEA é sobre o cuidado de missionários, em especial
daqueles que atuam em regiões mais carentes e isoladas.
Os dados desses estudos fornecem a base para esta pesquisa
feita por meio de questionários e entrevistas entre missionários
156 MISSIONÁRIOS FERIDOS
que servem em contextos de sofrimento, e entre líderes de
agências missionárias e igrejas.
Propósito
o objetivo principal desta pesquisa foi ouvir os próprios missionários.
Foram também entrevistados líderes de algumas igrejas,
agências e escolas de missões para ouvir suas preocupações e
respostas. Buscaram-se respostas de missionários que servem
em contextos de sofrimento (locais onde há guerra, violência,
pobreza, epidemias e perseguição) para compreender como eles
se relacionam com esse contexto específico, quais são as necessidades
principais das pessoas a quem eles buscam servir, como o
contexto de sua vida e ministério afetam o seu bem-estar físico e
emocional, seus relacionamentos e sua capacidade de perseverar
no mínistério, e que tipo de apoio eles recebem ou gostariam
de receber. A análise dessa pesquisa certamente foi influenciada
por minha experiência como missionária por dez anos em Angola,
um país assolado por uma longa guerra civil, com pobreza,
muitos refugiados, muitas pessoas vitimadas pela guerra, fome,
malária e aids. Durante esses anos (de 1985 a 1995), a maioria
dos missionários naquela região recebeu pouco cuidado pastoral,
e alguns retornaram para seus países de origem desgastados,
enquanto outros permaneceram fiéis, mas muitas vezes a ponto
de ter um colapso emocional.
Participantes
A pesquisa foi realizada no período de abril a junho de 2003,
com 112 missionários que servem no Timor Leste, em Angola e
Moçambique. Estes países foram escolhidos porque seus povos
estão entre os mais pobres do mundo, têm passado por muito
sofrimento e têm uma presença significativa de missionários
brasileiros. Missionários que estavam no Brasil, após retornar
do campo ou em licença, também participaram, assim como
APÊNDICE 157
alguns que servemem áreastribais ou em contextosurbanos muito
pobres. Nos três países escolhidos para fazer a pesquisa, foi obtida
a participação expressiva de 30% dos missionários brasileiros.
Também participaram missionários de várias agências, tanto
casados (com filhos pequenos ou adolescentes) como solteiros.
O propósito era perceber se havia diferença nos padrões
para lidar com situações difíceis entre os que receberam um
treinamento mais prolongado e os que foram para o campo
com pouco treinamento; entre os que recebem cuidado pastoral
regular e os que enfrentam as dificuldades sozinhos; entre
os que pertencem a uma agência missionária e os enviados
diretamente pela sua igreja. Vários deles responderam à pergunta
"De quem vocês receberam apoio ou cuidado pastoral?"
com as palavras: "De ninguém!"
Missionários brasileiros em alguns contextos de
sofrimento
A informação mais atualizada sobre missionários brasileiros e
onde eles servem está disponível nos sites do COMIBAM e da
SEPAL. Em 1989, havia 880 missionários transculturais brasileiros,
e quarenta deles (5%) serviam na janela 10/40. Em 2005,
havia 2.250 missionários brasileiros servindo no exterior. Atualmente,
