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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS


Departamento de Ciência dos Alimentos
Bacharelado em Química de Alimentos
Disciplina de Seminários em Alimentos

Biofilmes microbianos na indústria de alimentos

Júlia Casalini

Pelotas, 2008.
1

JÚLIA CASALINI

BIOFILMES MICROBIANOS NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS

Trabalho acadêmico apresentado


ao Curso de Bacharelado em
Química de Alimentos da
Universidade Federal de Pelotas
como requisito parcial da Disciplina
de Seminários em Alimentos.

Orientadora: Carla Mendonça

Pelotas, 2008
2

Resumo

CASALINI, Júlia. Biofilmes microbianos na indústria de alimentos. 2008. 46f.


Trabalho Acadêmico (Bacharelado em Química de Alimentos), Universidade Federal
de Pelotas, Pelotas.

Muitas contaminações ou recontaminações ocorrem em indústrias de diferentes


tipos de alimentos. Grande parte destas contaminações está diretamente
relacionada à formação de biofilmes dentro da linha de processamento, onde muitos
microrganismos estão relacionados a este problema. Biofilme microbiano é definido
como uma associação de células bacterianas e/ou fungos, fixada à superfícies,
bióticas ou abióticas, inclusas em uma complexa matriz extracelular de substâncias
poliméricas, juntamente com os nutrientes capturados para a formação da matriz. Os
biofilmes são constituídos por microrganismos, material polimérico extracelular
(polissacarídeos, proteínas, lipídeos) e resíduos do ambiente colonizado, embebidos
em uma matriz polimérica e aderidos a uma superfície sólida, formando uma
estrutura porosa e altamente hidratada contendo exopolissacarídeos e pequenos
canais, abertos por entre as microcolônias. As suas atividades podem ser
classificadas em duas categorias: as benéficas, conduzindo a transformações de
valor positivo, e as prejudiciais, responsáveis por processos que devem ser evitados
devido a suas conseqüências negativas. Quanto aos efeitos prejudiciais, sabe-se
que o biofilme aderido à superfície de equipamentos utilizados para o
processamento de alimentos resulta em graves problemas, uma vez que o biofilme
microbiano tem o potencial de atuar como fonte crônica de contaminação por
patógenos, o que pode comprometer a qualidade do alimento e representar graves
riscos à saúde do consumidor. Além disso, pode ocasionar prejuízos financeiros à
indústria, em virtude da diminuição da vida-de-prateleira dos produtos alimentícios.
Dentre os benefícios proporcionados pelos biofilmes na indústria de alimentos, pode-
se citar a produção de fermentados, o tratamento de efluentes e de água potável,
assim como a produção de biopolímeros para usos diversos.

Palavras-chave: Biofilmes Microbianos. Microrganismos. Indústria de alimentos.


Biocidas.
3

Lista de Figuras

Figura 1 Estrutura 3D de um biofilme multi-espécie..................................................14


Figura 2 Etapas de formação dos biofilmes...............................................................16
Figura 3 Ciclo de desenvolvimento de um biofilme....................................................17
Figura 4 Desenvolvimento de um biofilme multiespécies. (a) Colonização primária de
um substrato; (b) crescimento, divisão celular e produção do exopolissacarídeo
(EPS), com o desenvolvimento de microcolônias; (c) coadesão de células
individuais, de células coagregadas e grupos de células idênticas, originando um
biofilme jovem, de múltiplas espécies; (d) maturação e formação de mosaicos
clonais no biofilme maduro.........................................................................................18
Figura 5 Moléculas sinalizadoras do quorum sensing mais importantes encontradas
em microrganismos....................................................................................................22
4

Lista de Tabelas

Tabela 1 Composição da matriz do biofilme..............................................................12


Tabela 2 Métodos de limpeza físicos.........................................................................38
5

Sumário

Resumo.......................................................................................................................2
Lista de Figuras..........................................................................................................3
Lista de Tabelas..........................................................................................................4
1. Introdução...............................................................................................................7
2. Histórico..................................................................................................................9
3. Estrutura e composição do biofilme..................................................................11
4. Formação do biofilme..........................................................................................16
5. Elementos importantes no processo de adesão do biofilme..........................20
5.1 Fase aquosa........................................................................................................20
5.2 O microrganismo................................................................................................20
5.2.1 Pili.....................................................................................................................21
5.2.2 Flagelo..............................................................................................................21
5.2.3 Sistema quorum sensing................................................................................22
5.3 Interação célula-substrato.................................................................................23
6. Superfícies envolvidas na formação do biofilme..............................................25
7. Fatores que influenciam no desenvolvimento do biofilme..............................26
7.1pH.........................................................................................................................26
7.2 Efeitos de velocidade e de turbulência do fluido............................................26
7.3 Influência das partículas inorgânicas na formação do biofilme....................27
7.4 Temperatura........................................................................................................27
7.5 Concentração de nutrientes..............................................................................28
7.6 Tipo de superfície..............................................................................................28
8. Microrganismos envolvidos na formação do biofilme.....................................30
8.1 Mecanismo de resistência das bactérias.........................................................31
9. Métodos de avaliação dos biofilmes..................................................................33
10.Benefícios e malefícios causados pelos biofilmes na indústria alimentícia.35
10.1 Biofilmes benéficos..........................................................................................35
10.2 Biofilmes maléficos..........................................................................................36
6

11. Estratégias de controle e modos de erradicação do biofilme.......................38


11.1 Medidas de caráter processual.......................................................................38
11.2 Métodos físicos................................................................................................39
11.3 Métodos químicos e físico-químicos..............................................................39
11.3.1 Biocidas..........................................................................................................40
12 Conclusão............................................................................................................42
Referências...............................................................................................................43
7

1 Introdução

Muitas contaminações ou recontaminações ocorrem em indústrias de


diferentes tipos de alimentos. Grande parte destas contaminações está diretamente
relacionada à formação de biofilmes dentro da linha de processamento, onde muitos
microrganismos estão relacionados a este problema (HAUN, 2004).
Todo alimento possui suas características próprias de sabor, cor, odor, e
aparência. Os microrganismos em geral utilizam os alimentos como fonte de
nutrientes para seu crescimento e podem desta forma promover alterações
significativas nestas características. Dependendo da alteração causada, o alimento
pode ser rejeitado pelo consumidor devido às mudanças ocorridas, somando-se
ainda, a possibilidade de causar intoxicações (FRAZIER; WESTHOFF, 1993; PAULI,
2001apud KECHICHIAN, 2007).
Muitas bactérias, em seu habitat, vivem em comunidades de distintos graus
de complexidade, associadas a vários tipos de superfícies bióticas e/ou abióticas,
compondo dessa forma o biofilme, que pode ser formado por populações a partir de
uma única ou de múltiplas espécies (CAIXETA, 2008).
Esses biofilmes são constituídos, por microrganismos, material polimérico
extracelular (polissacarídeos, proteínas, lipídeos) e resíduos do ambiente
colonizado, embebidos numa matriz polimérica e aderidos a uma superfície sólida,
formando uma estrutura porosa e altamente hidratada contendo exopolissacarídeos
e pequenos canais, abertos por entre as microcolônias (CAPELLETTI, 2006;
LAWRENCE et al., 1991).
A formação do biofilme ocorre por uma série de processos sucessivos, onde
a adesão inicial de bactérias planctônicas à superfície é seguida por proliferação e
acúmulo de camadas de células e, finalmente, pela formação da comunidade
microbiana, embebida em matriz de exopolissacarídeo produzida por si mesma.
A adesão e a formação do biofilme são limitadas por características do
microrganismo, tais como expressão dos fatores de virulência e produção da
cápsula exopolimérica, do material aderente e do meio envolvendo o microrganismo,
8

