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Idéias e Ilustrações 1

Idéias e Ilustrações

De "Idéias e Ilustrações", de Francisco Cândido Xavier,


por Diversos Espíritos

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 2

Índice
01 Prefácio pág. 2
02 A Arma Infalível pág. 26
03 A Caridade Desconhecida pág. 7
04 A Conta da Vida pág. 3
05 A Meada pág. 19
06 A Petição de Jesus pág. 40
07 A Resposta Celeste pág. 34
08 A Salvação Inesperada pág. 12
09 A Única Dádiva pág. 24
10 Algo Mais pág. 28
11 Doentes e Doenças pág. 8
12 Existência de Deus pág. 11
13 Jesus Mandou Alguém pág. 29
15 Lenda Simbólica pág. 21
16 Mesmo Ferido pág. 26
17 No Reino das Borboletas pág. 23
18 Num Domingo de Calor pág. 3
19 O Burro de Carga pág. 15
20 O Devoto Desiludido pág. 38
21 O Exemplo da Fonte pág. 5
22 O Golpe de Vento pág. 32
23 O Grito de Cólera pág. 6
24 O Poder da Gentileza pág. 13
25 O Poder das Trevas pág. 30
26 O Poder do Bem pág. 16
27 O Santo Desiludido pág. 33
28 O Temor da Morte pág. 39
29 O Valor do Serviço pág. 36
30 Por Cinco Dias pág. 10
31 Verdugo Vítima pág. 18


Prefácio
Lembrança
Irmão X
A todos vós, caros leitores, que solicitastes dos amigos domiciliados, além da Terra, páginas de
motivação e de esperança; que buscais, junto deles, pensamentos e palavras para vossas
conversações; que esperais deles sugestões e apoio verbal para vossos entendimentos nos cursos
domésticos de evangelização; e que requisitais desses mesmos companheiros desencarnados,
com tanto carinho e confiança, mensagens e avisos de consolação e de amor, oferecemos, em
nome deles, com respeitoso agradecimento, este despretensioso volume de trechos antológicos,
em forma de idéias e ilustrações.
Emmanuel - Uberaba, 1 de janeiro de 1970

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Da Crítica
1 - Num Domingo de Calor
Irmão X
Benedita Fernandes, abnegada fundadora da Associação das Senhoras Espíritas Cristãs, de
Araçatuba, no Estado de São Paulo, foi convidada para uma reunião de damas consagradas à
caridade, para exame de vários problemas ligados a obras de assistência. E porque se dedicava,
particularmente, aos obsidiados e doentes mentais, não pode esquivar-se.
Entretanto, a presença da conhecida missionária causava espécie.
O domingo era de imenso calor e Benedita ostentava compacto mantô de lã, apenas
compreensível em tempo de frio.
– Mania! – cochichava alguém, à pequena distância.
– De tanto lidar com malucos, a pobre espírita enlouqueceu... – dizia elegante senhora à
companheira de poltrona, em tom confidencial.
– Isso é pura vaidade, – falou outra – ela quer parecer diferente.
– Caso de obsessão! – certa amiga lembrou em voz baixa.
– Benedita, porém, opinava nos temas propostos, cheia de compreensão e de amor.
Em meio aos trabalhos, contudo, por notar agitações na assembléia, a presidente alegou que
Benedita suava por todos os poros, e, em razão disso, rogou a ela que tirasse o mantô por
gentileza.
Benedita Fernandes, embora constrangida, obedeceu com humildade e só aí as damas presentes
puderam ver que a mulher admirável, que sustentava em Araçatuba dezenas de enfermos, com o
suor do próprio rosto, envergava singelo vestido de chitão com remendos enormes.

Ante os problemas dos outros


Emudece os lábios teus.
Em tudo sempre supomos
Mas quem sabe é sempre Deus.
Casimiro Cunha

Haja o que houver no caminho,


Não pense mal de ninguém.
Cada qual vê o vizinho,
Conforme os olhos que tem.
Gastão de Castro

Filhos, a estrada real para Deus chama-se Caridade.


José Horta


2 - A Conta Da Vida
Neio Lúcio
Quando Levindo completou vinte e um anos, a Mãezinha recebeu-lhe os amigos, festejou a data
e solenizou o acontecimento com grande alegria.

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No íntimo, no entanto, a bondosa senhora estava triste, preocupada.


O filho, até à maioridade, não tolerava qualquer disciplina. Vivia ociosamente, desperdiçando o
tempo e negando-se ao trabalho. Aprendera as primeiras letras, a preço de muita dedicação
materna, e lutava contra todos os planos de ação digna.
Recusava bons conselhos e inclinava-se, francamente, para o desfiladeiro do vício.
Nessa noite, todavia, a abnegada Mãe orou, mais fervorosa, suplicando a Jesus o encaminhasse à
elevação moral. Confiou-o ao Céu, com lágrimas, convencida de que o Mestre Divino lhe
ampararia a vida jovem.
As orações da devotada criatura foram ouvidas, no Alto, porque Levindo, logo depois de
arrebatado pelas asas do sono, sonhou que era procurado por um mensageiro espiritual, a exibir
largo documento na mão.
Intrigado, o rapaz perguntou-lhe a que devia a surpresa de semelhante visita.
O emissário fitou nele os grandes olhos e respondeu:
- Meu amigo, venho trazer-te a conta dos seres sacrificados, até agora, em teu proveito.
Enquanto o moço arregalava os olhos de assombro, o mensageiro prosseguia:
- Até hoje, para sustentar-te a existência, morreram, aproximadamente, 2.000 aves, 10 bovinos,
50 suínos, 20 carneiros e 3.000 peixes diversos. Nada menos de 60.000 vidas do reino vegetal
foram consumidas pela tua , relacionando as do arroz, do milho, do feijão, do trigo, das várias
raízes e legumes. Em média calculada, bebeste 3.000 litros de leite, gastaste 7.000 ovos e
comeste 10.000 frutas. Tens explorado fartamente as famílias de seres do ar e das águas, de
galinheiros e estábulos pocilgas e redis. O preço dos teus dias nas hortas e pomares vale por uma
devastação. Além disto, não relacionamos ai os sacrifícios maternos, os recursos e doações de
teu pai, os obséquios dos amigos e as atenções de vários benfeitores que te rodeiam. Em troca,
que fizeste de útil? Não restituíste ainda à Natureza a mínima parcela de teu débito imenso.
Acreditas, porventura, que o centro do mundo repousa em tuas necessidades individuais e que
viverás sem conta nos domínios da Criação? Produze algo de bom, marcando a tua passagem
pela Terra. Lembra-te de que a própria erva se encontra em serviço divino. Não permitas que a
ociosidade te paralise o coração e desfigure o espírito!...
O moço, espantado, passou a ver o desfile dos animais que havia devorado e, sob forte espanto,
acordou...
Amanhecera.
O Sol de ouro como que cantava em toda parte um hino glorioso ao trabalho pacífico.
Levindo escapou da cama, correu até à genitora e exclamou:
- Mãezinha, arranje-me serviço! arranje-me serviço!...
_ Oh! meu filho - disse a senhora num transporte de júbilo -, que alegria! como estou contente!...
que aconteceu?
E o rapaz, preocupado, informou:
- Nesta noite passada, eu vi a conta da vida.
Daí em diante, converteu-se Levindo num homem honrado e útil.
Neio Lúcio



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3 - Da Abnegação
O Exemplo Da Fonte
Meimei
Um estudante da sabedoria, rogando ao seu instrutor lhe explicasse qual a melhor maneira de
livrar-se do mal, foi por ele conduzido a uma fonte que deslizava, calma e cristalina, e, seguindo-
lhe o curso, observou:
- Veja o exemplo da fonte, que auxilia a todos, sem perguntar, e que nunca se detém até alcançar
a grande comunhão com o oceano. Junto dela crescem as plantas de toda a sorte, e em suas águas
dessedentam-se animais de todos os tipos e feitios.
Enquanto caminhavam, um pequeno atirou duas pedras a corrente e as águas as engoliram em
silêncio, prosseguindo para diante.
- Reparou? - disse o mentor amigo - a fonte não se insurgiu contra as pedradas. Recebeu-as com
paciência e seguiu trabalhando.
Mais à frente, viram grosso canal de esgoto arremessando detritos no corpo alvo das águas, mas
a corrente absorvia o lodo escuro, sem reclamações, e avançava sempre.
O professor comentou para o aprendiz:
- A fonte não se revolta contra a lama que lhe atiram a face. Recolhe-a sem gritos e transforma-a
em benefícios para a terra necessitada de adubo.
Adiante ainda, notaram que, enquanto andorinhas se banhavam, lépidas, feios sapos penetravam
também a corrente e pareciam felizes em alegres mergulhos.
As águas amparavam a todos sem a mínima queixa.
O bondoso mentor indicou o lindo quadro ao discípulo e terminou:
- Assinalemos o exemplo da fonte e aprenderemos a libertar-nos de qualquer cativeiro, porque,
em verdade, só aqueles que marcham para diante, com o trabalho que Deus lhes confia, sem se
ligarem as sugestões do mal, conseguem vencer dignamente na vida, garantindo, em favor de
todos, as alegrias do Bem Eterno.

Caridade, a lei do bem,


Aqui, além, acolá,
Tanto dá, quanto mais tem,
Tanto mais tem quanto dá.
Antônio Sales

Amor é devotamento.
Nem sempre só bem-querer.
Bendito aquele que dá
Sem pensar em receber.
Sabino Batista

A renúncia será um privilégio para você.


André Luiz



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4 - Da Cólera
O Grito de Cólera
Néio Lúcio
Lembra-se do instante em que gritou fortemente, antes do almoço?
Por insignificante questão de vestuário, você pronunciou palavras feias em voz alta,
desrespeitando a paz doméstica.
Ah! Meu filho, quantos males foram atraídos por seu gesto de cólera!...
A mamãe, muito aflita, correu para o interior, arrastando atenções de toda a casa. Voltou-lhe a
dor de cabeça e o coração tornou a descompassar-se.
As duas irmãs, que cuidavam da refeição, dirigiram-se precipitadamente para o quarto, a fim de
socorrê-la, e duas terças partes do almoço ficaram inutilizadas.
Em Razão das circunstâncias provocadas por sua irreflexão, o papai, muito contrariado, foi
compelido a esperar mais tempo em casa, chegando ao serviço com grande atraso.
Seu chefe não estava disposto a tolerar-lhe a falta e recebeu-o com repreensão áspera.
Quem o visse, erecto e digno, a sofrer essa pena, em virtude da sua leviandade, sentiria
compaixão, porque você não passa de um jovem necessitado de disciplina, e ele é um homem de
bem, idoso e correto, que já venceu muitas tempestades para amparar a família e defendê-la.
Humilhado, suportou as conseqüências de seu gesto impulsivo, por vários dias, observado na
oficina qual se fora um menino vadio e imprudente.
Os resultados de sua gritaria foram, porém, mais vastos.
A mãezinha piorou e o médico foi chamado.
Medicamentos de alto preço, trazidos à pressa, impuseram vertiginosa subida às despesas, e o
papai não conseguiu pagar todas as contas de armazém, farmácia e aluguel de casa.
Durante seis meses, toda a sua família lutou e solidarizou-se para recompor a harmonia
quebrada, desastradamente, por sua ira infantil.
Cento e oitenta dias de preocupações e trabalhos árduos, sacrifícios e lágrimas! Tudo porque
você, incapaz de compreender a cooperação alheia, se pôs a berrar, inconscientemente,
recusando a roupa que lhe não agradava.
Pense na lição, meu filho, e não repita a experiência.
Todos estamos unidos, reciprocamente, através de laços que procedem dos desígnios divinos.
Ninguém se reúne ao acaso. Forças superiores impelem-nos uns para os outros, de modo a
aprendermos a ciência da felicidade, no amor e no respeito mútuos.
O golpe do machado derruba a árvore de vez. A ventania destrói um ninho de momento para o
outro.
A ação impensada de um homem, todavia, é muito pior.
O grito de cólera é um raio mortífero, que penetra o círculo de pessoas em que foi pronunciado e
aí se demora, indefinidamente, provocando moléstias, dificuldades e desgostos.
Por que não aprende a falar e a calar, a benefício de todos?
Ajude em vez de reclamar.
A cólera é força infernal que nos distancia da paz divina.
A própria guerra, que extermina milhões de criaturas, não é senão a ira venenosa de alguns
homens que se alastra, por muito tempo, ameaçando o mundo inteiro.

Quem não crê na obediência


E ao descontrole se aninha,
Olhe um comboio apressado

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Quando sai fora da linha.


