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História da Igreja 1
Uma Visão Panorâmica da História Eclesiástica até o
Renascimento1
1. Introdução
Objetivo
Ao final da leitura desta introdução, o aluno deverá ser capaz de:
• Entender algumas noções básicas sobre história em geral e a história da igreja em
particular.
• Saber porque é importante o estudo desta matéria.
• Conhecer os principais períodos em que se divide essa história.
• Estar ciente de algumas obras básicas referentes à história eclesiástica.
Como o título indica, este é um curso panorâmico sobre a história da igreja cristã.
Como tal, ele não visa estudar essa história em profundidade, e sim abordar os contornos
mais amplos desse vasto assunto, para que, posteriormente, o aluno possa pesquisar com
maiores detalhes quaisquer tópicos específicos do seu interesse. O propósito do curso é
familiarizar os participantes com os principais personagens, eventos e movimentos da longa
e rica história do cristianismo, no desejo de que esse estudo possa ser ao mesmo tempo uma
fonte de informação, desafio e inspiração para a vida cristã.
A presente aula introdutória consta dos seguintes pontos:
1. O que é história
2. Definições básicas
3. Importância da história da igreja
4. Períodos em que se subdivide a história da igreja
1. O que é história.
O termo "história" vem do grego historía (istoria), que significa pesquisa, informação
ou narração e já nos tempos antigos era usado para indicar a resenha ou narração dos fatos
humanos. Hoje, o termo tem dois aspectos básicos: (1) os próprios fatos, isoladamente ou em
conjunto (em alemão, Geschichte) e (2) o conhecimento dos fatos, ou a ciência que
disciplina esse conhecimento (Historie). Para este segundo aspecto, usa-se com freqüência o
termo "historiografia."
Outra maneira de encarar o assunto é considerar quatro sentidos em que se pode
entender a história (observe que todos começam com a letra "i"):
• Incidente ou evento: é todo e qualquer acontecimento. Por sua própria natureza, todo
incidente é absoluto e ocorre somente uma vez. É impossível que se repita exatamente em
todos os seus pormenores.
• Informação: são os elementos que nos fornecem dados sobre o incidente, tais como
documentos, objetos ou depoimentos orais.
• Investigação ou pesquisa: é a busca de respostas para as perguntas "o quê”, "quem",
"quando", "onde" (os dados).
• Interpretação: é a busca dos porquês, do significado dos dados. A atividade de
interpretação é inevitável, porque os incidentes já não são diretamente acessíveis, mas
somente através de indícios, de informações indiretas. Toda interpretação é relativa, porque
todo intérprete é limitado por um maior ou menor número de condicionamentos. É
1
Versão adaptada de apostila do Prof. Alderi S. Matos, Historiador da IPB, 2001.
2
impossível uma plena objetividade e imparcialidade. No entanto, as contínuas pesquisas vão
fazendo surgir certos consensos entre os estudiosos sobre um grande número de fatos e
interpretações.
2. Definições.
• História: é o registro interpretado do passado humano socialmente relevante, com
base em dados organizados que são obtidos através do método científico a partir de fontes
arqueológicas, literárias ou vivas.
• História da igreja: o historiador Earle E. Cairns define a história da igreja como "o
relato interpretado da origem, progresso e impacto do cristianismo sobre a sociedade
humana, baseado em dados organizados e reunidos pelo método científico a partir de fontes
arqueológicas, documentais ou vivas" (O Cristianismo Através dos Séculos, 14).
Observação:
• As fontes mais comuns da história da igreja são documentais, que podem ser de dois
tipos: primárias e secundárias. Fontes primárias são documentos produzidos pelos próprios
personagens e movimentos da história. Por exemplo, a Epístola de Paulo aos Romanos, a
Didaquê, o Credo Niceno, as Noventa e Cinco Teses de Lutero. Fontes secundárias são
análises posteriores dos estudiosos, como os livros de história da igreja mencionados na
bibliografia que está no final desta aula. As fontes primárias não precisam ser antigas; às
vezes são bastante recentes, como a declaração conjunta de católicos e luteranos sobre a
justificação pela fé, publicada em 1999.
5. Bibliografia.
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Como fontes para estudos e pesquisas complementares, sugerimos as seguintes obras
em português.
• Bettenson, Henry, Documentos da Igreja Cristã (São Paulo: ASTE, 1967); 33ª ed.
revista, corrigida e atualizada (São Paulo: ASTE/Simpósio, 1998). Uma ótima coletânea de
fontes primárias dos diferentes períodos da história da igreja.
• Cairns, Earle E., O Cristianismo através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã
(São Paulo: Vida Nova, 1988). Uma das melhores histórias da igreja em um só volume
disponíveis em português.
• Dowley, Tim, ed., Atlas Vida Nova da Bíblia e da História do Cristianismo (São
Paulo: Vida Nova, 1997). Belíssima edição em cores, com excepcional qualidade gráfica.
Útil também para o estudo da história bíblica (Velho e Novo Testamentos).
• González, Justo L., Uma História Ilustrada do Cristianismo, 10 vols. (São Paulo:
Vida Nova). Os dois volumes da edição em inglês foram transformados em dez pequenos
volumes na edição portuguesa. Agradável de ler.
• Neill, Stephen, História das Missões (São Paulo: Vida Nova, 1989). Uma das
melhores abordagens de um aspecto específico da história da igreja. O autor foi missionário
na Índia e na África.
• Nichols, R. H., História da Igreja Cristã, 53 ed. rev. (São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1981). Obra mais modesta que as anteriores, mas ótima para quem está
começando a estudar a história da igreja. O autor é presbiteriano.
• Noll, Mark A., Momentos Decisivos na História do Cristianismo, trad. Alderi S.
Matos (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001). Obra recente, repleta de dados úteis e
análises pertinentes. Contém um apêndice sobre o Brasil.
• Tucker, Ruth A., " ... Até aos Confins da Terra": Uma História Biográfica das
Missões Cristãs, 23 ed. (São Paulo: Vida Nova, 1996). Contém biografias de missionários
destacados que trabalharam nas mais diferentes regiões do globo. Inclui um capítulo especial
sobre o Brasil.
• Walker, W., História da Igreja (Cristã, 2 vols. (São Paulo: ASTE, 1967). Obra
excelente, mas um tanto desatualizada. A edição mais recente em inglês, revista por três
outros autores (Norris, Lotz e Handy) e lançada em 1985, ainda não foi publicada em
português.
• Williams, Terri, Cronologia da História Eclesiástica em Gráficos e Mapas (São
Paulo: Vida Nova, 1993). Os ótimos gráficos permitem visualizar facilmente alguns dos
temas mais importantes da história da igreja.
Implicações Práticas
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Como se viu acima, o estudo da história da igreja pode ser altamente benéfico para o
cristão, dando-lhe em primeiro lugar uma melhor compreensão da atuação de Deus na vida
do mundo. A história não é um conjunto de acontecimentos aleatórios, sem rumo, mas
revela, por trás de eventos muitas vezes confusos e aparentemente desconexos, o propósito
providencial de Deus.
Além disso, o conhecimento da história auxilia os cristãos e as igrejas a terem maior
consciência de sua identidade e da sua missão no mundo. Seja como fonte de inspiração ou
de advertência, o conhecimento da caminhada da igreja na terra permite que os cristãos
definam melhor as suas prioridades e estejam alerta contra erros e tentações já enfrentados
no passado.
Objetivo da aula
Ao final desta aula, o aluno deverá ser capaz de:
• Familiarizar-se com o mundo em que surgiu a igreja
• Relembrar os dados principais sobre Jesus e os primórdios da igreja
• Conhecer as importantes contribuições do apóstolo Paulo
• Conhecer os fatos sobre as primeiras perseguições
• Saber como se encerrou a era apostólica
(1) Os gregos:
No quarto século antes de Cristo, Alexandre, o Grande (356-323 AC) conquistou um
vasto império que ia desde os Balcãs até a Índia. Essas conquistas promoveram uma ampla
difusão da língua e cultura gregas (helenização) em toda a região oriental do Mar
Mediterrâneo, no Oriente Médio e no Egito. Quando Alexandre morreu aos 33 anos, o seu
império foi dividido entre os seus generais, dois dos quais ficaram com as terras bíblicas. A
Síria coube a Seleuco e seus descendentes (os selêucidas) e o Egito a Ptolomeu. A Palestina
sofreu fortemente as influências helenizantes dessas duas dinastias. Especialmente
influenciados foram os judeus que viviam fora da Palestina, na Diáspora (= dispersão),
especialmente no Egito. Muitos deles, falando apenas o grego, não mais podiam ler as suas
Escrituras na língua original. Com isso, o Ve1ho Testamento precisou ser traduzido para o
grego, tradução essa que recebeu o nome de Septuaginta (LXX). Essa foi a Bíblia dos
primeiros cristãos. Como uma versão popular do grego, o koiné (= comum), era a língua
mais falada em torno do Mediterrâneo, o Novo Testamento foi todo escrito nesse idioma.