como pH, temperatura, tempo de agitação e uma variedade de outros fatores


(CAIXETA, 2008; FLACH; KARNOPP; CORÇÃO, 2005).
As suas atividades podem ser classificadas em duas grandes categorias: as
benéficas, conduzindo a transformações de valor positivo, e as prejudiciais,
responsáveis por processos que devem ser evitados devido a suas conseqüências
negativas (CAPELLETTI, 2006).
Quanto aos efeitos prejudiciais, segundo Caixeta (2008) na indústria
alimentícia, a adesão de microrganismos à superfície de equipamentos utilizados
para o processamento de alimentos resulta em graves problemas, uma vez que o
biofilme microbiano tem o potencial de atuar como fonte crônica de contaminação
por patógenos que pode comprometer a qualidade do alimento e representar graves
riscos à saúde do consumidor. Além disso, pode ocasionar prejuízos financeiros à
indústria, em virtude da diminuição da vida-de-prateleira dos produtos alimentícios
(FLACH; KARNOPP; CORÇÃO, 2005).
E dentre os benefícios proporcionados pelos biofilmes na indústria de
alimentos, citam-se a utilidade para a produção de fermentados, no tratamento de
efluentes e de água potável, assim como na produção de biopolímeros para usos
diversos (ARCURI, 2000).
Porém, os é imprescindível conhecer os mecanismos envolvidos na
formação de biofilmes, para controlá-los ou erradicá-los, sendo que, para esse fim a
utilização de biocidas é freqüentemente considerada (CAPELLETTI, 2006). A
utilização de eficientes e adequados sanificantes (físicos ou químicos) em
equipamentos, pode evitar a formação de biofilmes e/ou reduzir os índices de
contaminação microbiana para a manutenção de um alimento com qualidade.
Entretanto, como a eliminação de biofilmes em superfícies é um processo exigente e
difícil, a forma de higienização deve ser analisada como um todo, otimizando os
resultados e minimizando os custos (CAIXETA, 2008).
Diante do exposto, conduziu-se este trabalho com o objetivo de estudar a
formação de biofilmes na indústria de alimentos, suas características, benefícios e
prejuízos que possam vir a causar, assim como sua possível remoção para obter um
produto alimentício com qualidade e segurança.
9

2 Histórico

O conceito de biofilme tem emergido gradualmente de estudos científicos


durante longo período de tempo, porém, nas últimas duas décadas, essa concepção
tem avançado consideravelmente (CAIXETA, 2008).
A microbiologia tradicional caracterizou durante anos as células encontradas
em suspensões como planctônicas. Estas células foram exaustivamente avaliadas,
isoladas e identificadas. Algumas das bactérias planctônicas estudadas têm a
capacidade de aderir em várias superfícies, formando biofilmes (LUCCHESI, 2006).
Inicialmente, as observações de biofilmes foram realizadas por Antonie van
Leuwenhoek que, estudando amostras de dente, em seu microscópio, notou mais
fragmentos de células agregadas do que planctônicas. A capacidade das bactérias
de formar comunidades complexas e viver preferencialmente em agregados foi
estudada desde os tempos de Robert Koch (PIZZOLITTO et al., 2001; COSTERTON
& WILSON, 2004 apud CAIXETA, 2008).
Porém, a primeira publicação detalhada que descreve biofilmes foi descrita
por Zobell em 1943, onde o autor iniciou estudos sobre a adesão de bactérias
marinhas em cascos de navios principalmente e em diferentes tipos de superfície
que incluíam vidro, metal e plástico que estavam submersas (LUCCHESI, 2006;
CAIXETA, 2008).
Técnicas de microscopia mais sofisticadas e efetivas foram empregadas por
Costerton em 1978, o qual verificou que a maioria dos microrganismos nos
ambientes naturais se encontrava fixo a suportes, e não na forma dispersa em
suspensão. Aos microrganismos aderidos foi atribuído o nome de biofilme, composto
por células microbianas de fisiologia distinta, chamadas sésseis. Os microrganismos
precursores da formação de biofilmes, denominados planctônicos, são encontrados
em suspensão, o que os torna mais sensíveis a agressões ambientais que em sua
forma séssil. Apesar disto, os microrganismos planctônicos foram, durante muitos
anos, referência para a seleção de agentes antimicrobianos (CAPELLETTI, 2006).
A partir de então, o conceito de biofilme avançou e pesquisas vêm sendo
realizadas em muitas áreas relacionadas com a ecologia microbiana. A microbiologia
10

moderna, portanto, se preocupa em estudar os mecanismos fisiológicos e de


controle entre as formas microbianas planctônica (livre) e séssil (biofilme)
(CAPELLETI, 2006), principalmente devido à grande importância nas atividades
humanas, à qual pode trazer tanto benefícios quanto malefícios (CAIXETA, 2008).
11

3 Estrutura e composição do biofilme

Biofilme microbiano é definido como uma associação de células bacterianas


e de fungos, fixadas as superfícies, bióticas ou abióticas, inclusas em uma complexa
matriz extracelular de substâncias poliméricas (LUCCHESI, 2006), juntamente com
os nutrientes capturados para a formação da matriz (HAUN, 2004).
As células aderidas são designadas de sésseis, enquanto aquelas livres e
dispersas na fase aquosa são denominadas de planctônicas (BOARI, 2008).
Quando fixos a um suporte os microrganismos se agregam em biofilmes,
que lhes conferem a capacidade de se estabelecer em variados locais e em
inóspitas condições nutricionais, além de facilitar a comunicação intercelular através
de moléculas sinalizadoras (VIEIRA, 1995).
Na década de 1980, houve a suposição de que os biofilmes fossem
representados por simples estrutura plana, principalmente 2D, com espessura
relativamente constante. Entretanto, um estudo multidisciplinar originou a descrição
de vários tipos de estruturas de biofilmes e a formulação de modelos conceituais
(CAIXETA, 2008).
Depois de várias investigações, foi possível afirmar que existem, no mínimo,
três estruturas diferentes de biofilme. A primeira é a tradicional, plana, visão
homogênea da estrutura do biofilme. A segunda, denominada de “Modelo do
Mosaico Heterogêneo”, foi descoberta utilizando-se microscopia de contraste de
interferência diferencial (DIC), para examinar amostras crescidas em superfícies
internas de sistema de distribuição de água. Desta forma os pesquisadores,
perceberam montes constituídos de microcolônias de bactérias ligadas umas às
outras por substância polimérica extracelular e apresentando colunas envolvidas por
fase líquida em que protozoários podiam ser notados. O terceiro tipo de biofilme
representa o modelo na forma de cogumelo ou tulipa, com estrutura porosa e canais
capilares de água, por onde ocorre a distribuição de nutrientes e água (POULSEN,
1999 apud CAIXETA, 2008).
12

Os biofilmes são tipicamente constituídos por água, microrganismos,


substâncias poliméricas extracelulares (EPS, Extracellular Polymeric Substances),
partículas retidas e substâncias dissolvidas e adsorvidas (PEREIRA, 2001).
A água é a parte mais significativa da massa total do biofilme, variando entre
70 a 97%, ou mais, da massa total (tab. 1) (SUTHERLAND, 2001). Já os
microrganismos representam somente uma pequena parte da massa e do volume de
um biofilme (menos de 10%), embora excretem as substâncias poliméricas que
representam a fração dominante da matéria orgânica seca do biofilme (PEREIRA,
2001).

Tabela 1 – Composição da matriz do biofilme


Componente % na matriz
Água até 97%
Células microbianas (muitas 2-5%
espécies)
Polissacarídeos (homo e 1-2%
heteropolissacarídeos)
Proteínas (incluindo enzimas) < 1-2%
DNA e RNA < 1-2%
Íons Livre
Fonte: SUTHERLAND, 2001.