Ulisses Bezerra

Deste preceito não fujo


Para saber com verdade:
Só se conhece o marujo
Na hora da tempestade.
Mílton da Cruz

As suas reclamações, ainda mesmo afetivas, jamais acrescentarão nos outros uma só migalha de
simpatia por você.
André Luiz

5 - Da Conversação
A Caridade Desconhecida
Neio Lúcio
A conversação em casa de Pedro versava, nessa noite, sobre a prática do bem, com a viva
colaboração verbal de todos.
Como expressar a compaixão, sem dinheiro? Por que meios incentivar a beneficência, sem
recursos monetários?
Com essas interrogativas, grandes nomes da fortuna material eram invocados e a maioria
inclinava-se a admitir que somente os poderosos da Terra se encontravam à altura de estimular a
piedade ativa, quando o Mestre interferiu, opinando, bondoso:
— Um sincero devoto da Lei foi exortado por determinações do Céu ao exercício da
beneficência; entretanto, vivia em pobreza extrema e não podia, de modo algum, retirar a mínima
parcela de seu salário para o socorro aos semelhantes.
Em verdade, dava de si mesmo, quanto possível, em boas palavras e gestos pessoais de conforto
e estímulo a quantos se achavam em sofrimento e dificuldade; porém, magoava-lhe o coração a
impossibilidade de distribuir agasalho e pão com os andrajosos e famintos à margem de sua
estrada.
Rodeado de filhinhos pequeninos, era escravo do lar que lhe absorvia o suor.
Reconheceu, todavia, que, se lhe era vedado o esforço na caridade pública, podia perfeitamente
guerrear o mal, em todas as circunstâncias de sua marcha pela Terra.
Assim é que passou a extinguir, com incessante atenção, todos os pensamentos inferiores que lhe
eram sugeridos; quando em contacto com pessoas interessadas na maledicência, retraía-se,
cortês, e, em respondendo a alguma interpelação direta, recordava essa ou aquela pequena
virtude da vítima ausente; se alguém, diante dele, dava pasto à cólera fácil, considerava a ira
como enfermidade digna de tratamento e recolhia-se à quietude; insultos alheios batiam-lhe no
espírito à maneira de calhaus em barril de mel, porquanto, além de não reagir, prosseguia
tratando o ofensor com a fraternidade habitual; a calúnia não encontrava acesso em sua alma, de
vez que toda denúncia torpe se perdia, inútil, em seu grande silêncio; reparando ameaças sobre a
tranqüilidade de alguém, tentava desfazer as nuvens da incompreensão, sem alarde, antes que
assumissem feição tempestuosa; se alguma sentença condenatória bailava em torno do próximo,
mobilizava, espontâneo, todas as possibilidades ao seu alcance na defesa delicada e
imperceptível; seu zelo contra a incursão e a extensão do mal era tão fortemente minucioso que

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chegava a retirar detritos e pedras da via pública, para que não oferecessem perigo aos
transeuntes.
Adotando essas diretrizes, chegou ao termo da jornada humana, incapaz de atender às sugestões
da beneficência que o mundo conhece. Jamais pudera estender uma tigela de sopa ou ofertar uma
pele de carneiro aos irmãos necessitados.
Nessa posição, a morte buscou-o ao tribunal divino, onde o servidor humilde compareceu
receoso e desalentado.
Temia o julgamento das autoridades celestes, quando, de improviso, foi aureolado por brilhante
diadema, e, porque indagasse, em lágrimas, a razão do inesperado prêmio, foi informado de que
a sublime recompensa se referia à sua triunfante posição na guerra contra o mal, em que se fizera
valoroso empreiteiro.
Fixou o Mestre nos aprendizes o olhar percuciente e calmo e concluiu, em tom amigo:
— Distribuamos o pão e a cobertura, acendamos luz para a ignorância e intensifiquemos a
fraternidade aniquilando a discórdia, mas não nos esqueçamos do combate metódico e sereno
contra o mal, em esforço diário, convictos de que, nessa batalha santificante, conquistaremos a
divina coroa da caridade desconhecida.

Triunfa, em qualquer lugar,


Quem conserva por dever
O hábito de calar
O que é preciso esquecer.
Marcelo Gama

A vida nas Leis da Vida,


Em tudo se mostrará,
Tirando o que se lhe tira,
Doando o que se lhe dá.
Silveira Sampaio

Sua conversação dirá das diretrizes que você escolheu na vida.


André Luiz

6 - Da Enfermidade
Doentes e Doenças
Irmão X
O respeito aos doentes é dever inatacável, mas vale descrever a ligeira experiência para a nossa
própria orientação.
Penetramos o nosocômio, acompanhando um assistente espiritual que ingressava no serviço pela
primeira vez, e por isso mesmo era, ali, tão adventício em matéria de enfermagem quanto eu
próprio.
Atender a quatro irmãos encarnados sofredores, o nosso encargo inicial nas tarefas do
magnetismo curativo. Designá-los-emos por números.
Em arejado aposento, abeiramo-nos deles, depois de curta oração.
O amigo número um arfava em constrangedora dispnéia, suplicando em voz baixa:

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- Valei-me Senhor! ... Ai Jesus! ... Ai Jesus! ... Socorrei-me ! Ó divino salvado! ... Curai-me e já
não desejarei no mundo outra coisa senão servir-nos! ...
O segundo implorava, sob as dores abdominais em que se contorcia:
- Ó meu Deus, meu Deus! ... Tende misericórdia de mim! ... Concedei-me a saúde e procurarei
exclusivamente a vossa vontade...
Aproximando-nos do terceiro, que, mal agüentado tremenda cólica renal em recidiva,
tartamudeava ao impacto de pesado suor.
- Piedade, Jesus! ... Salvai-me! ... Tenho mulher e quatro filhos ... Salvai-me e prometo ser-vos
fiel até a morte! ...
Por fim, clamava o de número quatro, carreando severa crise de artrite reumatóide;
- Jesus! Jesus! ... Ó Divino Médico! ... Atendei-me! ...
Nosso orientador enterneceu-se. Comovia-se, deverás, ouvir tão carinhosas referências a Deus,
ao Cristo, tantos apelos com inflexão de confiança e ternura.
Sensibilizados, pusemo-nos em ação.
O chefe esmeirou-se.
Exímio conhecedor de ondas e fluidos, consertou vísceras, sanou disfunções ali, renovou
vísceras, sanou disfunções ali, renovou células mais além e o resultado não se fez esperar.
Recuperação quase integral para todos. Entramos em prece, agradecendo ao Senhor a
possibilidade de veicular-lhe as bênçãos.
No dia imediato, quando voltamos ao hospital, pela manhã, o quadro era diverso.
Melhorados com segurança, os doentes pela manhã já nem se lembravam do nome de Jesus.
O enfermo de número um se reportava, exasperado, ao irmão que faltara ao compromisso de
visitá-lo na véspera:
- Aquele malandro pagará! ... Já estou suficientemente forte para desancá-lo ... Não veio como
prometeu, porque me deve dinheiro e naturalmente ficará satisfeito em saber-me esquecido e
morto ...
O segundo esbravejava:
- Ora essa! ... Por que me vieram perguntar se eu queria orações? Já estou farto de rezar ...
Quero alta hoje! ... Hoje mesmo! ... E se a situação em casa não estiver segundo penso, vai haver
barulho grosso!
O terceiro reclamava:
- Quem falou aqui em religião? Não quero saber disso ... Chamem o médico ...
E gritando para a enfermeira que assomara a porta:
- Moça, se minha mulher telefonar, diga que sarei e que não estou ...
O doente de número quatro vociferava para a jovem que trouxera o lanche matinal!
- Saia da minha frente com seu café requentado, antes que eu lhe dê com este bule na cara! ...
Atônitos, diante da mudança havida, recorremos à prece, e o superior espiritual da instituição
veio até nós, diligenciando consolar-nos e socorrer-nos.
Após ouvir a exposição do mentor que se responsabilizara pelas bênçãos recebidas, esclareceu,
bem humorado:
- Sim, vocês cometeram pequeno engano. Nosso irmãos ainda não se acham habilitados para o
retorno à saúde, com o êxito desejável... Imprescindível baixar a taxa das melhoras efetuadas ...

E sem qualquer delonga, o superior podou energias aqui, diminui recursos ali, interferiu em
determinados centros orgânicos mais além, e, com grande surpresa para o nosso grupo socorrista,

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os irmãos enfermos, com ligeiras alterações para melhoria, foram restituídos ao estado anterior,
para que não lhes viesse a ocorrer coisa pior.

Deus pôs a dor entre os homens,


Andando de deu em deu,
Ára indicar o caminho
Que leva às portas do Céu.
Colombina

As penas chegam depressa


E vão-se devagarinho,
Pois somos sempre nós mesmos
Quem lhes prepara o caminho.
Sabino Batista

Não há cura para as nossas doenças da alma, quando nossa alma não se rende ao impositivo de
recuperar a si mesma.
Bezerra de Menezes

7 - Da Esperança
Por Cinco Dias
Hilário Silva
Mais de seis lustros passaram.
Francisco Teodoro, o industrial suicida, experimentava pavorosos suplícios nas trevas...
Defrontado por crise financeira esmagadora, havia aniquilado a existência.
Tivera vida próspera. À custa de ingente esforço, construíra uma fábrica. Importando fios,
conseguira tecer casimiras notáveis. E o trabalho se desdobrava, promissor. Operários e
máquinas eficientes, armazéns e lucros firmes.
Surgira, porém, a retração dos negócios.
Humilhavam-no cobranças e advertências, a lhe invadirem a casa. Frases vexatórias
espancavam-lhe os ouvidos.
- Coronel Francisco, trago-lhe as promissórias vencidas.
Sr. Francisco, nossa firma não pode esperar.
O capitão do serviço pedia mais tempo; apresentava desculpas; falava de novas esperanças e
comentava as dificuldades de todos.
Meses passaram pesadamente.
Cartas vinagrosas chegavam-lhe à caixa postal.
Devia aos credores diversos o montante de oitocentos contos de réis. A produção, abundante,
descansava no depósito, sem compradores.
Procurava consolo na fé religiosa.
Por toda parte, lia e ouvia referências à Divina Bondade. Deus não desampara as criaturas –
pensava. Ainda assim, tentava a oração, sem abandonar a tensão.
E porque alguém o ameaçava de escândalos na imprensa, com protestos públicos, em que seria
indicado por negociante desonesto, escreveu pequena carta, anunciando-se insolvável, e disparou
um tiro no crânio.

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Com imenso pesar, descobriu que a vida continuava, carregando, em zonas sombrias de
purgação, a cabeça em frangalhos...
Palavra alguma na Terra conseguiria descrever-lhe o martírio. Sentia-se um louco encarcerado na
gaiola do sofrimento. Depois de trinta anos, pode recuperar-se, internando-se em casa de
reajuste, reavendo afeições e reconhecendo amigos...

E agora que retornava à cidade que lhe fora ribalta ao desespero, notava, surpreendido, o
progresso enorme da fábrica que lhe saíra das mãos.
Embora invisível aos olhos físicos dos velhos companheiros de luta, abraçou, chorando de
alegria, os filhos e os netos reunidos no trabalho vitorioso.
E após reconhecer o seu próprio retrato, reverenciado pelos descendentes no grande escritório,
veio a saber que acontecimento importante sucedera cinco dias depois dos funerais em que a
família lhe pranteara o gesto terrível.
À face de alteração na balança comercial do País, ante a grande guerra de 1.914, o estoque de
casimiras, que acumulara zelosamente, produziu importância que superou de muito a quatro mil
conto de reis.
Mostrando melancólico sorriso, o visitante espiritual compreendeu, então, que a Bondade de
Deus não falhara.
Ele apenas não soubera esperar....

Esperança – doce alento


De quem serve, ama e confia,
Escora no sofrimento,
Pão nosso de cada dia.
Oscar Batista

Se sofres dores crescentes,


Não esmoreças na estrada.
Quando chega a meia-noite,
È hora da madrugada.
Lauro Pinheiro

Diante da noite, não acuse as trevas. Aprenda a fazer lume.


André Luiz

8 - Da Existência de Deus
Existência de Deus
Meimei
Conta-se que um velho árabe analfabeto orava com tanto fervor e com tanto carinho, cada noite,
que, certa vez, o rico chefe de grande caravana chamou-o à sua presença e lhe perguntou:
- Por que oras com tantã fé? Como sabes que Deus existe, quando nem ao menos sabes ler?
O crente fiel respondeu:
- Grande senhor, conheço a existência de Nosso Pai Celeste pelos sinais dele.
- Como assim? - indagou o chefe, admirado.
O servo humilde explicou-se:

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- Quando o senhor recebe uma carta de pessoa ausente, como reconhece quem a escreveu?
- Pela letra.
- Quando o senhor recebe uma jóia, como é que se informa quanto ao autor dela?
-Pela marca do ourives.
O empregado sorriu e acrescentou:
- Quando ouve passos de animais, ao redor da tenda, como sabe, se foi um carneiro, um cavalo
ou um boi?
- Pelos rastros -- respondeu o chefe, surpreendido.
Então,o velho crente convidou-o para ir fora da barraca e, mostrando-lhe o céu, onde a Lua
brilhava, cercada por multidões de estrelas, exclamou, respeitoso:
- Senhor, aqueles sinais, lá em cima, não podem ser dos homens!
Nesse momento, o orgulhoso caravaneiro, de olhos lacrimosos, ajoelhou-se na areia e começou a
orar também.

