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nas declarações e nas obras dos par dos dois autores é a mesma:' ao se co
ticipantes do movimento modernista locar a exigência de modernização,
a partir de 1924. Também é com re esta passa pela discussão de sua ca
lação a ela que a intelectualidade bra- racterização para o ambiente bra.i-
222 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/2
leiro, e daí pela reCerência ao ele "clássicas". Estas são localizadas "nas
mento tradicional e ao popular.' Corças de sani'dade a que a Europa
"Literatura suicida" é o título do está lançando um apelo para reagir
comentário Ceito por Tristão de Athay contra a decadência": 8
de sobre o ,mesmo tema. O crítico res
salta vivamente a importância do mo "Mas desde logo renunciar, sem
mento por que se passava. Para ele, saudade, a essa Carândola charla
"nenhuma geração . . . teve necessida tanesca de novidades trazidas pelo
de tamanha de traçar o seu roteiro último correio, a essa ânsia do no
como a nossa" .• O problema enfren vinho em Colha, da última moda
tado por essa geração era o da mo francesa, do diferente, do extra
dernidade. Esta só poderia ser con vagante, do nunca dito. Ir ao clás
cebida se relacionada à questão da sico é renunciar à desordem. "·
entidade nacional. De forma que a
rejeição da problemática do naciona Assim, é o conjunto das questões
lismo trazia consigo a recusa do in propostas pelo modernismo que Cun
gresso na ordem moderna. Ao ata ciona como reCerencial para todos. No
car a proposta "independentista" de caso, é aquele conjunto que precisa
Oswald de Andrade, que propunha a ser rejeitado por Tristão de Athayde.
elaboração de uma "poesia de expor Entretanto, não foi desta forma que
tação", ao afirmar ser necessária HCo eclodiu a questão da modernidade em
ragem literária suficiente para dizer nosso ambiente intelectual. A brasili
bem alto: ainda não podemos pres dade, com tudo o que ela implica de
cindir de certa imitação",6 Tristão de dimensionamento da proposta moder
Athayde tem, necessariamente, que nista e até de redefinição daquilo que
optar por uma via antimodernista se entende como sendo moderno, só
como é sua "ida ao clássico", constituiu uma indagação para os mo
A argumentação de Tristão de dernistas no desdobramento de sua
Athayde busca inicialmente descarac discussão sobre a modernidade. Po
terizar a postura nacionalista defen de-se mesmo aCirmar que a vocação
dida pelo maniCesto. Para o crítico, o nacionalista do modernismo que se
que na verdade Oswald de Andrade maniCesta grosso modo a partir de
propunha era trazer para a discussão 1924 é o ponto de chegada de uma
brasileira as contribuições do dadaís linha de indagações sobre o ingresso
mo francês e do expressionismo ale da produção artística brasileira na
mão. Estes são caracterizados como ordem da modernidade. E que, ao
dois grandes males culturais - o da ser colocada em toda a sua complexi
daísmo é Hesse cadáver" francês e o dade, a questão da brasilidade possi
expressionismo é Hessa moléstia" ale bilitou, da parte daqueles que deCen
mã.7 O que está importando para diam o projeto modernizador, a defi
Tristão de Athayde, entretanto, não é nição do próprio conceito de moder
a crítica do processo de importação nidade para o caso brasileiro. Veja
de padrões culturais estrangeiros, mas mos como se fez este percurso.
a qualidade do que se importa. Sua
proposta não é a de uma ruptura com 1. Modernizar' etuerlur a produçlo cul·
o processo de importação; ao contrá ture' • um novo tempo
rio, seu maior empenho está em rei
vindicar a adoção e a importação O ano de 1 9 17 ficou caracteriza
de formas culturais disciplinadoras, do na história do modernismo no
MODERNiSMO REVISITADO 223
pre, sempre. O campanile de São dica seus gânglios numa área ter
Marcos era uma obra-prima. De ritorial que abriga 600.000 almas.