Além da contribuição lingüística, os gregos também legaram ao mundo antigo a sua
riquíssima reflexão filosófica e toda uma cosmovisão (maneira de ver o mundo e a vida)
gerada por essa reflexão. Algumas das principais correntes filosóficas foram as de Platão,
Aristóteles, dos estóicos e dos epicureus. Vários conceitos dessas escolas eram bastante
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difundidos quando surgiu o cristianismo. Por exemplo, o contraste entre a verdadeira
realidade (o mundo das idéias ou das coisas espirituais) e o mundo material das sombras (um
pálido reflexo das realidades eternas). Outro conceito muito difundido era o de que, assim
como o corpo tem uma alma, também o mundo é governado e mantido coeso por uma alma
racional, o Logos, do qual cada alma humana é uma centelha. Encontramos referências a
esses movimentos e a esse vocabulário em algumas passagens do Novo Testamento como
João 1:1,14; Atos 17:18; Fp 4.11,13; Hebreus 8:5; 10:1. A filosofia solapou a crença nas
velhas religiões, mas não ofereceu uma alternativa satisfatória para as necessidades
espirituais das pessoas.
(2) Os romanos:
Se a contribuição dos gregos foi nas áreas lingüística, cultural e filosófica, os romanos
deram notável contribuição ao mundo em que surgiu o cristianismo nos aspectos político,
jurídico e administrativo. O Império Romano emergiu um pouco antes da era cristã, quando
Otaviano foi aclamado como César Augusto, tornando-se o primeiro imperador dos romanos
(27 AC-14 DC). Os romanos, com seu vasto império, abrangendo muitos povos e culturas,
imprimiram no mundo antigo o conceito de uma unidade que transcendia a diversidade.
Nesse aspecto, havia um interessante paralelo com a igreja cristã, que sendo uma só, era
composta de uma grande variedade de pessoas. Através da sua legislação avançada, de seu
exército e de suas instituições, os romanos criaram um ambiente de ordem e segurança como
nunca se vira nas terras em tomo do Mediterrâneo. A "pax romana" permitiu que as viagens,
tanto marítimas como terrestres, se tornassem mais rápidas e seguras, o que certamente veio
a facilitar a difusão do cristianismo.
No aspecto religioso, o Império Romano era caracterizado por uma grande diversidade
de opções. Havia em primeiro lugar a religião tradicional e familiar dos deuses greco-
romanos. Além disso, estavam florescendo no primeiro século as chamadas "religiões de
mistério", que comunicavam suas verdades mais profundas somente aos iniciados (cultos
esotéricos). As principais eram a religião de Cibele (vinda da Ásia Menor), de Ísis e Osíris
(do Egito) e de Mitra (da Pérsia). O mitraísmo tornou-se especialmente popular no exército
romano. Finalmente, havia o culto imperial ou estatal de Roma, com freqüência voltado para
a própria pessoa do imperador, culto esse que tinha um elemento fortemente político, como
símbolo da unidade do império e da lealdade ao mesmo. A recusa obstinada em participar
desse culto traria sérias conseqüências para os cristãos.
(3) Os judeus:
Sem dúvida, a principal matriz do cristianismo foi o judaísmo, em cujo seio nasceu.
Na época de Cristo, a Palestina estava sob dominação romana. No segundo século antes de
Cristo, as atitudes despóticas de um rei selêucida, Antíoco Epifânio, haviam provocado a
revolta dos macabeus (167 AC). Então, por cerca de um século os judeus gozaram de
independência política, até que, no ano 63 AC, os exércitos romanos, sob o comando do
general Pompeu, conquistaram a Palestina. Por conveniências políticas, os romanos
permitiram que a região fosse governada por reis vassalos, não-judeus, os Herodes.
O judaísmo era caracterizado pela existência de várias correntes. Havia os saduceus,
que controlavam o templo e eram colaboradores dos romanos. Os líderes religiosos mais
identificados com o povo eram os fariseus e os escribas, caracterizados pela mais estrita
obediência à lei. Havia também grupos menores, periféricos e radicais, como os zelotes e os
essênios (da comunidade de Qumran, junto ao Mar Morto). Sobre alguns desses grupos, ver
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Mc 12.18; At 23.7-8. O judaísmo caracterizava-se pela centralidade do templo e da lei, pelo
rígido monoteísmo e por uma forte esperança escatológica. Na Diáspora, onde era lida a
Septuaginta (o VT em grego), muitos gentios se aproximaram do judaísmo, sendo
conhecidos como "prosélitos" (convertidos plenos) e "tementes a Deus" (simpatizantes).
Muitos deles mais tarde abraçaram o cristianismo, como vemos em Atos dos Apóstolos.
O cristianismo, como um movimento surgido no seio do judaísmo, recebeu muitas
coisas importantes do mesmo. Em primeiro lugar, seus primeiros seguidores, todos eles
judeus. Depois, as Escrituras Hebraicas, a fé monoteísta, os elevados preceitos éticos.
Finalmente, o culto cristão e o sistema de administração da igreja também foram inspirados
pelas práticas judaicas, especialmente pela notável instituição que era a sinagoga.
C. A Contribuição de Paulo
O apóstolo Paulo foi o vulto mais influente dos primeiros tempos da igreja. Convertido
no famoso episódio da estrada de Damasco (Atos 9.1-19), ele passou de perseguidor da
igreja a ardoroso pregador do evangelho. Um testemunho da sua importância é o fato de que
metade dos livros do Novo Testamento estão diretamente ligados a ele. Atos dos Apóstolos
tem-no como principal protagonista. Quase dois-terços do livro dedicam-se a descrever
detalhadamente as suas viagens missionárias, através das quais ele plantou igrejas em vários
centros estratégicos da Ásia Menor (Antioquia da Pisídia, Galácia, Éfeso) e da península
grega (Filipos, Tessalônica, Corinto). Mais do que qualquer outro, Paulo contribuiu para
imprimir sobre a igreja a consciência do caráter universal da fé cristã.
Outra notável contribuição de Paulo foi literária e teológica. No sentido de orientar,
advertir e incentivar as igrejas que resultaram do seu ministério, ele escreveu muitas
epístolas, várias das quais foram preservadas e incluídas no Novo Testamento. Outras quatro
cartas também preservadas foram enviadas a colaboradores seus (Timóteo, Tito e Filemom).
Finalmente, Paulo escreveu uma extraordinária carta a uma igreja fundada por outros
cristãos, em Roma. Como o apóstolo queria apresentar-se a essa igreja que não conhecia,
para que ela o encaminhasse a outros pontos do Império Romano (Romanos 15.22-24), ele
sentiu a necessidade de expor mais plenamente as suas convicções e o evangelho que
pregava. O resultado foi um documento de grande complexidade e beleza que revelou outro
aspecto da contribuição de Paulo: sua profunda e criativa reflexão teológica sobre a realidade
de Cristo e suas implicações para o crente, para a igreja e para a sociedade.
Finalmente, Paulo destacou-se como polemista, lutando pela integridade da doutrina
cristã, especialmente quanto à pessoa e obra de Cristo. Nesse esforço, ele enfrentou uma
longa luta contra os judaizantes, os cristãos hebreus ainda fortemente ligados à lei e às
tradições judaicas, especialmente no que diz respeito à circuncisão (ver Gálatas 1.6-9; 2.3;
4.9-11). Paulo também voltou-se, pelo menos em uma de suas cartas (Colossenses), contra
uma heresia sincrética de tipo gnóstico que aparentemente considerava Cristo como parte de
uma hierarquia de seres celestiais e apelava tanto para costumes judaicos quanto para
práticas ascéticas e um conhecimento especial.
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D. A Experiência da Perseguição
No decurso do seu trabalho, Paulo defrontou-se de maneira crescente com a realidade
da oposição contra o cristianismo. As primeiras manifestações de intolerância contra os
cristãos haviam ocorrido ainda na Palestina, por parte do Sinédrio e dos Herodes. Entre os
primeiros mártires contavam-se Estevão e Tiago, o irmão de João (ver Atos 7.58-59 e 12.1-
2). Posteriormente, à medida que a fé cristã se difundia pelo Império Romano, os discípulos
continuaram a sofrer a oposição dos judeus e também agora da parte de gentios, cujos deuses
eram negados pelos cristãos. Mas a primeira perseguição "oficial" romana contra os cristãos
só veio a ocorrer no reinado de Nero, por volta do ano 64. Essa perseguição teve conexão
com um grande incêndio que destruiu boa parte da cidade de Roma. Sob a suspeita de haver
ordenado o incêndio, Nero culpou os cristãos da cidade e os maltratou cruelmente, conforme
a interessante descrição de Tácito, um autor daquela época.