Quem perde a fé no futuro


Vive de sonhos plebeus...
A própria flor no monturo
Lembra o sorriso de Deus.
Soares Bulção

A propaganda do bem
Deve alcançar apogeus.
O Sol brilhando no céu
É propaganda de Deus.
Jovino Guedes

Quando quiseres indagar acerca dos mistérios do Céu, sonda o segredo divino que palpita na flor.
Mariano José Pereira da Fonseca

9 - Da Fé
A Salvação Inesperada
Meimei
Num país europeu, certa tarde, muito chuvosa, um maquinista, cheio de fé em Deus, começando
a acionar a locomotiva com o trem repleto de passageiros para a longa viagem, fixou o céu
escuro e repetiu, com muito sentimento, a oração dominical.
O comboio percorrei léguas e léguas, dentro das trevas densas, quando, alta noite, ele viu, à luz
do farol aceso, alguns sinais que lhe pareceram feitos pela sombra de dois braços angustiados a
lhe pedirem atenção e socorro.
Emocionado, fez o trem parar, de repente, e, seguido de muitos viajantes, correu pelos trilhos de
ferro, procurando verificar se estavam ameaçados de algum perigo.
Depois de alguns passos, foram surpreendidos por gigantesca inundação que, invadindo a terra
com violência, destruíra a ponte que o comboio deveria atravessar.
O trem fora salvo, milagrosamente.
Tomados de infinita alegria, o maquinista e os viajores procuraram a pessoa que lhes fornecera o
aviso salvador, mas ninguém aparecia. Intrigados, continuaram na busca, quando encontraram no

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chão um grande morcego agonizante. O enorme voador batera as asas, à frente do farol, em
forma de dois braços agitados e caíra sob as engrenagens. O maquinista retirou-o com cuidado e
carinho, mostrou-o aos passageiros assombrados e contou como orara, ardentemente, invocando
a proteção de Deus, antes de partir. E, ali mesmo, ajoelhou-se, ante o morcego que acabava de
morrer, exclamando em alta voz:
- Pai Nosso, que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu reino, seja feita a
tua vontade, assim na Terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje perdoa as nossa
dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores, não nos deixes cair em tentação e livra-
nos do mal, porque teu é o reino, o poder e glória para sempre. Assim seja.
Quando acabou de orar, grande quietude reinava na paisagem.
Todos os passageiros, crentes e descrentes, estavam também ajoelhados, repetindo a prece com
amoroso respeito. Alguns choravam de emoção e reconhecimento, agradecendo ao Pai Celestial,
que lhes salvara a vida, por intermédio de um animal que infunde tanto pavor às criaturas
humanas. E até a chuva parara de cair, como se o céu silencioso estivesse igualmente
acompanhando a sublime oração.

Nunca te percas da fé,


Mesmo largado sozinho.
Quem se desvia de Deus
Não acha o próprio caminho.
Artur Candal

Deus tinge de verde a erva,


Mostrando um toda a extensão
Que nunca falta esperança
Para os caídos no chão!...
Alfredo Souza

A oração é a nossa escada de intercâmbio com o céu.


João Bosco

10 - Da Gentileza
O Poder Da Gentileza
Neio Lúcio
Eminente professor negro, interessado em fundar uma escola num bairro pobre, onde centenas de
crianças desamparadas cresciam sem o benefício das letras, foi recebido pelo prefeito da cidade
que lhe disse imperativamente, depois de ouvir-lhe o plano:
- A lei e a bondade nem sempre podem estar juntas. Organize uma casa e autorizaremos a
providência.
- Mas doutor, não dispomos de recursos... – considerou o benfeitor dos meninos desprotegidos.
- Que fazer?
- De qualquer modo, cabe-nos amparar os pequenos analfabetos.
O prefeito reparou-lhe demoradamente a figura humilde, fez um riso escarninho e acrescentou:
- O senhor não pode intervir na administração.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 14

O professor muito triste, retirou-se e passou a tarde e a noite daquele sábado, pensando,
pensando...
Domingo, muito cedo saiu a passear, sob as grandes árvores, na direção de antigo mercado.
Ia comentando, na oração silenciosa:
- Meu Deus como agir? Não receberemos um pouso para as criancinhas, Senhor?
Absorvido na meditação, atingiu o mercado e entrou.
O movimento era enorme.
Muitas compras. Muita gente.
Certa senhora, de apresentação distinta, aproximou-se dele e tomando-o por servidor vulgar, de
mãos desocupadas e cabeça vazia, exclamou:
- Meu velho, venha cá.
O professor acompanhou-a sem vacilar.
À frente dum saco enorme, em que se amontoavam mais de trinta quilos de verdura, a matrona
recomendou:
- Traga-me esta encomenda.
Colocou ele o fardo às costas e seguiu-a.
Caminharam seguramente uns quinhentos metros e penetraram elegante vivenda, onde a senhora
voltou a solicitar:
- Tenho visitas hoje. Poderá ajudar-me no serviço geral?
- Perfeitamente – respondeu o interpelado -, dê suas ordens.
Ela indicou pequeno pátio e determinou-lhe a preparação de meio metro de lenha para o fogão.
Empunhando o machado, o educador, com esforço, rachou algumas toras. Findo o serviço, foi
chamado para retificar a chaminé. Consertou-a com sacrifício da própria roupa. Sujo de pó
escuro, da cabeça aos pés, recebeu ordens de buscar um peru assado, a distância de dois
quilômetros. Pôs-se a caminho, trazendo o grande prato em pouco tempo. Logo mais, atirou-se à
limpeza de extenso recinto em que se efetuaria lauto almoço.
Nas primeiras horas da tarde, sete pessoas davam entrada no fidalgo domicílio. Entre elas,
relacionava-se o prefeito que anotou a presença do visitante da véspera, apresentando ao seu
gabinete por autoridades respeitáveis. Reservadamente, indagou sua irmã, que era a dona da
casa, quanto ao novo conhecimento, conversando ambos na surdina.
Ao fim do dia, a matrona distinta e autoritária, com visível desapontamento, veio ao servo
improvisado e pediu o preço dos trabalhos.
- Não pense nisto – respondeu com sinceridade -, tive muito prazer em ser-lhe útil.
No dia imediato, contudo, a dama da véspera procurou-o, na sua casa modesta em que se
hospedava e, depois de rogar-lhe desculpas, anunciou-lhe a concessão de amplo edifício,
destinado à escola que pretendia estabelecer. As crianças usariam o patrimônio à vontade e o
prefeito autorizaria a providência com satisfação.
Deixando transparecer nos olhos úmidos a alegria e o reconhecimento que lhe reinavam na alma,
o professor agradeceu e beijou-lhe as mãos, respeitoso.
A bondade dele vencera os impedimentos legais.
O exemplo é mais vigoroso que a argumentação.
A gentileza está revestida, em toda parte, de glorioso poder.

Se pretendes o caminho
Da vida que afeiçoa,
Trabalha , incessantemente,

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 15

Aprende, serve e perdoa.


Casimiro Cunha

A vida se classifica
Por essa base singela:
Quanto mais útil, mais rica,
Quanto mais simples, mais bela.
Marcelo Gama

Sua generosidade chamará a bondade alheia em seu socorro.


André Luiz

11 - Da Humildade
O Burro de Carga
Neio Lúcio
No tempo em que não havia automóveis, na cocheira de famoso palácio real um burro de carga
curtia imensa amargura, em vista das pilhérias e remoques dos companheiros de apartamento.
Reparando-lhe o pelo maltratado, as fundas cicatrizes do lombo e a cabeça tristonha e humilde,
aproximou-se formoso cavalo árabe, que se fizera detentor de muitos prêmios, e disse,
orgulhoso:
- Triste sina a que recebeste! Não Invejas minha posição nas corridas? Sou acariciado por mãos
de princesas e elogiado pela palavra dos reis!
- Pudera! - exclamou um potro de fina origem inglesa - como conseguirá um burro entender o
brilho das apostas e o gosto da caça?
O infortunado animal recebia os sarcasmos, resignadamente.
Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou no assunto e comentou:
- Há dez anos, quando me ausentei de pastagem vizinha, vi este miserável sofrendo rudemente
nas mãos de bruto amansador. É tão covarde que não chegava a reagir, nem mesmo com um
coice. Não nasceu senão para carga e pancadas. É vergonhoso suportar-lhe a companhia.
Nisto, admirável jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentuou sem piedade:
- Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É animal desonrado, fraco, inútil... Não
sabe viver senão sob pesadas disciplinas. Ignora o aprumo da dignidade pessoal e desconhece o
amor-próprio. Aceito os deveres que me competem até o justo limite; mas, se me constrangem a
ultrapassar as obrigações, recuso-me à obediência, pinoteio e sou capaz de matar.
As observações insultuosas não haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em
companhia do chefe das cavalariças.
- Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade - informou o monarca -, animal
dócil e educado, que mereça absoluta confiança.
O empregado perguntou:
Não prefere o árabe, Majestade?
- Não, não - falou o soberano -, é muito altivo e só serve para corridas em festejos oficiais sem
maior importância.
- Não quer o potro inglês?
- De modo algum. E’ muito irrequieto e não vai além das extravagâncias da caça.
- Não deseja o húngaro?

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 16

- Não, não. É bravio, sem qualquer educação. É apenas um pastor de rebanho.


- O jumento serviria? - insistiu o servidor atencioso.
- De maneira nenhum. É manhoso e não merece confiança.
Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou:
- Onde está o meu burro de carga?
O chefe das cocheiras indicou-o, entre os demais.
O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo com as armas
resplandecentes de sua Casa e confiou-lhe o filho, ainda criança, para longa viagem.
Assim também acontece na vida. Em todas as ocasiões, temos sempre grande número de amigos,
de conhecidos e companheiros, mas somente nos prestam serviços de utilidade real aqueles que
já aprenderam a suportar, servir e sofrer, sem cogitar de si mesmos.

Abriga-te na humildade,
Não busque mundana estima.
O ouro afunda no mar,
A palha fica por cima.
Regueira Costa

Nunca vejas no vizinho


Defeitos fraquezas, taras...
A ostra mora no lodo
Criando pérolas raras.
Sabino Batista

Quem não deseja suportar, é incapaz de servir.


André Luiz

12 - Da Influência Do Bem
O Poder do Bem
Irmão X
Armando Pires efetuava os últimos arranjos no carro, para conduzir seu amigo Jorge Bretãs à
estância de repouso que distava quarenta quilômetros.
Nesse justo momento, o diálogo entre eles, em torno da lei de causa e efeito, se detinha em
curioso ápice.
- Mas você não acredita mesmo que a justiça possa ser modificada pela misericórdia?
- Não.
- Acaso, não admite que o destino, assim como é reparável a toda hora, é suscetível de ser
renovado todos os dias?
- Não.
- Não crê que as ações do amor desfazem as cadeias do ódio?
- Não.
- Você não aceita a possibilidade de transformar os problemas de alguém que chora, dando a esse
alguém uma parcela de alegria ou de esperança?
- Não.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 17

- Não reconhece você que se um irmão em prova é intimado pelas leis do Universo ao
sofrimento, para ressarcir as faltas que haja cometido em outras existências, nós, igualmente,
somos levados a conhecer-lhe a dor, pelas mesmas Leis Divinas, de maneira a prestar-lhe o
auxílio possível, em resgate das nossas?
- Não.
- Não tem você por certo o princípio de que o bem dissolve o mal, assim como o reequilíbrio
extingue a perturbação? não concorda que um ato nobre redundará sempre na justiça, em favor
de quem o pratica?
- Não.
- Porquê?
- Porque a justiça deve ser a justiça e cada qual de nós pagará pelos próprios erros.
- Céus! Mas você não aceita a idéia de que migalhas de amor são capazes de funcionar em lugar
da dor, ante os Foros Celestes, assim como as pequenas prestações, na base da equidade e
diligencia, podem evitar que uma dívida venha a ser cobrada pela força de um tribunal?
- Não.
Em seguida, os dois se aboletaram no automóvel e o carro chispou.
Tarde chuvosa, cinzenta...
Alguns quilômetros, para além da arrancada, um buraco no asfalto, sobre alta rampa, e forte
sacudidela agitou os viajores.
Bretãs lembrou, assustado:
Lance perigoso! Convém parar... Tapemos o buraco ou coloquemos aqui algum sinal de alarme,
pelo menos alguns ramos de arvoredo que advirtam quem passe...
- Nada disso! – protestou Armando, decidido – a obrigação é da turma de conserva... Os outros
motoristas que se danem. Não somos empregados de ninguém.
Atingidos o local de destino, Bretãs recolheu-se ao hotel, agradecendo o obséquio, e Armando
regressou pelo mesmo caminho.
Entretanto, justamente no ponto da rodovia onde o amigo desejara auxiliar outros motoristas com
socorro oportuno, Pires, em grande velocidade, dentro da noite, encontrou a cova profundamente
alargada pelo aguaceiro e o carro capotou, de modo espetacular, projetando-se barranco abaixo...
Depois do acidente, em companhia de alguns amigos fui visitá-lo num hospital de emergência...
Achamo-lo de rosto enfaixado, sob a atenciosa assistência de abnegado ortopedista, que lhe
engessava a perna esquerda em frangalhos.
Pires não falava, mas pensava... E pensava exatamente nos delicados meandros da lei de causa e
efeito, chegando à conclusão de que o mal não precisa ser resgatado pelo mal, onde o bem chega
antes...

