Professional Documents
Culture Documents
Na grande maioria dos casos, uma transição transexual (TS) apresenta bons resultados a
longo prazo (Pt). No entanto, noutras situações, uma transição TS completa pode
fracassar totalmente, deixando de atingir expectativas pouco realistas. A pessoa então se
dá conta tarde demais de que ter se submetido à Cirurgia de Redesignação Sexual
(CRS) foi um GRANDE erro. Isso parece ocorrer sobretudo no caso de alguns
crossdressers mais velhos e de hábitos mais intensos, assim como em alguns fetichistas,
que baseiam seus motivos para transição principalmente em sentimentos e hábitos
sexuais masculinos.
As páginas de Lynn que tratam da transexualidade (Pt) descrevem alguns dos riscos
sociais que têm que enfrentam os transicionistas transexuais e transgêneros. A página
sobre a CRS (Pt) descreve alguns riscos médicos da cirurgia em si. Nessa página
tratamos de alguns dos riscos de se submeter à CRS no caso de os argumentos para a
transição e/ou CRS serem questionáveis.
O ponto essencial nisso é que a pessoa que não esteja segura a respeito dos motivos que
a levaram a se submeter à CRS tenha o MÁXIMO de CUIDADO.
As histórias seguintes são de pessoas que se arrependeram do que fizeram e que falaram
abertamente dos remorsos. Podemos aprender muito com tais casos, que ajudam a
esclarecer a natureza e a validade desta importante advertência.
Renée Richards
Dani Bunten Berry
Sandra MacDougall
Samantha Kane
Resumo
Renée Richards
Quaisquer que tenham sido as razões, talvez por causa da fama esportiva, junto com a
ampla difusão de fotos dela, as pessoas sempre pensavam em Renée como transexual
em vez de mulher. Isso é muito diferente das situações que viveram outras mulheres
pós-operadas bem conhecidas, como Christine Jorgensen e April Ashley; embora
tenham sofrido problemas de discriminação, o público pensava nelas como mulheres, e
eram tratadas como tais, mesmo naqueles anos.
Por fim, isso deve ter se convertido em um grande problema para Renée. Ou talvez seja
possível que, com a diminuição da atenção dos meios de comunicação, e ao se dar conta
de sua nova realidade social, emocional e física, seus sonhos de ter uma vida sexual
interminável e como centro das atenções tenham também desaparecido. Em resumo, a
transição não conseguiu preencher suas expectativas, e Renée admitiu que preferiria não
ter se submetido à CRS.
Renée Richards
“Não é uma coisa que se deva fazer aos 40 e tantos anos...alguém que já viveu esses anos todos como um
homem. Se você tem 18 ou 20 anos, nunca teve as oportunidades que tive na vida e tem o desejo de se
transicionar, vá em frente e corrija esse erro da natureza. Mas se você é um homem de 45 anos, um piloto de
companhia aérea e tem uma ex-esposa e três filhos adolescentes, melhor que consiga uma receita para
tranqüilizantes ou anti-depressivos, ou se interne ou faça o máximo para impedir que tente algo assim.”
É possível que tenha havido outros problemas mais profundos também, levando-se em
conta o que podemos ler na autobiografia dela. Renée tinha sido durante muito tempo
um crossdresser intenso e tinha mudado de opinião muitas vezes sobre transicionar-se.
Numa primeira etapa começou a usar hormônios, mas ao ter dúvidas, deixou de usá-los
e inclusive se submeteu à cirurgia para remover os novos seios.
Além disso, Renée tinha se reunido em Paris com um grupo de jovens transexuais pós-
operadas, e todas lhe tinham advertido que ela não devia se transicionar. Todas essas
mulheres lhe afirmaram que estavam felizes como mulheres completas. Entretanto,
informaram à Renée da existência de “outras que não eram tão sortudas”. Contaram a
ela a história de “uma que não estava preparada, que não tinha a verdadeira natureza
feminina”, e que “se tornou louca depois da cirurgia”.
Renée escreveu na autobiografia, “Eu sabia que tudo que elas diziam foi por meu
benefício”, quer dizer, que aquelas garotas tentavam lhe aconselhar a não se
transicionar, mas ela o fez apesar da advertência e acabou por se arrepender
profundamente.
Infelizmente, Richards generaliza por sua triste experiência e proclama que ninguém
que tenha mais de 40 anos deve se transicionar. Os leitores devem se dar conta de que
Richards não tem contato com a comunidade de mulheres pós-operadas de sucesso, e
não sabe que algumas que se transicionam tarde realmente o levam a cabo muito bem. É
uma pena que generalize de maneira tão global e ignorante, visto que existem tantos
casos de transições bem-sucedidas.