Ainda no primeiro século (c. 95), outro imperador, Domiciano, perseguiu os cristãos
da Ásia Menor, diante de sua recusa de participar do culto imperial. Essa perseguição é o
pano de fundo do exílio de João na ilha de Patmos e do livro do Apocalipse. Nos séculos
seguintes, a igreja haveria de sofrer ataques muito maiores, aos quais voltaremos nas
próximas aulas. Essa experiência gerou entre os primeiros cristãos uma verdadeira
glorificação do martírio como uma experiência altamente desejável e honrosa para um
seguidor de Cristo.
F. Cronologia Básica
Ano Evento
30 morte, ressurreição e ascensão de Jesus
30-44 Liderança da igreja de Jerusalém
35 Conversão de Saulo
41-54 Reinado de Cláudio
44-64 Liderança da igreja de Antioquia
46-48 Primeira viagem missionária da Paulo
49 Concílio de Jerusalém
50-52 Segunda viagem missionária
51 Judeus (e cristãos) expulsos de Roma (At 18.2)
53-57 Terceira viagem missionária
54-68 Reinado de Nero
59-62 Prisão de Paulo em Roma
64 Incêndio de Roma (martírio de Paulo e Pedro?)
66 Revolta judaica; cristãos de Jerusalém fogem para Pela
70 Destruição de Jerusalém e do templo
81-96 Reinado de Domiciano
90-95 João em Patmos, Apocalipse
95 Epístola de Clemente aos coríntios
Implicações Práticas
O cristianismo surgiu de maneira extremamente modesta, mas tinha dentro de si um
grande potencial para a transformação do mundo. Esse potencial resultava da sua origem
divina e do caráter do seu fundador. Não devemos desprezar "o dia dos humildes começos"
(Zc 4.10), porque é assim que com muita freqüência Deus escolhe agir.
O cristianismo permanece de pé ou cai dependendo das convicções que temos sobre os
seus fundamentos. Para os cristãos conscientes, estes fundamentos são o eterno propósito de
Deus Pai, a obra redentora do Filho e a direção do Espírito Santo. Crendo nessas verdades,
os primeiros cristãos impactaram o seu mundo. Nós somos chamados a fazer o mesmo na
nossa geração.
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Objetivo da Aula
Ao final desta aula, o aluno deverá ser capaz de:
• Saber o que foi a velha "igreja católica" surgida no século II
• Identificar os "pais apostólicos" e suas principais características
• Conhecer os desafios internos (heresias) e externos (acusações, perseguições)
enfrentados pela igreja.
• Compreender a obra intelectual dos antigos defensores da fé (os apologistas e os
polemistas)
• Conhecer alguns aspectos da vida da igreja antiga
Introdução
A igreja cristã experimentou importantes mudanças nas últimas décadas do primeiro
século. Essas mudanças foram tanto de caráter teológico quanto institucional. Um dado
significativo é que temos poucas informações sobre esse período (anos 70 a 95). Nenhum
documento importante dessa época chegou até nós. Quando os documentos reaparecem, a
partir do ano 95 (ano aproximado da perseguição de Domiciano), nos deparamos com uma
igreja mais organizada e centralizada administrativamente, bem como com ênfases
teológicas um tanto diferentes daquelas do Novo Testamento. São os primórdios do
surgimento da igreja "católica." O chamado "velho catolicismo" é uma referência à igreja
pré-constantiniana, ou seja, anterior ao imperador Constantino (ano 313), cujas ações
decisivas analisaremos na próxima aula.
A. A Igreja "Católica"
No segundo século, diante de crescentes problemas internos (diversidade teológica,
heresias) e desafios externos (acusações, perseguições), a igreja sentiu a necessidade de
definir mais claramente a sua identidade institucional e teológica. O objetivo visado era a
obtenção de maior unidade estrutural e uniformidade doutrinária. Desse processo resultou a
igreja "católica".
A expressão "igreja católica" é encontrada pela primeira vez numa carta escrita pelo
bispo Inácio de Antioquia à Igreja de Esmirna, por volta do ano 110. A palavra vem do grego
katholikos e significa geral, universal (de kata = "de acordo com" + holos = "o todo"). A
partir do segundo século, a expressão foi utilizada para designar a igreja verdadeira,
apostólica e ortodoxa, em oposição aos movimentos dissidentes, aos grupos heterodoxos ou
heréticos.
A igreja católica caracterizava-se pelos seguintes elementos de unidade e identidade:
» O bispo monárquico: ao contrário do primeiro século, em que cada igreja tinha
vários bispos ou presbíteros, agora cada igreja passou a ter um só bispo, com autoridade
sobre os presbíteros e os diáconos. Para isso, deu-se ênfase à idéia de sucessão apostólica. Os
bispos tornaram-se os guardiões da unidade e ortodoxia da igreja. O crescimento da
importância dos bispos acarretou um grande destaque aos bispos das cidades mais
importantes, especialmente o de Roma.
» A regra de fé: as verdades fundamentais da fé cristã passaram a ser claramente
expressas na forma de credos "trinitários". Essas declarações de fé tinham fins
didáticos/catequéticos, confessionais/litúrgicos e apologéticos. Encontramos alguns
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exemplos antigos dessa regra de fé nos escritos de Irineu (ver adiante). À medida que o
tempo passou, os credos foram ficando mais extensos e complexos, até chegarmos aos
séculos IV e V com suas sofisticadas formulações “credais”.
B. Os Pais Apostólicos
O final do primeiro século e o início do segundo marcam também o início da era dos
pais da igreja. Trata-se dos antigos autores cristãos que com seus escritos instruíram as
igrejas, articularam a doutrina cristã e combateram desvios teológicos do seu tempo. Eles
podem ser entendidos como os campeões ortodoxos da igreja e os expositores da sua fé. O
estudo dos pais da igreja geralmente é designado por dois termos correlatos: patristica e
patrologia. A patristica refere-se ao estudo do pensamento dos pais, da sua teologia, e a
patrologia é o estudo histórico dos próprios personagens e da sua obra.
O conjunto dos primeiros escritos cristãos posteriores ao Novo Testamento é
conhecido pelo nome de "pais apostólicos." Eles são designados de "apostólicos" porque
surgiram pouco depois dos apóstolos e revelam certa conexão com eles. É importante
observar que a expressão "pais apostólicos" não designa somente indivíduos, mas também
documentos anônimos. O período aproximado em que foram produzidos vai de 95 a 150 DC.
Os pais apostólicos não contêm nenhuma teologia elaborada. São antes declarações
simples e piedosas das verdades fundamentais da fé, ditadas principalmente por um interesse
pastoral As principais características desses autores e documentos são as seguintes:
• Ausência de elaborações filosóficas
• Grande reverência pelo Antigo Testamento
• Interpretação tipológica (e alegórica) das Escrituras
• Familiaridade com as formas literárias do Novo Testamento
• Preocupação pastoral e prática: exortação à paz, unidade e pureza da igreja; ênfase ao
episcopado; celebração do martírio
A maior parte dos pais apostólicos é constituída de literatura epistolar, ou seja, cartas.
Dois deles correspondem a outros gêneros, um à literatura apocalíptica e outro à literatura
catequética. A relação completa é a seguinte:
• Clemente de Roma (c. 30-100), um dos bispos da igreja de Roma, escreveu em
nome da sua igreja à igreja co-irmã de Corinto, exortando os crentes a serem submissos aos
seus presbíteros. Essa epístola, conhecida como I Clemente, foi escrita por volta do ano 95.
• Inácio, o bispo de Antioquia da Síria, foi condenado à morte por volta do ano 110 e
levado a Roma para ser executado. Durante a viagem, escreveu cartas às igrejas de Éfeso,
Magnésia, Trales, Roma, Filadélfia, Esmirna e a seu colega Policarpo. Preocupações
dominantes: o martírio iminente do autor, a unidade da igreja e os movimentos heréticos e
cismáticos.
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• Policarpo (c. 70-155), bispo de Esmima, escreveu uma carta aos filipenses por
volta de 110, contendo exortações práticas. Policarpo foi martirizado no reinado do
imperador Antonino Pio.
• Papias (c. 60-c.130), bispo de Hierápolis, na Frigia, escreveu "Interpretações dos
Ditos do Senhor", sobre a vida e as palavras de Cristo. Essa obra só é conhecida através de
trechos preservados por Irineu de Lião e Eusébio de Cesaréia.