Felicidade aparece
Por dois modos naturais:
Palavra que pode muito,
Serviço que pode mais.
Benedito Candelária Irmão

O tempo não volta atrás,


Dia passado correu;
Tempo é aquilo que se faz
Do tempo que Deus nos deu.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 18

Leonel Coelho

Enquanto esperas pelo Céu, não olvides que também a Terra vive esperando por ti.
Mariano José Pereira da Fonseca

13 - Da Justiça
Verdugo Vítima
Irmão X
O rio transbordava.
Aqui e ali, na crista espumosa da corrente pesada, boiavam animais mortos os deslizavam toras e
ramarias.
Vazantes em torno davam expansão ao crescente lençol de massa barrenta.
Famílias inteiras abandonavam casebres, sob a chuva, carregando aves espantadiças, quando não
estivessem puxando algum cavalo magro.
Quirino, o jovem barqueiro, que vinte e seis anos de sol no sertão haviam enrijado de todo,
ruminava plano sinistro.
Não longe, em casinhola fortificada, vivia Licurgo, conhecido usurário das redondezas.
Todos o sabiam proprietário de pequena fortuna a que montava guarda, vigilante.
Ninguém, no entanto, poderia avaliar-lhe a extensão, porque, sozinho, envelhecera e, sozinho,
atendia às próprias necessidades.
- “O velho – dizia Quirino de si para consigo – será atingido na certa. É a primeira vez que surge
uma cheia como esta. Agarrado aos próprios haveres, será levado de roldão... E se as águas
devem acabar com tudo, por que não me beneficiar? O homem já passou dos setenta... Morrerá a
qualquer hora. Se não for hoje, será amanhã, depois de amanhã... E o dinheiro guardado? Não
poderia servir para mim, que estou moço e com pleno direito ao futuro?...”
O aguaceiro caia sempre, na tarde fria.
O rapaz, hesitante, bateu à porta da choupana molhada.
- “Seu” Licurgo! “Seu” Licurgo!
E, ante o rosto assombrado do velhinho que assomara à janela, informou:
- Se o senhor não quer morrer, não demore. Mais um pouco de tempo e as águas chegarão. Todos
os vizinhos já se foram...
- Não, não... – resmungou o proprietário -, moro aqui há muitos anos. Tenho confiança em Deus
e no rio... Não sairei.
- Venho fazer-lhe um favor...
- Agradeço, mas não sairei.
Tomado de criminoso impulso, o barqueiro empurrou a porta mal fechada e avançou sobre o
velho, que procurou em vão reagir.
- Não me mate, assassino!
A voz rouquenha, contudo, silenciou nos dedos robustos do jovem.
Quirino largou para um lado o corpo amolecido, como traste inútil, arrebatou pequeno molho de
chaves do grande cinto e, em seguida, varejou todos os escaninhos...
Gavetas abertas mostravam cédulas mofadas, moedas antigas e diamantes, sobretudo diamantes.
Enceguecido de ambição, o moço recolhe quanto acha.
A noite chuvosa descera completa...

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 19

Quirino toma os despojos da vítima num cobertor e, em minutos breves, o cadáver mergulha no
rio.
Após, volta à casa despovoada, recompõe o ambiente e afasta-se, enfim, carregando a fortuna.
Passado algum tempo, o homicida não vê que uma sombra se lhe esgueira à retaguarda.
É o Espírito de Licurgo, que acompanha o tesouro.
Pressionado pelo remorso, o barqueiro abandona a região e instala-se em grande cidade, com
pequena casa comercial, e casa-se, procurando esquecer o próprio arrependimento, mas recebe o
velho Licurgo, reencarnado, por seu primeiro filho...

Se queres viver contente


No doce clima da paz,
Nunca dês um passo à frente,
Deixando culpas atrás.
Souza Lobo

Se queres felicidade
No campo que te rodeia,
Nunca entreteças teu ninho
Em galho de dor alheia,
Fócion Caldas

O dever possui as benções da confiança, mas a dívida tem os fantasmas da cobrança.


André Luiz

14 - Da Maledicência
A Meada
Irmão X
- A conversação entre as duas jovens senhoras se desenvolvia no ônibus.
- Você não pode imaginar o meu amor por ele...
- Não posso concordar com você.
- Decerto que não me entende.
- Mas, Dulce, você chega a querer o Dionísio, tanto quanto ao marido?
- Não tanto, mas não consigo passar sem os dois.
- Meu Deus! Isso é coisa de casal sem filhos!...
- É possível...
- Você não acha isso estranho, inadmissível?
- Acho natural.
- Noto você demasiadamente apegada, não é justo...
- Sei que você não me compreende...
- Simplesmente não concordo.
- Mas Dionísio...
- Isso é uma psicose...
Dona Dulce e a amiga, no entanto, ignoravam que Dona Lequinha, vizinha de ambas, sentara-se
perto e estava de ouvido atento, sem perder palavra.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 20

De parada em parada. Cada uma volveu ao lar suburbano, mas Dona Lequinha, ao chegar em
casa, começou a fantasiar... Bem que notara Dona Dulce acompanhada por um moço ao tomar o
elétrico, aliás, pessoa de cativante presença. Recordava-lhe as palavras derradeiras: “vá tranqüila,
amanhã telefonarei...”
Cabeça quente, vasculhando novidades no ar, aguardou o esposo, colega de serviço do marido de
Dona Dulce, e tão logo à mesa, a sós com ele para o jantar, surgiu novo diálogo:
- Você não imagina o que vi hoje...
- Diga, mulher...
- Dona Dulce, calcule você!... Dona Dulce, que sempre nos pareceu uma santa, está de
aventuras...
- O quê?!...
- Vi com meus olhos... Um rapagão a seguia mostrando gestos de apaixonado e, por fim, no
ônibus, ela própria se confessou a Dona Cecília... Chegou a dizer que não consegue viver sem o
marido e sem o outro... Uma calamidade!...
- Ah! Mas isso não fica assim, não! Júlio é meu colega e Júlio vai saber!...
A conversa transitou através de comentários escusos e, no dia imediato, pela manhã, na oficina, o
amigo ouve do amigo o desabafo em tom sigiloso:

- Júlio, você me entende... Somos companheiros e não posso enganá-lo... O que vou dizer
representa um sacrifício para mim, mas falo para seu bem... Seu nome é limpo demais para ser
desrespeitado, como estou vendo... Não posso ficar calado por mais tempo... Sua mulher...
E o esposo escutou a denúncia, longamente cochichada, qual se lhe enterrassem afiada lâmina no
peito.
Agradeceu, pálido...
Em seguida, pediu licença ao chefe para ir a casa, alegando um pretexto qualquer. No fundo,
porém, ansiava por um entendimento com a esposa, aconselhá-la, saber o que havia de certo.
Deixou o serviço, no rumo do lar e, aí chegando, penetrou a sala, agoniado...
Estacou, de improviso.
A companheira falava, despreocupadamente, ao telefone, no quarto de dormir: “Ah! Sim!...”,
“Não há problema”, “Hoje mesmo”. “Às três horas”... “Meu marido não pode saber...”.
Júlio retrocedeu, à maneira de cão espantado. Sob enorme excitação, tornou à rua. Logo após,
notificou na oficina que se achava doente e pretendia medicar-se. Retornou a casa e tentou o
almoço, em companhia da mulher que, em vão, procurou fazê-lo sorrir.
Acabrunhado, voltou a perambular pelas vias públicas e, poucos minutos depois das três da
tarde, entrou sutilmente no lar... Aflito, mentalmente descontrolado, entreabriu devagarinho a
porta do quarto e viu, agora positivamente aterrado, um rapaz em mangas de camisa, a inclinar-
se sobre o seu próprio leito. De imaginação envenenada, concebeu a pior interpretação...
O pobre operário recusou em delírio e, à noite, foi encontrado morto num pequeno galpão dos
fundos. Enforcara-se em desespero...
Só então, ao choro de Dona Dulce, o mexerico foi destrinçado.
Dionísio era apenas o belo gatinho angorá que a desolada senhora criava com estimação imensa;
o moço que a seguira até o ônibus era o veterinário, a cujos cuidados profissionais confiara ela o
animal doente; o telefonema era baseado na encomenda que Dona Dulce fizera de um colchão de
molas, ao gosto moderno, para uma afetuosa surpresa ao marido, e o rapaz que se achava no
aposento íntimo do casal era, nem mais nem menos, o empregado da casa de móveis que viera
ajustar o colchão referido ao leito de grandes proporções.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 21

A tragédia, porém, estava consumada e Dona Lequinha, diante do suicida exposto à visitação,
comentou, baixinho, para a amiga de lado:
- Que homem precipitado!... Morrer por uma bobagem! A gente fala certas coisas, só por falar!...

Do mal que se pensa e diz,


Cala as notícias que levas.
Conversação infeliz
É pasto à força das trevas.
Lulu Parola

Olhar de alguém, quando é bom,


Além da sombra se apruma,
Vê serviço em qualquer parte,
Não vê mal em parte alguma.
Augusto de Oliveira

Não basta que sua boca esteja perfumada.É imprescindível que permaneça incapaz de ferir.
André Luiz

15 - Da Ociosidade
Lenda Simbólica
Irmão X
Existe no folclore de várias nações do mundo antiga lenda que exprime comumente a verdade de
nossa vida.
Certo homem que pervagava, infeliz, padecendo intempérie e solidão, encontrou valiosa pedra
em que se refugiou, encantado.
A maneira de concha em posição vertical, o minúsculo penhasco protegia-o contra as bagas de
chuva, ofertando-lhe, ao mesmo tempo, o colo rijo sobre o qual vasta porção de folhas secas lhe
propiciava adequado ninho.
O atormentado viajor agarrou-se, contente, a semelhante habitação e, longe de consagrar-se ao
trabalho honesto para renová-la e engrandecê-la, confiou-se à pedintaria.
Além, jornadeavam companheiros de Humanidade em provações mais aflitivas que as dele,
contudo, acreditava-se o mais infortunado de todos os seres e preferia examiná-los através da
inveja e da irritação.
Adiante, sorria a gleba luxuriosa, convidando-o à sementeira produtiva, no entanto, ocultava as
mãos nos andrajos que lhe cobriam a pele, alongando-as simplesmente para esmolar.
Na imensidão do céu, cada manhã, surgia o Sol, como glorioso ministro da Luz Divina,
exortando-o ao labor digno, mas o desditoso admitia-se incapacitado e enfermo de tal sorte, que
não se atrevia a deixar a pedra protetora.
Ouvia de lábios benevolentes incessantes apelos à própria renovação, a fim de exercitar-se na
prática do bem, a favor de si mesmo, mas, extremamente cristalizado na ociosidade e no
desalento, replicava com evasivas, definindo-se como sofredor irremediável, vomitando queixas
ou disparando condenações.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 22

Não podia trabalhar por faltarem-lhe recursos, não estudava por fugir-lhe o dinheiro, não ajudava
de modo algum a ninguém por ser pobre até à miserabilidade completa, dizia entre sucessivas
lamentações.
Rogava pão, suplicava remédio, mendigava socorro de todo gênero, acusando o destino e
insultando o próximo. . .
Por mais de meio século demorou-se na pedra muda e hospitaleira, até que a morte lhe visitou os
farrapos, arrebatando-o da carne às surpresas do seu reino.
Foi então que mãos operosas removeram o enorme calhau para que a higiene retornasse à
paisagem, encontrando sob a pequena rocha granítica um imenso tesouro de moedas e jóias,
suscetível de assegurar a evolução e o conforto de grande comunidade.
O devoto da inércia experimentara desolação e necessidade, por toda a existência, sobre um leito
de inimaginável riqueza.
Assim somos quase todos nós, durante a reencarnação. .
Almas famintas de progresso e acrisolamento, colamo-nos ao grabato físico para a aquisição de
conhecimento e virtude, experiência e sublimação, mas, muito longe de entender a nossa divina
oportunidade, desertamos da luta e viajamos no mundo à feição de mendigos caprichosos e
descontentes, albergando amarguras e lágrimas, no culto disfarçado da rebeldia.
E, olvidando nossos braços que podem agir para o bem, estendemo-los não para dar e sim para
recolher, pedindo, suplicando, retendo, reclamando e exigindo, até que chega o momento em que
a morte nos faz conhecer o tesouro que desprezamos.

