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Liberalismo e democracia

Norberto Bobbio
1. A liberdade dos antigos e
dos modernos
 O problema da relação entre liberalismo e democracia é
extremamente complexo e não pode ser tratado de forma
linear.
 Senso comum:
 Liberalismo: concepção de Estado na qual este tem
Liberalismo
poderes e funções limitadas, contrapondo-se tanto ao
Estado absoluto, quanto ao Estado social.
 Democracia: governo em que o poder não está nas mãos
Democracia
de um só ou de poucos, mas está nas mãos de todos ou
de uma maioria. Contrapõe-se à autocracia
 A contraposição entre liberdade dos modernos e liberdade
dos antigos mostra como as concepções liberais e
democráticas podem variar.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 2


Cont.
 Liberdade dos antigos:
antigos distribuição do poder político entre
todos os cidadãos de uma mesma pátria.
 Liberdade dos modernos:
modernos segurança e garantia das
liberdades individuais, proteção do indivíduo em relação à
ação do estado.
 Liberdade dos antigos  democracia antiga.
 Liberdade dos modernos  democracia moderna.
 Princípios da liberdade dos modernos ≠ democracia antiga.
 Para Constant a participação direta nas decisões coletivas
submete o indivíduo à autoridade do todo (sociedade) e acaba
por torná-lo não livre como privado, atualmente esta fórmula é
inviável, pois exige-se do poder público a proteção da liberdade
privada.

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2. Os direitos do homem
 A doutrina dos direitos humanos, formulada pelos
jusnaturalistas, é pressuposto filosófico do Estado liberal.
 Jusnaturalismo  Direitos humanos.
 Jusnaturalismo: doutrina segundo a qual todos os homens,
Jusnaturalismo
indiscriminadamente, têm por natureza certos direitos
fundamentais (direito à vida, à liberdade, à segurança, à
felicidade); direitos que o Estado deve respeitar, e portanto
não invadir, e ao mesmo tempo proteger contra toda possível
invasão por parte dos outros.
 O jusnaturalismo e a doutrina dos direitos humanos limitam a
ação do Estado, daí sua compatibilidade com o pensamento
liberal.

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Cont.
 O jusnaturalismo funda uma concepção geral e hipotética da
natureza do homem (estado de natureza) que prescinde de
toda verificação empírica e de toda prova histórica. Chega-se
ao estado de natureza através da lógica. O estado de
natureza apresenta certas inadequações, daí a necessidade
da fundação do estado político, quase sempre através de um
pacto entre os indivíduos (por isso, alguns jusnaturalistas são
também conhecidos como contratualistas).
 Principal autor jusnaturalista e liberal:
 John Locke (1632-1704)

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Cont.
 Do ponto de vista histórico, o liberalismo e os direitos do
homem nascem de uma progressiva erosão do poder
absoluto do rei e, em períodos históricos de crise mais aguda,
de uma ruptura revolucionária (Inglaterra, séc. XVII; França,
séc. XVIII), ou seja, nascem de um processo de conquista de
espaços de liberdade por parte dos indivíduos.
 Do ponto de vista teórico, o liberalismo e os direitos do
homem são resultado de um acordo (contrato) entre os
indivíduos inicialmente livres que convencionam estabelecer
os vínculos estritamente necessários a uma convivência
pacífica e duradoura. [Cf. LOCKE, John. Segundo Tratado
sobre o Governo. 5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os
Pensadores)].
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Cont.
 O que une a doutrina dos direitos do homem ao
contratualismo é a concepção individualista da
sociedade, segundo a qual primeiro existe o
indivíduo com seus interesses e carências, que
depois formam a sociedade, e não o oposto, como
a tese sustentada pelo organicismo, que diz que
primeiro vem a sociedade e depois o indivíduo.
Jusnaturalismo Liberalismo

Contratualismo Direitos do homem

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3. Os limites do poder do
Estado
 Liberalismo compreende:
 Limites dos poderes do Estado  Estado de direito
 Limites das funções do Estado  Estado mínimo
 Estado mínimo ≠ Estado máximo
 Estado de direito ≠ Estado absoluto
 Estado de direito:
direito Estado em que os poderes públicos são
regulados por normas gerais (leis fundamentais ou
constitucionais, que no caso do liberalismo são também
informadas pelas leis naturais) e devem ser exercidos no
âmbito das leis que os regulam. Neste Estado, todo cidadão
pode recorrer a um juiz independente para fazer com que seja
reconhecido e refutado o abuso ou excesso de poder.
 “Governo das leis é superior ao governo dos homens.”

