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Relato de Caso
Izildinha Maestá1, José Carlos Peraçoli1, José Raimundo Passos2, Vera Therezinha Medeiros Borges1,
Carolina Diaz Pedrazzani1, Marilza Vieira Cunha Rudge1
RESUMO
O desenvolvimento de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia antes da 20ª semana deve levar à suspeita
de mola hidatiforme. Descrevemos um caso de mola hidatiforme completa (MHC) e eclâmpsia
concomitante em paciente com 20 anos que apresentava sangramento genital, anemia, tamanho
uterino excessivo e cistos de ovário, associados a hipertensão arterial e proteinúria. Os níveis
de β-hCG estavam elevados e a função tiroidiana, alterada. A ultra-sonografia mostrou-se
compatível com MHC. Após o esvaziamento uterino apresentou cefaléia e alterações visuais,
seguidas por convulsões tônico-clônicas que cessaram com sulfato de magnésio hepta-
hidratado a 50%. No seguimento pós-molar foi diagnosticado tumor trofoblástico gestacional
(TTG) prontamente tratado com quimioterapia. A associação de MHC e eclâmpsia determina
esvaziamento uterino imediato e seguimento pós-molar rigoroso, pelo risco aumentado de
desenvolvimento de TTG.
pela eliminação de vesículas4. A forma de termina- to pré-natal de baixo risco, realizado em Unidade
ção da gravidez foi curetagem uterina em três pa- Básica de Saúde, crescimento uterino exagerado
cientes (duas MHC e uma MHP)4,5,7. A indução com e ausculta fetal negativa. A ultra-sonografia mos-
prostaglandina até a expulsão do feto, seguida de trou massa heterogênea intra-uterina, com es-
extração manual da placenta, foi realizada em ape- truturas anecóicas arredondadas e ecos amorfos,
nas um caso de MHP6. Vale considerar que, a recu- compatíveis com MHC.
peração do estado geral foi rápida, poucos dias após Encaminhada para tratamento no Hospital
o esvaziamento uterino, em todas as pacientes com das Clínicas da Faculdade de Medicina de
MH e eclâmpsia associada, e não ocorreu nenhu- Botucatu, foram verificados hipertensão arterial
ma morte materna. Três destas pacientes foram (160/110 mmHg), edema periférico, palidez
tratadas, com sucesso, com sulfato de magnésio e cutâneo-mucosa, altura uterina de 26 cm (despro-
anti-hipertensivos 4,5,7, sendo que apenas uma pa- porcional para a idade gestacional), sangramento
ciente recebeu benzodiazepínico e fenitoína para genital escasso e cistos de ovário bilaterais. Novo
controle dos episódios convulsivos 6. exame ultra-sonográfico confirmou o aspecto de
O seguimento pós-molar destas pacientes, vesículas, com dopplervelocimetria revelando bai-
que tiveram MH e associação de eclâmpsia, reve- xa resistência ao fluxo nas artérias uterinas.
lou rápida normalização dos valores séricos da Os exames complementares, na admissão
gonadotrofina coriônica (em torno de seis sema- da paciente, tiveram como resultado: tipagem
nas pós-esvaziamento uterino) nos casos de sangüínea - O Rh positivo; hematócrito - 25,8%;
MHP6,7. No entanto, dentre duas pacientes que ti- hemoglobina - 8,7 g%; proteinúria - 2,39 g/24 h;
veram MHC e eclâmpsia, em uma houve norma- ácido úrico - 7,5 mg/dL; β-hCG total - 408.208 mUI/
lização dos níveis de hCG urinário em 12 sema- mL; TSH - 0,05 mUI/mL; T4 livre - 3,63 ng/dL. A
nas após o esvaziamento molar5 e outra desenvol- radiografia de tórax e a tomografia computadori-
veu tumor trofoblástico gestacional (TTG) não zada do crânio não revelaram alterações. A
metastático4. Neste caso, o diagnóstico de seqüe- fundoscopia mostrou edema retiniano.