Se a lenda que repetimos pode merecer-te atenção, aproveita o aconchego do corpo a que te
acolhes, entregando-te à construção do bem por amor ao bem, na certeza de que a tua passagem
na Terra vale por generosa bolsa de estudo, e de que amanhã regressarás para o ajuste de contas
em tua esfera de origem.

Deus é Pai, mas, em verdade,


No amor de Pai que não muda,
Se garante vida a todos,
Só ajuda a quem ajuda.
Ormando Candelária
Não é a erva daninha
Que mata o grão promissor,
Mas a triste negligência que mora no lavrador.
Casimiro cunha
A enxada por muitos anos viveu feliz, honrada pelos trabalhadores que a manejavam, mas sentiu-
se cansada e aposentou-se num canto: surpreendeu-a, então, a ferrugem,que a devorou em
poucos meses.
Mariano José Pereira da Fonseca


Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 23

16 - Da Reencarnação
No Reino das Borboletas
Irmão X
À beira de um charco, formosa borboleta, fulgurando ao crepúsculo, pousou sobre um ninho de
larvas e falou para as pequeninas lagartas, atônitas:
- Não temais! Sou eu... uma vossa irmã de raça!... Venho para comunicar-vos esperança.
Nem sempre permanecereis coladas à erva do pântano! Tende calma, fortaleza, paciência!...
Esforçai-vos por sucumbir aos golpes da ventania que, de quando em quando, varre a paisagem.
Esperai! Depois do sono que vos aguarda, acordareis com asas de puro arminho, refletindo o
esplender solar... Então, não mais vos arrastareis, presas ao solo úmido e triste. Adquirireis
preciosa visão da vida! Subireis muito alto e vosso alimento será o néctar das flores... Viajareis
deslumbradas, contemplando o mundo, sob novo prisma!... Observareis o sapo que nos persegue,
castigado pela serpente que o destrói, e vereis a serpente que fascina o sapo, fustigada pelas
armas do homem!...
Enquanto a mensageira se entregava à ligeira pausa de repouso, ouviam-se exclamações
admirativas:
- Ah! não posso crer no que vejo!
- Que misteriosa e bela criatura!...
- Será uma fada milagrosa?
- Nada possui de comum conosco...
Irradiando o suave aroma do jardim em que se demorava, a linda visitante sorriu e continuou:
- Não vos confieis à incredulidade! Não sou uma fada celeste! Minhas asas são parte
integrante da nova forma que a Natureza nos reserva. Ontem vivia convosco; amanhã, vivereis
comigo! Equilibrar-vos-eis no imenso espaço, desferindo vôos sublimes à plena luz! Libertadas
do chavascal, elevar-vos-eis, felizes! Libertadas do chavascal, elevar-vos-eis, felizes!
Conhecereis a beleza das copas floridas e o saboroso licor das pétalas perfumadas, a delícia da
altura e a largueza do firmamento!...
Logo após, lançando carinhoso olhar à família alvoroçada, distendeu o corpo colorido e,
voltando, graciosa, desapareceu.
Nisso chega ao ninho a lagarta mais velha do grupo, que andava ausente, e, ouvindo as
entusiásticas referências das companheiras mais jovens, ordenou, irritada:
- Calem-se e escutem! Tudo isso é insensatez... Mentiras, divagações... Fujamos aos sonhos e aos
desvarios. Nunca teremos asas. Ninguém deve filosofar... Somos lagartas, nada mais que
lagartas. Sejamos práticas, no imediatismo da própria vida. Esqueçam-se de pretensos seres
alados que não existem. Desçam do delírio da imaginação para as realidades do ventre!
Abandonaremos este lugar, amanhã. Encontrei a horta que procurávamos... Será nossa
propriedade. Nossa fortuna está no pé de couve que passaremos a habitar. Devorar-lhe-emos
todas as folhas... Precisamos simplesmente comer, porque, depois, será o sono, a morte e o
nada... nada mais...
Calaram-se as larvas, desencantadas.
Caiu a noite e, em meio à sombra, a lagarta-chefe adormeceu, sem despertar no outro dia.
Estava ela completamente imóvel.
As irmãs, preocupadas, observavam curiosas o fenômeno e puseram-se na expectativa.
Findo algum tempo, com infinito assombro, repararam que a orgulhosa e descrente
orientadora se metamorfoseara numa veludosa falena, voejante e leve...

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 24

Não guardes antipatia


Paz é luz na vida sã.
Inimigo de hoje em dia
Parente nosso amanhã.
Álvaro Martins
Por lei celeste possuis
Aquilo em que te desdobras;
Cada pessoa na vida
Descende das próprias obras
Chiquito de Morais
Não se queixe em circunstância alguma.
Lembre-se de que a vida e o tempo são concessões de Deus diretamente a você, e, acima de
qualquer angustia ou provação,
a vida e o tempo responderão a você com a benção da luz ou com a experiência da sombra, como
você quiser.
André Luiz

17 - Da Renúncia
A Única Dádiva
Irmão X
Consta-se que Simão Pedro estava cansado, depois de vinte dias junto do povo.
Banhara ferimentos, alimentara mulheres e crianças esquálidas, e, em vez de receber a aprovação
do povo, recolhia insultos velados, aqui e ali...
Após três semanas consecutivas de luta, fatigara-se e preferira isolar-se entre alcaparreiras
amigas.
Por isso mesmo, no crepúsculo anilado, estava, ele só, diante das águas, a refletir...
Aproxima-se alguém, contudo...
Por mais busque esconder-se, sente-se procurado.
É o próprio Cristo.
- Que fazeis, Pedro? – diz-lhe o Senhor.
- Penso, Mestre.
E o diálogo prolongou-se.
- Estás triste?
- Muito triste.
- Por quê?
- Chamam-me ladrão.
- Mas se a consciência te não acusa, que tem isso?
- Sinto-me desditoso: Em nome do amor que me ensinas, alivio os enfermos e ajudo aos
necessitados. Entretanto, injuriam-me. Dizem por aí que furto, que exploro a confiança do
povo... Ainda ontem, distribuía os velhos mantos que nos foram cedidos pela casa de Carpo,
entre os doentes chegados de Jope. Alegou alguém, inconsideradamente, que surrupiei a maior
parte. Estou exausto, Mestre. Vinte dias de multidão pesam muito mais que vinte anos de serviço
na barca.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 25

- Pedro, que deste aos necessitados nestes últimos vintes dias?


- Moedas, túnicas, mantos, ungüentos, trigo, peixe...
- De onde chegaram as moedas?
- Das mãos de Joana, a mulher de Cusa.
- As "túnicas"?
- Da casa de Zobalan, o curtidor.
- Os mantos?
- Da residência de Carpo, o romano que decidiu amparar-nos.
- Os ungüentos?
- Do lar de Zebebeu, que os fabrica.
- O trigo?
- Da seara de Zaqueu, que se lembra de nós.
- E os peixes?
- Da nossa pesca.
- Então, Pedro?
- Que devo entender, Senhor?
- Que apenas entregamos aquilo que nos foi ofertado para distribuirmos, em favor dos que
necessitam. A Divina Bondade conjuga as circunstâncias e confia-nos de um modo ou de outro
os elementos que devamos movimentar nas obras do bem... Disseste servir em nome do amor...
- Sim, Mestre...
- Recorda, então, que o amor não relaciona calúnias, nem conta sarcasmos.
O discípulo, entremostrando súbita renovação mental, não respondeu.
Jesus abraçou-o e disse:
- Pedro, todos os bens da vida podem ser transmitidos de sítio a sítio e de mão em mão...
Ninguém pode dar, em essência, esse ou aquele patrimônio do mundo, senão o próprio Criador,
que nos empresta os recursos por Ele gerados na Criação... E, se algo podemos dar de nós, o
amor é a única dádiva que podemos fazer, sofrendo e renunciando por amor...
O apóstolo compreendeu e beijou as mãos que o tocavam de leve.
Em seguida, puseram-se ambos a falar alegremente sobre as tarefas esperadas para o dia
seguinte.

Um gesto de caridade,
Na dor de momento incerto,
Recorda a bênção do orvalho
amenizando o deserto.
Eugênio Rubião
O ponto alto do amor
Em tudo se mostra nisso:
Entendimento e bondade
Com tradução em serviço.
Álvaro Novaes
Benfeitor – é o que ajuda e passa.
Amigo – é o que ampara em silêncio.
André Luiz

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos
Idéias e Ilustrações 26

18 - Da Tolerância
Mesmo Ferido
Hilário Silva
O rapaz fora rudemente esbofeteado num baile. Em sã consciência, não sentia culpa alguma.
Nada fizera que pudesse ofender. Por mera desconfiança, o agressor esmurrara-lhe o rosto.
“Covarde, covarde” – haviam dito os circunstantes. Ele, porém, limpando a face sanguinolenta,
compreendeu que, desarmado, não seria prudente medir forças. Jurara, porém, vingar-se. E,
agora, munido de um revólver, aguardava ocasião. Um amigo, no entanto, percebendo-lhe a alma
sombria, instou muito e conduziu-o a uma reunião da Doutrina Espírita.
Desinteressado, ouviu preces e pregações, comentários e apontamentos edificantes.
Ao término da sessão, porém, um amigo espiritual, pela mão de um dos médiuns presentes,
escreveu bela página sobre o perdão, na qual surgiam afirmações como estas:
- A justiça real vem de Deus.
- Ninguém precisa vingar-se.
- Mesmo ferido, serve e perdoa.
- A corrigenda do ofensor pode ser amanhã.
O jovem ouviu atentamente e saiu pensando, pensando...
Na manhã seguinte, topou, face a face, o desafeto, mas recordou a lição e conteve-se. Por uma
semana se repetiu o reencontro, e, por sete vezes, freou-se prudentemente.
Dias depois, porém, retornado ao trabalho, encontra um enterro e descobre-se. Só então vem a
saber que o grande esmurrador, aquele que o ferira, morrera na véspera, picado por escorpião.

No caminho para o Céu,


Por lei, em qualquer lugar,
O tempo mais importante
È o tempo de perdoar.
Lobo da Costa
Eis a norma da vingança
De formação garantida:
Desculpar sem condições
A quem nos golpeia a vida.
Augusto de Oliveira
Não estrague o seu dia. Aprenda, com a Sabedoria Divina,
a desculpar infinitamente, construindo e reconstruindo sempre para o Infinito Bem.
André Luiz

19 - Do Amor
A Arma Infalível
Neio Lúcio
Certo dia, um homem revoltado criou um poderoso e longo pensamento de ódio, colocou-o numa
carta rude e malcriada e mandou-o para o chefe da oficina de que fora despedido.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 27