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Cont.
 Mecanismos constitucionais que fazem parte do
Estado de direito e que procuram impedir o
exercício arbitrário e ilegítimo do poder, ou o abuso
e exercício ilegal do poder:
 Controle do Executivo (a quem cabe o governo) por parte
do Legislativo (a quem cabe o poder de legislar e a
orientação política);
 Controle do Legislativo por parte do Judiciário, a quem se
pede a averiguação da constitucionalidade das leis;
 Relativa autonomia do governo local em todas as suas
formas e em seus graus em relação ao governo central;
 Magistratura independente do poder político.

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4. Liberdade contra poder
 Liberalismo sustenta uma noção de liberdade negativa,
segundo a qual na medida em que se aumenta o poder de
uma pessoa, reduz-se o poder da outra. Neste sentido
liberdade e poder são opostos.
 O liberal quer ampliar a liberdade do indivíduo e reduzir o
poder do Estado ao mínimo necessário para manter a ordem
social.
 Os limites dos poderes (Estado de direito) e das funções
(Estado mínimo) do Estado garantem mais liberdade ao
indivíduo.
 Para o liberal o Estado é concebido como mal necessário; e
por isso deve intervir o menos possível na esfera de ação dos
indivíduos.

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Cont.
 O liberal defende a progressiva emancipação da
sociedade ou sociedade civil em relação ao Estado.
 As principais esferas nas quais ocorreram esta
emancipação foram as esferas religiosa e
econômica:
 A história do Estado liberal coincide, de um lado, com
o fim dos Estados confessionais e com a formação do
Estado neutro ou agnóstico quanto às crenças religiosas
de seus cidadãos, e, de outro lado, com o fim dos
privilégios e dos vínculos feudais e com a defesa dos
princípios da economia capitalista que marca o
desenvolvimento da sociedade mercantil burguesa.

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Cont.
 Estado liberal é contrário ao paternalismo, pois entende que a
relação entre povo e soberano no governo paternalista
privilegia o segundo (soberano).
 Para os liberais os governantes são servidores do povo:
 “O soberano tem apenas três deveres de grande importância: a)
a defesa da sociedade contra os inimigos externos; b) a
proteção de todo indivíduo das ofensas que a ele possam dirigir
os outros indivíduos; c) o provimento das obras públicas que
não poderiam ser executadas se confiadas à iniciativa privada.”
(Adam Smith)

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5. O antagonismo é fecundo
 Este tema é desenvolvido em duas partes: na primeira o autor
procura mostrar a importância dada pelos liberais ao tema da
variedade individual contraposta à uniformidade estatal; na segunda
analisa a fecundidade do antagonismo
 Parte I
 Para liberais como Humboldt, o Estado não deveria se preocupar
com políticas de “bem-estar” para proteger os cidadãos, tornado-os
iguais, ao contrário, deveria promover e valorizar a desigualdade e a
variedade:
 “A intervenção do governo para além das tarefas que lhe cabem,
relativas à ordem externa e interna, termina por criar na sociedade
comportamentos uniformes que sufocam a natural variedade dos
caráteres e das disposições... Aquilo a que os governos tendem (...) são
o bem-estar e a calma, mas o que o homem persegue e deve perseguir
é algo completamente diverso, é variedade e diversidade.”
(Wilhelm von Humboldt)

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Cont.
 Indivíduos protegidos pelo Estado perdem a
iniciativa e a criatividade, perdem a capacidade de
superar obstáculos e, portanto, afetam
negativamente a produção da riqueza em
sociedade.
 Desse modo, a defesa do indivíduo contra a
tentação do Estado de prover ao seu bem-estar
está relacionada uma postura moral.
 O primeiro liberalismo nasce com uma forte carga
ética, com a crítica ao paternalismo e defendendo
radicalmente a autonomia da pessoa humana.

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Cont.