A estrutura unificadora e protetora dos biofilmes é denominada matriz


extracelular ou EPS, a qual é formada em parte pelas próprias células e em parte
por componentes do ambiente, como proteínas, detritos e matéria inorgânica,
portanto é de composição heterogênea e complexa. Embora, sejam os
polissacarídeos a prevalecer, a EPS pode também ser constituída por proteínas,
ácidos nucléicos, glicoproteínas e fosfolipídios (CAPELLETI, 2006; LUCCHESI,
2006; SUTHERLAND, 2001).
A matriz extracelular possui composição variada entre diferentes espécies
bacterianas ou até mesmo, dentro da mesma espécie, sob diferentes condições
ambientais. Apesar da heterogeneidade, o exopolissacarídeo é considerado
componente essencial da matriz, assim como algumas proteínas de superfície que,
13

por sua vez, tem sido relacionadas principalmente à adesão inicial das células de
microrganismos à superfície (LASA & PENADÉS, 2006 apud CAIXETA, 2008).
Os exopolissacarídeos produzidos pelos genomas de uma grande variedade
de microrganismos, com destaque para o alginato (BOARI, 2008), são gomas
hidrossolúveis que possuem propriedades químicas, físicas e estruturais diferentes.
A estrutura de muitos polissacarídeos de bactérias gram-negativas é relativamente
simples, sendo formados de homopolissacarídeos ou heteropolissacarídeos. Este
último é normalmente composto de unidades repetidas e alinhadas de diferentes
dissacarídeos até octassacarídeos, compostos de dois a quatro tipos de
monossacarídeos diferentes e muitos contêm grupos acetila e piruvato (SOUZA &
GARCIA-CRUZ, 2004).
Alguns exopolissacarídeos são sintetizados durante todo o crescimento
bacteriano, enquanto que outros são produzidos somente durante a fase logarítmica
ou estacionária. Portanto, sua síntese ocorre intracelularmente utilizando açúcares
nucleotídeos difosfatados. Comumente, sua produção é induzida pela limitação de
um nutriente essencial, que não seja fonte de carbono ou outra fonte de energia
(SOUZA & GARCIA-CRUZ, 2004).
Exopolissacarídeos são considerados componentes importantes que
determinam a estrutura e a integridade funcional do biofilme microbiano, agregado
pela formação tridimensional como é representado na Fig. 1, com aspecto de gel,
alta hidratação e canais localizados na matriz do biofilme, em que os
microrganismos são imobilizados. Além do mais, age como adesivo e barreira
defensiva, protegendo as células para que não sejam arrastadas pelo fluxo de
substâncias, auxiliando a célula a resistir a condições de estresse múltiplo, tais como
a diminuição e a exaustão de nutrientes e água, a presença de biocidas e outros
agentes antimicrobianos e condições ambientais (CAIXETA, 2008). Em alguns
casos, o EPS é capaz de seqüestrar cátions, metais e toxinas, conferindo, também,
proteção contra radiações UV, alterações de pH, choques osmóticos e dessecação
(BOARI, 2008).
14

Figura 1- Estrutura 3D de um biofilme multi-espécie.


Fonte: XAVIER et al., 2008.

Na estrutura do biofilme, destacam-se as seguintes características segundo


Boari (2008):
1) são estruturas viscoelásticas e hidratadas, em que o grau de elasticidade
se relaciona à interação de exopolissacarídeos e ou proteínas com a superfície a ser
utilizada. Assim como sua elasticidade, seu formato, sua espessura, seu
alongamento, sua densidade e sua rigidez dependem das características físico-
químicas do ambiente e da presença ou ausência fluxo. Biofilmes formados em
fluxo, geralmente, tendem a ser mais alongados e rígidos, como resposta ao atrito
mecânico;
2) sua matriz, que basicamente se constitui por EPS, confere a proteção ao
biofilme como já foi descrito anteriormente;
3) possuem uma quantidade variável de microcolônias independentemente
móveis e ancoradas à superfície;
4) são compostos por microcanais internos, úteis na distribuição de
nutrientes e água, transportados por difusão passiva ou com o auxílio de água que
ocorre através de capilaridade especial; no escoamento de metabólitos, alguns
potencialmente patogênicos ao homem; nas enzimas, como a alginatoliase e as
proteases, necessárias ao destacamento de células do biofilme e na distribuição de
moléculas sinalizadoras do quorum sensing. Acredita-se, ainda, que os microcanais
de água participem no transporte de oxigênio no interior do biofilme, portanto, a
limitação da difusão e o consumo de oxigênio por microrganismos resultam no baixo
conteúdo de oxigênio no interior do biofilme, demonstrando com isso, que
15

microrganismos aeróbios e anaeróbios podem viver juntos no biofilme (BOARI,


2008; CAIXETA, 2008; SUTHERLAND, 2001).
16

4 Formação do Biofilme

Uma das primeiras teorias foi descrita por Marshall em 1971, o qual sugeriu
que a formação do biofilme é um processo que acontece em duas fases. A primeira,
quando o processo ainda é reversível, em virtude da adesão do microrganismo na
superfície, que ocorre por forças de Van der Waals, atração eletrostática e
interações hidrofóbicas. Nesse estágio, a bactéria apresenta movimento browniano,
podendo simplesmente, ser removida por rinsagem. Na segunda fase, por meio de
interações dipolo-dipolo, ligações iônicas e covalentes, pontes de hidrogênio e
interações hidrofóbicas, ocorre a interação física da célula com a superfície, com a
síntese de material extracelular da natureza polissacarídica ou protéica, produzida
pela bactéria, que é chamada matriz de glicocálix. Nesse momento, as fímbrias
poliméricas ligam à célula bacteriana ao substrato, dificultando a remoção do
biofilme, sendo necessário adotar forças mecânicas, como raspagens ou lavagem
(CAIXETA, 2008).
Os biofilmes são formados segundo Christensen e Characklis (1990 apud
CAPELLETTI, 2006) a partir de uma seqüência de eventos, de acordo com as
etapas de adesão e de adaptação dos microrganismos ao suporte, conforme
ilustrado esquematicamente na Fig. 2.
Na primeira etapa de formação de um biofilme, a adesão dos
microrganismos primários, é essencialmente controlada por interações iônicas
negativas e, ou, positivas entre a parede celular dos microrganismos e as
macromoléculas do filme condicionador, o qual se forma a partir de resíduos do
próprio ambiente. Apêndices celulares externos, como flagelos, fímbrias e píli
também desempenham papel fundamental na adesão celular inicial, além de
formarem pontes entre a superfície e as células (CAPELLETTI, 2006).
A adesão irreversível é quase sempre realizada pelos polímeros
extracelulares. Depois do contato com a superfície e a instalação microbiana, as
fases de crescimento e divisão celular acontecem. Com isso, se dá a formação de
material extracelular (biofilme) fortalecendo as ligações entre as células e a
superfície.
17

A partir daí, dentro de algum tempo (dias a meses), a adesão de outros


microrganismos é facilitada, e ocorre a liberação de novos colonizadores que se
desprendem do biofilme maduro. Os microrganismos liberados formarão biofilmes
novos, caracterizando assim, um ciclo de contaminações (CHRISTENSEN E
CHARACKLIS, 1990 apud CAPELLETTI, 2006).

Figura 2. Etapas de formação do biofilme


Fonte: CAPELLETTI, 2006.

Um modelo comum para a formação de biofilme descreve um processo que


ocorre em cinco estágios (Fig. 3).
1) eventos pré-adesão: os microrganismos, na sua forma de vida
planctônica, recebem algum estímulo que os leva a aderir em alguma superfície.
Alguns fatores podem influenciar esse processo, como o pH, concentração e
biodisponibilidade de nutrientes, autoindutores do quorum sensing, presença de
compostos orgânicos, inorgânicos e temperatura. Geralmente, a superfície sólida é
condicionada, ou seja, pode ser modificada por adsorção de vários nutrientes dos
alimentos e ter suas propriedades alteradas (FORSYTHE, 2002);
2) adesão reversível: ocorre a interação célula-superfície e sua colonização
inicial. O processo de adesão bem sucedido depende de alguns fatores, como o
aparato celular do microrganismo e as características da superfície da bactéria e do
substrato. Ainda não são percebidas alterações fenotípicas, assim como na
transição de genes, embora os genes para a produção de exopolissacarídeos sejam
ativados após 15 minutos de contato entre célula e superfície. Esta adesão é
considerada reversível, pois é possível observar o retorno de células aderidas ao
18

seu estado planctônico. As principais forças deste evento são as pontes de


hidrogênio, Van der Waals, ácido-base de Lewis e hidrofobicidade (BOARI, 2008;
FORSYTHE, 2002);
3) adesão irreversível: ocorre, aproximadamente duas horas após a adesão
inicial e se caracteriza pela presença de microcolônias, que correspondem a um
amontoado de células aderidas entre si e a uma superfície. Neste instante, a
motilidade cessa e genes envolvidos na comunicação célula-célula (quorum sensing)
e na produção de exopolissacarídeos (EPS) estejam totalmente ativos. A principal
força de ligação célula-superfície é conferida pela matriz tridimensional e insolúvel
de EPS (BOARI, 2008);
4) maturação: garante uma maior estabilidade, e é correspondente à
maturação da estrutura que já vem sendo formada. Ocorre de três a seis dias após a
adesão inicial, podendo chegar a 10 dias. A maturidade acontece, por meio do
aumento da densidade populacional e, também, pela pronunciada produção e
deposição de EPS, aumentando com isso a espessura do biofilme e a estabilidade
da colônia contra flutuações do ambiente. O aumento da população de um biofilme
acontece tanto pela divisão celular, quanto pela redistribuição de células entre as
microcolônias e pela a adesão de novas células planctônicas (FORSYTHE, 2002);
5) destacamento de células: acontece entre 9 a 12 dias depois dos
processos iniciais. As células se apresentam móveis e assemelham-se às células
planctônicas, podendo contaminar o alimento ou formar um novo biofilme na linha de
produção (FORSYTHE, 2002).