De todos os modos, o caso de Renée Richards é uma boa advertência para qualquer
pessoa que pensa em se transicionar tarde na vida.
Podemos especular mais sobre o que não deu certo no caso dela, e entender melhor
como se pode cometer tais erros, ao lermos o caso de um crossdresser intenso que se
transicionou e se submeteu à CRS. Leia com atenção o ensaio seguinte escrito por Dani
Bunten Berry, uma inventora eminente de jogos de computador que se submeteu à CRS
em 1992, quando tinha 43 anos:
O ensaio de Dani reproduzido aqui também se encontra no site que comemora a vida, a
carreira e a transição de gênero dela. Dani era uma mulher maravilhosa que se
responsabilizou completamente pelas suas ações e não pôs nenhuma culpa nos demais
(embora os questione) pelo que lhe aconteceu. Estas palavras francas e honestas servem
como bons conselhos àquelas que sintam um impulso de se submeter à CRS por
motivos errados, como fez ela.
Dani foi uma cientista da informática e a pioneira dos jogos de vídeo para múltiplos
jogadores. Era muito conhecida e respeitada como uma grande inovadora nesse campo.
Os jogos de vídeo para múltiplos jogadores foram a base para o surgimento de muito da
tecnologia moderna de colaboração eletrônica, fazendo o trabalho dela ter um impacto
imenso na informática em geral. Para ler mais sobre Dani e seu trabalho criativo, veja o
artigo de Salon.com, de 18 de março de 2003.
Embora Dani tenha ido longe demais na transição de gênero, prosseguiu depois com
coragem e encontrou paz de espírito por dentro. Tristemente, em 1998, morreu de
câncer de pulmão com 49 anos, e já não está aqui para nos falar diretamente. Devemos
agradecer a Dani por ter nos deixado este ensaio tão franco e pessoal, que fala tão aberta
e honestamente sobre suas dificuldades depois da CRS. Seu ensaio pode transmitir aos
demais, agora e no futuro, alguns conselhos úteis de precaução.
[Compilado de uma série de e-mails que enviei a pessoas que me fizeram perguntas sobre suas próprias mudanças]
Não o faça! Esse é meu conselho. É a coisa mais horrível, custosa, dolorosa e desconcertante que jamais se
pode fazer. Não o faça a menos que não haja outra alternativa. Talvez você pense que sua vida seja difícil,
mas a menos que tenha que escolher entre se suicidar ou mudar de sexo, sua vida só piorará. E os custos não
acabam. Perderá controle sobre a maioria dos aspectos de sua vida e se converterá em cidadã de segunda
classe; e tudo isso para poder se vestir como uma mulher e se sentir mais bonita do que sente agora. Não o
faça e ponto final.
Esses são os conselhos que eu gostaria de ter recebido. Fiz a mudança de sexo, já me passo socialmente bem
como mulher, tenho um emprego excelente, mas você não pode imaginar quantas vezes desejei voltar atrás
para poder procurar outra maneira de proceder diferentemente. Apesar de ter seguido todas as regras e de
ter sido tão honesta quanto pude com os médicos e psicoterapeutas durante todas as etapas do processo,
ninguém me parou para dizer: “Está completamente convencida de que este é o ÚNICO caminho possível
para você?” Pelo contrário, todas as vozes me apoiavam alegremente. Tive a sorte de que na época não
existia a Internet, porque nela se encontra todo tipo de incentivadoras que, para respaldar suas próprias
decisões, gabam-se de suas “cirurgias bem-sucedidas” com intuito de animar as demais.
Se eu quisesse ser politicamente correta eu simplesmente diria que eu era uma mulher presa no corpo de
homem, e que lembro ter sentido isso desde os quatro anos. Mas nada é tão simples, se você olha sincera e
isentamente. Uma crise de meia-idade, um divórcio e uma experiência com o câncer tiveram influência pelo
menos durante o momento em que decidi mudar de sexo. Não é tão fácil ser completamente honesta agora,
três anos depois da cirurgia, mas não estou certa de que faria de novo, se houvesse outra oportunidade. O
que me preocupa agora é que grande parte do que eu considerava disforia de gênero pode ter sido nada mais
que uma fixação sexual neurótica. Eu fui crossdresser durante toda minha vida sexual, e sempre fantasiei que
ser mulher fosse o ponto máximo da experiência auto-erótica. Ironicamente, ao começar os hormônios, minha
libido se acabou. Contudo, confundi minha liberação das fixações sexuais como sendo a validação de minha
necessidade de me transicionar. Logo depois da cirurgia, como golpe final, meus novos genitais se tornaram
incapazes de atingir o orgasmo (como o 80% de minhas irmãs transexuais).
Assim, acho que não é preciso dizer que minha vida atual como mulher não me dá a mínima excitação sexual.