O pensamento foi vazado em forma de ameaças cruéis. E quando o diretor do serviço leu as
frases ingratas que o expressava, acolheu-o, desprevenidamente, no próprio coração, e tornou-se
furioso sem saber por quê. Encontrou, quase de imediato, o subchefe da oficina e, a pretexto de
enxergar uma pequena peça quebrada, desfechou sobre ele a bomba mental que trazia consigo.
Foi a vez do subchefe tornar-se neurastênico, sem dar o motivo. Abrigou a projeção maléfica no
sentimento, permaneceu amuado várias horas e, no instante do almoço, ao invés de alimentar-se,
descarregou na esposa o perigoso dardo intangível. Tão-só por ver um sapato imperfeitamente
engraxado, proferiu dezenas de palavras feias; sentiu-se aliviado e a mulher passou a asilar no
peito a odienta vibração, em forma de cólera inexplicável. Repentinamente transtornada pelo raio
que a ferira e que, até ali, ninguém soubera remover, encaminhou-se para a empregada que se
incumbia do serviço de calçados e desabafou. Com palavras indesejáveis inoculou-lhe no
coração o estilete invisível.
Agora, era uma pobre menina quem detinha o tóxico mental. Não podendo despejá-lo nos pratos
e xícaras ao alcance de suas mãos, em vista do enorme débito em dinheiro que seria compelida a
aceitar, acercou-se de velho cão, dorminhoco e paciente, e transferiu-lhe o veneno imponderável,
num pontapé de largas proporções. O animal ganiu e disparou, tocado pela energia mortífera, e,
para livrar-se desta, mordeu a primeira pessoa na via pública. Era a senhora de um proprietário
vizinho que, ferida na coxa, se enfureceu instantaneamente, possuída pela força maléfica. Em
gritaria desesperada, foi conduzida a certa farmácia; entretanto, deu-se pressa em transferir ao
enfermeiro que a socorria a vibração amaldiçoada. Crivou-o de xingamentos e esbofeteou-lhe o
rosto.
O rapaz muito prestativo, de calmo que era, converteu-se em fera verdadeira. Revidou os golpes
recebidos com observações ásperas e saiu, alucinado, para a residência, onde a velha e devotada
mãezinha o esperava para a refeição da tarde. Chegou e descarregou sobre ela toda a ira de que
era portador.
- Estou farto! – bradou – a senhora é culpada dos aborrecimentos que me perseguem! Não
suporto mais esta vida infeliz! Fuja de minha frente!
Pronunciou nomes terríveis. Blasfemou. Gritou, colérico, qual louco.
A velhinha, porém, longe de agastar-se, tomou-lhe as mãos e disse-lhe com naturalidade e
brandura:
-Venha cá, meu filho! Você está cansado e doente! Sei a extensão de seus sacrifícios por mim e
reconheço que tem razões para lamentar-se. No entanto, tenhamos bom ânimo! Lembremo-nos
de Jesus!... Tudo passa na Terra. Não nos esqueçamos do amor que o Mestre nos legou...
Abraçou-o comovida, e afagou-lhe os cabelos!
O filho demorou-se a contemplar-lhe os olhos serenos e reconheceu que havia no carinho
materno tanto perdão e tanto entendimento que começou a chorar, pedindo-lhe desculpas.
Houve então entre os dois uma explosão de íntimas alegrias. Jantaram felizes e oraram em sinal
de reconhecimento a Deus.
A projeção destrutiva do ódio morrera, afinal, ali, dentro do lar humilde, diante da força infalível
e sublime do amor.
O amor é assim como um sol
De grandeza indefinida,
Que não dorme, nem descansa
No espaço de nossa vida.
Sabino Batista

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Idéias e Ilustrações 28

Palavras que amparam sempre


Sem sombra, vinagre ou lama,
Nascem somente na fonte
Do coração de quem ama.
Ormando Candelária
O amor, sublime impulso de Deus, é a energia que move os mundos.
Tudo cria, tudo transforma, tudo eleva.
Palpita em todas as criaturas.
Alimenta todas as ações.
João de Brito

20 - Do Auxílio Espontâneo
Algo Mais
Meimei
Um crente sincero na Bondade do Céu, desejando aprender como colaborar na construção do
Reino de Deus, pediu, certo dia, ao Senhor a graça de compreender os Propósitos Divinos e saiu
para o campo.
De início, encontrou-se com o Vento que cantava e o Vento lhe disse:
- Deus mandou que eu ajudasse as sementeiras e varresse os caminhos, mas eu gosto também de
cantar, embalando os doentes e as criancinhas.
Em seguida, o devoto surpreendeu uma Flor lhe contou:
- Minha missão é preparar o fruto; entretanto, produzo também o aroma que perfuma até mesmo
os lugares mais impuros.
Logo após, o homem estacou ao pé de grande Árvore, que protegia um poço d’água, cheio de
rãs, e a Árvore lhe falou:
- Confiou-me o Senhor a tarefa de auxiliar o homem; contudo, creio que devo amparar
igualmente as fontes, os pássaros e os animais.
O visitante fixou os feios batráquios e fez um gesto de repulsa, mas Árvore continuou:
- Estas rãs são boas amigas, hoje posso ajudá-las, mas depois serei ajudada por elas, na defesa de
minhas próprias raízes, contra os vermes da destruição e da morte.
O devoto compreendeu o ensinamento e seguiu adiante, atingindo uma grande cerâmica.
Acariciou o Barro que estava sobre a mesa e o Barro lhe disse:
- Meu trabalho é o de garantir o solo firme, mas obedeço ao oleiro e procuro ajudar na residência
do homem, dando forma a tijolos, telhas e vasos.
Então, o devoto regressou ao lar e compreendeu que para servir na edificação do Reino de Deus
é preciso ajudar aos outros, sempre mais, e realizar, cada dia, algo mais do que seja justo fazer.

Os homens fazem os votos


Usando verbo incomum.
Deus prova pelo serviço
O valor de cada um.
Benedito Candelária Irmão
A ventura se concebe

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 29

Só pelo câmbio do bem,


Quanto mais dá mais recebe,
quanto mais serve mais tem.
José Albano
Você deseja oportunidades de crescimento e ascensão na espiritualidade superior, mas,
freqüentemente, foge aos degraus do esforço laborioso e humilde de cada dia, concedidos a você
pela Infinita Bondade,
a título de misericórdia.
André Luiz

21 - Do Culto Cristão No Lar
Jesus Mandou Alguém
Hilário Silva
O culto do Evangelho no lar havia terminado às sete da noite, e João Pires, com a esposa, filhos e
netos, em torno da mesa, esperava o café que a família saboreava depois das orações.
Ana Maria, pequena de sete anos, reclamou:
- Vovô, não sei porque Jesus não vem. Sempre vovô chama por ele nas preces: “Vem Jesus!
Vem Jesus!” e Jesus nunca veio...
O avô riu-se, bondoso, e explicou:
- Filhinha, nós, os espíritas, não podemos pensar assim... O Mestre vive presente conosco em
suas lições. E cada pessoa do caminho, principalmente os mais necessitados, são representantes
dEle, junto de nós... Um doente é uma pessoa que o Senhor nos manda socorrer, um faminto é
alguém que Ele nos recomenda servir...
D. Maria, a dona da casa, nesse momento repartia o café, e, antes que o vovô terminasse, batem à
porta.
Ana Maria e Jorge Lucas, irmão mais crescido, correm para atender.
Daí a instantes, voltam, enquanto o menino grita:
- Ninguém não! É só um mendigo pedindo esmola.
- Que é isso? – exclama a senhora Pires, instintivamente – a estas horas?
Ana Maria, porém, de olhos arregalados, aproxima-se do avô e informa, encantada:
- Vovô, é um homem! Ele está pedindo em nome de Jesus. É preciso abrir a porta. Acho que
Jesus ouviu a nossa conversa e mandou alguém por Ele...
A família comoveu-se.
O chefe da casa acompanhou a netinha e, depois de alguns instantes, voltaram, trazendo o
desconhecido.
Era um velho, aparentando mais de oitenta anos de idade, de roupa em frangalhos e grande barba
ao desalinho, apoiando-se em pobre cajado.
Ante a surpresa de todos, com ar de triunfo, a menina segurou-lhe a mão direita e perguntou:
- O senhor conhece Jesus?
Trêmulo e acanhado, o ancião respondeu:
- Como não, minha filha? Ele morreu na cruz por nós todos!
E Ana Maria para o avô:
- Eu não falei, vovô?

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 30

O grupo entendeu o ensinamento e o recém-chegado foi conduzido à poltrona. Alimentou-se.


Recebeu tudo o que precisava e João Pires anotou-lhe o nome e endereço para visitá-lo no dia
seguinte.
Antes da despedida, a pequena dormiu feliz, e, após abraçar o inesperado visitante, no “até
amanhã”, o chefe de família, enxugando os olhos, falou, sensibilizado:
- Graças a Deus, tivemos hoje um culto mais completo.

Caridade, onde estiveres


Lenindo as dores de alguém,
Onde sirva, onde fales,
Jesus estará também.
Auta de Souza
Vi hoje a felicidade...
Ela sorria a caminho,
Na mãe pobre que encontrava
Um pão para o seu filhinho.
Antônio de Castro
Não basta confiar em Jesus; é necessário que Jesus também possa confiar em você.
Irmão X

22 - Do Desânimo
O Poder das Trevas
Neio Lúcio
Centralizando-se a palestra no estudo das tentações, contou Jesus, sorridente:
— Um valoroso servidor do Pai movimentava-se, galhardamente, em populosa cidade de
pecadores, com tamanho devotamento à fé e à caridade, que os Espíritos do Mal se
impacientaram em contemplando tantã abnegação e desprendimento. Depois de lhe armarem os
mais perigosos laços, sem resultado, enviaram um representante ao Gênio da Trevas, a fim de
ouvi-lo a respeito.
Um companheiro de consciência enegrecida recebeu a incumbência e partiu.
O Grande Adversário escutou o caso, atenciosamente, e recomendou ao Diabo Menor que
apresentasse sugestões.
O subordinado falou, com ênfase:
— Não poderíamos despojá-lo de todos os bens?
— Isto, não — disse o perverso orientador —; para um servo dessa têmpera a perda dos recursos
materiais é libertação. Encontraria, assim, mil meios diferentes para aumentar suas contribuições
à Humanidade.
— Então, castigar-lhe-emos a família, dispersando-a e constrangendo-lhe os filhos a enchê-lo de
opróbrio e ingratidão... — aventou o pequeno perturbador, reticencioso.
O perseguidor maior, no entanto, emitiu gargalhada franca e objetou:
— Não vês que, desse modo, se integraria facilmente com a família total que é a multidão?
O embaixador, desapontado, acentuou:
— Será talvez conveniente lhe flagelemos o corpo; crivá-lo-emos de feridas e aflições.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 31

— Nada disto — acrescentou o gênio satânico —, ele acharia meios de afervorar-se na confiança
e aproveitaria o ensejo para provocar a renovação íntima de muita gente, pelo exercício da
paciência e da serenidade na dor.
— Movimentaremos a calúnia, a suspeita e o ódio gratuito dos outros contra ele! — clamou o
emissário.
— Para quê? — tornou o Espírito das Sombras. — Transformar-se-ia num mártir, redentor de
muitos. Valer-se-ia de toda perseguição para melhor engrandecer-se, diante do Céu.
Exasperado, agora, o demônio menor aduziu:
— Será, enfim, mais aconselhável que o assassinemos sem piedade...
— Que dizes? — redargüiu a Inteligência perversa — A morte ser-lhe-ia a mais doce bênção por
reconduzi-lo às claridades do Paraíso.
E vendo que o aprendiz vencido se calava, humilde, o Adversário Maior fez expressivo
movimento de olhos e aconselhou, loquaz:
— Não sejas tolo. Volta e dize a esse homem que ele é um zero na Criação, que não passa de
mesquinho verme desconhecido...Impõe-lhe o conhecimento da própria pequenez, a fim de que
jamais se engrandeça, e verás...
O enviado regressou satisfeito e pôs em prática o método recebido.
Rodeou o valente servidor com pensamentos de desvalia, acerca de sua pretendida
insignificância e desfechou-lhe perguntas mentais como estas: “como te atreves a admitir algum
valor em tuas obras destinadas ao pó? Não te sentes simples joguete de paixões inferiores da
carne? Não te envergonhas da animalidade que trazes no ser? Que pode um grão de areia perdido
no deserto? Não te reconheces na posição de obscuro fragmento de lama?”
O valoroso colaborador interrompeu as atividades que lhe diziam respeito e, depois de escutar
longamente as perigosas insinuações, olvidou que a oliveira frondosa começa no grelo frágil e
deitou-se, desalentado, no leito do desânimo e da humilhação, para despertar somente na hora em
que a morte lhe descortinava o infinito da vida.
Silenciou Jesus, contemplando a noite calma...
Simão Pedro pronunciou uma prece sentida e os apóstolos, em companhia dos demais, se
despediram, nessa noite, cismarentos e espantadiços.