la maligna foi feito oito semanas após o diagnósti- Feito o diagnóstico de MHC, foi realizado es-
co da mola, pelo padrão da curva do β-hCG (platô vaziamento uterino por vácuo-aspiração. O mate-
em torno de 404 mUI/mL). O tratamento foi reali- rial aspirado pesou 1.450 g e mediu, em conjunto,
zado com cinco ciclos de quimioterapia (ciclos de 30 x 20 x 5 cm, consistindo de estruturas
metotrexato alternados com actinomina D), alcan- vesiculares com diâmetros variados (até 2 cm)
çando-se a remissão completa da doença4. preenchidas por líquido seroso, claro, permeadas
É alta a incidência de malignização em ca- por coágulos sangüíneos. No exame histopatológico
sos de MHC e eclâmpsia concomitante4,8. Embora do tecido molar foram preenchidos os critérios clás-
se considere a eclâmpsia como fator de risco inde- sicos de Szulman e Surti (1978) 9: ausência de
pendente para TTG 8, observa-se associação de ou- embrião e âmnio, presença de hiperplasia
tros fatores em casos de MHC e eclâmpsia: idade trofoblástica difusa e vilos hidrópicos e avasculares
gestacional média de 16 semanas, altura uterina com cavitações císticas centrais.
igual ou superior a 20 centímetros, tamanho No pós-operatório imediato (12 h após o es-
uterino maior que o esperado para a idade gesta- vaziamento uterino) apresentou cefaléia e alte-
cional, cistos de ovário, e níveis elevados de β-hCG4. rações visuais seguidas por convulsões tônico-
Segundo Newman e Eddy8, dentre 58 casos de MHC clônicas (três episódios), que cessaram com ad-
complicados com eclâmpsia, 8 (13,8%) evoluíram ministração de sulfato de magnésio hepta-
para óbito, 30 (51,7%) não tiveram relato de segui- hidratado a 50% (dose de ataque de 4 g intravenoso
mento pós-molar adequado e 20 (34,5%) foram acom- e manutenção com 2 g de 2/2 h, por via
panhadas e, destas, 16 (80%) tiveram TTG. intravenosa). A paciente teve melhora dos níveis
Considerando-se a raridade da associação de pressóricos com uso do anti-hipertensivo maleato
MHC e eclâmpsia, este trabalho relata e discute de enalapril. Recebeu alta hospitalar no 6º dia de
um caso tratado e acompanhado no Hospital das internação, com retorno semanal agendado no
Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu
seguimento pós-molar e orientação para uso de
(HC-FMB).
contracepção hormonal de baixa dosagem.
A pressão arterial, o edema periférico e a
proteinúria se normalizaram três semanas após
Relato do Caso o esvaziamento molar. Entretanto, observou-se
subinvolução uterina e persistência dos cistos de
Paciente com 20 anos, sem antecedentes ovário, apesar de estar assintomática. A curva
mórbidos; secundigesta, primípara; na 15ª sema- de regressão do β-hCG mostrou queda inicial,
na de gestação, apresentava no acompanhamen- com valor do β-hCG total de 4.797 mUI/mL, se-
guida por aumento dos valores do marcador bioló- cia do centro de referência para DTG, o que signi-
gico da doença na 4ª e 6ª semanas seguintes, fica incidência de 0,9% entre as molas tratadas.
6.148 e 7.860 mUI/mL, respectivamente. Na 4ª Curry et al.10 mostram estreita correlação
semana de seguimento, a ultra-sonografia reve- entre útero volumoso, pré-eclâmpsia e TTG. MHC
lou útero com volume de 267 cm3, cistos de ová- de alto risco para TTG é caracterizada por tama-
rio bilaterais (ovário direito - 75 cm3, ovário es- nho uterino maior que a idade gestacional, nível
querdo – 46 cm3) e circulação uterina com resis- de gonadotrofina coriônica maior que 100.000
tência diminuída (SD artéria uterina direita = mUI/mL, cistos de ovário com mais de 6 cm de
1,85; SD artéria uterina esquerda = 1,77). As evo- diâmetro e complicações médicas, tais como pré-
luções clínica e laboratorial, associadas à ultra- eclâmpsia, embolização trofoblástica e hipertiroi-
sonografia, levaram ao diagnóstico de TTG. A in- dismo. Nessas pacientes, a incidência de TTG é
vestigação de metástases com radiografia de tó- de 40 a 50%11. Estudo mais recente12 evidenciou
rax e ultra-sonografia abdominal foi negativa. A que pacientes com MHC de alto risco têm risco
classificação do TTG foi estádio I (FIGO) de baixo 3,5 vezes maior para desenvolver TTG, em com-
risco (OMS). paração com as de baixo risco.