 Parte II
Organicismo Liberalismo
Valoriza a harmonia Valoriza o conflito
Valoriza a subordinação Valoriza a idéia de que o
regulada e controlada das contraste entre indivíduos e a
partes ao todo. concorrência entre grupos são
benéficos e são condição
necessária para o progresso
técnico e moral da
humanidade.

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Cont.
 Tipos e natureza dos conflitos valorizados pelo
liberalismo:
 O liberalismo tem uma profunda crença na contraposição
de opiniões e interesses diversos, desde que
desenvolvida essa contraposição no debate das idéias
para a busca da verdade, na competição econômica para
o alcance do maior bem-estar social, na luta política para
a seleção dos melhores governantes.
 O antagonismo, a concorrência, excita todas as
energias do homem, o induz a vencer a inclinação
à preguiça e a conquistar um posto entre os seus
consócios.

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6. Democracia dos antigos e
democracia dos modernos
 Democracia  antiga
 Liberalismo  moderno
 O significado básico do termo democracia não se
alterou no decorrer dos séculos:
 Democracia = governo onde o povo, entendido como
conjunto de cidadãos, é o titular do poder político.
 Tanto a democracia direta, quanto a representativa
descendem do mesmo princípio: a soberania popular
(Salus populi, suprema lex).
 Mas, a maneira do povo exercer o poder político foi
alterada:
 Democracia antiga  democracia direta ou participativa
 Democracia moderna  democracia representativa

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Cont.
 Argumentos favoráveis à democracia
representativa (ou governo representativo):
 As democracias diretas da Grécia e da Itália estavam
submetidas às agitações e revoluções geradas por
facções que as mantinham num estado de perpétua
incerteza entre os estágios extremos da tirania e da
anarquia.
(Hamilton, Jay e Madison no Livro O Federalista)
 Este argumento não se justificava, pois as democracias
representativas também incorporariam as lutas e
divergências entre facções através da política partidária.
 As dimensões das democracias modernas são
incompatíveis com os princípios da democracia direta.

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Cont.
 Características da democracia representativa:
 Eleição de representantes para representar o povo, ou a
nação, buscando os interesses gerais dentro do
parlamento.
 Os representantes estariam em melhores condições para
avaliar quais seriam os interesses gerais que os próprios
cidadãos, pois os primeiros, por serem escolhidos, seriam
os mais aptos, além dos cidadãos estarem fechados
demais na contemplação de seus próprios interesses
particulares.
 Proibição do mandato imperativo ou vinculatório, da recall
(revogabilidade de mandato), portanto, defesa do
mandato livre.
 Mandato imperativo  Estado estamental, socialista, entre
outros.
 Mandato livre  democracia representativa
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7. Democracia e igualdade
 Liberalismo pode ser considerado antitético à
democracia dos antigos, pois:
 Os antigos não conheciam a doutrina dos direitos
naturais, nem o dever de limitar as ações do Estado ao
mínimo necessário para sobrevivência.
 Os liberais nasceram desconfiando da participação
popular, defendendo o sufrágio restrito durante um bom
tempo.
 Liberalismo pode ser considerado um pressuposto
da democracia moderna, tomada a palavra
democracia em seu sentido jurídico-
institucional ou procedimental mais do que em
seu sentido substancial.

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Cont.

 Democracia substancial
 Ênfase no ideal da igualdade, inclusive a
igualdade econômica e social.
 Democracia procedimental ou formal
 Ênfase no conjunto de regras cuja
observância é necessária para que o
poder político seja efetivamente
distribuído entre a maior parte dos
cidadãos.
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Cont.
 Estado liberal  democracia moderna 
democracia formal ou procedimental.
 Problema das relações entre liberalismo e
democracia se resolve no difícil problema
das relações entre liberdade e igualdade:
Qual liberdade? Qual igualdade?
 Tomados em seus significados mais
amplos, liberdade e igualdade são valores
antitéticos, no sentido de que não se pode
realizar plenamente um sem limitar
fortemente o outro.
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Cont.
Sociedade liberal Sociedade igualitária
Individualista Totalizante