O homem que se aborrece


Clamando fastio, a esmo,
Encontrou tempo excessivo
Para cuidar se si mesmo.
Casimiro Cunha
Pensamento lapidar
Que não se pode esquecer:
Quem pára de trabalhar
Começa logo a morrer.
Leôncio Correia
Lembre-se de que você mesmo é:
o melhor secretário de sua tarefa,
o mais eficiente propagandista de seus ideais,
a mais clara demonstração de seus princípios,
o mais alto padrão do ensino superior que seu espírito abraça,

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 32

E a mensagem viva das elevadas noções que você transmite aos outros.
André Luiz

23 - Do Medo
O Golpe de Vento
Hilário Silva
Ali, na solidão do quarto de estudo, Joanino Garcia descerrara a grande janela, à procura de ar
fresco.
Repousara minutos breves.
Agora, porém, acreditava ter chegado ao fim.
Julgara haver lido numa obra de clínica médica a própria sentença de morte.
Facilmente sugestionável, há muito vinha dando imenso trabalho ao médico.
E, não obstante espírita convicto, deixava-se levar por impressões.
Em menos de dois anos, sentira-se vitimado por sintomas diversos.
A princípio, dominado por bronquite rebelde, compulsara um livro sobre tuberculose e supusera-
se viveiro dos bacilos de Koch.
Tempo e dinheiro foram gastos em exames e chapas.
Entretanto, mal não acabara de se convencer do contrário, quando, numa noite, ao sentir-se
trêmulo, sob o efeito de determinada droga, começou a estudar a doença de Parkinson e foi nova
luta para que lhe desanuviasse o crânio.
Joanino mostrara-se contente, por alguns dias; entretanto, uma intoxicação alterou-lhe a pele e
ei-lo crente de que fora atacado pela púrpura hemorrágica, obrigando o médico e a família a
difícil trabalho de exoneração mental.
Naquele instante, contudo, via-se derrotado.
Experimentando muita dor, buscara o consultório na antevéspera e o clínico amigo descobrira
uma artrite reumatóide, recomendando cuidados especiais.
No grande sofá, depois de leve refeição, ao sentir pontadas relampagueantes no ombro esquerdo,
tomou o livro de anotações médicas e abriu no capítulo alusivo à moléstia que lhe fora
diagnosticada.
Antes de iniciar a leitura, levantou-se com dificuldade, para um gole d’água, tentando aliviar as
agulhadas nervosas, e não viu que o vento virara as folhas do volume.
Voltando, sobressaltado leu nas primeiras linhas da página:
- “A moléstia assume a forma de dor pungente e agonizante. Geralmente a crise perdura por
segundos e termina com a morte. Sofrimento agudo e invencível. A dor começa no ombro
esquerdo a refletir-se na superfície flexora do braço esquerdo até às pontas dos dedos médios”.
Joanino rendeu-se.
Quis gritar, pedir socorro, mas “a dor agonizante”, ali referida, crescia assustadora.
Pensou na mulher e nos quatro filhinhos.
Suava.
Afligia-se como que sufocado.
Não podendo resistir, por mais tempo, aos próprios pensamentos concentrados na idéia da
desencarnação, rendeu-se à morte.
Despertando, porém, fora do corpo de carne, afogado em preocupações, ao pé dos familiares em
chorosa gritaria, viu o benfeitor espiritual que velava habitualmente por ele.
O amigo abraçou-o emocionado, e falou:

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 33

- É lamentável que você tenha vindo antes do tempo...


- Como assim? – respondeu Garcia, arrasado. – Li os sintomas derradeiros de minha
enfermidade.
- Houve engano – explicou o instrutor – os apontamentos do livro reportavam-se à angina de
peito e não à artrite reumatóide como a sua leitura fez supor. A corrente de ar virou a página do
livro. Você possuía, em verdade, um processo anginoso, mas com catorze anos de sobrevida...
Entretanto, com o peso de sua tensão mental...
Só aí Joanino veio a saber que morrera, de modo prematuro, em razão da sensibilidade excessiva,
ante a leitura alterada por ligeiro golpe de vento.
Marujo domina o mar
Remando contra a maré.
Sem sofrimento na vida, ninguém sabe se tem fé.
Teotônio Freire
Teme apenas a ti mesmo
Na esfera do teu dever.
Quem se amedronta consigo
Nada mais tem a temer.
Casimiro Cunha
Para o homem iluminado a estrada não tem sombras.
Mariano José Pereira da Fonseca

24 - Do Pessimismo
O Santo Desiludido
Neio Lúcio
Inclinara-se a palestra, no lar humilde de Cafarnaum, para os assuntos alusivos à devoção,
quando o Mestre narrou com significativo tom de voz: — Um venerado devoto retirou-se, em
definitivo, para uma gruta isolada, em plena floresta, a pretexto de servir a Deus. Ali vivia, entre
orações e pensamentos que julgava irrepreensíveis, e o povo, crendo tratar-se de um santo
messias, passou a reverenciá-lo com intraduzível respeito. Se alguém pretendia efetuar qualquer
negócio do mundo, dava-se pressa em buscar-lhe o parecer. Fascinado pela alheia consideração,
o crente, estagnado na adoração sem trabalho, supunha dever situar toda gente em seu modo de
ser, com a respeitável desculpa de conquistar o paraíso.
Se um homem ativo e de boa-fé lhe trazia à apreciação algum plano de serviço comercial,
ponderava, escandalizado:
— É um erro. Apague a sede de lucro que lhe ferve nas veias. Isto é ambição criminosa. Venha
orar e esquecer a cobiça.
Se esse ou aquele jovem lhe rogava opinião sobre o casamento, clamava, aflito:
— É disparate. A carne está submetendo o seu espírito. Isto é luxúria. Venha orar e consumir o
pecado.
Quando um ou outro companheiro lhe implorava conselho acerca de algum elevado encargo, na
administração pública, exclamava, compungido:
— É um desastre. Afaste-se da paixão pelo poder. Isto é vaidade e orgulho. Venha orar e vencer
os maus pensamentos.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 34

Surgindo pessoa de bons propósitos, reclamando-lhe a opinião quanto a alguma festa de


fraternidade em projeto, objetava, irritadiço:
— É uma calamidade. O júbilo do povo é desregramento. Fuja à desordem. Venha orar
subtraindo-se à tentação.
E assim, cada consulente, em vista da imensa autoridade que o santo desfrutava, se entristecia de
maneira irremediável e passava a partilhar-lhe os ócios na soledade, em absoluta paralisia da
alma.
O tempo, todavia, que todo transforma, trouxe ao preguiçoso adorador a morte do corpo físico.
Todos os seguidores dele o julgaram arrebatado ao Céu e ele mesmo acreditou que, do sepulcro,
seguiria direto ao paraíso.Com inexcedível assombro, porém, foi conduzido por forças das trevas
a terrível purgatório de assassinos. Em pranto desesperado indagou, à vista de semelhante e
inesperada aflição, dos motivos que lhe haviam sitiado o espírito em tão pavoroso e infernal
torvelinho, sendo esclarecido que, se não fora homicida vulgar na Terra, era ali identificado
como matador da coragem e da esperança em centenas de irmãos em Humanidade.

Silenciou Jesus, mas João, muito admirado, considerou:


— Mestre, jamais poderia supor que a devoção excessiva conduzisse alguém a infortúnio tão
grande!
O Cristo, porém, respondeu, imperturbável:
— Plantemos a crença e a confiança entre os homens, entendendo, entretanto, que cada criatura
tem o caminho que lhe é próprio. A fé sem obras é uma lâmpada apagada. Nunca nos
esqueçamos de que o ato de desanimar os outros, nas santas aventuras do bem, é um dos maiores
pecados diante do Poderoso e Compassivo Senhor.

Artigo da Lei Celeste


Para a vitória do bem:
Não arredes a esperança
Do coração de ninguém.
Oscar Batista
Verdade que nós devemos
Examinar face a face:
- Deus criou coisa alguma
Que um dia desamparasse.
Antônio Castro
Diante do bem, não pronuncies a palavra “impossível”.
Memei

25 - Do Socorro Divino
A Resposta Celeste
Neio Lúcio
Solicitando Bartolomeu esclarecimentos quanto às respostas do Alto às súplicas dos homens,
respondeu Jesus para elucidação geral:

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 35

— Antigo instrutor dos Mandamentos Divinos ia em missão da Verdade Celeste, de uma aldeia
para outra, profundamente distanciadas entre si, fazendo-se acompanhar de um cão amigo,
quando anoiteceu, sem que lhe fosse possível prever o número de milhas que o separavam do
destino.
Notando que a solidão em plena Natureza era medonha, orou, implorando a proteção do Eterno
Pai, e seguiu.
Noite fechada e sem luar, percebeu a existência de larga e confortadora cova, à margem da trilha
em que avançava, e acariciando o animal que o seguia, vigilante, dispôs-se a deitar-se e
dormir.Começou a instalar-se, pacientemente, mas espessa nuvem de moscas vorazes o atacou,
de chofre, obrigando-o a retomar o caminho.
O ancião continuou a jornada, quando se lhe deparou volumoso riacho, num trecho em que a
estrada se bifurcava.Ponte rústica oferecia passagem pela via principal, e, além dela, a terra
parecia sedutora, porque, mesmo envolvida na sombra noturna, semelhava-se a extenso lençol
branco.
O santo pregador pretendia ganhar a outra margem, arrastando o companheiro obediente, quando
a ponte se desligou das bases, estalando e abatendo-se por inteiro.
Sem recursos, agora, para a travessia, o velhinho seguiu pelo outro rumo, e, encontrando robusta
árvore, ramalhosa e acolhedora, pensou em abrigar-se, convenientemente, porque o firmamento
anunciava a tempestade pelos trovões longínquos. O vegetal respeitável oferecia asilo fascinante
e seguro no próprio tronco aberto.
Dispunha-se ao refúgio, mas a ventania começou a soprar tão forte que o tronco vigoroso caiu,
partido, sem remissão.
Exposto então à chuva, o peregrino movimentou-se para diante.
Depois de aproximadamente duas milhas, encontrou um casebre rural, mostrando doce luz por
dentro, e suspirou aliviado.
Bateu à porta.O homem ríspido que veio atender foi claro na negativa, alegando que o sítio não
recebia visitas à noite e que não lhe era permitido acolher pessoas estranhas.
Por mais que chorasse e rogasse, o pregador foi constrangido a seguir além.
Acomodou-se, como pode, debaixo do temporal, nas cercanias da casinhola campestre; no
entanto, a breve espaço, notou que o cão, aterrado pelos relâmpagos sucessivos, fugia a uivar,
perdendo-se nas trevas.
O velho, agora sozinho, chorou angustiado, acreditando-se esquecido por Deus e passou a noite
ao relento.Alta madrugada, ouviu gritos e palavrões indistintos, sem poder precisar de onde
partiam.
Intrigado, esperou o alvorecer e, quando o Sol ressurgiu resplandecente, ausentou-se do
esconderijo, vindo a saber, por intermédio de camponeses aflitos, que uma quadrilha de ladrões
pilhara a choupana onde lhe fora negado o asilo, assassinando os moradores.
Repentina luz espiritual aflorou-lhe na mente.
Compreendeu que a Bondade Divina o livrara dos malfeitores e que, afastando dele o cão que
uivava, lhe garantira a tranqüilidade do pouso.
Informando-se de que seguia em trilho oposto à localidade do destino, empreendeu a marcha de
regresso, para retificar a viagem, e, junto à ponte rompida, foi esclarecido por um lavrador de
que a terra branca, do outro lado, não passava de pântano traiçoeiro, em que muitos viajores
imprevidentes haviam sucumbido.
O velho agradeceu o salvamento que o Pai lhe enviara e, quando alcançou a árvore tombada, um
rapazinho observou-lhe que o tronco, dantes acolhedor, era conhecido covil de lobos.

Francisco Cândido Xavier - Diversos Espíritos


Idéias e Ilustrações 36

Muito grato ao Senhor que tão milagrosamente o ajudara, procurou a cova onde tentara repouso e
nela encontrou um ninho de perigosas serpentes.
Endereçando infinito reconhecimento ao Céu pelas expressões de variado socorro que não
soubera entender, de pronto, prosseguiu adiante, são e salvo, para desempenho de sua tarefa.
Nesse ponto da curiosa narrativa, o Mestre fitou Bartolomeu demoradamente e terminou:
— O Pai ouve sempre as nossas rogativas, mas é preciso discernimento para compreender as
respostas d’Ele e aproveitá-las.

