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Friedrich Schlegel
.
Toda crítica literária materialista parte do epicentro,
de que lhe faltam os lados 'mágicos' e não analisáveis,
que ela sempre (ou quase sempre) vê por trás do segredo.
Walter Benjamin
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"poesia" foi tão multisignificativa, tão santa e omnicompreensiva como para
o romantismo. (LUKÁCS, Georg. A alma e as formas, p. 87).
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assim a figura paradoxal de uma língua altamente fiel a outra e
alheia a si mesma. (GAGNEBIN, Jeanne Marie. "Origem, original
e tradução", in História e narração em Walter Benjamin. p.25
CONCEITO DE FRAGMENTO
A forma romântica encontrada para expressar o pensamento
filosófico assistemático do grupo é o fragmento, e esta é a forma na qual a
obra Lucinde é construída. Cada capítulo tem sua forma independente do
outro, causando uma estranheza a primeira vista. O uso do fragmento pelos
românticos assenta no conceito de que a totalidade está além da obra em si.
No romance, sua necessidade vem, por um lado da exigência estética de se
abarcar todos os gêneros prosaicos, mas também pela necessidade da
exposição da filosofia cíclica de Schlegel. Para ele,
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Os fragmentos criam uma relação dialética com essa totalidade
ausente. Aqui se pode reconhecer a origem da dialética negativa de
Benjamin e Adorno, pois ainda que a dialética negativa presente em ambos
seja intencionalmente marxista (...) o faz através de uma linguagem e de
categorias conceituais tomadas da primeira filosofia de Benjamin, não
marxista e não materialista. Este incorporava elementos estruturais de fontes
tão remotas como o misticismo judaico, o kantismo e o romantismo alemão.
(BUCK-MORSS, Susan. Origen de la dialéctica negativa. Theodor Adorno,
Walter Benjamin y el Instituto de Frankfurt. p.16) O fragmento é, portanto,
a forma que permite a expressão de uma totalidade ausente no discurso e
que possibilita a realização do desejo romântico de fazer surgir no privado o
mais universal. Adorno justifica a forma do fragmento historicamente,
sendo o momento em que o sujeito afirma sua individualidade, o mesmo
momento histórico no qual ele começa a desaparecer, onde o individuo
sucumbe frente a uma ordem maior. “A representação de uma totalidade
harmônica através de seus antagonismos força-o a atribuir a individuação –
mesmo que ele a determine sempre como fator que impulsiona o processo –
uma posição que só pode ser inferior na construção do todo”. (ADORNO,
Theodor Wiesengund, Mínima Moralia. Reflexões a partir da vida
danificada, p. 9). A forma do fragmento está, pois, subordinada a uma
ordem maior. O pensamento dialético de Benjamin e de Adorno, ao se
caracterizarem como dialética negativa, põe esta ordem superior em
suspensão. Adorno, na conferência de 1931 sobre A Atualidade da
Filosofia, afirma que
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Adorno, “a verdade residia no objeto, porém não estava a mão; o objeto
material necessitava do sujeito racional para libertar a verdade nele
contida.” (BUCK-MORSS, Susan. Origen de la dialéctica negativa.
Theodor Adorno, Walter Benjamin y el Instituto de Frankfurt. p. 176)
O romance de Friedrich Schlegel é construído por fragmentos. Um
prólogo e 13 fragmentos reunidos sob o título “Primeira parte: Confissões
de um Desastrado”. Uma segunda parte da obra não chegou a ser editada
pelo autor. As formas dos fragmentos abarcam monólogos interiores,
diálogos, diálogo sofista entre Julio e Lucinde, romance epistolar, romance
de formação (Bildungsroman) e descrição alegórica.
O CONCEITO DE BELO
O incômodo da não linearidade agrada bem ao espírito romântico.
Novalis afirma que “o lugar da poesia é o entendimento”. (BENJAMIN, O
Conceito de crítica de arte no romantismo alemão, p.108) É a razão que
constrói a obra no infinito, no seu valor limite. O romance é o protótipo para
essa construção mística da obra para além das formas delimitadas e, na
aparência, belas (em seu sentido estrito poéticas). A quebra desta teoria com
as visões tradicionais acerca da essência da arte manifesta-se, finalmente,
naquele local que ela reservava àquelas formas ‘belas’, a beleza em geral
(BENJAMIN, O conceito de crítica de arte no romantismo alemão, p.109)
Os românticos rompem com o conceito de belo, e introduzem, em seu lugar,
o conceito de forma, que não é expressão de beleza, mas da Idéia. Os
conceitos de beleza como regra ou como gosto são afastados da obra de arte
romântica. Esta busca a essência da arte. Neste ponto os românticos
mostram, na sua doutrina artística, a separação absoluta entre beleza e arte.
A obra de arte superior é desagradável, pois são só idéias. O belo é o prazer
imediato e a arte passa a ser vista, a partir dos românticos, como médium-
das-formas. A fruição da arte não é dada pelo prazer imediato dos sentidos,
mas pela reflexão no pensamento. Anatol Rosenfeld reconhece a quebra de
gêneros como uma conseqüência do “individualismo organicista”
romântico. O cânon que reconhece na coletividade um modelo a ser
seguido, onde o típico é acentuado, é abandonado e em seu lugar surge o
individuo pensante e criador do gênio romântico. “A obra de arte é, em si
mesma, uma totalidade orgânica, fruto do organismo maior da cultura. Por
isso não pode ser fabricada segundo regras estranhas.” (ROSENFELD,
Anatol, “Aspectos do romantismo alemão”, in Texto/Contexto I., p. 153)
Para a terminologia mística romântica, a forma de exposição da
arte coincide com a reflexão que eleva à obra até a dissolução de sua forma
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individual e, pela capacidade do romance de se auto-refletir, misturando em
si todos os gêneros, o romance toma uma importância singular para o grupo
de Jena. A prosa é a forma que deixa transparecer o médium-de-reflexão, a
Idéia da Arte, nela as formas poéticas são dissolvidas e surge o que Novalis
chamava de "ritmo romântico". "Porque a unidade de toda a poesia
enquanto uma única obra, expõe um poema em prosa, o romance é a forma
poética suprema" (BENJAMIN, Walter. O conceito de crítica de arte no
romantismo alemão, p.105). O romance faz surgir o núcleo prosaico da
poesia, tanto pela mistura de todos os gêneros quanto pela reflexão interna
que ele abarca. Friedrich Schlegel compreendeu o prosaico de modo menos
puro, ainda que não tenha visado de modo menos profundo do que Novalis.
Daí ele ter por vezes, no seu romance Lucinde, cultivado a mais pluridade
das formas, em cuja unificação consiste a tarefa, do que o puramente
prosaico que as realiza. Ele queria inserir muitos poemas na segunda parte
do romance. Mas ambas as tendências, a pluralidade das formas e o
prosaico, têm em comum a oposição contra a forma delimitada e a aspiração
ao transcendental. Apenas isto vem por vezes menos exposto através da
prosa de Friedrich Schlegel do que nela postulado. Também na teoria do
romance de Schlegel a noção de prosa, ainda que ela indubitavelmente
determine seu espírito singular, não se encontra claramente em seu método.
(BENJAMIN, O conceito de crítica de arte no romantismo alemão, p.105)
Bibliografia
ADORNO, Theodor Wiesengund, Mínima Moralia. Reflexões a partir da vida danificada.
Trad. Luis Eduardo Bicca. São Paulo: Ática, 1992
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