Conflitualista Harmônica

Pluralista Monista

Tem como fim a expansão da Tem como fim o desenvolvimento


liberdade individual, mesmo se o da comunidade em seu conjunto,
desenvolvimento da personalidade mesmo ao custo de diminuir a
mais rica e dotada puder se afirmar esfera de liberdade dos indivíduos
em detrimento do desenvolvimento
da personalidade mais pobre e
menos dotada

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Cont.
 A única forma de igualdade compatível com a
doutrina liberal é a igualdade na liberdade.
 Cada um deve gozar de tanta liberdade quanto
compatível com a liberdade dos outros, podendo fazer
tudo que não ofenda a igual liberdade dos outros.
 Esta forma de igualdade (igualdade na liberdade)
inspira dois princípios fundamentais do liberalismo:
 Igualdade perante a lei. A lei é igual para todos. O juiz
deve ser imparcial na aplicação da lei (Estado de direito).
 Igualdade dos direitos. Significa o igual gozo por parte
dos cidadãos de alguns direitos fundamentais
constitucionalmente garantidos.

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Cont.

 O liberalismo se projetou até a aceitação,


além da igualdade jurídica, da igualdade de
oportunidades, que prevê a equalização dos
pontos de partida, mas não dos pontos de
chegada. Daí sua incompatibilidade com o
ideal igualitário, que prevê a equalização
tanto dos pontos de partida, quanto dos
pontos de chegada.

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8. O encontro entre liberalismo
e democracia
 O liberalismo não só é compatível com a democracia, mas a
democracia pode ser considerada como o natural
desenvolvimento do Estado liberal apenas se tomada não
pelo lado de seu ideal igualitário, mas pelo lado de sua
fórmula política, que permite a soberania popular.
 Soberania popular pressupõe:
 Atribuição ao maior número de cidadãos do direito de participar
direta ou indiretamente na tomada de decisões coletivas (defesa
do sufrágio universal).
 Apesar de muitos escritores liberais terem contestado a
expansão do sufrágio e no momento da formação do Estado
liberal a participação no voto fosse consentida apenas aos
proprietários, a verdade é que o sufrágio universal não é
contrário nem ao Estado de direito e nem ao Estado mínimo.

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Cont.
 A interdependência entre liberalismo e democracia foi se ampliando
no decorrer do tempo. Enquanto no início puderam se formar
Estados liberais que não eram democráticos, hoje Estados liberais
não-democráticos não seriam mais concebíveis, nem Estados
democráticos que não fossem também liberais.
 Existem razões para crer que:
 O método democrático seja necessário para a salvaguarda dos
direitos fundamentais da pessoa, que estão na base do Estado
liberal (o melhor remédio contra o abuso de poder sob qualquer
forma é a participação direta ou indireta dos cidadãos na formação
das leis, sob este aspecto os direitos políticos são complemento
natural dos direitos de liberdade e dos direitos civis).
 A salvaguarda desses direitos seja necessária para o correto
funcionamento do método democrático (a democracia pressupõe
que o indivíduo seja livre para expressar suas opiniões, pressupõe
liberdade de imprensa, de reunião, de associação, enfim, todas as
liberdades que constituem a essência do Estado liberal).

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Cont.

 Hoje apenas os Estados nascidos das


revoluções liberais são democráticos e
apenas os Estados democráticos
protegem os direitos do homem: todos
os Estados autoritários do mundo são
ao mesmo tempo antiliberais e
antidemocráticos.

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9. Individualismo e
organicismo

 Nexo entre liberalismo e democracia


é possível porque ambos repousam
sobre uma concepção individualista
da sociedade.
 A concepção individualista da
sociedade se contrapõe a concepção
organicista.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 29


Cont.
ORGANICISMO (HOLISMO) INDIVIDUALISMO (ATOMISMO)
Antigo Moderno
Relacionado a democracia antiga Relacionado ao liberalismo e a
democracia moderna
Considera o Estado como um grande Considera o Estado como um conjunto
corpo composto de partes que de indivíduos e como o resultado da
concorrem para a vida do todo, e atividade deles e das relações por eles
portanto não atribui nenhuma estabelecidas entre si
autonomia aos indivíduos
“O todo precede necessariamente à “As partes compõem o todo.”
parte, com o que, quebrado o todo, não
haverá mais nem pés nem mãos.”
“A cidade é por natureza anterior ao “Separação entre público e privado.”
indivíduo.”