• Epístola de Barnabé (c. 130): escrita por um cristão anônimo de Alexandria, afirma
a suficiência de Cristo em relação à lei de Moisés; utiliza amplamente tipologia e alegoria.
• O Pastor, de Hermas (c. 150): baseado no Apocalipse, tem um objetivo moral e
prático, dando ênfase ao arrependimento e a uma vida de santidade.
• II Epístola de Clemente aos coríntios (c. 150): não foi escrita por Clemente, nem é
uma carta, e sim um sermão ou homilia do segundo século.
• Didaquê ou O Ensino dos Doze Apóstolos (2° séc.): é um manual de instrução para a
igreja, abordando ensinos éticos, normas litúrgicas, os oficiais da igreja e questões
disciplinares. É muito útil para o estudo da igreja sub-apostólica.
• Epístola a Diogneto (c. 200): foi escrita por um autor anônimo a um destinatário
desconhecido (tutor de Marco Aurélio?). Tem caráter apologético (=defesa racional do
cristianismo) e às vezes é incluída entre os pais apologistas (ver adiante).
Os alunos que desejarem ler na íntegra, em português, esses importantes escritos,
poderão encontrá-los na Coleção Patrística (São Paulo: Paulus Editora), vols.1-2.
C. Desafios Enfrentados
Como já foi apontado, a igreja desde cedo se defrontou com formidáveis desafios,
tanto dentro de suas fileiras quanto fora das mesmas.
1. Desafios internos: os principais desafios internos do segundo e terceiro séculos
foram algumas interpretações da fé cristã, consideradas heterodoxas pelo grupo majoritário.
As principais foram as seguintes:
• Gnosticismo: foi uma filosofia religiosa de natureza altamente especulativa que
surgiu no primeiro século, mas se tornou uma grande ameaça para o cristianismo majoritário
a partir de meados do século II (c. 130-160). Partindo de uma concepção dualista acerca do
mundo (espírito x matéria), propôs uma reinterpretação radical da fé cristã, negando
doutrinas como a criação, a encarnação e a ressurreição. A salvação vinha através do
conhecimento (gnosis) acerca da verdadeira origem e destino da alma. Esse conhecimento
mais profundo era transmitido somente aos iniciados. Havia várias modalidades de
gnosticismo (sírio, egípcio, judaizante).
• Docetismo: Uma variante do gnosticismo - era o entendimento de que Jesus Cristo
não havia de fato assumido uma natureza humana, corpórea. Antes, ele tinha apenas uma
aparência de humanidade (daí, docetismo, do grego dokéo = parecer), sendo uma espécie de
fantasma ou aparição. Essa posição já é condenada nas epístolas joaninas (ver 1 João 4.2; 2
João 7). As cartas de lnácio de Antioquia contêm muitas condenações do docetismo.
• Marcionismo: Márcion foi um cristão do Ponto, na Ásia Menor, que chegou a Roma
por volta do ano 144. Partilhando da cosmovisão gnóstica, ele propôs uma descontinuidade
radical entre a velha e a nova dispensação (o cristianismo não tinha nada em comum com o
judaísmo, sendo uma religião inteiramente nova). Assim sendo, ele rejeitou por completo o
Velho Testamento e o seu Deus, Jeová, tido como uma divindade inferior, o criador da
matéria. Em contraste com Jeová (um ser justiceiro e vingativo), o Deus verdadeiro, o Pai de
Jesus Cristo, é um Deus plenamente amoroso e perdoador, que não condena ninguém.
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Portanto, no fim, todos irão se salvar. Márcion foi o primeiro indivíduo na história da
igreja a elaborar uma lista de escritos cristãos normativos. O seu cânon continha apenas o
evangelho de Lucas e as cartas de Paulo às igrejas (sem as pastorais), tendo excluídas as suas
referências ao Velho Testamento. O cânon marcionita forçou a igreja a elaborar a sua própria
lista de livros oficialmente reconhecidos, ou seja, o Novo Testamento.
• Montanismo: esse antigo movimento de natureza entusiástica ou carismática, auto
denominado "nova profecia", surgiu na Frigia, Ásia Menor, na década de 170. Foi iniciado
por um cristão chamado Montano, que era acompanhado de duas profetizas, Priscila e
Maximila. Montano considerava-se o instrumento especial do Paracleto (o Espírito Santo) e
anunciou o iminente fim do mundo e a descida da Nova Jerusalém em sua região, a Frigia. O
montanismo foi um protesto contra o crescente mundanismo da igreja e, devido a seus
rigorosos padrões morais, atraiu a simpatia do grande intelectual cristão Tertuliano, sobre o
qual falaremos adiante.
• Monarquianismo: no segundo século houve intensa reflexão sobre a teologia do
Logos (Cristo como o Verbo) e suas implicações. Vários pensadores cristãos, na ânsia de
defender a convicção básica do monoteísmo ou a unidade do Ser Divino (daí, "monarquia",
isto é, governo de um só), acabaram por negar a divindade ou a personalidade distinta do
Filho e do Espírito Santo. Houve duas manifestações básicas: (a) Monarquianismo
Dinâmico: afirmava que Jesus era um homem comum que foi adotado por Deus na ocasião
do seu batismo, sendo revestido do poder divino (daí, "dinâmico", de dynamis = poder). Essa
posição, abraçada pelos ebionitas e por Paulo de Samósata, também é chamada de
adocionismo. (b) Monarquianismo Modalista: afirmava que Pai, Filho e Espírito Santo são
três modos ou manifestações sucessivas (não simultâneas) do único Deus. Também é
conhecido como sabelianismo, por causa de um de seus defensores (Sabélio). Uma variante
dessa posição é o patripassianismo, a noção de que o próprio Pai sofreu na cruz (defendida
por Práxeas e Noeto).
1. Desafios externos: no segundo e terceiro séculos, além dos questionamentos
internos, o jovem movimento cristão enfrentou formidáveis ameaças externas.
Em primeiro lugar, houve o recrudescimento das perseguições por parte do Império
Romano. A bem da verdade, é preciso observar que, com algumas exceções, essas
perseguições não foram contínuas nem generalizadas. As causas iam desde as habituais
alegações de incesto (por causa da ênfase no amor fraternal), canibalismo (por causa da Ceia
do Senhor) e ateísmo (pela negação dos deuses), até acusações mais especificamente
políticas de subversão, falta de patriotismo e deslealdade ao império, principalmente em
virtude da recusa dos cristãos em participar do culto imperial.
Duas perseguições intensas, mas localizadas, ocorreram nos reinados de Marco
Aurélio e Sétimo Severo. A primeira atingiu as igrejas de Lyon e Viena, na Gália, no ano
177; a segunda abateu-se sobre o Egito e Cartago nos anos 202-206. Alguns mártires
famosos foram Justino, Potino, Blandina, Perpétua e Felicidade. Muito mais grave foi a
perseguição geral movida pelo imperador Décio em 250-251. Decidido a impor em todas as
regiões o culto imperial, Décio exigiu que todos tivessem um certificado de sacrifício
(libellus). Muitos cristãos foram martirizados e outros conseguiram sobreviver aos maus
tratos (os confessores). Muitos outros negaram a fé: alguns simplesmente ofereceram o
sacrifício e ficaram conhecidos como sacrificati; outros, os libellatici, compraram
certificados falsos. Passada a perseguição, muitos desses relapsos procuraram reingressar na
igreja, gerando um sério problema pastoral para os bispos.
15
Em dois longos períodos de paz no terceiro século (206-250 e 260-303), a igreja
experimentou um crescimento sem precedentes. Finalmente, no início do quarto século,
ocorreu a última e a maior de todas as perseguições, sob os imperadores Diocleciano e
Galério (303-311). Foram publicados editos ordenando em toda parte a destruição das igrejas
e de cópias das Escrituras. Os cristãos que entregaram essas cópias ficaram conhecidos como
traditores (= traidores). Dessa época data o Cisma Donatista, no norte da África. Os
cismáticos, dentre os quais certo Donato, alegaram que uma determinada consagração
episcopal foi inválida porque um dos bispos consagrantes teria sido um traditor. O cisma
donatista durou mais de um século, criando uma igreja paralela à igreja católica.
Outro desafio externo enfrentado pela igreja na era anterior a Constantino foram os
ataques de ilustres intelectuais pagãos como Luciano de Samosata, Galeno e Celso na
segunda metade do século II, e Porfírio, no terceiro século. Numa época em que o
cristianismo crescia a olhos vistos e incomodava seriamente o paganismo, esses homens
cultos escreveram obras influentes em que os cristãos eram acusados de serem ignorantes,
supersticiosos e inimigos da cultura e do conhecimento.