existem 3.195 missionários transculturais brasileiros.
Destes, 1.560 servem na América Latina, 456 na África e 639
(20%) na janela 10/40. 70% de nossos missionários são casados,
17% são mulheres solteiras e 6% são homens solteiros.
As agências missionárias
O segundo estágio da pesquisa foi uma entrevista feita com
líderes de agências missionárias, igrejas, instituições de ensino
e pessoas envolvidas no cuidado do missionário. Nessa entrevista,
eles relataram o que consideram as maiores necessidades
de seus missionários e o apoio e cuidado pastoral que lhes
158 MISSIONÁRIOS FERIDOS
oferecem. Foram entrevistados 27 líderes missionários e alguns
líderes de campo das seguintes agências: Interserve, AMEM,
JMM, JAMI, AMIDE, AME, Betel Brasileiro, Kairós, Missão
Horizontes, Servant Partners e Missão Antioquia. Também foram
entrevistados líderes de igrejas, professores de missões e
pessoas do Grupo de Cuidado do Missionário.
De acordo com dados da SEPAL, há 63 organizações missionárias
servindo nos campos. Missionários de trinta agências
(e líderes de mais quatro agências), além de pessoas de várias
denominações, responderam aos questionários.
Perfil dos participantes
Em relação à idade dos participantes, 14,5% tinham menos de
30 anos, 15,5% entre 31 e 35 anos, 30,9% entre 36 e 40 anos,
22,7% entre 41 e 45 anos e 16,4% tinham mais de 45 anos.
Quanto ao tempo de serviço dos missionários na localidade
atual, 10,7% tinham servido menos de um ano, 36,7% de um a
três anos, 22,3% de três a seis anos e 31,3% mais de seis anos.
Em relação ao tipo de agência representada, 27,6% serviram
com agências denominacionais, 50% com agências interdenomincionais
e 22,3% foram enviados independentemente
(pelas suas igrejas locais).
Quanto à formação profissional e serviço, 17% são da área
de saúde, 30% são da área de educação, 7% são da área de administração,
5% são da área de agricultura, 4% são da área de
serviços sociais, 12,5% se definiram como servindo em duas
dessas áreas, e 34% não especificaram uma profissão (no gráfico
1 esse grupo está indicado como 'ministério'). Esses dados
chamam nossa atenção, porque revelam que apesar da maior
parte das agências brasileiras não ter ainda se comprometido a
usar o grande potencial dos fazedores de tendas, na prática seus
missionários servem em muitas áreas profissionais.
APÊNDICE 159
A questão de missionários fazedores de tendas continua a
ser uma fonte de tensões, pois há candidatos excelentes, com
experiência profissional e bom testemunho, dipostos a servir
em contextos de sofrimento, mas muitas agências não os aceitam,
a menos que eles sejam treinados para se tornarem líderes
de igrejas. Essas agências veem os missionários apenas como
plantadores de igrejas, e não como pessoas testemunhando
por meio de seu serviço profissional. Isso reflete a falta de
compreensão dos desafios e necessidades de muitas nações de
acesso restrito que têm suas portas abertas para profissionais.
Gráficos e tabelas
Gráfico 1
Necessidades das pessoas na perspectiva dos missionários,
de acordo com suas profissões
Ministério
O Educação
90,0%
Saúde
80,0%
mOutros
70,0%
I 1m
60,0%
li I
r-r-r