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 30


Cont.

 Crítica do liberalismo ao organicismo:


 O organicismo, por considerar o Estado como
uma totalidade anterior e superior às suas
partes, não pode conceder nenhum espaço a
esferas de ação independentes do todo, não
pode reconhecer uma distinção entre esfera
privada e esfera pública, nem justificar a
subtração dos interesses individuais, satisfeitos
nas relações com outros indivíduos (mercado),
ao interesse público.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 31


Cont.

 Democracia e organicismo:
 Democracia  concepção ascendente
do poder.
 Organicismo  concepção descendente
do poder. Mais compatível com regimes
autocráticos, em que “a cabeça, e não os
membros, comanda o corpo”.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 32


Cont.
 Concepção de individualismo do liberalismo
apresenta certas diferenças em relação à
concepção de individualismo da democracia
moderna:
 Individualismo liberal: reivindica a liberdade individual
tanto na esfera espiritual quanto na econômica contra o
Estado. Põe em evidência a capacidade de se autoformar,
de desenvolver as próprias faculdades, de progredir
intelectual e moralmente em condições de máxima
liberdade em relação a vínculos externos impostos
coercitivamente.
 Individualismo democrático: reconcilia o indivíduo com a
sociedade fazendo desta o produto de um acordo dos
indivíduos entre si. Exalta a capacidade de superar o
isolamento através de vários expedientes capazes de
permitir a instituição de um poder comum não tirânico.
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 33
10. Liberais e democratas no
século XIX
 Liberalismo inclui (Croce):
 Liberdade liberal: substituição do absolutismo de
governo pelo constitucionalismo.
 Liberdade democrática: reformas no eleitorado e
ampliação da capacidade política.
 Liberdade nacional: libertação do domínio estrangeiro
(independência nacional).
 História do Estado liberal e da sua continuidade no
Estado democrático:
 Momento histórico: para uns na idade da Restauração
da monarquia, mas agora sob a forma constitucional
parlamentar. Para outros, Montesquieu e Hegel, a teoria e
a práxis moderna do Estado liberal tinham começado na
Inglaterra do século XVII.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 34


Cont.

 Inglaterra:
 As revoluções do século XVII abriram caminho a todas
as idéias de liberdade pessoal, de religião, de opinião e
de imprensa que constituem o legado do pensamento
liberal. Afirmou-se a superioridade do Parlamento, do
Estado representativo e do constitucionalismo sobre o
Rei e o absolutismo. Defendeu-se a extensão dos
direitos políticos a todos os cidadãos maiores.
 A segunda fase do período revolucionário, a Revolução
Gloriosa (1688) garantiu estas mudanças através de um
processo gradual e pacífico.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 35


Cont.

 França:
 Democratização foi mais acidentada (várias
revoluções: Francesa e as revoluções liberais
do século XIX).
 A experiência com a república jacobina e com
Napoleão provocou nos intelectuais
(conservadores) sentimentos liberais, mas
antidemocráticos. Esses escritores chegaram
mesmo a imaginar a democracia e a tirania
como faces de uma mesma moeda.
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 36
Cont.
 No decorrer do século XIX, prolongou-se a
contraposição entre:
 Liberais radicais (liberais e democratas) X
liberais conservadores (liberais e não-
democratas, interessados em resistir à
ampliação do sufrágio).
 Democratas liberais X democratas não-
liberais ou radicais (interessados mais na
distribuição de poder do que em sua limitação,
nas instituições de autogoverno do que na
divisão do governo central, na separação
horizontal do que na vertical dos poderes, mais
na conquista da esfera pública que na
cuidadosa defesa da esfera privada).
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 37
Cont.
 A relação entre liberalismo e democracia pode ser
representada segundo três combinações:
a) Liberalismo e democracia são compatíveis. Pode existir um
Estado liberal-democrático, mas também um Estado liberal
não-democrático (liberais conservadores) e um Estado
democrático não-liberal (democratas radicais). [relação de
possibilidade].
b) Liberalismo e democracia são antitéticos. A democracia, levada
às suas últimas conseqüências, pode destruir o Estado liberal,
ou pode se realizar plenamente apenas num Estado social que
tenha abandonado o ideal do Estado mínimo. [relação de
impossibilidade].
c) Liberalismo e democracia estão ligados um ao outro, pois
apenas a democracia está em condições de realizar
plenamente os ideais liberais e apenas o Estado liberal pode
ser a condição de realização da democracia. [relação de
necessidade].