D. A Defesa da Fé
Rapidamente surgiram no seio da igreja respostas de pensadores cristãos a esses
desafios. Os defensores intelectuais do cristianismo no segundo e terceiro séculos ficaram
conhecidos como os apologistas e os polemistas.
1. Os apologistas (de apologia = discurso de defesa) surgiram um pouco depois dos
pais apostólicos, já estudados nesta aula. Quase todos viveram na segunda metade do
segundo século. Suas características gerais são as seguintes: eram convertidos do paganismo
ou do judaísmo, enfrentaram ataques externos, usaram principalmente o Antigo Testamento,
defenderam ou explicaram o cristianismo e utilizaram formas literárias apologéticas ou
dialógicas. Dirigiram os seus escritos às autoridades, bem como a judeus e a intelectuais
pagãos, defendendo os cristãos das muitas acusações que lhes eram feitas.
• Os apologistas foram os seguintes: Quadrato, Aristides, Justino Mártir, Taciano,
Atenágoras de Atenas, Teófilo de Antioquia, Melito de Sardes e Hegésipo. O mais destacado
deles foi Justino Mártir (100-165), um filósofo cristão que viveu em Roma e escreveu duas
apologias e o Diálogo com Trifão, o Judeu. Taciano, seu discípulo, escreveu uma harmonia
dos evangelhos, o Diatessaron, e um Discurso aos Gregos. Atenágoras escreveu a belíssima
Súplica pelos Cristãos e Teófilo produziu a longa apologia A Autólico. Algumas dessas
obras podem ser encontradas na já mencionada Coleção Patrística, vols. 2 e 3.
2. Os polemistas: outro grupo de defensores da fé foram os chamados polemistas, que
viveram no final do segundo século e primeira metade do terceiro. Em geral, tiveram maior
estatura intelectual que os apologistas e foram mais agressivos do que eles em seus escritos
(daí "polemistas", do grego pólemos = guerra). Alguns deles dirigiram-se contra intelectuais
pagãos; mais comumente, porém, voltaram-se contra falsos ensinos dentro da igreja. Esses
pais da igreja viveram em três regiões distintas do Império Romano: Gália, Cartago (norte da
África) e Egito. Os mais importantes foram Irineu de Lião, Tertuliano, Cipriano, Clemente
de Alexandria e Orígenes. Outros menos conhecidos foram Hipólito, Júlio Africano e
Gregório Taumaturgo.
• Irineu (c.135-c.200) foi bispo de Lião, no sul da Gália (atual França), e escreveu em
grego uma monumental obra contra os gnósticos, intitulada Contra as Heresias. Quase na
mesma época viveu em Cartago, uma colônia romana no norte da África, Tertuliano (c.160-
c.220), o primeiro escritor cristão a utilizar o latim e por isso chamado de "pai da teologia
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latina". Entre suas obras polêmicas, destacam-se Prescrição aos Hereges, Contra Márcion e
Contra Práxeas, na qual antecipou a doutrina da trindade. No final da sua vida, aderiu ao
movimento montanista. Outro importante escritor de Cartago foi o bispo Cipriano (c.200-
258), que ressaltou a importância do episcopado e morreu como mártir. Em Alexandria, no
Egito, foi fundada uma famosa escola catequética que teve como seus grandes líderes
Clemente de Alexandria (c.150-c.215) e o extraordinário Orígenes (c.185-c.254), o mais
influente pensador cristão do seu tempo e autor da obra Dos Primeiros Princípios, a primeira
teologia sistemática, e de uma obra polêmica, Contra Celso, além de muitíssimos outros
livros.
E. A Vida da Igreja
No início do quarto século, o culto cristão estava mais formalizado e dotado de uma
liturgia elaborada, principalmente no que concerne à celebração dos sacramentos. O batismo
era precedido de uma longa preparação, o catecumenato, e geralmente ocorria na Páscoa ou
no Pentecostes. Podia ser ministrado por imersão ou por efusão (água derramada sobre a
cabeça). Já havia se difundido a convicção de que esse rito literalmente purificava os
pecados da pessoa batizada. A santa ceia ou eucaristia havia se tornado a principal
celebração cristã, sendo entendida como um sacrifício. Portanto, os seus oficiantes eram
vistos como sacerdotes distintos dos demais cristãos, os leigos. A organização da igreja havia
se tomando fortemente hierárquica, sob a firme liderança dos bispos. No final desse período,
os cristãos também começaram a construir os seus primeiros templos. Em Roma, os cristãos
reuniam-se nas catacumbas, locais onde também sepultavam os seus mortos.
No final do período que estamos estudando (início do quarto século), o cristianismo já
estava firmemente implantado em várias regiões do norte da África, inclusive o Egito, bem
como na Síria, Armênia, Mesopotâmia, toda a Ásia Menor, a península grega, Itália, sul da
Gália e sul da Espanha. Também já havia cristãos ao sul dos rios Reno e Danúbio e até
mesmo na longínqua Britânia (Grã-Bretanha). Em outras palavras, a fé cristã já havia
alcançado quase todas as regiões do vasto Império Romano e no oriente ultrapassava as suas
fronteiras. Não houve missionários famosos nesse período: a fé era difundida pelos cristãos
comuns em seus contatos com outras pessoas e povos. A igreja era composta de indivíduos
de todas as classes sociais, desde escravos até nobres.
Implicações Práticas
• Esse foi um período heróico da igreja antiga, em que os cristãos procuravam viver a
vida cristã e testemunhar acerca da sua fé em meio a circunstâncias freqüentemente adversas.
Sua coragem e coerência no meio das perseguições e perplexidades do seu tempo nos
inspiram e motivam a "viver de modo digno do evangelho" e a "lutar juntos pela fé
evangélica" (Filipenses 1.27) nos dias atuais.
• O esforço tanto dos grandes intelectuais cristãos quanto dos crentes comuns dos
primeiros séculos, no sentido de comunicar as suas convicções aos seus contemporâneos e
dar uma contribuição construtiva à sua sociedade, nos desperta para as grandes
oportunidades e responsabilidades que temos em nossa geração.
Leitura sugerida: Alderi Souza de Matos, "A Divina Tríade: Irineu de Lião e a
Doutrina de Deus", Fides Reformata II: 1 (1997): 137-150.
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Objetivos da Aula
Ao final desta aula, o aluno deverá ser capaz de:
• Compreender a grande mudança na situação da igreja ocasionada pelo apoio do
imperador Constantino
• Conhecer as célebres controvérsias trinitárias do século IV e as controvérsias
cristológicas do século V
• Conhecer alguns dados acerca das invasões das tribos bárbaras e dos principais
missionários do período
• Saber quais foram os mais destacados pais da igreja da "idade de ouro" da
patrística
• Identificar as principais características do monasticismo e da espiritualidade cristã
nesse período
• Compreender o surgimento do papado
1. A Grande Transição
No ano 313, ocorreu um evento extraordinário que mudou drasticamente os rumos da
história da igreja. Esse evento foi o decidido apoio do imperador Constantino ao
cristianismo. Constantino havia começado a governar em 308, mas só em 312 ele conseguiu
vencer o seu rival Maxêncio, na batalha da Ponte Mílvia, perto de Roma, tomando-se o único
imperador da parte ocidental do império. Pouco antes da batalha ele tivera um sonho em que
viu as duas primeiras letras do nome de Cristo em grego (XP = chi • ho) e as palavras "Com
este sinal vencerás". No ano seguinte, ele e Licínio, o dirigente da seção oriental do império,
se encontraram e promulgaram um decreto que ficou conhecido como Edito de Milão. Esse
decreto legalizou o cristianismo, fez cessar as perseguições e deu ampla liberdade religiosa a
todas as pessoas.
6. A Vida Cristã
Na período antigo surgiu uma instituição que haveria de tomar-se imensamente
importante na história posterior da igreja: o monasticismo. Desde os primeiros séculos,
muitas pessoas sentiram a necessidade de viver uma vida de renúncia e total consagração a
Deus, inspiradas por passagens do Novo Testamento como a história do moço rico (Mateus
19.21; ver também Lucas 14.33). Os primeiros monges surgiram no terceiro século e viviam
sós nos desertos. Os mais conhecidos desses antigos "eremitas" (de éremos = deserto) ou
anacoretas (de anachorein = afastar-se) foram Antônio ou Antão, no Egito (m.356), e
Simeão Estilita, na Síria (m. 459). Este último foi chamado de estilita porque viveu trinta
anos em cima de uma coluna (em grego, stylos).