Figura 3. Ciclo de desenvolvimento de um biofilme.


Fonte: CAIXETA, 2008.
19

Um biofilme pode ser monoespécie quando é formado por apenas um tipo


de microrganismo, ou multiespécie, quando é encontrada mais de uma espécie na
comunidade microbiana (BOARI, 2008). Os biofilmes monoespécies ocorrem mais
em tecidos orgânicos, como válvulas cardíacas, em conseqüência de processos
infecciosos. Já os biofilmes multiespécies ocorrem em organizações do ramo
alimentício, onde se utilizam outras superfícies (Fig. 4) (O’TOOLE et al., 2000 apud
BOARI, 2008).

Figura 4. Desenvolvimento de um biofilme multiespécies. (a) Colonização


primária de um substrato; (b) crescimento, divisão celular e produção do
exopolissacarídeo (EPS), com o desenvolvimento de microcolônias; (c)
coadesão de células individuais, de células coagregadas e grupos de células
idênticas, originando um biofilme jovem, de múltiplas espécies; (d)
maturação e formação de mosaicos clonais no biofilme maduro.
Fonte: BOARI, 2008.
20

5 Elementos importantes no processo de adesão e formação do biofilme

O processo de adesão e formação de biofilme compreende três elementos


principais: a fase aquosa, a célula e a interação célula-substrato.

5.1 A fase aquosa


Alguns parâmetros têm importante influência nos processos de adesão,
constituição e maturação da comunidade microbiana com relação ao meio aquoso,
como: viscosidade, temperatura, pH, presença de nutrientes, presença de moléculas
orgânicas e inorgânicas, força iônica e potencial osmótico. Estas condições
ambientais são notadas pelos microrganismos como sinais, de estimulação ou não,
a sua adesão. E ainda, os constituintes da fase, quando depositados sobre o
substrato, podem formar o filme condicionante (BOARI, 2008).
Enquanto fase aquosa, o leite pode beneficiar o processo de adesão e de
formação de biofilmes, devida a sua rica constituição em carboidratos, proteínas,
lipídeos, vitaminas e minerais, bem como devido a sua alta atividade de água e pH
tendendo ao neutro (LUCCHESI, 2006).

5.2 O microrganismo
A capacidade de um microrganismo isolado em aderir ou não a uma
superfície e, logo após, formar e manter um biofilme se relaciona estreitamente a
seu fenótipo e genótipo. Quando presentes alguns aparatos celulares, como pili,
flagelos e fímbrias, algumas proteínas da superfície, assim como sistemas quorum
sensing, nota-se um incontestável diferencial à bactéria, em nível de aderência e
formação do biofilme (STOODLEY et al., 2002 apud BOARI, 2008). Além desses
aspectos, são consideradas também de extrema importância as propriedades físico-
químicas da superfície microbiana, com destaque na sua hidrofobicidade e carga
elétrica, sendo que todo ciclo vai depender da interação inicial entre a bactéria e o
substrato (BOARI, 2008).
21

5.2.1 Pili
O pili é um componente competitivo muito importante no processo de
adesão inicial e colonização da superfície, essencialmente para microrganismos
gram-negativos (BOARI, 2008).
O Pili tipo IV é constituído por moléculas de pilina, helicoidalmente
organizadas, com 145 a 160 aminoácidos, e localiza-se em uma das extremidades
da célula. O tipo de motilidade que ele confere, permite ao microrganismo se mover
em superfícies do tipo semi-sólidas, como ágares e sólidas, como o aço inoxidável.
Seu movimento permite a uma microcolônia a expansão radial média de
aproximadamente 1 milímetro por hora (BOARI, 2008).
O Pili tipo IV pode se ligar a uma grande variedade de superfícies sejam elas
abióticas (aço inoxidável), bem como bióticas (superfície de outros microrganismos),
onde se tem adesão célula-célula. É válido ressaltar que a colonização de
superfícies e o deslocamento de microcolônias, onde o Pili tipo IV está presente, é
um movimento social, ou seja, envolve o contato célula-célula, orientando-se este
por nutrientes e sinalizadores, o que chamamos por quimiotaxia (MATTICK, 2006
apud BOARI, 2008).

5.2.2 Flagelos
Os flagelos são de destacada relevância na adesão e colonização de
superfícies por microrganismos gram-negativos. Estas organelas, utilizadas para
locomoção do microrganismo, são constituídas por unidades de flagelina e emergem
por uma extensão da membrana externa, sendo a sua força motora garantida pela
diferença de potencial osmótico de sódio transmembrana e pela degradação de
grupos fosfato (GAVÍN et al., 2002 apud BOARI, 2008).
Alguns microrganismos apresentam um flagelo polar em meios aquosos.
Sem dúvida alguma, este elemento é de muita importância para o processo de
adesão inicial. Porém, após a adesão inicial, inicia-se uma diferenciada expressão
gênica, sendo o flagelo polar substituído por um flagelo lateral, o qual confere à
célula capacidade maior de se locomover em superfícies sólidas e semi-sólidas
(BOARI, 2008).
22

5.2.3 Sistema quorum sensing


O quorum sensing (QS) é um sistema de comunicação entre célula-célula de
bactérias que depende da densidade populacional. As bactérias, nesse sistema,
sintetizam compostos sinalizadores de baixo peso molecular, os autoindutores (AIs)
bacterianos, que são excretados no ambiente. Quando se atinge uma quantidade
crítica desses compostos, as bactérias detectam a presença de um número
suficiente ou quórum de bactérias e respondem por meio da ativação ou repressão
de certos genes (VIANA, 2006).
As etapas do ciclo de um biofilme requerem um sistema adequado de
comunicação célula-célula. A sua fundamental importância consiste na distribuição,
na ordenação e na sincronização das atividades dos genomas procariontes, obtidas
para a manutenção da relativa homeostase da comunidade microbiana (JOHNSON,
2007 apud BOARI, 2008). Desse modo, favorece o acesso a nutrientes ou a nichos
ambientais mais favoráveis, permite que as bactérias organizem respostas
defensivas contra hospedeiros eucarióticos, além de otimizar a capacidade das
bactérias de se diferenciarem em formas mais bem adaptadas a sobreviverem em
ambientes hostis (VIANA, 2006).
Nos microrganismos gram-negativos, as moléculas sinalizadoras, são
derivadas da N-acil homoserina lactona (AHL) e sua regulação se dá por meio das
proteínas homólogas LuxI e LuxR. A primeira proteína atua como uma enzima (AHL
sintetase) e a segunda, quando se ligar a AHL, forma o complexo AHL-LuxR, o qual
é responsável pela ativação e expressão de inúmeros genes. Em bactérias gram-
positivas, diferentemente de gram-negativas, a comunicação célula-célula ocorre por
meio da secreção de pequenos peptídeos (BOARI, 2008).
No caso de gram-negativos, há um amplo espectro de homoserinas lactonas
(Fig. 5).
Os microrganismos produzem constantemente estas moléculas
sinalizadoras. Em baixas densidades populacionais, há, proporcionalmente, baixas
concentrações destes autoindutores e, por esta razão, talvez não haja seu impacto
sobre a expressão genética. Entretanto, quando a densidade populacional de
microrganismos se eleva, o mesmo acontece com a concentração de AIs no meio,
havendo, assim, influência sobre a regulação gênica (KONG et al., 2006 apud
BOARI, 2008).
23

Figura 5 - Moléculas sinalizadoras do quorum sensing mais importantes


encontradas em microrganismos.
Fonte: OLIVEIRA, 2005.