50,0%
I-UII
40,0% I I iiI
30,0%
I
II20,0%
I
10,0%
I

II
I
°
160 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Gráfico 2
Necessidades das pessoas em contexto de guerra
100,0%
90,0%
80,0%
70,0%
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
o
Contexto de guerra
I O Geral
I ..
Gráfico 3
Necessidades dos missionários de acordo com as agências
70,00% -r------------~;:::::==========::::;_I

Denominacionais
60,00% -/I-----i~f--------=------tD
Interdenominacionais
I:iIIlndependentes
40,00% -/I--~
If:!f_~II-__----30,00%
~111--"11'lf_-l
"'11--j;:Jf----

20,00%
10,00%
°
APÊNDICE 161
Gráfico 4
Razões para desistir, de acordo com o tipo de agência
40,0%
Geral
35,0%
o Denominacional
30,0%
rn Interdenominacional
25,0%
IIiillndependente
20,0%
15,0% J , ~
10,0%

j
I
5,0%
I
ii
1tiü

.;
i
o iI II
!
! ~
Gráfico 5
Razões para desistir, de acordo com a idade
23-30 anos
35,0% .....------------------1 O 31-35 anos
30,0% mi 36-40 anos
1lliI41-45 anos
25,0% ---1t------------l!I--J III Maisde 45 anos
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
o
162 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Tabela 1
Tipos de apoio recebido pelos missionários
Tipo de
apoio
Agências
denominacionais
Agências interdenominacionais
Independentes
Casados Solteiros Casados Solteiros Casados Solteiros
29 2 26 30 19 6
Oração 97% 50% 85% 100% 79% 83%
Tratamento
de saúde
41% 50% 19% 40% 16% 33%
Visitas 31% 50% 27% 20% 32% 17%
Cuidado
pastoral
31% O 35% 23% 5% 17%
Cuidado
com os 21% O 23% O 5% O
filhos
Apoio
financeiro
34% 50% 19% 27% 26% 50%
Apoio
familiar
31% 50% 23% 23% 16% 17%
Visitas 10% 50% 15% 27% 32% 17%
Tabela 2
As necessidades são influenciadas pelo treinamento
pré-campo?
Necessidades Expressas
pelos Missionários
Nenhum
treinamento
transcultural
Treinamento
de curto prazo
(alguns meses)
Maisde
um ano de
treinamento
Cuidado pastoral 53% 40% 54%
Apoio psicológico 47% 40% 31%
Encontrar ajuda disponível
para emergências médicas
50% 33% 33%
Segurança dos filhos 47% 20% 29%
Orientação para
o ministério
37% 17% 15%
Relacionamento com
membros da equipe
13% 17% 19%
Apoio financeiro 13% 27% 13%
Solidão 13% 17% 17%
Estudos dos filhos 33% 17% 4%
Relacionamento com
líderes nacionais
20% 7% 12%
APÊNDICE 163
Tabela 3
Reações ao contexto de sofrimento de acordo
com o treinamento pré-campo
Nenhum
treinamento
transcultural
Treinamento
curto (alguns
meses)
Mais de
uma ano de
treinamento
Sentimento de incapacidade/
inutilidade
37% 33% 33%
Sempre pronto a oferecer
primeiros socorros
33% 23% 2S%
Depressão/tristeza 30% 17% 13%
Sem limites para se doar 27% 13% 12%
Sem tempo para a família 10% 17% 8%
Pesadelos/sentimento
de peso
10% 7% 2%
Tabela 4
Reação ao contexto de sofrimento de acordo com as agências
Reaçõesdos
Agências denomi-
Agências interdeno-
Independentes
minacionaisMissionários
nacionais
Casados
Solteiros
Casados
Solteiros
Casados
Solteiros
29
19
2
26
30
6
Sentimento de
O
33%
26%
83%
45%
19%
inutilidade/
Sempre
dando ajuda
O
15%
23%
32%
83%
emergencial
Depressão/
28%
12%
27%
11%
17%
24%
O
Tristeza
Sem limites
17%
O
4%
17%
26%
14%
para se doar
Sem tempo
11%
10%
O
8%
13%
50%
para a família
Pesadelos,
11%
33%
O
3%
3%
fardo pesado
164 MISSIONÁRIOS FERIDOS
Tabela 5
Dificuldades nos relacionamentos com os nacionais
Dificuldades
nosrelaciona-
Agências denominacionais
Agências interdenominacionais
Independentes
mentoscomos
nacionais Casados
29
Solteiros
2
Casados
26
Solteiros
30
Casados
19
Solteiros
6
Amigos
interesseiros 66% 50% 46% 60% 53% 67%
Atendendo às
expectativas 28% O 38% 40% 37% 33%
Comunicação 34% 50% 23% 57% O 33%
Problemas
éticos 31% O 19% 13% 11% 33%
Antagonismo 28% O 15% 20% 5% 17%
Comida 17% O 12% 20% 5% 17%
NOTAS
-------...-.0(0)0_-----