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 38


11. A tirania da maioria

 As duas alas do liberalismo europeu


são representadas pelos seguintes
autores:

Alexis de Tocqueville John Stuart Mill


(1805-1859) (1806-1873)
Liberal conservador Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr.
Liberal radical 39
Cont.
 Tocqueville:
 Obra principal: A democracia na América (1840).
 Foi antes liberal que democrata.
 Tinha na liberdade, principalmente a religiosa e a moral
(mais que a econômica), o fundamento e o fermento de
todo poder civil.
 Achava que o mundo estava caminhando para sistemas
democráticos.
 Perguntava: “Poderá a a liberdade sobreviver, e como, na
sociedade democrática?”
 Democracia = forma de governo em que todos participam
da coisa pública (oposta de aristocracia). Sociedade que
se inspira no ideal de igualdade, que ameaça a existência
de uma ordem social hierarquizada.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 40


Cont.
 Considera a democracia não como conjunto de
instituições das quais a maior característica seria a
participação do povo no poder político, mas como sistema
que exalta o valor da igualdade não só política como
social (igualdade das condições em prejuízo da
liberdade).
 Defende a liberdade do indivíduo em relação à igualdade
social. Está convencido de que os povos democráticos,
apesar de terem uma inclinação natural para liberdade,
têm uma paixão incontrolável e eterna pela igualdade,
embora desejem a igualdade na liberdade são também
capazes, se não podem obtê-la, de desejarem a
igualdade na escravidão. “Estão dispostos a suportar a
pobreza, não a aristocracia.”

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 41


Cont.
 A democracia poderia levar à tirania da maioria. O nivelamento
social levaria ao despotismo.
 O princípio da maioria é um princípio igualitário na medida em que
pretende fazer com que prevaleça a força do número sobre a força
da individualidade singular, a quantidade sobre a qualidade.
 Principais efeitos negativos do princípio da maioria:
 Instabilidade do Legislativo, conduta freqüentemente arbitrária dos
funcionários, conformismo das opiniões, redução do número de homens
ilustres na cena política.
 Como liberal, Tocqueville via o poder como nefasto, não importa se
régio ou popular. Não interessa quem exerça o poder, o importante é
controlá-lo e limitá-lo:
 “Quando vejo concedidos o direito e a faculdade de tudo fazer a uma
potência qualquer, seja ela povo ou rei, democracia ou aristocracia,
exercida numa monarquia ou numa república, afirmo: está ali o germe
da tirania.”
(Alexis de Tocqueville)

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 42


Cont.
 Para Tocqueville são inconciliáveis os
ideais liberais e igualitários:
 Ideal liberal: o que conta é a independência da
pessoa na sua esfera moral e sentimental.
 Ideal igualitário: deseja uma sociedade
composta tanto quanto possível por indivíduos
semelhantes nas aspirações, nos gostos, nas
necessidades e nas condições.
 Prefere o liberalismo à democracia e a
democracia ao socialismo.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 43