Os microrganismos alteram a transcrição genética como resposta aos AIs,


variando-se, desse modo, a produção de exopolissacarídeos, a motilidade, a
produção de enzimas, como proteases, lípases e alginases e, também, a produção
de compostos bactericidas e ou bacteriostáticos. Este processo coordenativo
influência na própria sobrevivência do microrganismo em condições desfavoráveis
do biofilme, principalmente no estágio maduro, no qual há limitação na
disponibilidade de oxigênio, nutrientes, componentes orgânicos e inorgânicos, como
o ferro, sendo considerável, até mesmo, a restrição quanto ao espaço físico (VIANA,
2006).
A importância do QS na organização a na distribuição de atividades entre os
indivíduos de um biofilme, relaciona-se ao fato destes não depositam o EPS de
forma a promover o desenvolvimento do biofilme, quando comparado a
microrganismos selvagens, tornando-se a estrutura bastante irregular e frágil
(BOARI, 2008).

5.3 Interação célula-substrato


As características do substrato são consideradas importantíssimas, pois é
em função delas, que o processo de adesão e a formação de um biofilme serão
favorecidos ou não (BOARI, 2008).
24

O contato entre a superfície microbiana e o substrato corresponde à adesão


inicial, e é regido por interações físico-químicas. Dentre estas interações, o destaque
tem sido dado a hidrofobicidade. A hidrofobicidade é representada pelo grau de
capacidade de molhadura da superfície em meio aquoso, sendo a adesão favorecida
pelas superfícies hidrofóbicas, as quais possam entrar em contato pela compressão
da camada de água e das mesmas (SOUSA, 2005).
Os diferentes graus de hidrofobicidade de uma célula são conferidos por
fatores de virulência associados à adesão, como pili, fímbrias e flagelos, bem como
pela membrana externa em gram-negativos e os diferentes graus de
eletronegatividade conferidos pela presença de grupos funcionais polares, como
fosfatos, carboxilas, hidroxilas e ácido teicóico (FLACH; KARNOPP; CORÇÃO,
2005). Quanto maior a hidrofobicidade da célula, maior a facilidade de adesão inicial
de um microrganismo, sendo o aço inoxidável uma superfície hidrofóbica (BOARI,
2008).
Segundo Costa (1999) as células de bactérias possuem pH em torno de três
e carga negativa. Nas gram-positivas, a carga negativa é originária dos ácidos
teicóicos e teicurônicos da parede e dos polipeptídeos do glicocálix, e, nas gram-
negativas, aparecem devido aos lipopolissacarídeos e proteínas da membrana
externa juntamente aos polímeros do glicocálix.
A topografia da superfície tem uma reduzida participação. As micro-ranhuras
e microfendas seriam interessantes ao biofilme maduro, pois alguma porção da
comunidade poderia ser protegida contra atritos mecânicos e, no caso de danos
mecânicos, a porção remanescente poderia regenerar a estrutura (WIRTANEN et al.,
2005 apud BOARI, 2008).
25

6 Superfícies envolvidas na formação do biofilme

Uma grande variedade de microrganismos é capaz de aderir e formar


biofilme em superfícies bióticas e abióticas, incluindo lentes de contato, cascos de
navios, encanamento em indústrias de alimentos e petróleo, pedras em cursos
d’água e sílica, aço inoxidável, vidro, alumínio, teflon, materiais de náilon e borracha
encontrados em ambientes utilizados para processar alimentos e em uma variedade
de implantes e aparelhos transcutâneos (RESENDE, 2005).
As características macroscópicas e, particularmente, as microscópicas das
superfícies são determinantes para maior ou menor adesão microbiana, com
reflexos na contaminação dos alimentos por microrganismos alteradores ou
patogênicos (ANDRADE, 2004). A microtopografia da superfície pode dificultar os
procedimentos de limpeza, quando fendas e outras imperfeições criam condições
para abrigar as células (CAIXETA, 2008). A boa qualidade e polímero da superfície
são muito importantes para prevenir a formação de biofilmes (HAUN, 2004).
O material mais comumente usado na indústria de alimentos é o aço
inoxidável AISI 304, cuja composição química é C – 255 ppm; Si – 0,44; Mn – 1,13;
Cr – 18,23; Ni – 8,91; Cu – 0,23; N – 474, valores dados em % de peso, podendo ser
de fácil tratamento mecanicamente ou eletrostaticamente para tornar-se liso
evitando a formação de biofilme (HAUN, 2004). Assim como o vidro, quando
comparado a polímeros, borracha ou alumínio, o aço inoxidável apresenta
resistência maior a agentes oxidantes e outros sanificantes, como ácido peracético,
hipocloritos e iodóforos. No entanto, ele é vulnerável à corrosão localizada, por íons
clorados e componentes sulfurosos reduzidos, enquanto superfícies emborrachadas
são propícias à deterioração e podem desenvolver rachaduras onde as bactérias
podem se acumular (ISMAIL et al., 1999 apud CAIXETA, 2008).
26

7 Fatores que influenciam no desenvolvimento do biofilme

7.1 pH
A grande parte dos biofilmes naturais forma-se em valores de pH próximo a
neutralidade. Desvios de pH para valores inferiores ou superiores a 7 irão
certamente influenciar o desenvolvimento e atividade da comunidade microbiana,
pois o pH tem um efeito preponderante no metabolismo dos microrganismos
(PEREIRA, 2001). De outro modo, o pH também afeta as propriedades elétricas
superficiais dos microrganismos e das superfícies sólidas, podendo com isso
aumentar ou diminuir a repulsão eletrostática entre as duas entidades e, desta
maneira, interferir no processo de adesão dos microrganismos às superfícies
(PEREIRA, 2001; CHAVES, 2004; MACHADO, 2005).
Estudos de biofilmes em sistemas de distribuição de água potável, por
exemplo, devem levar em consideração a turbulência do fluido, que pode conduzir a
uma diminuição dos valores de pH, devido ao CO2 se misturar com a água e formar
HCO3. A redução dos valores de pH também pode ocorrer, devido a libertação para
o meio de substâncias ácidas sintetizadas pelos microrganismos que se
desenvolvem nas paredes (CHAVES, 2004).

7.2 Efeitos de velocidade e de turbulência do fluido


Os efeitos de velocidade, mais especificamente, os efeitos de turbulência no
seio do fluido, têm um papel significativo no desenvolvimento e estabilidade dos
biofilmes (MACHADO, 2005). A turbulência e velocidade do escoamento de água
que entra em contato com as superfícies sólidas interferem nos processos de
adesão, transporte de nutrientes e de desprendimento dos microrganismos
(PEREIRA, 2001).
A velocidade do fluido tem influência nas taxas de transferência de massa
do líquido para o biofilme, assim como na taxa de desprendimento de porções de
biofilme. Em baixas velocidades do fluido, a resistência à transferência de massa, ou
seja, nutrientes e oxigênio, do meio líquido para os microrganismos do biofilme é
27

mais elevada, desse modo o crescimento do filme biológico é prejudicado


(PEREIRA, 2001). E quando se aumenta a velocidade esta vai interferir, por um
lado, aumentando a transferência de massa, o que beneficiará o crescimento do
biofilme e, por outro lado, quanto maior a velocidade maior será a erosão e
desprendimento de partes de biofilme, diminuindo a biomassa que está aderida ao
suporte sólido. A redução em biomassa origina biofilmes menos espessos, fato que
favorece o transporte dos nutrientes no interior do biofilme (MACHADO, 2005).
A variação da velocidade pode também influenciar no modo de colonização
das superfícies. A baixas velocidades formam-se colônias isoladas aderidas às
superfícies. A elevadas velocidades ocorre uma adesão de grandes grupos de
células e só muito poucas de forma isolada. (CHAVES, 2004).

7.3 Influência de partículas inorgânicas na formação de biofilmes


A concentração de partículas sólidas suspensas em corrente líquida é mais
um fator que possui influência na formação do biofilme.
Determinadas partículas sólidas podem contribuir para a limpeza dos
sistemas industriais em função do seu caráter erosivo. Porém, algumas partículas
provenientes da corrente líquida também podem ser incorporadas no próprio biofilme
e alterar a sua estrutura, sendo, consequentemente, responsáveis por algumas
implicações na sua estabilidade. O biofilme poderá ser mais ou menos resistente às
condições agressivas do meio circundante. O resultado será ou o aumento do
crescimento e estabilidade do biofilme, ou exatamente o seu inverso (PEREIRA,
2001).