E quanto custou tudo? Mais de US$ 30.000, sem mencionar a perda de grande parte de minha família e de
meus amigos. E os custos não acabam nunca. Cada pessoa que conheço, ou que conhecerei, vai ter que ficar
sabendo de minha mudança de sexo. E não sou a única que sofre: odeio pensar no impacto que isso terá em
meus filhos e sobre o futuro deles.
De toda maneira, falo como se isso fosse horrível e não é. Há algumas vantagens, mas o mais importante—
que é me sentir bem comigo mesma e ter amor verdadeiro à minha vida, por exemplo—parece não depender
da mudança de sexo. Chegar a ser “eu mesma” poderia também ter incluído continuar com meu pênis e até
ser mais feminina, de qualquer modo que fosse conveniente. Descobri isso tarde demais, e o que me resta é
tirar o máximo de proveito da vida que tenho agora. Queria ter provado mais opções antes de ter mergulhado
tão fundo. Sinto falta de poder ver meus filhos facilmente (embora eu não tenha perdido todo o acesso a eles,
ao contrário de muitas transexuais). Tenho saudades de minha família e de meus amigos do passado (sei que
não “deveriam” ter me abandonado, mas muita gente é menos tolerante do que “deveria” ser...enfim
confesso que ainda tenho saudades). Finalmente não gosto da falta de conexão com meu passado (não há
nenhum modo de combinar duas vidas tão distintas). Há uma grande variedade de maneiras de expressar o
gênero e a sexualidade, e a única que tentei foi o mais radical. Agora nunca saberei se poderia ter
encontrado um meio-termo que tivesse funcionado melhor do que a “única” solução disponível—a mudança
de sexo. Por favor, por isso aconselho que avaliem tudo muito cuidadosamente antes de fazer o que fiz.
- Danielle Berry -
O que aprendemos desse franco ensaio de Dani é que tanto ela quanto seus conselheiros
ignoraram ou não perceberam alguns sinais de alerta. Por exemplo, ela perdeu a libido
masculina ao usar o estrogênio, sem experimentar nenhum desenvolvimento de libido
feminina; isso poderia ter predito que possivelmente seria anorgásmica depois da SRS.
Em adição a isso, suas palavras sobre as pessoas transgênero fazerem a transição
“porque querem se vestir com roupa feminina e se sentir mais bonitas,” e “eu fui
crossdresser durante toda minha vida sexual e sempre considerava uma mudança de
sexo o máximo da excitação sexual”, revelam que o motivo verdadeiro de sua própria
transição foi uma excitação sexual típica do crossdresser masculino. O resultado foi
especialmente cruel, já que a fez perder a capacidade de orgasmo como conseqüência da
busca “por uma maior excitação sexual.”
Dani enfrentou todas as dificuldades usuais de uma transição de gênero, mas ela não
ganhou nenhum dos benefícios de que desfrutam muitas mulheres pós-operadas. Entre
as muitas mulheres que recentemente fizeram uma transição tardia, esse é um resultado
bastante comum. Parece mais ou menos correta a conjectura de Dani que 80% dos
crossdressers e pessoas transgêneros acabem por não ter capacidade orgásmica,
QUANDO se submetem à CRS, enquanto o inverso dessa porcentagem é
provavelmente certo para aquelas que são essencialmente transexuais. Estudos das
mulheres que se transicionam cedo na vida mostram que a maioria retém a capacidade
orgásmica depois da CRS.
Teria sido melhor que os conselheiros de Dani lhe tivessem sugerido a opção de se
submeter a uma cirurgia de feminilização facial para corrigir o rosto muito masculino, e
depois empreender silenciosamente uma transição de gênero social. Poderia ter feito de
tudo—hormônios, depilação definitiva, adotar um novo nome e identidade, mudar o
gênero socialmente e viver como uma mulher—MAS SEM se submeter à CRS. Assim,
teria sido sem dúvida muito mais feliz, e como uma mulher mais bonita teria podido se
integrar muito melhor à sociedade. Além disso, teria podido continuar a desfrutar das
práticas auto-eróticas masculinas de crossdresser. É uma pena que em 1992 ninguém
tenha visualizada essa opção nem a tenha sugerido.
Sandra MacDougall
As histórias de Renée e Dani não são insólitas nem isoladas. Nos anos recentes vimos
muitas transições transexuais que fracassaram. O número de crossdressers intensos e
dos que se denominam “autoginéfilos” que se transicionam tarde vai aumentando, com
a ajuda de conselheiros negligentes que lhes dão os documentos necessários para que
possam se submeter à CRS, sem que estejam adequadamente preparadas para viver
como mulheres nem entender bem as outras opções válidas.
