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Ricardo Agreste - 06/07/2009 – Entrevista à www.bomlider.

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"Ele viveu inserido numa cultura, tinha sotaque de Nazaré,
participava das festas de seu povo e se vestia da mesma
forma como qualquer outro homem da época."

Ricardo Agreste é Teólogo, filósofo, autor e conferencista internacional. Bacharel em Teologia pelo
Seminário Presbiteriano do Sul. Bacharel em Filosofia pela FAI (São Paulo). Mestre em Teologia com
especialização em Missões Urbanas pelo Calvin Theological Seminay. Atualmente é pastor da
Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera em Campinas e coordenador da área de Teologia
Pastoral no Seminário Presbiteriano do Sul e no Seminário Teológico Servo de Cristo (São Paulo).
Graduado internacional do Instituto Haggai em Maui. Docente nacional na área de Análise Cultural e
suas implicações para o evangelismo. Casado com Sonia, eles têm três filhos.

Bom Líder - Você costuma falar sobre a missão urbana da igreja, sendo assim, como a igreja
pode ser contextual, conectada com o mundo, sem ser mundana?

Ricardo Agreste - Primeiramente creio que, sempre que falamos sobre igreja, precisamos buscar
respostas bíblico-teológicas. Muitas distorções emergem quando tentamos construir respostas aos
desafios que a igreja enfrenta a partir da sociologia, psicologia, antropologia, ou qualquer outra "logia".
Biblicamente falando, Jesus Cristo é o cabeça da igreja que se encontra inserida no mundo e ao enviá-
la em missão é claro ao afirmar que "assim como o Pai me enviou, eu os envio". Creio que este "assim
como" está grandemente vinculado a atitude encarnacional de Cristo. Para nos resgatar, ele se fez um
dentre nós. Ele viveu inserido numa cultura, tinha sotaque de Nazaré, participava das festas de seu
povo e se vestia da mesma forma como qualquer outro homem da época. Assim, creio que a igreja de
Cristo é enviada para fazer sua parte na missão redentora tendo a ação de Jesus como modelo. É claro
que deste desafio de sermos uma igreja inserida na cultura medos emergem e diria que eles são
justificáveis. Muitos grupos, em nome da identificação com aqueles que desejam alcançar, têm
negociado a própria identidade do Evangelho. Por isso, a igreja em missão precisa ter consistência
teológica para poder observar a cultura criticamente, identificando os pontos de contato com o
Evangelho e os pontos que funcionam como antídoto ao Evangelho.

Bom Líder - Você também é autor do livro “Igreja? Tô fora!”, mas, afinal, de qual igreja você está
“fora”?

Ricardo Agreste - Eu estou fora de dois modelos de igreja. A primeira delas é a igreja que sucumbiu a
religiosidade. Creio que a maioria de nós pensa em religião como uma coisa boa, mas em sua
essência, a religião é a tentativa do homem e da mulher, através de sua performance pessoal,
conquistar a atenção e o favor de Deus. O Evangelho nada tem a ver com isso. O Evangelho é o
anúncio absurdo de que Deus gratuitamente decidiu vir ao nosso encontro e nos resgatar para uma
relação íntima com Ele. Este mover de Deus vai na contramão da religiosidade. Mas voltando ao ponto
principal de sua pergunta, eu estou decisivamente fora da vertente da igreja que confundiu
espiritualidade cristã com religiosidade e transformou a vida comunitária em mais um espaço para
buscarmos, através de uma suposta moralidade acima da média e de um intenso ativismo,
impressionar a Deus.

Mas o outro modelo de igreja que me sinto decisivamente fora é a aquela que sucumbiu ao mercado da
fé. Estou falando destas igrejas que transformaram o Evangelho em um "business" e seus pastores em
grandes visionários com seus impérios. Nestas igrejas a relação com Deus se tornou uma espécie de
balcão de negócios. Homens e mulheres oferecem suas orações, suas canções e, principalmente, suas
contribuições financeiras, enquanto Deus, em contrapartida, torna-se obrigado a retribuir curando,
solucionando os problemas da empresa, salvando casamentos, arrumando maridos, entre outras
coisas. Não creio nem mesmo que algumas destas igrejas deveriam ser chamadas por este nome, pois
não possuem em seus ensinamentos a essência do Evangelho de Cristo. Mas uso o termo para me
referir a elas apenas para ser didático.

