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de fertilidade dos solos. biológica da natureza e na riqueza cultural dos
A complexidade e a fragilidade dos ecossis- povos da América Latina. Entretanto, para ge-
Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002
A rtigo
rar este novo potencial, é necessário legitimar dades rurais possam assegurar e legitimar seus
os direitos e fortalecer politicamente as comu- direitos sobre seu patrimônio de recursos e a
nidades, dotando-as, ao mesmo tempo, de uma propriedade da terra, de modo que se assegu-
maior capacidade técnica, administrativa e rem a transferência e apropriação real dos no-
financeira, para a autogestão de seus recur- vos recursos tecnológicos para melhorar suas
sos produtivos. Abrem-se aqui diversas possi- condições de autogestão produtiva.
bilidades que vão desde o manejo de reservas As possibilidades que abre a Agroecologia
extrativistas e da floresta natural, até o desen- para converter os recursos agrícolas e flores-
volvimento de práticas de manejo agro-silvo- tais em bases para o desenvolvimento e bem-
ecológicas para o aproveitamento múltiplo da estar das comunidades rurais aparece, tam-
floresta tropical, a regeneração seletiva de seus bém, como um meio para a proteção efetiva
recursos naturais e o manejo de cultivos di- da natureza, da biodiversidade e do equilíbrio
versificados. Pesquisas recentes mostram o ecológico do planeta. A consolidação destes
potencial de desenvolvimento, para o processos dependerá do fortalecimento da ca-
autoconsumo e para o mercado mundial, que pacidade organizativa das próprias comunida-
oferece o manejo produtivo dos diversos e exu- des, para desenvolver alternativas produtivas
berantes recursos da selva tropical, passando que permitam melhorar suas condições de
da agricultura itinerante tradicional ao esta- vida e aproveitar seus recursos de forma sus-
belecimento de parcelas fixas altamente pro- tentável. Desta maneira, os moradores das
dutivas, baseadas no uso múltiplo e integrado florestas e das áreas rurais do Terceiro Mun-
de seus recursos (Boege, 1992). do poderão aliviar sua pobreza e conservar sua
A construção deste potencial alternativo de base de recursos como um potencial produti-
desenvolvimento dependerá, sem dúvidas, da vo que lhes permita satisfazer suas necessi-
produção de tecnologias apropriadas para o dades atuais e construir seu futuro de forma
manejo produtivo da biodiversidade dos ecossis- sustentável. Para isso, é necessário recons-
temas e para o aproveitamento múltiplo de seus truir os potenciais ecológicos e culturais que
recursos, revertendo as tendências dominan- dão as bases a um paradigma de produtivida-
tes que querem transformá-los em grandes de ecotecnológica, ao mesmo tempo em que
plantações de cultivos especializados de alto se legitimam os novos direitos coletivos dos
rendimento no curto prazo. Abrem-se, assim, povos indígenas e das sociedades rurais, para
perspectivas promissoras para um desenvolvi- a reapropriação de seu patrimônio de recur-
mento agroflorestal, gerando meios de produ- sos naturais e culturais (Leff, 1993).
ção melhorados, assimiláveis pelas práticas
produtivas das comunidades rurais. Entretan- 5. O movimento agroecoló-
to o controle das empresas de biotecnologia so- gico e a reapropriação
bre as cada vez mais sofisticadas técnicas de social da natureza
engenharia genética põe em desvantagem as
populações indígenas e camponesas, frente aos A degradação sócio-ambiental está exigin-
grandes consórcios internacionais que contam do a impostergável necessidade de transfor-
com os meios científicos e econômicos para mar os princípios da racionalidade econômi-
apropriar-se do material genético dos recursos ca, de seu caráter desigual e depredador, para
naturais que foram e continuam sendo patri- construir uma racionalidade produtiva capaz
mônio histórico das populações das regiões tro- de gerar um desenvolvimento eqüitativo, sus-
picais. Isso requer a necessidade de desenvol- tentável e duradouro. Este debate teórico e
46 ver estratégias que permitam que as comuni- político gerou um amplo movimento social,
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através do qual os princípios do desenvolvi- autonomia dos povos indígenas e campone-
mento sustentável se vão arraigando nas lu- ses, abrindo perspectivas para uma nova or-
tas populares e nas organizações das comu- dem econômica e política mundial.
nidades rurais, em defesa da autogestão de Neste contexto, os princípios da Agroecolo-
suas terras e de seus recursos naturais. gia e o manejo agroflorestal não só sugerem
Neste sentido, surgiram diversas organi- a necessidade de reestruturar a produção nos
zações, em diferentes regiões do mundo, en- ambientes rurais para ajustar esta produção
tre as quais se destacam o Movimento Chipko, a novas oportunidades de mercado e às con-
contra a privatização dos bosques do Himalaia dições de rentabilidade da produção agrícola,
(Guha, 1989), e o Movimento dos Seringuei- mas se propõem a estabelecer uma nova
ros da Amazônia, em defesa das reservas racionalidade produtiva sobre bases ecológi-
extrativistas (Allegretti, 1987, e Gonçalves, cas e de eqüidade social. Os projetos de capi-
2001). Nos anos recentes, um vigoroso movi- talização do campo, associados primeiro com
mento indígena e camponês - no qual os si- a Revolução Verde e agora com os cultivos
transgênicos, foram incapazes de respeitar o
O movimento para um desenvolvi- valor dos recursos naturais, culturais e hu-
manos do meio rural, levando a uma
mento sustentável é parte de novas sobreprodução e a um subconsumo de produ-
lutas pela democracia direta e tos alimentícios, com efeitos devastadores em
termos de perdas de fertilidade dos solos,
participativa e pela autonomia dos
povos indígenas e camponeses,
abrindo perspectivas para uma nova
ordem econômica e política mundial
Notas
1
N.T.: O autor se refere aos professores naturais e o próprio planeta -, uma vez que, a
Víctor Manuel Toledo, Miguel A. Altieri, Stephen rigor, o Segundo Princípio da Termodinâmica
Gliessman e Eduardo Sevilla Guzmán. afirma que a entropia no universo é crescente.
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N.T.: A expressão produtividade N.T.: A palavra crematística não tem
neguentrópica deve ser entendida desde um tradução direta ao português. Trata-se da parte
ponto de vista de sistemas termodinamicamente da ciência econômica que se ocupa dos preços,
abertos - como são os processos biológicos e do estabelecimento de preços das mercadorias.
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