Fica claro ao lermos o artigo que Sandra é um crossdresser intenso (tem “mais de 80
vestidos, sacos de maquiagem e um armário cheio de sapatos”). Além disso, é aparente
que ela (i) não estava preparada nem emocionalmente pronta para se transicionar
socialmente, (ii) não tinha nenhuma idéia de como as pessoas iriam tratá-la depois, em
virtude da falta de preparação, e (iii) aparentemente de algum modo, pensava que ia
conseguir magicamente, ao se submeter à CRS, o que ainda não tinha conseguido
através de outros meios, quer dizer, mudar o aparente gênero social masculino para o
feminino.
Como resultado, a vida dela tem sido ruim desde a cirurgia. Não passa como mulher e
todo o mundo na vizinhança zomba dela. Não tem tido e nunca terá uma relação sexual.
Desesperadamente deseja “voltar” atrás, mas não existe maneira de reverter a cirurgia.
A melhor opção para Sandra neste momento seria reverter a transição, em termos
sociais e hormonais, quer dizer, voltar a viver o papel masculino e começar a injetar
testosterona, mas ela não parece se dar conta dessa opção. Esse tipo de transição
totalmente fracassada deve dar uma sinal de advertência fortíssimo a qualquer
crossdresser (ou aos que se auto-definem “autoginéfilos”) que pense em se submeter à
CRS.
Samantha Kane
Também existem aquelas que “mudam de sexo” por puro capricho, têm os recursos
financeiros para fazê-lo, e logo se arrependem e processam todo mundo que “lhes
infligiu o dano”, sem se responsabilizar pelas decisões que tomaram.
Consideremos, por exemplo, o caso de “Samantha Kane”, e não só o dano que esa
pessoa impulsiva se fez, mas também o dano causado às outras mulheres transexuais do
mundo inteiro pela sua irresponsabilidade, tanto por se transicionar como por, mais
tarde, atacar aqueles que tentaram ajudá-la no início.
=================================
BBC1, terça feira, 19 de outubro de 2004, 22h35
=================================
====================================
Para comentários mais extensos sobre casos de “arrependimento,” bem como sobre
grupos de religiosos fervorosos e ideólogos homofóbicos que se aproveitam deles—
enchendo-os de atenção para conseguir que de repente revertam as transições e
processem todo mundo—veja a página de Christine Beatty intitulada Transexualidade,
Arrependimentos e Terapia Reparativa:
http://www.glamazon.net/transsexual-regrets.html
Resumo:
Fica claro que você tem que ser extremamente honesta consigo sobre o “porquê” de
necessitar se transicionar, e se a longo prazo uma transição transexual (CRS incluída)
atingirá suas expectativas e esperanças íntimas. Nenhuma outra pessoa pode saber o que
sente por dentro e “por que você precisa fazer isso”, nem pode prever se vai dar certo ou
não. É MUITO importante que seja brutalmente realista consigo sobre os seus motivos,
capacidades e expectativas antes de se empenhar em uma transição transexual completa.
Se você acha que fará para seu próprio prazer auto-erótico, pensa muito mais e preste a
máxima atenção às advertências anteriormente indicadas.
Escute seu coração e seu corpo, e não deixe que nenhuma pressão social te force a fazer
algo de que arrependerá mais tarde. Se realmente gosta de sua sexualidade masculina
(especialmente dos desejos de “montar, empurrar e penetrar” alguém) antes da cirurgia,
é pouco provável que desenvolva e desfrute de uma sexualidade feminina no pós-
transição. Pelo contrário, é possível que você simplesmente se arrependa da perda de
sua sexualidade masculina e fique “fria” sexualmente. Se crê que isso seja uma
possibilidade, considere seriamente uma transição social sem se submeter à CRS.
Além disso, aquelas que arriscarão transições sociais difíceis devem se dar conta de que
a CRS, por si mesma, não vai fazer que todo mundo, de modo milagroso e repentino,
“ache que você virou uma mulher.” Antes de mais nada, lembre-se de que as únicas
pessoas que vão ver seus genitais são amantes e amigos íntimos (além de médicos, etc.),
e assim a CRS não mudará as reações do povo ao redor de você. Se você acredita que
irá enfrentar dificuldades na transição social, pode se que seja mais aconselhável que se
submeta primeiro à CFF, porque ela pode melhorar muito sua aceitação social como
mulher.
Transicionar-se e se submeter à CRS por capricho é essencialmente uma idéia ruim, não
importantdo quanto dinheiro, influência ou poder você tenha para levá-la a cabo. No
lugar disso, procure psicoterapia, explore as alternativas e vá menos depressa. Escute os
conselhos de Dani Berry e reflita sobre o caso de Samantha Kane, ambos acima.
Lynn Conway