Optou-se pelo uso de quimioterapia por agen- Quando existe MHC com eclâmpsia concomi-
te único com metotrexato com resgate de ácido tante observa-se associação de fatores de risco para
folínico (MTX-FC), em regime ambulatorial. Foram TTG e, como conseqüência, incidência elevada de
realizados quatro ciclos de MTX-FC, sendo neces- malignização4,8. A paciente do presente caso apre-
sários dois ciclos adicionais de actinomicina-D, sentava útero volumoso, cistos de ovário com diâ-
em decorrência de resistência verificada pela metros maiores que 6 cm, β-hCG total de 408.000
manutenção dos níveis de β-hCG total. Antes de mUI/mL, hipertiroidismo e eclâmpsia. Desenvol-
cada ciclo de quimioterapia, foram avaliados o peso veu TTG, diagnosticado precocemente no seguimen-
da paciente, hemograma, função renal e hepática to pós-molar pelos níveis de β-hCG em ascensão,
e β-hCG total. Os efeitos colaterais consistiram em fase ainda assintomática. A remissão comple-
de náuseas e vômitos, controlados com uso de ta da doença foi alcançada com quimioterapia por
ondasetron. A remissão da doença, verificada por agente único (metotrexato/actinomicna-D) 28 se-
três dosagens consecutivas de β-hCG total (nível manas pós-esvaziamento uterino. Após período de
de corte de 5 mUI/mL), foi alcançada com 28 se- um ano com manutenção de níveis séricos nor-
manas pós-esvaziamento uterino. O seguimento mais de β-hCG total, recebeu alta, sendo liberada
após a quimioterapia foi feito durante um ano, com para gravidez. Outros casos descritos na literatura
determinação mensal do β-hCG total, exame gi- tiveram evolução semelhante4,8.
necológico e contracepção. Após este período a pa- Os critérios diagnósticos utilizados para TTG
ciente recebeu alta do acompanhamento, sendo pós-MHC e eclâmpsia variam nos relatos8. No en-
liberada para gravidez. tanto, a determinação seriada da gonadotrofina
coriônica é imprescindível para o diagnóstico de
malignidade em estágio precoce e assintomático13.
Discussão O controle das pacientes com MH e eclâmpsia
concomitante deve ser com sulfato de magnésio
hepta-hidatratado a 50%, medicamento de esco-
A pré-eclâmpsia/eclâmpsia é complicação lha para cessar o quadro convulsivo e melhorar o
grave da MHC e é causada pela acentuada prognóstico materno14. Anti-hipertensivos podem
hiperplasia trofoblástica, caracterizada pelo tama- ser necessários para controle da pressão arterial.
nho exagerado do útero volumoso, efeito da A conduta obstétrica deve ser o esvaziamento
gonadotrofina sobre os ovários (cistos teca- uterino imediato para interromper a evolução da
luteínicos) e níveis séricos elevados de β-hCG to- pré-eclâmpsia. A vácuo-aspiração é o método de
tal4,8. Relatos históricos ressaltavam incidência escolha pelo menor tempo cirúrgico e menor ris-
aumentada de pré-eclâmpsia em portadoras de co de complicações, como hemorragia e perfura-
MH, com variação entre 12 e 30%10. Em contras- ção uterina.
te, relatos das duas últimas décadas mostram di- Na alta hospitalar, a conscientização da pa-
minuição significativa nos casos de MHC compli- ciente e de sua família é de importância para ade-
cada com pré-eclâmpsia, uma vez que nos dias de são ao acompanhamento proposto. Além disso, é
hoje o diagnóstico é feito no primeiro trimestre, necessária orientação de contracepção durante
em geral antes do aparecimento das manifesta- um ano. Vale ressaltar que, em casos de MHC com
ções sistêmicas da MHC3. Portanto, a eclâmpsia associação de eclâmpsia, o seguimento pós-molar
em associação com MH é evento raro. Este é o pri- deve ser mais rigoroso pelo maior risco de desen-
meiro caso no HC-FMB em 10 anos de experiên- volvimento de TTG4,8,11.