Ao mesmo tempo, surgiu uma nova modalidade, o monasticismo comunitário, que
veio a tomar-se predominante tanto no oriente como no ocidente. Esses monges eram
chamados de cenobitas (de koinós bíos = vida comum). O primeiro cenóbio foi fundado por
Pacômio (m.346), no Egito. Dois grandes líderes monásticos foram, no oriente, Basílio de
Cesaréia, e no ocidente, Bento de Núrsia (c.480-c.550). Este último escreveu a famosa regra
beneditina, que por séculos orientou a vida dos mosteiros. A regra disciplinava a vida diária
dos monges em torno de três atividades: devoção, estudo e trabalho. Muitos dos
personagens que já vimos foram monges, submetendo-se aos três votos clássicos de
pobreza, castidade e obediência.
No período que estamos estudando, o culto cristão tomou-se fortemente estruturado,
com liturgias e orações formais. Deu-se grande ênfase à música, com coros, cânticos e
antífonas. No século IV, foi composto o Te Deum (= A ti, ó Deus), um dos hinos litúrgicos
mais conhecidos. O culto tomou-se solene e impressionante e também a arquitetura religiosa,
com o surgimento das majestosas basílicas. Intensificou-se o culto aos santos, os antigos
mártires da igreja, bem como a Maria, especialmente após as controvérsias cristológicas, que
deram ênfase a Maria como theotokos, a portadora ou mãe de Deus. Também popularizaram-
se as peregrinações a lugares considerados santos e a veneração de relíquias.
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7. Organização Eclesiástica
Esse período testemunhou o crescente fortalecimento dos bispos e dos concílios em
que se reuniam. Os bispos das capitais provinciais passaram a ser chamados de
metropolitanos (arcebispos). Os bispos das igrejas mais importantes e antigas - Roma,
Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém - receberam o título de patriarcas. Outra
característica marcante do período foi a afirmação da supremacia dos bispos de Roma. Isso
resultou de um longo processo em que esses bispos foram fazendo reivindicações cada vez
mais ousadas sobre sua autoridade.
Os principais fatores que contribuíram para o surgimento do papado foram: a
insistência no primado de Pedro (Mateus 16.17-19), que teria sido o primeiro bispo de Roma,
e a alegação de que essa autoridade foi transmitida aos seus sucessores; o suposto martírio de
Pedro e Paulo em Roma; a importância da cidade e da igreja de Roma; as declarações de
governantes em apoio às pretensões papais; a rápida aceitação dessa autoridade no ocidente,
devido à falta de concorrentes; o declínio do Império do ocidente, tornando a igreja a
instituição mais importante da sociedade; a habilidade de muitos bispos de Roma como
teólogos, administradores e promotores da obra missionária. O fato é que no século V houve
a aceitação geral do primado de Pedro, sendo Leão I (440-461) considerado o primeiro papa
no sentido pleno da palavra. Essas reivindicações encontraram forte resistência no oriente,
sendo um dos fatores da futura separação entre as igrejas oriental (ortodoxa) e ocidental
(católica).
Implicações Práticas
Embora o texto da aula não fale muito sobre o assunto, uma das características da
igreja antiga foi o profundo interesse pelas Escrituras. Pais da igreja como Irineu, Orígenes,
Jerônimo e Agostinho dedicaram as suas vidas ao estudo reverente da Palavra de Deus.
Teodoro de Mopsuéstia (c.350-428), da Escola de Antioquia, é considerado o maior exegeta
da igreja antiga. João Crisóstomo destacou-se pelas suas pregações profundamente bíblicas,
expositivas. E outros ainda, como vimos, dedicaram-se à tarefa de traduzir as Escrituras. Que
o seu exemplo nos estimule a valorizar a Palavra e interpretá-la de modo equilibrado.
Ao estudar este período, podemos ficar perplexos diante do surgimento de crenças e
práticas que não nos parecem corretas. Ficamos nos perguntando porque Deus permitiu que
as coisas tomassem certos rumos. A história da igreja é importante porque mostra os acertos
e os erros da igreja em sua caminhada no mundo. Nós também cometemos erros e temos as
nossas próprias divergências teológicas. Precisamos pelo menos entender como certas coisas
aconteceram, mesmo que não concordemos com elas. Por outro lado, seria um erro nos
concentrar nos desvios e esquecer as coisas positivas. Os reformadores protestantes do
século XVI souberam valorizar as contribuições positivas da igreja antiga.
5. A Igreja no Início da Idade Média (590-1073)
Objetivos da Aula
Ao final desta aula, o aluno deverá ser capaz de:
• Conhecer os dados básicos sobre o surgimento do islamismo
• Conhecer os principais aspectos da atividade missionária da igreja
• Familiarizar-se com o surgimento dos impérios franco e germânico
• Saber quais foram os personagens e controvérsias mais importantes da época
• Conhecer a evolução da igreja grega ou oriental até a ruptura com Roma
• Saber como ocorreu a decadência e a reforma da instituição papal
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• Inteirar-se do lugar ocupado pelas Escrituras nesse período
Inicialmente, cabem duas observações sobre o título desta aula. Primeiro, o mais
correto seria dizer "A igreja na primeira metade da Idade Média", pois o período indicado é
de quase quinhentos anos. Segundo, o ano do final do período é um pouco diferente do que
foi colocado na Introdução (1054). No final da aula, vocês verão por quê. A Idade Média,
que tem esse nome por estar entre a Idade Antiga e a Moderna, com freqüência tem má
reputação como a "idade das trevas". Muitos acham que foi uma época em que só houve
ignorância, superstições e retrocesso. Todavia, esse longo período da história também teve
coisas muito apreciáveis, especialmente na sua segunda metade, como veremos na próxima
aula.
O início da Idade Média coincide com o pontificado do grande bispo de Roma que foi
Gregório Magno (590-604), considerado um dos "doutores da igreja," ao lado de Ambrósio,
Jerônimo e Agostinho. Ele foi o primeiro monge a tomar-se papa. Foi um homem de grande
integridade pessoal e um notável administrador cujas ações aumentaram o poder temporal do
papado, ampliaram a ação missionária da igreja (corno veremos adiante) e influenciaram o
monasticismo e a liturgia católica ("canto gregoriano"). Gregório escreveu uma obra de
teologia prática, Livro do Cuidado Pastoral, um manual de aconselhamento que foi muito
utilizado durante toda a Idade Média. Cerca de trinta anos após a sua morte, houve um
acontecimento de grande importância que afetou profundamente o cristianismo.
1. O Surgimento do Islamismo
Esse acontecimento foi o surgimento, na Península Arábica, de uma combativa
religião rival do cristianismo. O islamismo foi fundado por Maomé (m.632), um mercador de
Meca, na atual Arábia Saudita, que em suas viagens teve muitos contatos com judeus e
cristãos, sendo por eles influenciado em suas concepções religiosas. Uma dessas influências
foi o rígido monoteísmo que caracteriza o islã, que significa "submissão" à vontade de Deus
(Alá). Seu livro sagrado, o Corão, faz muitas referências ao Velho Testamento e considera
Jesus um dos profetas de Deus, sendo Maomé o último e principal deles. O grande feito de
Maomé foi unir as tribos árabes, que antes eram politeístas e viviam guerreando entre si, em
tomo dessa nova religião monoteísta.
Empolgados com a sua nova fé, a partir de 632, o ano da morte de Maomé, os
exércitos muçulmanos começaram a conquistar todo o norte da África e o Oriente Médio.
Foi uma trágica perda para o cristianismo, pois essas regiões tinham tido florescentes centros
cristãos desde os primórdios da história da igreja. Entre os lugares conquistados estavam a
Numídia, onde viveram Tertuliano, Cipriano e Agostinho; o Egito, lugar da Escola de
Alexandria, com seus grandes luminares, Clemente e Orígenes; e a Síria, onde havia
florescido a Escola de Antioquia. Em 711, os maometanos atravessaram o Estreito de
Gibraltar e invadiram a Península Ibérica (Espanha). Aliás, Gibraltar significa "rocha de
Tarik", numa referência ao comandante dos exércitos invasores. Assim, teve início uma
presença muçulmana na Espanha que haveria de durar por muitos séculos. Em seguida, os
mouros atravessaram os Pirineus e entraram na França, mas foram finalmente derrotados
pelo rei Carlos Martelo em Tours, em 732.
2. Atividade Missionária
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A primeira metade da Idade Média caracterizou-se por intensa atividade missionária.