Bom Líder - Há no Brasil vários líderes evangélicos que não querem ser chamados de
'evangélicos' na forma em que o 'evangélico' é conhecido atualmente. Você segue essa
tendência? Ou essa discussão de nomenclatura não é pertinente?

Ricardo Agreste - Na verdade, se formos considerar o aspecto teórico e histórico, eu não sou
realmente evangélico, mas reformado. Muita gente não sabe a diferença, mas ela existe. No entanto,
ela não resolve o problema porque estas são terminologias que usamos entre nós. Para a sociedade
brasileira, ser evangélico vai o estilo da igreja Luterana, passando pela Assembléia de Deus,
culminando com Universal do reino de Deus. Todos são vistos pela midia como "evangélicos" e
quando escândalos ocorrem, todos sofrem as consequências. Na minha caminhada pessoal como
cristão e líder de uma comunidade tenho sim procurado estar distante da linguagem e do estilo que
caracteriza o chamado "evangélico". Prefiro me definir como um discípulo de Cristo, chamar minha
igreja de uma comunidade de discípulos de Cristo e convidar aqueles que nos cercam para integrarem
uma jornada através da qual ganhamos consciência do que somos, o que Deus fez por nós e a
amplitude da redenção que teve início na vida, morte e ressurreição de Jesus.

Bom Líder - Você acredita que cabe à Igreja a missão de ser um agente de transformação social
num país como o nosso, onde impera a barbárie, violência e injustiça social?

Ricardo Agreste - Sim e não. Deixe-me explicar isso. Creio que o Evangelho de Cristo transforma a
tudo e a todos. O Evangelho é o poder de Deus que, uma vez compreendido e acolhido, passa a
transformar um indivíduo, sua família e o meio em que vive. Assim, creio que a igreja, enquanto
instituição, tem a responsabilidade primária de pregar e ensinar o Evangelho em sua totalidade e
integridade. A consequência será que posicionamentos e ações, por parte daqueles que se renderam
ao Evangelho, passaram a emergir nos mais variados campos da sociedade. Se seguirmos este
raciocínio até as últimas consequência, advogados, educadores, médicos, políticos, artistas, entre
outros profissionais, genuinamente envolvidos pelo Evangelho, deveria funcionar como o "fermento na
massa" ou o "sal na comida", influenciando e transformando estruturas. Mas o "não" inicial de minha
resposta está relacionado ao fato de que, sempre que a igreja, enquanto instituição, decide falar e agir
diretamente na esfera política-social, acaba se tornando não uma agente de transformação, mas de
manipulação das massas para que seus lideres alcancem o poder com a mesma motivação corrupta
daqueles que o detém na atualidade.

Bom Líder - Jesus ordenou que apenas fizéssemos discípulos, todavia, parece que a igreja tem
feito tudo, menos discípulos. Como você avalia esse quadro?

Ricardo Agreste - Este é um ponto muito interessante e que gera muitas críticas ao que ensino. Mas
creio que estas criticas, por um lado, são decorrentes das pessoas realmente não compreenderem o
que estou dizendo. Por outro, são oriundas de gente que fez deste modelo de igreja cheia de eventos,
encontros e atividades seu ganha pão. Logo, simplificar a igreja significa fazer menos, mas de forma
centrada. Muitas das atividades que a igreja assumiu como responsabilidade sua, no passado pertencia
a cada cristão. Acho que três perguntas podem nos ajudar nesta reflexão: Em primeiro lugar,
precisamos, mais uma vez, lidarmos com nossos problemas de forma biblico-teológica. Então, a
primeira pergunta é: O que Jesus nos mandou fazer? A segunda pergunta seria: "O que significa
(bíblico-teologicamente) fazer discípulos?". A terceira e última pergunta seria: "Neste sentido, nossas
igrejas estão fazendo discípulos?"

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