7.4 Temperatura
A temperatura é fator determinante no desenvolvimento microbiano, e como
tal, pode afetar a formação e a atividade de qualquer biofilme, bem como o tipo de
microrganismo que o compõe.
Para valores elevados de temperatura ocorre a desnaturação das proteínas
que compõe os microrganismos, o que é manifestado por uma diminuição adrupta
da taxa de crescimento. O valor da temperatura em que esses efeitos destrutivos
são preponderantes designa-se por limite máximo de temperatura. A temperatura
para a qual se registra um valor máximo da taxa de crescimento designa-se por
temperatura ótima. Por outro lado, com a redução da temperatura ocorre uma
28

redução na taxa de crescimento dos microrganismos até um dado valor em que o


crescimento cessa, e este valor da temperatura correspondendo ao limite mínimo de
temperatura. Cada microrganismo tem valores precisos para os limites mínimo e
máximo e temperatura ótima (STANIER et al., 1995 apud CHAVES, 2004).

7.5 Concentração de nutrientes


Os microrganismos requererem quantidades mínimas de nutrientes para que
ocorra o seu crescimento. Quanto maior for a quantidade de nutrientes disponíveis,
maior será o crescimento microbiano e maior será a diversidade de organismos que
podem ser mantidos (BUCKMAN, 1997 apud CHAVES, 2004).
Nutrientes disponíveis sob a forma de carbono orgânico são facilmente
assimilável pelos microrganismos e bastante usados. O ferro é também um dos
nutrientes necessários para o desenvolvimento celular bacteriano, apresentando-se
mesmo como um nutriente limitante para o crescimento. As tubulações de ferro que
ainda compõem uma boa parte das redes de distribuição e abastecimento de água
potável, por exemplo, oferecem substrato de ferro que é uma fonte nutritiva para as
bactérias e funcionam como ambientes ótimos para o desenvolvimento de certos
microrganismos (CHAVES, 2004).

7.6 Tipo de superfície


A superfície inerte em que se formam os biofilmes desempenha um papel
importante na forma e desenvolvimento do biofilme. O estado de conservação da
superfície pode, muitas vezes, ser um fator importante na formação do biofilme. Os
depósitos porosos e irregulares que se encontram freqüentemente às superfícies
são zonas preferenciais para o crescimento bacteriano (CHAVES, 2004).
Em estudos realizados foi possível concluir que a rugosidade e porosidade
do suporte condicionam a adesão celular. A rugosidade de uma superfície pode
aumentar a retenção de microrganismos, pois proporciona locais de abrigo que são
menos afetados pelas forças do fluido. O efeito da rugosidade da superfície é
considerado quando ocorre a adesão da primeira camada de microrganismos tendo
menor influência quando uma superfície de adesão já tem biofilme formado
(MACHADO, 2005).
O tipo de material da superfície pode também influenciar no
desenvolvimento de biofilme. Superfícies de natureza ferrosa são habitats propícios
29

para o desenvolvimento microbiano, sabendo-se que o ferro é um nutriente


necessário para o desenvolvimento de certas espécies bacterianas, como já foi
mencionado anteriormente (CHAVES, 2004)
30

8 Microrganismos envolvidos na formação do biofilme

O biofilme pode ser formado por populações constituídas a partir de uma


única ou de múltiplas espécies, ou seja, quando o biofilme é composto por espécies
diferentes, os produtos metabolizados por uma das espécies podem servir de
suporte para o crescimento de outras, enquanto a adesão de algumas espécies
pode fornecer ligantes que promovem a ligação de outras. Em contra partida, a
competição por nutrientes e o acúmulo de produtos tóxicos produzidos pelos
microrganismos primários podem limitar a diversidade de espécies no interior do
biofilme (CAIXETA, 2008).
Entre todos os microrganismos, são as bactérias que, mais comumente
produzem biofilme em condições favoráveis, mesmo que algumas apresentem,
naturalmente, uma maior aptidão que outras. Seus tamanhos reduzidos, elevadas
taxas de reprodução, grande capacidade de adaptação e de produção de
substâncias e estruturas extracelulares que as protegem do meio são as principais
características que as tornam excelentes organismos capazes de colonizar qualquer
superfície, até mesmo em condições extremas (CHRISTENSEN e CHARACKLIS,
1990 apud CAPELLETTI, 2006).
A maioria dos estudos descreve as bactérias gram-negativas como as
principais formadoras de biofilme, porém, sabe-se que as bactérias gram-positivas
também estão presentes na composição do biofilme, sendo em alguns casos as
responsáveis pelo problema. Em indústrias sucroalcooleiras mostram que os
principais problemas são causados por bactérias gram-positivas produtoras de
gomas, como por exemplo, a dextrana. (LUCCHESI, 2006).
Dentre os microrganismos que podem participar de processos de adesão e
gerar problemas de saúde pública ou de ordem econômica, podem-se ressaltar:
Pseudomonas aeruginosa, Pseudomonas fragi, Pseudomonas fluorescens,
Micrococcus sp. e Enterococcus faecium, Listeria monocytogenes, Yersinia
enterocolitica, Salmonella thyphimurium, Escherichia coli O157:H7,
31

Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Alcaligenes e Flavobacterium (CAIXETA,


2008; CAPELLETTI, 2006; LUCCHESI, 2006). Boari (2008) cita Aeromonas
hydrophila também como uma importante produtora de biofilme.

8.1 Mecanismos de resistência de bactérias


As bactérias podem sobreviver em ambientes nos quais há rápida mudança,
assim como adequar-se às mudanças repentinas na disponibilidade de nutrientes e
nas defesas imunes primárias e secundárias do hospedeiro. Essa resistência pode
ser adquirida por mutação, aquisição de novas informações genéticas, expressão de
genes silenciosos que frequentemente é manifestada fisiologicamente e
estruturalmente, mudanças na hidrofobicidade da superfície celular e em
componentes da membrana externa das bactérias envolvidos na aderência, tais
como pili e lipopolissacarídeos, crescimento em biofilme e outras alterações
fenotípicas (CAIXETA, 2008). A composição da membrana externa da parede celular
das bactérias, principalmente das bactérias gram-negativas, tem também um papel
importante na resistência à penetração das substâncias ativas dos biocidas
(PEREIRA, 2001).
Para Mittelman (1998 apud CAIXETA, 2008) a formação do biofilme está
ligada à proteção contra tais mudanças, pois bactérias associadas aos biofilmes são
mais resistentes a tratamentos com antibióticos do que células planctônicas. Além
de que, as células sésseis têm a defesa coletiva contra fatores antagônicos e o
aumento da sobrevivência da colônia pela diferenciação em tipos diferentes de
células.
Dentre as possíveis explicações para a resistência elevada de biofilmes
bacterianos incluem-se: a difusão limitada de agentes antimicrobianos por meio da
matriz do biofilme, interações de agentes antimicrobianos com a matriz (células e
polímeros), resistência mediada por enzimas, níveis de atividade metabólica dentro
do biofilme, adaptação genética e outras estruturas da membrana, ou seja, a
resistência ocorre em função de inúmeros fatores inter-relacionados, incluindo
atividade metabólica diferencial, barreiras de difusão e ultra-estrutura da parede
celular (CAIXETA, 208).
Os microrganismos quando em forma de biofilme apresentam resistência
aos biocidas, e tal resistência é, em parte, atribuída à matriz polimérica, pois esta
32

parece funcionar como uma barreira protetora contra fatores agressivos externos
dos quais os biocidas são exemplos (PEREIRA, 2001).
Outros estudos referem também que a menor sensibilidade dos biofilmes
aos biocidas é em função destes poderem reagir com constituintes inorgânicos dos
biofilmes a uma velocidade superior à velocidade de difusão do biocida no interior
dos biofilmes. Isso acarretaria, por conseqüência, uma redução considerável da
quantidade de biocida disponível efetivamente para os microrganismos (PEREIRA,
2001).
33