Foi nesse período que completou-se a evangelização ou cristianização da Europa,
principalmente no norte e no leste. Como vimos na aula anterior, em 449 os anglos e os
saxões haviam invadido a Britânia ou Bretanha. A população local, os bretões, foi expulsa
para o ocidente da ilha. Os bretões eram cristãos (celtas), mas os invasores ainda eram
pagãos. O papa Gregório I viu nisso uma grande oportunidade missionária e enviou para lá,
em 597, um monge chamado Agostinho, acompanhado de 40 outros monges. Eventualmente,
houve a conversão do rei Etelberto de Kent, cuja esposa, Berta, havia se convertido
anteriormente. Agostinho tomou-se arcebispo de Cantuária (Canterbury). Com isso,
passaram a coexistir na Inglaterra dois tipos de cristianismo: o antigo cristianismo celta e
agora o catolicismo romano. A situação foi resolvida em 663, quando o Sínodo de Whitby
unificou o cristianismo inglês sob a autoridade do papa.
Assim como no século VI Columba havia fundado o centro missionário de lona, no
século VII Aidano fundou um centro semelhante do outro lado da Escócia, em Lindisfarne.
Porém, o mais extraordinário missionário irlandês foi Columbano (m.c. 614), que pregou na
França, na Alemanha e na Suíça, chegando até o norte da Itália. Na Frisia (atual Holanda)
trabalhou Willibrord, que tomou-se arcebispo de Utrecht em 695, e na vizinha Germânia
(Alemanha) o inglês Bonifácio (680-755), o maior missionário do seu tempo. A Dinamarca e
a Suécia foram evangelizadas pelo francês Ansgar (801-865), "o apóstolo do norte". Já os
primeiros missionários aos eslavos (Morávia) foram os gregos Cirilo e Metódio, no século
IX. Em todo esse longo período de desbravamento, os mosteiros realizaram um admirável
trabalho nas áreas de missões, cultura e beneficência.
4. O Império Germânico
Após a morte de Carlos Magno, seus filhos não conseguiram manter o império unido.
O centro do poder deslocou-se um pouco para leste, para o território da atual Alemanha,
onde Oto I, o Grande (936-73), inspirado em Carlos Magno, foi coroado imperador pelo
papa em 962. Surgiu assim o Sacro Império Romano Germânico, que foi o principal poder
político da Idade Média e, por incrível que pareça, subsistiu até 1806! O império chamava-se
sacro ou sagrado por ser cristão, abençoado pela igreja, e romano porque foi entendido como
o ressurgimento do antigo império dos romanos. Esse império com freqüência teve uma
relação tumultuada com a igreja, interferindo nos seus assuntos internos, inclusive na escolha
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dos papas. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se a ideologia de que o reino de Deus tinha dois
representantes no mundo, o império e a igreja.
5. Personagens e Controvérsias
Como os períodos anteriores, também este teve vários personagens de destaque. Na
Espanha, viveu o bispo Isidoro de Sevilha (c.560-636), considerado por muitos estudiosos o
último dos pais da igreja ocidental. Na Inglaterra, viveu o monge conhecido como Venerável
Beda (c.673-735), autor da importante obra História Eclesiástica do Povo Inglês. João de
Damasco (c.675-749), outro destacado personagem desse período, é considerado o último e
mais importante dos pais da igreja oriental. O inglês Alcuíno (735-804) foi conselheiro e
uma espécie de ministro da cultura do imperador Carlos Magno. O período também foi
marcado por algumas controvérsias teológicas das quais participaram indivíduos com nomes
estranhos. Ratramno (m.856) e Gottschalk (m.868) defenderam a doutrina de Agostinho
sobre a predestinação, sendo que o último foi preso e condenado, morrendo depois de vinte
anos na prisão. Rabano Mauro (m.856), João Scotus Erígena (m.c.877) e Hincmar (m.882)
atacaram essa doutrina. Por sua vez, o monge beneditino Pascásio Radberto (m.860)
defendeu a presença real de Cristo na eucaristia (transubstanciação) contra Ratramno e
Rabano Mauro.
6. A Igreja Oriental
A começar do período antigo, a igreja grega ou oriental foi enfraquecida pelas lutas
teológicas, cismas e invasões muçulmanas (os árabes chegaram às portas de Bizâncio em
673). A igreja também sofreu por causa de suas estreitas ligações com o Império Bizantino.
Os imperadores geralmente controlaram a igreja, fenômeno esse que ficou conhecido como
cesaropapismo. Entre 726 e 843 ocorreu a célebre "controvérsia iconoclástica", na qual
vários imperadores tentaram impedir sem sucesso o uso e veneração dos ícones (quadros de
Maria e dos santos). Como já foi apontado, o maior teólogo da igreja oriental foi João
Damasceno, falecido em 749 e considerado um doutor da igreja. Inicialmente, ele serviu na
corte de um califa islâmico; depois, abandonou esse serviço para ingressar em um mosteiro.
Ele produziu uma teologia considerada normativa para a igreja oriental.
Desde os primeiros séculos manifestaram-se diferenças crescentes entre a igreja
romana/ocidental e a igreja grega/oriental. Além do aspecto geográfico, lingüístico e
político, havia as diferenças mais profundas de cultura e mentalidade. Os gregos eram mais
filosóficos, especulativos, daí a sua predileção por temas abstratos como o ser de Deus. Os
romanos tinham mentalidade mais prática, daí seu interesse por áreas como a eclesiologia.
Outro motivo para afastamento foi a palavra filioque (= "e do Filho"). O Credo de
Constantinopla (381) dizia que o Espírito Santo procede do Pai. O III Sínodo de Toledo, em
589, acrescentou a referida palavra ao credo. Na década de 860, o papa Nicolau I e Fócio, o
patriarca de Constantinopla, excomungaram-se mutuamente por esse motivo. O problema
maior sempre foi a reivindicação de autoridade universal pelo bispo de Roma. A ruptura
final entre as duas igrejas ocorreu em 1054, quando Leão IX excomungou o patriarca Miguel
Cerulário e este anatematizou o papa. De todo esse longo processo, resultou a Igreja
Ortodoxa Grega, distinta da Igreja Católica Romana.
8. E as Escrituras?
Na Idade Média, as Escrituras eram lidas habitualmente apenas nos mosteiros, sendo
pouco acessíveis para o povo. Havia várias razões para isso: a Bíblia só existia em latim, não
tendo ainda sido traduzida para os diversos idiomas da Europa; não havia ainda a imprensa,
o que fazia com que as cópias da Bíblia tivessem de ser escritas à mão, tomando-as muito
caras para a maior parte das pessoas; além disso, a igreja não tinha interesse em que as
Escrituras estivessem nas mãos das pessoas comuns, por temer que fossem interpretadas de
maneira divergente do ensino da igreja, gerando idéias "heréticas". Todavia, foi muito
importante o trabalho dos monges no sentido de preservar e reproduzir os antigos
manuscritos bíblicos, o que faziam com muita arte e esmero. Além dos copistas peritos em
caligrafia havia os iluministas, ou seja, os indivíduos que ilustravam os manuscritos.com
belos desenhos conhecidos como iluminuras. Em termos de hermenêutica ou interpretação
bíblica, continuou-se a usar o método alegórico (a busca de sentidos ocultos no texto),
surgido nos primeiros séculos da história da igreja. O peso da tradição eclesiástica (os
ensinos dos escritores da igreja, dos concílios e dos papas) foi se tomando cada vez mais
influente para a fé e a prática da igreja.
Implicações Práticas
O surgimento do islamismo e os danos que causou ao cristianismo mostram outro tipo
de desafio que os cristãos têm enfrentado em toda a sua história: a realidade de outras
religiões e o desafio missionário que representam. Como vimos, a parte inicial da Idade
Média não foi só um período de perdas, mas de ganhos: perdas no norte da África e Oriente
Médio, mas ganhos no norte e leste da Europa, através dos esforços missionários
empreendidos. Os problemas enfrentados e vitórias alcançadas nos dão importantes lições ao
nos depararmos com os mesmos desafios em nossos dias.
A história desse período também nos mostra o alto preço que a igreja pode pagar ao
relacionar-se muito estreitamente com o estado. Essa relação quase sempre corrompe a
ambos, embora quem mais perca seja a igreja, que não tens fins primariamente políticos, e
sim espirituais. Não é desejável que a igreja esteja alheia às questões políticas ou sociais,
mas que, a partir de uma postura de independência, exerça uma influência salutar sobre as
instituições políticas, especialmente na área crucial da ética.
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Objetivos da Aula
Ao final desta aula, o aluno deverá ser capaz de:
• Entender os altos e baixos vividos pelo papado nesse período
• Saber o que foram as cruzadas e o escolasticismo
• Conhecer os principais movimentos dissidentes e ordens religiosas surgidos no
período
1. O Auge do Papado
Hildebrando, a quem nos referimos no [mal da aula passada, tornou-se papa com o
título de Gregório VII (1073-85) e adotou como lema do seu pontificado as palavras de
Jeremias 48.10a. Ele foi um papa reformador que lutou contra a corrupção dos clérigos, as
investi duras leigas e a simonia (ver aula anterior). Como o imperador alemão Henrique IV
(1056-1106) insistisse em nomear os bispos no seu território, Hildebrando o excomungou.
