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Atendimento Psicológico ao

Paciente Terminal

Sílvia Cristina Alves Andretta


CRP 06/54539-7
Psicóloga clínica com especialização
em terapia comportamental e psicologia hospitalar

Ao longo das práticas médicas e da história da medicina, a literatura médica tem

apontado para um grande dilema qual seja: como estabelecer uma conversa com o doente

terminal? Um exemplo deste fato encontra-se nos trabalhos de Elizabeth Kübler Ross1 e

Assumpção2 entre outros. Este último salienta as dificuldades dos médicos em lidarem com

o problema e que o trabalho com esses pacientes pode ser extremamente frustrante e difícil.

O enfrentamento torna-se mais penoso porque a maioria deles encontra-se, e aqui se inclui

o psicólogo, segundo esse autor, com problemas sobre a morte mal resolvidos.

Sobre isto levanto um questionamento. Em nossa sociedade ocidental, será que

temos problemas bem resolvidos com a morte? Por um lado, entendemos que talvez o fato

de que muitos profissionais têm uma história de vida permeada de perdas reais e simbólicas

em relação à pessoas e objetos amados, isso de alguma maneira pode se constituir num

entrave ao lidarem com estes doentes.

O homem, desde os primórdios, vem lutando para descobrir curas para doenças.

Nesta luta contra a doença ele luta também contra a morte.

O conceito de morte vem se transformando através dos tempos e das culturas. Na

antigüidade, a morte estava mais próxima da comunidade, não existiam curas e nas diversas

1
Psiquiatra norte americana.
2
Cirurgião plástico do Hospital Mater Dei, professor de ética profissional da PUC-MG e membro da
Academia Mineira de Medicina.
2

culturas existiam cerimônias e rituais que permitiam a expressão da tristeza, da dor, dos

sentimentos que faziam parte do luto, da perda.

Com o advento da tecnologia e da medicina foram descobertas diferentes curas para

diversas doenças; a morte foi se tornando “menos natural”. A interação da comunidade com

o moribundo passou a ser menos calorosa. A expressão dos sentimentos em relação à morte

foi banida e a comunidade, principalmente as crianças, passaram a não aceitar a perda.

Campos (1995) diz que “cada um vive a sua dor; por mais que os outros se esforcem

para compreendê-lo, ninguém sentirá o que ele sente. A experiência de estar doente é

sentida de forma sempre única, pela pessoa. Observa-se que a doença física é acompanhada

de manifestações da esfera psíquica, ocasionando também alterações na interação social. A

doença provoca, precipita ou agrava desequilíbrios psicológicos, quer no paciente, quer na

família”(pág. 42).

Campos cita Kierkegaard que diz que a consciência da terminalidade é a angústia

básica do ser humano e que esta inclui o “não estar mais”, da destruição do corpo e da

consciência.

Boss (1991), in Campos, afirma que “toda doença é uma ameaça à vida e, com isso,

é um aceno para a morte, ou até um primeiro ou um último passo em direção à morte...O

morrer é uma possibilidade destacada do existir humano...A morte dos homens é a

possibilidade de não mais estar aqui”(pág. 42 e 43).

Ainda Boss afirma que “só quando continuamos conscientes de nossa mortalidade é

que continuamos percebendo que cada momento de nossa vida é irrecuperável e por isso

tem que ser aproveitado”(pág. 43).

Freitas (1980), in Campos, fala sobre estados psicológicos que podem afetar o

padrão evolutivo da doença: “Em estados de estresse ou depressão, o organismo perde a


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capacidade de reconhecer e anular células malignas mutantes, que passam a se reproduzir

livremente. Esse é um dos motivos pelos quais quando o sentimento de culpa é muito

intenso, é necessária ajuda psicológica para evitar que o estado emocional impeça de

responder positivamente ao tratamento”(pág. 45).

Um paciente, ao receber um diagnóstico de uma doença terminal, sem cura, entra

em contato com todo este processo e com seu mundo interior. Diante disto, passa a

desenvolver crenças e comportar-se em função destas. Essas crenças são reforçadas para o

doente a partir de sua interação com o meio social, mesmo que este se restrinja à família.

Além disto, o fato de se conviver com a presença da morte faz com que o homem se depare

com seus próprios pensamentos e elaborações a respeito da perda; o que torna mais

dificultosa a relação com pacientes em estado terminal.

Scott, Williams, Beck e col. (1994) dizem: “A falta de reconhecimento e tratamento

adequado das conseqüências emocionais do câncer é desapontadora por duas razões. Em

primeiro lugar, ao longo da última década houve uma rápida expansão nas terapias físicas

disponíveis para o tratamento de uma variedade de cânceres. O tempo de sobrevivência

para muitos pacientes foi significativamente prolongado, embora alguns dos tratamentos

sejam difíceis de tolerar. Esses fatores levaram a uma maior conscientização sobre a

necessidade de manter-se a qualidade de vida experienciada pelo paciente. Não é mais

meramente uma questão de ‘grato por estar vivo’. Em segundo lugar, existem evidências de

que a resposta psicológica ao câncer pode afetar a duração da sobrevivência. Vários estudos

indicam que o resultado em cinco anos é melhor para aqueles pacientes que negam a

existência da doença, ou mostram um ‘espírito de luta’, com as menores taxas de

sobrevivência estando associadas com aceitação estóica ou uma resposta de impotência -

desesperança”(pág. 127).
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Pacientes em estado terminal apresentam dificuldades em enfrentar a sua doença e

as conseqüências desta; muitos não aderem aos tratamentos, e o tempo de sobrevivência se

torna mais curto. Com a aderência ao tratamento e técnicas da psicologia, estes pacientes

podem aumentar significativamente o seu tempo de sobrevida, podendo viver com melhor

qualidade e aceitando o seu estado de saúde.