9 Métodos de avaliação dos biofilmes

O uso recente de técnicas moleculares vem possibilitando o monitoramento


dos biofilmes bacterianos. Nesses métodos moleculares são inseridos a hibridização
in situ de fluorescência (FISH), a microautoradiografia combinada com FISH (MAR-
FISH), microsensores combinados com FISH e a reação em cadeia de polimerase
(PCR), dentre inúmeras outras técnicas combinadas com FISH (CAIXETA, 2008).
Além do uso de técnicas moleculares, têm-se utilizado vários outros métodos
para amostragem e enumeração do biofilme, os quais podem ser divididos em dois
grupos, os métodos visuais e métodos não visuais (MACEDO, 2008).
Como métodos visuais os mais importantes são a microscopia de luz, de
contraste de fase, de epifluorescência e a microscopia eletrônica de varredura
(MEV) e de transmissão (MET). Já, os métodos não visuais incluem a remoção de
microrganismos da superfície, contagem por métodos convencionais microbiológicos
(swab, rinsagem, raspagem, contagem padrão em placas, etc.) e medidas de
bioluminescência e impedância (CAIXETA, 2008; MACEDO, 2008)
A microscopia eletrônica é mais indicada para a avaliação da interação
microbiana na matriz do biofilme. A fixação das amostras é efetuada com a
utilização de agentes químicos, como glutaraldeído, em que a amostra é congelada
rapidamente para evitar danos às células devido aos cristais de gelo (COSTA,
1999).
A microscopia confocal é utilizada para observar a estrutura dos biofilmes.
Ela permite fazer seccionamento óptico do biofilme no seu estado hidratado de
maneira não destrutiva, permitindo obter informações 3D da estrutura. Essa técnica
também permite, obter imagens em canais múltiplos, o que pode ser utilizado para
observação simultânea de várias sondas fluorescentes, de modo a obter informação
espacial da diversidade funcional do biofilme (PALMER, 1999 apud CAIXETA, 2008;
SUTHERLAND, 2001).
A microscopia de contraste é recomendada para acompanhar o
desenvolvimento do biofilme em tempo real, em uma superfície transparente. A
microscopia de epifluorescência (EPF) é uma alternativa ótima na quantificação de
34

células aderidas às superfícies. Para visualizar a adesão bacteriana, se utilizam


substâncias fluorescentes, para coloração direta das células, ou anticorpos
fluorescentes que podem se ligar às células, permitindo sua observação (COSTA,
1999).
A medida de impedância é fundamentada no princípio de que, quando se
metabolizam os componentes presentes no meio de cultura, os microrganismos
transformam moléculas grandes em pequenas, que possuem cargas elétricas, o que
muda a resistência ou impedância do meio. A mudança da condutividade pode ser
medida e o número de microrganismos aderidos à superfície está relacionado com o
valor obtido para a condutividade (CAIXETA, 2008; MACEDO, 2008).
A técnica da bioluminescência é baseada no conteúdo de trifosfato de
adenosina (ATP), e este é gerado pela oxidação de moléculas alimentares, tais
como glicose, ácidos graxos e aminoácidos (MACEDO, 2008). A quantidade de ATP
em uma amostra é medida por uma reação de bioluminescência entre a luciferina e
a enzima luciferase, enquanto a quantidade de luz emitida pode ser medida por
luminômetro, fluorímetro ou espectrofotômetro de cintilação líquida (FRANCO e
LANDGRAF, 1996 apud MACEDO, 2008).
35

10 Benefícios e malefícios causados pelos biofilmes na indústria alimentícia

Os biofilmes microbianos atraem cada vez mais a atenção de cientistas em


muitas áreas, tais como nos ramos da medicina, ambiente aquático, indústria
farmacêutica e, principalmente, indústria de processamento de alimentos (CAIXETA,
2008).
Por ser uma acumulação natural de microrganismos numa superfície sólida,
o biofilme pressupõe a sua existência desde sempre, mesmo que o seu
reconhecimento e registro sejam ainda mais contemporâneos. São diversos os
exemplos de biofilmes naturais, isto é, aqueles que se formam espontaneamente em
quase todas as superfícies imersa em meio aquoso, apresentando assim, uma alta
capacidade de se adaptar às mais distintas situações (PEREIRA, 2001).
Os biofilmes possuem um papel importante na natureza e em processos
tecnológicos. Partindo do interesse do homem, podem ser benéficos ou prejudiciais,
sendo que no último caso, os biofilmes passam a ser considerados industrialmente
como sujamento biológico, sendo o termo “biofouling” o mais usado para relatar
estas situações. Assim sendo, é preciso o seu estudo para poder desenvolver
estratégias com o propósito de melhorar as suas características, caso ele seja
benéfico, ou para eliminar ou inibir a sua formação, quando é considerado prejudicial
(CHAVES, 2004; PEREIRA, 2001).

10.1 Biofilmes benéficos


Ainda que sejam prejudiciais em diversos processos e locais, os biofilmes
são necessários para a realização de outros processos, como por exemplo, na
produção de alimentos fermentados como o vinagre, onde as espécies Acetobacter
e Gluconobacter de microrganismos são utilizadas, na produção de “sherry” e de
ácido cítrico na indústria alimentar, e também na área ambiental como é o caso da
descontaminação e limpeza de águas que possuam resíduos antes que estas sejam
lançadas novamente em córregos e rios. Como também os biofilmes vêm recebendo
considerável atenção do ponto de vista da biorremediação de vários efluentes
36

industriais, com o papel de retirar poluentes orgânicos e inorgânicos de águas


contaminadas (CHAVES, 2004; HAUN, 2004; PEREIRA, 2001).
A aplicação biotecnológica ambiental de biofilmes surgiu após o homem ter
reconhecido que os biofilmes acumulados nos leitos dos rios e/ou nas partículas
suspensas dos rios e lagos, assim como em ambientes marinhos, que contribuíam
para a remoção de contaminantes da água. Os filtros de areia, aplicados à
purificação de água, constituem, por isso, uma das mais antigas aplicações de
biofilmes na biotecnologia ambiental (PEREIRA, 2001).

10.2 Biofilmes maléficos


Infelizmente, nem sempre os biofilmes constituem vantagens para o homem.
Na maioria das situações, a adesão de microrganismos a superfícies sólidas é
indesejável, pois, de um modo geral, está associada à contaminação de produtos
alimentícios, deterioração das superfícies e ambiente circundante (CHAVES, 2004;
VIANA, 2006).
Os biofilmes prejudiciais, conhecidos como sujamento biológico ou
“biofouling”, afetam uma grande diversidade de habitats microbianos, tais como
lentes de contato, dentes, próteses e implantes no corpo humano, sistemas de
distribuição de água potável, materiais de construção de edifícios e monumentos,
processos industriais dependentes de água, como permutadores de calor,
membranas de osmose inversa e ultrafiltração (PEREIRA, 2001).
Segundo Pereira (2001) na maioria dos sistemas industriais, o sujamento
biológico surge mais comumente ligado com outros tipos de sujamento (“fouling”)
originados da deposição de partículas inorgânicas, precipitados cristalinos e/ou
produtos de corrosão. Quando se torna complicado determinar a composição do
material aderido em uma superfície, este geralmente passa a ser chamado como
“depósito”.
Além de originar problemas de higiene na indústria, a acumulação de
biofilmes pode provocar perdas de eficiência em permutadores de calor como já
mencionado, perda de carga nas tubulações e aceleração da deterioração dos
materiais (CHARACKLIS e COOKSEY, 1983; MATILLA-SHANDHOM e WIRTANEN,
1992 apud CHAVES, 2004).
A formação de biofilme, e principalmente o seu desprendimento nos
sistemas de distribuição de água potável, constituem um fator importante (CHAVES,
37

2004). Nestes sistemas 95% da biomassa se localiza nas paredes das tubulações e
menos de 5% nas fases da água. Desse modo, a formação de biofilme pode
produzir muitos problemas operacionais, como corrosão das tubulações, perda de
qualidade da água e uma série de outros eventos indesejáveis (HU et al., 2005 apud
CAIXETA, 2008).
Na indústria de alimentos, a colonização das superfícies onde se processam
os alimentos pode ocasionar vários problemas, tanto de ordem econômica como de
saúde pública. No ponto de vista econômico, as bactérias deteriorantes podem
contaminar produtos alimentícios, alterando suas características e levando a perdas
econômicas, entretanto, o risco à saúde pública é considerado um problema mais
grave, pois o biofilme pode ser fonte de contaminação crônica e veicular
microrganismos patogênicos (CAIXETA, 2008).
Alguns microrganismos podem ser submetidos a condições de ausência de
oxigênio, nutriente ou espaços para multiplicar-se dependendo do local de adesão. A
ausência de oxigênio pode levar à formação de uma zona, em que condições
anaeróbicas prevalecem e bactérias fermentativas são ativadas. Os microrganismos
anaeróbios formam ácidos orgânicos de baixo peso molecular e ácidos graxos, bem
como dióxido de carbono e hidrogênio, que estimulam o crescimento de bactérias
redutoras de sulfato, as quais podem conduzir a problemas de corrosão de metais
(POULSEN, 1999 apud CAIXETA, 2008).
Na indústria de laticínios a colonização em tanques de armazenamento do
leite, adesão nos trocadores de calor e adesão de esporos na superfície de
embalagens são alguns exemplos de problemas que também estão ligados aos
biofilmes sobre superfícies, constituindo um ponto crítico na indústria (HAUN, 2004).
38