Enfraquecido politicamente, Henrique foi encontrar-se com o papa no castelo de Canossa,
nos Alpes, em que este achava-se hospedado (ano 1077). Depois de bater à porta por três
dias, vestido como um penitente e caminhando descalço na neve, Henrique foi perdoado e
teve anulada a sua excomunhão. Novamente fortalecido, o imperador enviou um exército a
Roma e prendeu o papa. A controvérsia das investi duras só foi resolvida na Concordata de
Worms (1122), entre o papa Calixto 11 e o imperador Henrique V.
Outro papa que lutou contra a simonia foi Alexandre III (1159-81). O rei Henrique II
da Inglaterra não queria abrir mão da prerrogativa de nomear os bispos. Isso fez com que o
seu opositor, Thomas Becket, arcebispo de Cantuária, fosse assassinado (1170). O papa
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obrigou o rei a fazer uma penitência pública pelo assassinato. Todavia, o maior dos papas
medievais foi Inocêncio III (1198-1216), o primeiro a usar o título "Vigário de Cristo". Ele
nutriu a visão de uma sociedade cristã unificada sob a liderança do papa (o conceito de
"cristandade"). Inocêncio reorganizou a igreja através do 4º Concílio Lateranense (1215) e
enfrentou com êxito o rei francês Filipe Augusto e o rei inglês João Sem Terra, que se viu
forçado a aceitar uma constituição, a Magna Carta. Esses episódios nos mostram como era
tumultuada e nociva a relação entre a igreja e o estado.
2. As Cruzadas
As cruzadas foram guerras promovidas pela cristandade ocidental contra o islamismo,
de 1095 a 1291. Tiveram diversas causas, religiosas, políticas e econômicas, mas o objetivo
declarado era libertar a Palestina, o berço do cristianismo, das mãos dos maometanos. A
primeira cruzada foi pregada pelo papa Urbano II em Clermont, na França, em 1095, sob o
lema Deus vult! ("Deus o quer"). Depois de muita violência, os cruzados estabeleceram um
reino cristão em Jerusalém (1099-1187). A "cruzada das crianças" (1212) envolveu milhares
de adolescentes, a maior parte dos quais morreram ou foram vendidos como escravos. Os
cruzados mais famosos foram os reis Frederico Barba Roxa (1152-90), Ricardo Coração de
Leão (1189-99) e Luís IX (São Luís, 1226670). Esse período viu o surgimento de ordens
militares como os hospitalários, os templários e a ordem teutônica. Na mesma época, teve
continuidade a reconquista da Península Ibérica e ocorreu o surgimento de Portugal como
nação independente (114771249). As cruzadas produziram muitos efeitos negativos, entre os
quais uma duradoura antipatia entre os dois grupos envolvidos, o que muito dificultou as
missões dos cristãos aos muçulmanos.
3. O Escolasticismo
O escolasticismo foi um movimento intelectual e teológico que resultou da introdução
da filosofia de Aristóteles na Europa através dos árabes e judeus da Espanha. Essa filosofia,
com sua visão ordenada e sistemática do mundo, afetou todas as áreas do pensamento,
contribuindo para o chamado renascimento do século XII (1050-1250). A filosofia e a lógica
aristotélicas também afetaram fortemente a teologia cristã. Os primeiros teólogos
escolásticos foram os seguintes: Anselmo (1033-1109), arcebispo de Cantuária, chamado o
"pai do escolasticismo"; sua obra principal foi Cur Deus Homo?, um tratado sobre a
encarnação. Pedro Abelardo (1079-1142), brilhante professor da Universidade de Paris que
escreveu a obra Sic et Non. Bemardo de Claraval (1090-1153), influente líder, pregador e
místico, tido como o pai do misticismo medieval. Pedro Lombardo (1100?-1160?), chamado
"o mestre das sentenças" por causa da sua obra Quatro Livros de Sentenças, um texto padrão
de teologia por vários séculos no qual ele defendeu os sete sacramentos. O século XII
também marcou o surgimento das primeiras universidades, tais como as de Paris,
Montpellier, Cambridge, Oxford, Bolonha, Modena e Régio. Nelas estudava-se filosofia,
direito, medicina e teologia, a "rainha das ciências". Outra contribuição do período foi a
esplêndida arquitetura gótica das catedrais.
4. Movimentos dissidentes
Outro aspecto desse período de efervescência foi o surgimento de alguns movimentos
dissidentes no sul da França que despertaram forte oposição da Igreja Católica. Um deles foi
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o dos cátaros (em grego = "puros") ou albigenses (da cidade de Albi), surgidos no século
XI. Caracterizavam-se por um sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, com um dualismo
radical (espiritual x material) e extremo ascetismo. Foram condenados pelo 4° Concílio
Lateranense em 1215 e mais tarde aniquilados por uma cruzada. Para combater esses e
outros hereges, a Inquisição foi oficializada em 1233.
Outro movimento foi liderado por Pedro Valdo ou Valdes (t c.1205), de Lião, cujos
seguidores ficaram conhecidos como "homens pobres de Lião". Tinham um estilo de vida
comunitário, ensinavam as Escrituras no vernáculo (enfatizando o Sermão do Monte),
incentivavam a pregação de leigos e de mulheres, negavam o purgatório. Condenados pelo
Concílio de Verona em 1184, foram muito perseguidos, refugiando-se em vales remotos e
quase inacessíveis dos alpes italianos. Mais tarde os valdenses abraçaram a Reforma
Protestante, sendo assim uma das poucas igreja protestantes anteriores à Reforma do Século
XVI.
5. Ordens Religiosas
A segunda metade da Idade Média também viu o surgimento de novas ordens
religiosas como os cistercienses (de Citeaux, na França), em 1098. Em um século, os
chamados "monges brancos" criariam 530 mosteiros. Todavia, duas outras ordens surgidas
no século XIII se tornariam muito mais conhecidas. Trata-se das "ordens mendicantes"
(frades), com sua ênfase na educação como instrumento de conversão do mundo. A primeira
foi a dos franciscanos, fundada pelo italiano Francisco de Assis (c.1l81-1226) e aprovada
oficialmente em 1210. Os "frades menores" tinham inicialmente um ideal de renúncia e
pobreza (Mt 19:21), e visavam a conversão dos muçulmanos. Dedicavam-se à caridade, à
pregação e ao estudo. A outra ordem foi a dos dominicanos, organizada pelo espanhol
Dominic de Guzman (c.1170-1221) e aprovada em 1216. Esses frades pregadores tinham
como alvo inicial converter os albigenses e outros grupos. Posteriormente, sua forte ênfase
inicial na pregação e no estudo foi substituída pela preocupação com a ortodoxia e isso os
levou a se envolverem com a Inquisição.
6. O Apogeu do Escolasticismo
Os grandes teólogos escolásticos foram os dominicanos Alberto Magno (c.1200-
1280), Tomás de Aquino (c.1225-1274) e Meister Eckhart (c. 1260-1327), e os franciscanos
Boaventura (c.1217-1274), Duns Scotus (c.1265-1308) e Guilherme de Ockham (c. 1285-
1349). O maior de todos sem dúvida foi Tomás de Aquino, procedente de uma família nobre
italiana. Aquino foi o maior teólogo medieval e os seus ensinos (o tomismo) são a doutrina
oficial da Igreja Católica. Escreveu a famosa Suma Teológica, na qual dá ênfase aos
conceitos duplos de fé e razão, graça e natureza, bem como aos sacramentos. Foi canonizado
em 1323 e declarado como "doutor da igreja" em 1567.
7. Vida e Culto
A sociedade medieval possuía uma estrutura hierárquica e rígida composta de três
grupos principais: os que trabalham (servos), os que oram (religiosos) e os que guerreiam
(nobres). Imperava o sistema feudal de senhores e vassalos. Ao mesmo tempo, estava
surgindo uma economia baseada no lucro, o que conflitava com o antigo ideal de pobreza. A
religiosidade popular dava grande ênfase aos sacramentos, especialmente da eucaristia e da
penitência (e as indulgências), bem como às esmolas, jejum e orações. Muitos buscavam um
contato mais pessoal com Deus pela união da alma com Ele (místicos) ou o cultivo da vida
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“devocional” interior. Havia muita ansiedade por uma espiritualidade mais profunda, o que
nem sempre podia ser suprido pela igreja, envolvida que estava com tantos interesses
seculares e mundanos.