Para que o tratamento se torne mais eficaz, a família do paciente, e outros

significativos em sua vida, precisam estar envolvidos no tratamento para que possam

compreender o doente, a doença, a morte e as suas conseqüências no íntimo de cada um.

Além disto, a equipe hospitalar que está ligada ao tratamento do paciente precisa também

compreender suas angústias, seus pensamentos e crenças a respeito do doente e da morte

para que possam auxiliar no aumento do tempo de sobrevivência do paciente, e também,

compreender com seus próprios sentimentos.

O doente terminal quando se percebe neste estado vai defrontar-se, segundo Ross,

com fazes que envolvem desde aspectos de sua vida pessoal, material e afetiva até a

evolução da doença e da morte.

A psiquiatra norte americana acima citada, durante os anos de 1960 iniciou um

trabalho com grupos de pacientes terminais, juntamente com enfermeiros, capelães e alguns

poucos médicos que venceram a sua natural rejeição e tabus sobre o tema morte. Uma das

primeiras conclusões sobre o trabalho foi verificar que praticamente todos os pacientes

terminais tinham consciência da gravidade de sua doença, embora negassem isto.

Observou, também, que esses pacientes gostariam de conversar com capelães, familiares ou

profissionais de saúde sobre seus problemas e vivências relacionados com sua morte

iminente. Mas sempre encontravam resistência por parte de todos que o cercavam, os quais

sempre negavam o fato, dizendo ser tudo imaginação do paciente. Diante desta experiência
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é preciso que os profissionais de saúde revejam suas posições no sentido de sonegar, ao

paciente grave, informações reais a respeito de seu estado de saúde.

Tudo o que se passa com o doente não passa despercebido a ele. Quando se está

num hospital o paciente tem toda atenção voltada à sua própria pessoa, seus familiares e o

corpo médico. Por mais leigo que seja sobre os problemas médicos, consegue captar

mensagens que fale de si e de sua doença.

Devemos ter claro que cada pessoa é uma pessoa para cada situação, uma maneira

diferente deverá ser utilizada. Na maioria das vezes, observa-se uma maior preocupação em

falar que acabamos esquecendo de ouvir. “E ouvir é a melhor maneira de se saber o que,

quando e como falar”. Segundo Assumpção, se um paciente está com determinada doença

“X” e sabe ser terminal podemos lhe devolver a pergunta “o que você acha?” “E por que

você acha?”, significa, segundo ele, uma maneira de ir conduzindo a conversa de modo a

ter certeza de que está consciente de seu problema, quando é chegado o momento de

confirmar seu diagnóstico.

O psicólogo, neste caso, deve estar preparado para todas as reações como: raiva,

blasfêmias, irritações, pois representa a expressão real sentida neste momento crucial da

vida do paciente.

Para Sebastiani (1995) “a vivência com o paciente terminal exige do terapeuta que

este tenha muito claro e de forma assumida determinados questionamentos e valores em

relação à morte e ao ato de morrer, que não significa dizer que esse profissional tenha de

ser totalmente insensível à morte” e o mais significativo, nessa vivência, é que a cada morte

de um paciente deixa para o psicólogo que labuta no hospital uma nova perspectiva de

encarar a vida com suas vicissitudes, aspectos materiais e aparentes. “Aprende com

dignidade a decifrar que um segundo que restar de vida, de olhar são importantes para
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resignificar a sua própria existência e clareza diante de seu amanhã; restando a certeza de

que valeu investir no seu hoje enquanto pessoa e profissional que promove a saúde”.

O psicólogo hospitalar precisa antes de tudo ser humano e respeitar o ser humano

com quem partilhará momentos de alegria, tristezas e perdas.

É vivenciando a morte do outro que aprendemos a sonhar hoje em busca do amanhã

que garanta o caminho da humanização.

Diante do que foi exposto acima podemos considerar que o trabalho do psicólogo

apresenta-se de maneira essencial e sistemática inserido em uma equipe multiprofissional,

visando o bem estar biopsicossocial do paciente e, principalmente, respeitando a ética de

seu desejo frente as possibilidades de morte iminente, onde se faz imperioso o respeito às

suas escolhas, crenças e valores, até mesmo os religiosos, pois desta forma entendemos que

estamos promovendo a vida, e vida até a morte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Assumpção, D. A. E. (1974). Tanatologia e o Doente Terminal, in: Revista Diálogo

Médico. Roche. São Paulo.

Bleger, J. (1989). Psico-higiene e Psicologia Institucional. Artes Médicas. Porto Alegre.

Scott, J.; Williams, J. m.; Beck, A.T. e col. (1994). Terapia Cognitiva na Prática Clínica -

Um manual prático. Porto Alegre. Artes Médicas.

Sebastiani, W. R. (1995). Alguns Dados Relacionados com a Vivência Junto ao Paciente

Terminal. In Psicologia Hospitalar - Teoria e Prática. 2ª ed. Pioneira. São Paulo.

Campos, T. C. P. (1995). Psicologia Hospitalar - A atuação do psicólogo em hospitais. São

Paulo. EPU.

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