via ser conservado. Caiu. Recons Há na angústia e na glória da sua
truI-lo foi uma erronia sentimen luta odisséias mais formidáveis
tal e dispendiosa - o que berra que as que cantou o aedo cego:
diante das necessidades contem· a do operário reivindicando seus
porâneas," U direitos; a do burguês deCendendo
sua arca; a dos Cuncionários des
Ao mesmo tempo em que toma lizando nos trilhos dos regula
estes cuidados, o que a revista trans mentos; a do industrial comba
mite é a exigência de incorporação tendo o combate da concorrência;
à ordem moderna entendida como ur a do aristocrata exibindo o seu
bana e suficientemente industrializa fausto; a do político assegurando
da. O acesso à vida moderna é o a sua escalada; a da mulher que
acesso à racionalidade. Dal a neces brando as algemas da sua escra
sária crítica do romantismo entendi vidão secular nos gineceus even
do como estágio pré-moderno da civi Irados pelas idéias libertá rias pos
lização. O romântico, sendo senti bellum ... Tudo isso - e o auto
mental, é pré-racional. Sendo pré-ra móvel, os fios elétricos, as usinas,
cional, é pré-moderno. Donde a ne os aeroplanos, a arte - tudo isso
cessária "extirpação das glândulas la Corma os nossos elementos da es
crimais", tética moderna .. . " 16
Entendida como realidade em mo
vimento, a vida moderna encontra Na ótica do modernismo deste mo
sua melhor forma de expressão no mento, como se vê, o que vale é cap
cinema. Os modernistas opinam: "t tar a modernidade enquanto vida em
preciso observar-lhe a lição." 15 Já no movimento, marcada de forma im
momento da Semana de Arte Moder pressionista peJo ritmo da cidade onde
na, no início de 1922, a conferência se abrigam desordenamente os mais
de Menotti deI Picchia no Teatro Mu variados elementos. Velocidade e va
nicipal exprimia o mesmo ponto de riedade são atributos da vida urbana
vista: e moderna e como tal positivamente
qualificadas. Não está importando ne
"Hoje que, em Rio Preto, o 'cow nenhuma precisão na definição. Está
boy' nacional reproduz, no seu se querendo chamar a atenção para o
cavalo chita, a epopéia eqüestre fato de que à "riqueza" da realidade
dos Rolandos furibundos; que o deve corresponder uma nova expres
industrial de visão aquilina amon são. Também não bá uma definição
toa milhões mais vistosos do que precisa das formas adequadas para
os de Creso; que Edu Chaves re exprimir a realidade. O que se quer
produz com audácia paulista o é propor o afastamento das Cormas
sonho de tcaro, por que não atua consagradas, consideradas inatuais, e
lizamos nossa arte, cantando essas apelar para a adesão às formas mo
l!íadas brasileiras? Por que prefe dernas adequadas à representação da
rimos uma Atenas cujos destroços vida presente.
de Acrópole já estão pontilhados A mesma linha de preocupações
de balas de metralhadoras? que se percebe na conferência de Me
notti deI Picchia está presente tam
•
A escrava que não é Isaura, redigido pretendia instaurar no país não con
em 1922. A nova poética é vista então tradiz a perspectiva da tradição:
como o "resultado inevitável da épo
ca". Ela é "conseqüência da eletri· "Não somos, nunca fomos futuris
cidade, telégrafo, cabo submarino, tas. Eu, pessoalmente, abomino o
T.S.F., caminho de ferro, transatlân· dogmatismo e a literatura da es
tico, automóvel, aeroplano". Estes in cola de Marinetti. Seu chefe é.