Capítulo I
1. MOLTMANN, Jürgen. Thecrucified God. 2 ed. New York: Harper e Row Publishers,
1973. p. 46.
Capítulo 2
1. TON, Josef. Suffering, martyrdom and rewards in heaven. New York: The Romania
n
Missionary Society, 2000. p. 102.
Capítulo 4
1. Ton, Ibídem, p. 212-213, 217.
Capítulo 6
1. BOSCH, David J. Missão transformadora. São Leopoldo: Sinodal, 1998. p. 26-27.
2. FLANNERY,
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Oficial da CNBB da III Conferência Geral de Bispos Latino-Americanos. 6. ed.
Petrópolis. Vozes, 1985. p. 69, 275.
4. ESCOBAR, Samuel. O cenário global na virada do século. ln: TAYLOR, William
David. Missiologia global parao século 21. Londrina: Descoberta, 2001. p. 45.
5. BONK, [onathan. Comentando Escobar e indo um pouco além. ln: TAYLOR,
William David. Missiologia global para o século 21. Londrina: Descoberta, 2001.
p.81-82.
6. D'SOUZA, Joseph.
The lndian church and missions face the safronization
challenge. ln: TAYLOR, William David. Missiologia global para o século 21.
Londrina: Descoberta, 2001. p. 554-555.
7. TAYLOR, William David. Missiologia global parao século 21. Londrina: Descoberta
,
2001. p. 37.
8. Taylor, Ibidern, p. 41.
Capítulo 7
1. ADEYEMO, Tokunboh. Traçando o perfil de uma missiologia global e evangélica.
ln: TAYLOR, William David. Missiologia global para o século 21. Londrina:
Descoberta, 2001. p. 369.
166 MISSIONÁRIOS FERIDOS
2. Disponivel
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on the elimination of al1 forms of inrolerance and of discrimination based
on religion or belief, 1981.
3. Disponivel em: <www.membercare.orglimages/wea_unreporc2001.pdf> WEA.
WEF Report to the UN, 2001.
4. TAYLOR, William David. Missiologia global paraoséculo 21.Londrina: Descoberta,
2001. p. 18-20.
5. ANYOMI, Seth. Comentários sobre a declaração de Foz de Iguaçu. ln: TAYLOR,
Wil1iam David. Missiologia global para o século 21. Londrina: Descoberta, 2001.
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6. DOWSETT, Rose. The Great Commission. London: Monarch Books, 2001. p. 82.
7. DOWSETT, Ibidern, p. 83.
8. MARSHALL, Paul. Their blood cries out. Dallas: Word Publishing, 1997. p. 47.
9. SCHLOSSBERG, Herbert. A fragrance of oppression; the church and its persecuto
rs.
Wheaton: Crossway Books, 1991. p.125.
10. D'SOUZA, Joseph.
The Indian church and missions face the safronization
challenge. ln: TAYLOR, William David. Missiologia global para o século 21.
Londrina: Descoberta, 2001. p. 557.
11. HOLMES, Michael W. ed. The apostolic fathers. 2.ed. Leicester: Apollos, 1990
.
p.103.
Capítulo 8
1. BENTLEY-TAYLOR,
Felicirv. Felicity tells her story. ln: STACEY, Vivienne.
Mission ventured. Leicester: Inter-Varsitv Press, 2001. p. 231.
2. STACEY,Vivienne. Mission ventured. Leicester: Inter-Varsity Press, 2001. p.16
9.
3. Idem, p. 172.
Capítulo 9
1. TOSTES,
Márcia. Preparando para perseverar nas missoes brasileiras. ln:
O'DONNELL, Kelly, Cuidado integral do missionário. Londrina: Descoberta, 2004.
p.87-98.
Capítulo 10
1. O'DONNELL,
Kellv, o cuidado integral do missionário. Londrina: Descoberta,
2004. p. 17.
2. DANIEL!, Yael. Sharing the front line and the back hills; international prote
ction e
providers; peacekeepers, humanitarian aid workers e the media in the midst of
crisis. Amityville: Baywood Publishing Company, 2002. p. 1-3.
3. Idem, p. 381-384.
4. Idem, p. 385.
5. Palestra para a Consulta do Grupo de Cuidado Missionário no Brasil. Londrina,
2002.
NOTAS 167
6. CARVALHO,
Eslv, Ficando com o que é bom; uma pequena experiência. ln:
O· DONNEL. Kellv, Cuidado integral do missionário. Londrina: Descoberta, 2004.
p.99-100.
7.A
experiência está relatada no artigo "Crisís and routine debriefing". ln:
O'DONNELL, K., ed. Doing member care well. Pasadena, CA: William Carey
Library, 2002.
8. Dezessete por cento dos missionários brasileiros são mulheres solteiras e 6% são
homens solteiros (COMIBAM, 2005).
9. Ver WERNER, David. Onde não hámédico. 24ed. São Paulo: Paulus, 1997.
10. Ver o livro Valioso demaisparaque se Perca, de W. D. Taylor.
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