12. Liberalismo e utilitarismo

 John Stuart Mill foi liberal e democrata,


considerou a democracia o livre
desenvolvimento do Estado liberal.
 Defendeu a democracia
representativa.
 Obras principais: Sobre a liberdade
(1859) e Considerações sobre o
Governo Representativo (1863).
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 44
Cont.
 Sofreu a influência dos fundadores do utilitarismo: Jeremy
Bentham e seu pai, James Mill.
Bentham atacou os fundamentos filosóficos do
jusnaturalismo expondo, com ironia, sua
debilidade filosófica, sua inconsistência lógica e
seus equívocos verbais, além de sua total
ineficácia prática. Formula o princípio da
utilidade, segundo o qual o único critério que
deve inspirar o bom legislador é o de emanar leis
que tenham por efeito a maior felicidade do maior
número. O que quer dizer que, se devem existir
limites ao poder dos governantes, eles não
derivam dos direitos naturais do homem, mas da
consideração objetiva de que os homens
Jeremy Bentham desejam o prazer e rejeitam a dor, e em
(1748-1832) conseqüência a melhor sociedade é a que
consegue obter o máximo de felicidade para o
maior número de seus componentes.
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 45
Cont.
 A partir de Bentham a filosofia utilitarista torna-se a maior
aliada teórica do Estado liberal.
 O utilitarismo se preocupa não com a utilidade do indivíduo
isolado com respeito à dos outros indivíduos, mas com a
utilidade social, não com a felicidade singular de quem age,
mas com a felicidade de todos os interessados.
 A noção de liberdade sustentada por Mill é a de liberdade
negativa.
 Trata de formular um princípio para estabelecer os limites e
as liberdades da ação individual:
 “A humanidade está justificada, individual ou coletivamente, a
interferir sobre a liberdade de ação de quem quer que seja
apenas com o objetivo de se proteger... O único objetivo pelo
qual se pode exercer legitimamente um poder sobre qualquer
membro de uma comunidade civil, contra a sua vontade, é o de
evitar danos aos outros.”
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 46
13. Democracia representativa
 Mill é defensor da democracia representativa:
 “O perfeito governo livre é aquele em que todos
participam dos benefícios da liberdade”.
 Defende a extensão do sufrágio como remédio que
impedirá a tirania da maioria, mas mantém o
critério do imposto, por menor que seja. Quem não
paga um pequeno imposto não tem o direito de
decidir o modo pelo qual cada um deve contribuir
para as despesas públicas. Estavam excluídos da
proposta milliana:
 Os falidos e devedores fraudulentos;
 Os analfabetos;
 Os que vivem de esmolas das paróquias

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 47


Cont.
 Defende o voto feminino:
 “Se houver alguma diferença, as mulheres têm
maior necessidade do voto do que os homens,
já que, sendo fisicamente mais frágeis,
dependem para sua proteção muito mais da
sociedade e das leis”.
 Defende a educação pública gratuita para
esclarecer os analfabetos, para que
pudessem participar da política.
 Acreditava que o voto tinha um valor
educativo.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 48


Cont.

 Para evitar a tirania da maioria ainda


defende o voto proporcional contra o voto
majoritário, pois o voto proporcional
assegura representação às minorias.
 Defende o voto plural, em que os mais
instruídos, após solicitarem este voto e
passarem por um exame, poderiam votar
mais de uma vez.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 49


15. A democracia diante do
socialismo
 A relação entre liberalismo e democracia é de
proximidade crescente.
 A relação entre liberalismo e socialismo é de
antítese clara:
 O pomo de discordância é a liberdade econômica, que
pressupõe a defesa da propriedade privada.
 Socialismo critica a propriedade privada como fonte
principal da desigualdade entre os homens e
defende sua eliminação total ou parcial como
projeto da sociedade futura.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 50


Cont.
 A relação entre socialismo e democracia também é
de complementaridade.
 Para reforçar o nexo de complementaridade entre
socialismo e democracia temos duas teses:
 Democracia  socialismo: a democratização levaria ao
socialismo, fundada na transformação da propriedade e
na coletivização pelo menos dos principais meios de
produção;
 Socialismo  democracia: apenas o socialismo reforçaria
e alargaria a participação política, tornando possível a
plena realização da democracia, pois defende a
distribuição igualitária do poder econômico e político.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 51


Cont.
 A relação entre socialismo e democracia nem
sempre foi pacífica.
 Os socialistas históricos, que fizeram a revolução,
achavam que o socialismo deveria vir primeiro em
relação à democracia.
 Oposição entre liberal-democratas, socialistas
democráticos e socialistas não democráticos.
 Um regime que seja ao mesmo tempo democrático
e socialista até agora não existiu.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 52


Cont.

DEMOCRACIA

LIBERDADE IGUALDADE

LIBERALISMO SOCIALISMO

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 53


16. O novo liberalismo
 Surge como reação ao presumido avanço
do socialismo.
 Concentra-se na defesa dos seguintes
pontos:
 Economia de mercado
 Liberdade de iniciativa econômica
 Propriedade privada
 Neoliberalismo = liberismo (liberalismo
econômico).