gredientes da vida moderna sensibi para nós, um precursor ilumina
lizando o poeta são transformados em do, que veneramos como um ge
representação estética do mundo. J! o neral da grande batalha da Refor
que está expresso no início do ensaio: ma, que alarga seu 'front' em todo
o mundo. No Brasil não há, p0-
"Explico: o homem pelos sentidos rém, razão lógica e social para o
recebe a sensação. Conforme o futurismo ortodoxo, porque o pres
grau de receptividade e de sensi tígio do seu passado não é de mol
bilidade produtiva sente sem qu� de a tolher a liberdade da sua ma
nisso entre a mínima parcela de neira de ser futura." 18
inteligência a Necessidade de Ex
pressar a sensação recebida por O Brasil, no que concerne ao in
meio de gesto." 17 gresso na modernidade, seria portanto
"heterodoxo", já que a instauração do
J! portanto sempre tendo por base novo não se confronta com a ordem
a argumentação em moldes realistas ulógica e sodal" até então vigente.
que se deve prOduzir uma estética Ao responder ao crítico passadista
adequada 11 vida, e que se desquali de O Mundo Literário que rejeitara
fica a pretensão das velhas formas o ponto de vista moderno de Klaxon,
artísticas em sua função expressiva. Mário de Andrade, no terceiro nú
mero da revista, segue a mesma linha
de raciocínio do texto de Menotti deI
2. Modemlur. no C.IO bralllelro, nlo Picchia. Mais uma vez o que está em
.Ignlflca lOiliper com o p....do
jogo é a comparação entre o moder
nismo brasileiro c o futurismo italia
Ao mesmo tempo, a adesão à esté no. Aqui Mário de Andrade tem o
tica moderna, que se faz pelo rec0- cuidado de examinar ponto por pon
nhecimento da necessidade de adaptar to os princípios do manifesto de Ma
a representação 11 nova realidade, não rinetti, comparando-os aos que foram
contém, seja na conferência de Me expressos na revista brasileira. São
notti deI Picchia, seja no ensaio de sobretudo os aspectos que enfatizam
Mário de Andrade, propósitos de rup o movimento de ruptura com o pas
tura com a tradição. O texto de Me sado que são rejeitados no futurismo.
notti deI Picchia chega mesmo a ex A idéia de se montar a modernidade
plicitar o sentido do compromisso que sobre a evolução se expressa c1ar.
marca a opção do modernismo. mente na passagem que afirma a ne
Trata-se de estahelecer uma com cessidade de se respeitar "o passado
paração entre o modernismo no Brasil sem o qual Klaxon não seria Kla
e aquele presente em outros países. xon".19
Para Menotti deI Picchia, diferente Esta visão da modernidade no
mente do que ocorre em outras cir Brasil, feita pelos modernistas já nes
cunstâncias, a modernidade que se te primeiro tempo do movimento, vai
MODERNISMO REVISITADO 227
são crítica, que pretende invalidar "Me parece incontestável que nós
como inadequadas as representações estamos atravessando um momen
da realidade hrasileira feitas ao longo to muito importante da nacionali
da nossa história cultural. A inade dade, principalmente pelas possi
quação, argumenta-se, deriva do fato bilidades que ele tem de despertar
de estas representações terem suas raí no povo brasileiro uma consciên
zes presas em contextos culturais alie cia social de raça, coisa que ele
nígenas descompromissados com a nunca teve." 88
pesquisa da brasilidade. Em alguns
momentos, sobrepondo-se à idéia de E mais adiante, após ter transcrito
inadequação, o modernismo acredita 11mB passagem de Mar/in Fierro,
que as representações tradicionalmen acrescenta:
te feitas a respeito da realidade da
"Eu acho que também temos que
nação constituem um obstáculo para
cantar opinando agora, pra nin
a apreensão da verdadeira entidade
guém chegar atrasado no tragicô
nacional.
mico festim. Há muito mais no
Enquanto crítico e historiador da
bre civilidade em se ser conscien
música, Mário de Andrade, em seu temente besta que grande poeta
Ensaio sobre música brasileira, insis de arte pu.ra." "
te na denúncia de um divórcio 'entre
a música artística brasileira e a "nos� O modernismo tem de si mesmo a
sa entidade racial". ·7 " propósito ge- crença de constituir o momento de
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