11 Estratégias de controle e modos de erradicação do biofilme

Para prevenir a adesão bacteriana, retardar a formação dos biofilmes e


eliminar ou pelo menos reduzir a sua acumulação, muitas estratégias ou
combinação de estratégias podem ser utilizadas. Num sistema industrial, qualquer
processo de controle deve incluir, primeiramente, o controle efetivo dos
microrganismos presentes nos circuitos de água, retardando o máximo a sua
deposição nas superfícies (MACHADO, 2004; PEREIRA, 2001).
A higienização é utilizada com o objetivo de preservar a qualidade
microbiológica dos alimentos, através do controle e da prevenção da formação de
biofilmes, auxiliando na obtenção de um produto que, além de possuir qualidades
nutricionais e sensoriais, tenha boa condição higiênico-sanitária, não oferecendo
assim risco à saúde do consumidor (CAIXETA, 2008; FORSYTHE, 2002).
As estratégias podem englobar métodos físicos, químicos e processuais.

11.1 Medidas de caráter processual


Algumas regras técnicas a aplicar nos processos industriais, de caráter mais
preventivo, devem ser incorporadas no sentido de retardar ou mesmo evitar a
acumulação de biofilme nos circuitos industriais como: redução da concentração de
substâncias orgânicas na corrente líquida; limpeza mecânica freqüente; projeto
adequado dos equipamentos; implementação de técnicas efetivas de monitorização
de biofilmes, inspeção visual constante da acumulação de biofilme e de sinais de
corrosão; e implementação de técnicas de tratamento colateral (MACHADO, 2004).
Embora todas as precauções que se devem ter, ocorrem momentos onde o
desenvolvimento de biofilmes é inevitável. Isso faz emergir a necessidade de
implementar outros métodos de controle de biofilmes com o intuito de impedir o
estabelecimento dos mesmos, atuando em qualquer uma das fases do seu
desenvolvimento (PEREIRA, 2001).
39

11.2 Métodos físicos


Estes métodos envolvem técnicas de remoção física de biofilmes podendo
ser aplicados “on-line” ou off-line” conforme Bott (1995 apud Pereira, 2001). A
limpeza “on-line” não necessita a interrupção dos processos industriais e pode
processar-se de forma contínua ou intermitente requerendo equipamento adicional.
A limpeza “off-line” exige a paragem das operações do sistema, sendo por vezes,
necessário o desmanche dos equipamentos para se aceder ao seu interior, para que
a limpeza seja efetiva. Várias técnicas de limpeza física são usadas como mostra a
tab. 1.

Tabela 2- Métodos de limpeza físicos


Técnicas “on-line” Técnicas “off-line”
Circulação de bolas de borracha Limpeza manual
Oscilação de escovas Umedecimento com vapor (“soaking”)
Injeção de ar ou gás Choque térmico
Uso de campos elétricos Choque osmótico
Aplicação de ultra-sons Limpeza apoiada em produtos químicos
Radiação ultravioleta, radiação gama Circulação de água a temperatura
elevada e/ou vapor de água
Fonte: PEREIRA, 2001.

Embora sejam considerados métodos mais eficientes, a implementação de


métodos físicos na remoção de biofilmes é dificultada, sendo às vezes impossível,
em função da dificuldade de ordem técnica e econômica, que se prendem, na
estrutura e desenho dos equipamentos e na necessidade de equipamento
suplementar (PEREIRA, 2001).
Entretanto os métodos físicos têm um impacto ambiental reduzido, apesar
da sua implementação causar acrescidos gastos energéticos, que irão agravar os
custos (MACHADO, 2004).

11.3 Métodos químicos e físico-químicos


Nestes métodos aplicam-se substâncias químicas com propriedades
antimicrobianas, propriedades tensoativas e propriedades dispersantes, cujo
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mecanismo de ação é pela fragilização da matriz polimérica dos biofilmes e pelo


enfraquecimento das interações biofilme (MACHADO, 2004).
Todas as substâncias que possuem uma ou mais zonas ativas capazes de
estabelecer interações adversas com componentes celulares em sítios-alvo
específicos das células microbianas são considerados agentes antimicrobianos.
Comumente, é a concentração da substância química antimicrobiana que determina
o modo da ação: se a concentração é baixa para as características do sistema onde
é aplicado, então o efeito é de caráter bioestático; se a concentração é elevada o
bastante o agente atuará numa estrutura vital das células e a sua ação classifica-se
como biocida (PEREIRA, 2001).
De todos os agentes químicos referidos, os biocidas são as medidas mais
usadas em sistemas industriais, ainda que métodos alternativos a sua utilização
sejam continuamente alvo de investigação (CAIXETA, 2008; PEREIRA, 2001).

11.3.1 Biocidas
Biocida pode ser definido como qualquer substância que possua um ou mais
agentes ativos, o qual é capaz de prevenir, inibir, diminuir ou eliminar a ação de
organismos vivos patogênicos e não patogênicos (CAPELLETTI, 2006).
Para exercerem a sua ação os biocidas atacam os componentes celulares
funcionais, colocando os microrganismos em estresse (PEREIRA, 2001). Os
principais componentes celulares funcionais em que os biocidas agem são, a parede
celular, os componentes da membrana citoplasmática e o citoplasma. O acesso a
estes alvos é determinado pela composição química e propriedades físico-químicas
que possui cada biocida, bem como pelas interações com o material extracelular,
pela composição química e morfologia das células (CAPELLETTI, 2006).
Os biocidas podem ser classificados em dois grandes grupos, de acordo
com seu caráter químico: oxidantes, como por exemplo, o ozônio, peróxido de
hidrogênio, compostos de cloro; e não-oxidantes, como compostos sulfurados,
estanho, isotiazolinonas, sais de cobre, aldeídos, sais quaternário de amônio, dentre
outros (CAPELLETTI, 2006; PEREIRA, 2001).
Embora apresentem diferenças químicas importantes, o modo primário de
ação dos biocidas oxidantes consiste em oxidar compostos constituintes das células
microbianas, sendo conseqüentemente efetivos contra quase todos os tipos de
microrganismos. Os biocidas oxidantes são os mais usados na indústria de
41

alimentos. Já os biocidas não-oxidantes têm sua atividade antimicrobiana


expressada sobre os microrganismos pela interferência no seu metabolismo ou pela
desintegração da parede celular (CAIXETA, 2008; CAPELLETTI, 2006; PEREIRA,
2001).
O modo de aplicação do biocida é tão importante quanto a sua seleção, pois
a simples adição do produto poderá reduzir pouco, ou até mesmo não reduzir, as
contaminações microbiológicas, podendo com isso agravar os problemas
(CAPELLETTI, 2006). Os fatores a considerar quando se aplica um biocida, incluem
a quantidade a usar, a concentração residual que é necessária, o modo de
aplicação, a freqüência da adição e o ponto de adição (CHAVES, 2004).
42

12 Conclusão

O modo de avaliação dos biofilmes merecem um estudo detalhado no ramo


alimentício.
Obter um produto com qualidade e segurança é o que mais se preza na
indústria de alimentos e as estratégias para a erradicação dos biofilmes devem ser
consideradas. Para isso os biocidas são excelentes métodos a ser aplicados na
remoção de biofilme, já que estes estão diretamente ligados as contaminações que
ocorrem em produtos alimentares, comprometendo a saúde do consumidor, bem
como acarretando prejuízos econômicos para a indústria.
É também de grande valia conhecer as propriedades benéficas dos
microrganismos formadores de biofilme, os quais podem atuar em diferentes
situações, como tratamento de efluentes e produção de fermentados, contribuindo
desse modo com uma melhor produção na indústria.
43

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