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 54


Cont.

 Tentativas de aproximação entre


liberalismo e socialismo foram feitas
por diversos autores, mas não
lograram êxito prático:
 Os regimes socialistas não podem ser
considerados liberais.
 O Estado-previdência também contém
elementos não-liberais.
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 55
Cont.
 Para alguns liberais (Einaudi, por exemplo), o
liberalismo ético-político e o liberalismo econômico
(liberismo) são indissolúveis. Onde não há o
segundo não pode haver o primeiro.
 Para outros (Croce, por exemplo), a liberdade,
sendo um ideal moral, pode se realizar através das
mais diversas providências econômicas desde que
voltadas à elevação moral do indivíduo, ou seja, é
possível haver liberalismo sem liberismo.
 O neoliberalismo é mais compatível com o
pensamento do primeiro grupo de liberais, que
associavam o liberalismo ético-político ao
liberalismo econômico.
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 56
Cont.
 Os neoliberais fazem uma defesa
intransigente da liberdade econômica.
Existe maior comprometimento na defesa
da liberdade econômica do que na defesa
da liberdade política.
 Principais neoliberais:
 Friedrich von Hayek
 Robert Nozick
 Milton Friedman
 Ludwig von Mises
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 57
Cont.
 Hayek defendeu a distinção entre liberalismo
(teoria econômica) e democracia (teoria política):
 A liberdade individual (tendo a econômica como primeira
condição) seria um valor intrínseco.
 A democracia teria apenas um valor instrumental.
 Liberalismo e democracia lutaram juntos contra o poder
absoluto ao ponto de confundirem-se um no outro. Mas
agora não podem mais se confundir, pois o processo de
democratização pode ameaçar princípios liberais.
 Democracia e liberalismo respondem a questões
diferentes:
 Liberalismo: responde aos problemas das funções do
governo e em particular à limitação de seus poderes.
 Democracia: responde ao problema de quem deve
governar e com quais procedimentos.
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 58
Cont.
 Nozick, em seu livro Anarquia, Estado e Utopia,
combate o Estado máximo e também os
anarquistas.
 Defendia a tese liberal clássica de que o Estado é
uma organização monopolista da força cujo único e
limitado objetivo é proteger os direitos individuais
de todos os membros do grupo.
 Quanto a determinação dos direitos individuais que
o Estado deveria proteger, a teoria de Nozick
funda-se em alguns princípios do direito privado,
especialmente no direito de propriedade.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 59


17. Democracia e
ingovernabilidade

 Inicialmente, o liberal atacava o democrata


alertando para os riscos da tirania da
maioria (excesso de poder).
 Atualmente, o liberal alerta para o problema
da ingovernabilidade dos sistemas
democráticos (defeito do poder).
 Ingovernabilidade: incapacidade dos governos
democráticos de dominarem convenientemente
os conflitos de uma sociedade complexa.

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 60


Cont.
 As demandas numa democracia são sempre crescentes, pois
o estado democrático contribui para emancipação da
sociedade civil. Ao contrário, o ritmo das respostas do
governo a essas demandas é lento e seletivo, o que causa
frustrações:

DEMOCRACIA AUTOCRACIA

Demanda fácil Demanda difícil

Resposta difícil Resposta fácil

Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 61


Cont.
 A denúncia da ingovernabilidade dos regimes democráticos
tende a sugerir soluções autoritárias, que se movem em duas
direções:
 Reforçar o Poder Executivo e assim dar preferência a sistemas
de tipo presidencial ou semipresidencial em detrimento dos
sistemas parlamentares clássicos;
 Antepor sempre novos limites à esfera das decisões que podem
ser tomadas com base na regra típica da democracia, a regra da
maioria.
 Se a dificuldade em que caem as democracias deriva da
“sobrecarga de demandas”, os remédios, de fato, podem ser
essencialmente dois:
 Um melhor funcionamento dos órgãos decisionais (nessa
direção vai o acréscimo do poder do governo com respeito ao do
parlamento).
 Uma drástica limitação do poder do governo (nessa direção vão
as propostas de limitar o poder da maioria).
Antônio Luiz Arquetti Faraco Jr. 62

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