Hoje vi no meu caminho


Lição de fé verdadeira:
Sabiá fazendo ninho
Por cima da cachoeira
Antônio Sales
Não te dês ao pessimismo.
Por mais que a dor te requeira,
Se o mal te empurrou no abismo,
Deus te segura na beira.
Soares Bulcão
Antes de pronunciares a frase amarga que te explode no coração, tentando romper as barreiras da
boca, pensa na Bondade de Deus, que te envolve por toda a parte.
Memei

26 - Do Serviço
O Valor do Serviço
Neio Lúcio
Filipe, velho pescador de Cafamaum, enlevado com as explanações de Jesus sobre um texto de
Isaías, passou a comentar a diferença entre os justos e injustos, de maneira a destacar o valor da
santidade na Terra.
O Mestre ouviu calmamente, e, talvez para prevenir os excessos de opinião, narrou, com
bondade:
- Certo fariseu, de vida irrepreensível, atingiu posição de imenso respeito público. Passava dias
inteiros no Templo, entre orações e jejuns incessantes. Conhecia a Lei como ninguém. Desde
Moisés aos últimos Profetas, decorara os mais importantes textos da Revelação. Se passava nas
ruas, era tão grande a estima de que se fizera credor, que as próprias crianças se curvavam,
reverentes. Consagrara-se ao Santo dos Santos e fazia vida perfeita entre os pecadores da época.
Alimentava-se frugalmente, vestia túnica sem mancha e abstinha-se de falar com toda pessoa
considerada impura.
Acontece, todavia, que, havendo grande peste em cidade próxima de Jerusalém, um Anjo do
Senhor desceu, prestimoso, a socorrer necessitados e doentes, em nome da Divina Providência.
Necessitava, porém, das mão diligentes de um homem, através das quais pudesse trabalhar,
apressado, em benefício de enfermos e sofredores.
Lembrou-se de recorrer ao santo fariseu, conhecido na Corte Celeste por seus reiterados votos de
perfeição espiritual, mas o devoto se achava tão profundamente mergulhando em suas

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Idéias e Ilustrações 37

contemplações de pureza que não lhe sobrava o mínimo espaço interior para entender qualquer
pensamento de socorro às vítimas da epidemia.
Como cooperar com o emissário divino, nesse setor, se evitava o menor contato com o mundo
vulgar, classificado, em sua mente, como vale da imundície?
O Anjo insistia no chamamento; contudo, a peste era exigente e não admitia delongas.
O mensageiro afastou-se e recorreu a outras pessoas amantes da Lei. Nenhuma, entretanto, se
julgava habilitada a contribuir.
Ninguém desejava se arriscar.
Instado pelas reclamações do serviço, o Enviado de Cima encontrou antigo criminoso que
mantinha o propósito de regenerar-se. Através dos fios invisíveis do pensamento, convidou-o a
segui-lo; e o velho ladrão, sinceramente transformado, não hesitou. Obedeceu ao doce
constrangimento e voltou-se sem demora, com a espontaneidade da cooperação robusto e
legítima, ao ministério do socorro e da salvação.
Enterrou cadáveres insepultos, improvisou remédios adequados à situação, semeou o bom ânimo,
aliviou os aflitos, renovou a coragem dos enfermos, libertou inúmeras criancinhas ameaçadas
pelo mal, criou serviços de consolação e esperança e, com isso, conquistou sólidas amizades no
Céu, adiantando-se de surpreendente maneira, no caminho do Paraíso.
Os presentes registraram a pequena história, entre a admiração e o desapontamento e, porque
ninguém interferisse, o Senhor comentou, em seguida a longo intervalo:
- A virtude é sempre grande e venerável, mas não há de cristalizar-se à maneira de jóia rara sem
proveito. Se o amor cobre a multidão dos pecados, o serviço santificante que nele se inspira pode
dar aos pecadores convertidos ao bem a companhia dos anjos, antes que os justos ociosos possam
desfrutar o celeste convívio.
E observando que os ouvintes se retraiam no grande silêncio, o Senhor encerrou o culto
doméstico da Boa Nova, a fim de que o repouso trouxesse aos companheiros multiplicadas
bênçãos de paz e meditação, sob o firmamento pontilhado de luz.

Sobriedade em tudo e sempre,


Mas nunca te esqueças disso;
Quem vive só de recato
Nunca termina o serviço.
Jovino Guedes
Ação e verbo!... Entre os dois,
Nunca se iluda você.
Palavras o vento leva,
a fé nas obras se vê.
Benedito Candelária irmão.
È muito provável que por enquanto, seja plenamente dispensável a sua cooperação no paraíso.
É indiscutível , porém, a realidade de que, no momento, o seu lugar de servir e aprender, ajudar e
amar,é na Terra mesmo.
André Luiz


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Idéias e Ilustrações 38

27 - Do Trabalho
O Devoto Desiludido
Irmão X
O fato parece anedota, mas um amigo nos contou a pequena história que passamos para a frente,
assegurando que o relato se baseia na mais viva realidade.
Hemetério Rezende era um tipo de crente esquisito, fixado à idéia de paraíso. Admitia piamente
que a prece dispensava as boas obras, e que a oração ainda era o melhor meio de se forrar a
qualquer esforço.
“Descansar, descansar!...” Na cabeça dele, isso era um refrão mental incessante. O cumprimento
de mínimo dever lhe surgia à vista por atividade sacrificial e, nas poucas obrigações que exercia,
acusava-se por penitente desventurado, a lamentar-se por bagatelas. Por isso mesmo, fantasiava o
“doce fazer nada” para depois da morte do corpo físico. O reino celeste, a seu ver, constituir-se-
ia de espetáculos fascinantes de permeio com manjares deliciosos... Fontes de leite e mel, frutos
e flores, a s e revelarem por milagres constantes, enxameariam aqui e ali, no éden dos justos...
Nessa expectativa, Rezende largou o corpo em idade provecta, a prelibar prazeres e mais
prazeres.
Com efeito, espírito desencarnado, logo após o grande transe foi atraído, de imediato, para uma
colônia de criaturas desocupadas e gozadoras que lhe eram afins, e aí encontrou o padrão de vida
com que sonhara: preguiça louvaminheira, a coroar-se de festas sem sentido e a empanturrar-se
de pratos feitos.
Nada a construir, ninguém a auxiliar...
As semanas se sobrepunham às semanas, quando, Rezende, que se supunha o céu, passou a
sentir-se castigado por terrível desencanto. Suspirava por renovar-se e concluía que para isso lhe
seria indispensável trabalhar...
Tomado de tédio e desilusão, não achava em si mesmo senão o anseio de mudança.
À face disso, esperou e esperou, e, quando se viu à frente de um dos comandantes do estranho
burgo espiritual, arriscou, súplice:
- Meu amigo, meu amigo!... Quero agir, fazer algo, melhorar-me, esquecer-me!... Peço
transformação, transformação!...
- Para onde deseja ir? – indagou o interpelado, um tanto sarcástico.
- Aspiro a servir, em favor de alguém... Nada encontro aqui para ser útil... Por piedade, deixe-me
seguir para o inferno, onde espero movimentar-me e ser diferente...
Foi então que o enigmático chefe sorriu e falou, claro:
- Hemetério, você pede para descer ao inferno, mas escute, meu caro!... Sem responsabilidade,
sem disciplina, sem trabalho, sem qualquer necessidade de praticar a abnegação, como vive
agora, onde pensa você que já está?

Fé sem obras,prece em vão,


Preguiça que adora e pensa,
Calma sem brilho de ação,
Retrato de indiferença.
Chiquito Morais
Procura o bem, faze o bem,
Não percas tempo, nem vez,
Que a gente leva da vida

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Somente a vida que fez.


Roberto Correia
Busque agir para o bem, enquanto você dispõe de tempo.
è perigoso guardar uma cabeça cheia de sonhos, com as mãos desocupadas.
André Luiz

28 - Da Morte
O Temor da Morte
Irmão X
- Doutor, a sua competência é a nossa esperança. O senhor já operou Paulínia por duas vezes...
Narciso Meireles pedia o concurso do Dr. Sales Neto, distinto médico espírita, para a mulher que
experimentava parto difícil, em vilarejo distante.
- Por que deixaram ficar assim, tão longe? – disse o médico, procurando esquivar-se.
- A crise apareceu de surpresa... O senhor prefere o avião? Dez minutos apenas...
- Nada disso. Perdi dois amigos de uma só vez na semana passada. Nada de vôo....
- Um carro?
- A estrada é péssima. Não soube do desastre havido anteontem?
- Um cavalo, doutor? Arranjo-lhe um cavalo...
- Era o que faltava! Não posso expor-me assim...
- Que sugere? – roga o marido desapontado.
- Se quiserem – disse o médico -, tragam a parturiente aqui, como julgarem melhor... De minha
parte, não me arrisco...
Em face da evidente má-vontade do facultativo, o esposo aflito aquiesceu e partiu a galope, em
busca do teco-teco.
No outro dia, porém, quando a senhora Meireles chegou, abatida, na expectativa da intervenção,
a residência do operador estava cheia de gente.
O Dr. Sales Neto, naquela noite, havia morrido, no próprio leito, em conseqüência de uma
trombose...
Todo o espírito encarnado
É um viajor em caminho...
Sonha, sofre,luta e segue,
Morrendo devagarinho...
Jovino Guedes
A morte não provocada
É benção que Deus envia,
Lembrando noite estrelada
Quando chega o fim do dia
Roberto Correia
A morte de um homem começa no instante em que ele desiste de aprender.
Mariano José Pereira da Fonseca


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29 - Da Reclamação
A Petição de Jesus
Irmão X
E Jesus, retido por deveres constrangedores, junto da multidão, em Cafarnaum, falou a Simão,
num gesto de bênção:
Vai, Pedro! Peço-te! . Vai à casa de Jeremias, o curtidor, para ajudar. Sara, a filha dele, prostrada
no leito, tem a cabeça conturbada e o corpo abatido. Vai sem delonga, ora ao lado dela, e o Pai, a
quem rogamos apoio, socorrerá a doente por tuas mãos.
Na manhã ensolarada, pôs-se o discípulo em marcha, entusiasmado e sorridente com a
perspectiva de servir. À tarde, quando o sol cedia as últimas posições à sombra noturna, vinha de
retorno enunciando inquietação e pesar no rosto áspero.
-Ah! Senhor! - disse ao Mestre que lhe escutava os apontamentos - todo esforço baldado, tudo
em vão!.
-Como assim?
E o apóstolo explicou amargamente, qual se fora um odre de fel a derramar-se:
-A casa de Jeremias é um antro de perdição . Antes fosse um pasto selvagem. O abastado
curtidor é um homem que ajuntou dinheiro, a fim de corromper-se. De entrada, dei com ele
bebericando vinho num paiol, a cuja porta bati, na esperança de obter informações para
demandar o recinto doméstico. Não parecia um patriarca e sim um gozador desavergonhado.
Sentava-se na palha de trigo e, de momento a momento, colava os lábios ao gargalo de pesada
botelha, desferindo gargalhadas, ao pé de serva bonita e jovem, que se refestelava no chão,
positivamente embriagada . Ao receber-me, começou perguntando quantos piolhos trago à
cabeça e acabou mandando-me ao primogênito . Saí à procura de Zoar, o filho mais idoso, e o
achei, enfurecido, no jogo de dados em que perdia largas somas para conhecido traficante de
Jope. Acolheu-me aos berros, explicando que a sorte da irmã não lhe despertava o menor
interesse. Por fim, expulsou-me aos coices, dando a idéia de uma besta-fera solta no campo .
Afastava-me, apressado, quando esbarrei com a dona da casa. Dei-lhe a razão de minha
presença; contudo, antes de atender-me, passou a espancar esquelética menina, alegando que a
criança lhe havia surrupiado um figo, enquanto a pequena chorosa tentava esclarecer que a fruta
havia sido devorada por galos de estimação. Somente após ensangüentar a vítima, resolveu a
megera designar o aposento em que poderia avistar-me com a filha enferma...
Ante o olhar melancólico do ouvinte, o discípulo prosseguiu:
-A dificuldade, porém, não ficou nisso... Visivelmente transtornada por bagatela, a velha sovina
errou na indicação, pois entrei numa alcova estreita, onde fui defrontada por Josué, o filho mais
moço do curtidor, que mergulhava a mão num cofre de jóias. Desagradavelmente surpreendido,
fêz-se amarelo de raiva, acreditando decerto que eu não passava de alguém a serviço da família,
a fim de espionar-lhe os movimentos. Quando ergueu o braço para esmurrar-me, supliquei-lhe
considerasse a minha situação de visitante em missão de paz e socorro fraterno... Embora
contrafeito, conduzindo-me ao quarto da irmã . Ah! Mestre, que tremenda desilusão!... Não
duvido de que se trata de uma doente, mas, logo me viu, a estranha criatura se tornou
inconveniente, articulando gestos indecorosos e pronunciando frases indignas... Não agüentei
mais. Fugi, horrorizado, e regressei pelo mesmo caminho...
Observando que o Amigo Sublime se resguardava, triste e silencioso, volveu Simão, após
comprido intervalo:

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-Senhor, não fui, acaso, bastante claro? Porventura, não terei procurado cumprir-te honestamente
os desejos? Seria justo, Mestre, pronunciar o nome de Deus, ali, entre vícios e deboche, avareza
e obscenidade?
Jesus, porém, depois de fitar longamente o céu, a inflamar-se de lumes distantes, fixou no
companheiro o olhar profundamente lúcido e exclamou com serenidade:
-Pedro, conheço Jeremias, a esposa e os filhos, há muito tempo!... Quando te incumbi de ir ao
encontro deles, apenas te pedi para auxiliar!...
Conversa com caridade,
Alma irmã,alma sincera!...
Às vezes uma palavra
É tudo o que a gente espera.
Antônio Azevedo
Ofensor é uma pessoa
Que Deus manda, de imprevisto,
Para ver nossa atitude
No ensino de Jesus Cristo.
Silveira Carvalho
Quando encontrares Jesus nos irmãos de toda a parte, Jesus tomar-te-á para companheiro, em
qualquer lugar.
Mariano José Pereira da Fonseca

fim

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