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Proposição
A linguagem introduz, na existência humana, por meio da fala e da escrita,
uma ordem de determinações capaz de estruturar o campo do sentido.
Por sua vez, a pesquisa psicanalítica desbrava, decifra e conquista, com
método específico, espaços novos nesse campo do sentido. Assim, segundo a
ordem da linguagem, a pesquisa psicanalítica pode legitimamente atacar questões
tais como se existe uma vida antes da morte, isto é, se existe, para o ser humano, o
desfrute da sabedoria, da beleza e da felicidade. E, visto que a pesquisa
psicanalítica já encontrou encaminhamentos, ela ainda pode encontrar
encaminhamentos novos, viáveis e válidos.
Na pesquisa psicanalítica, as coisas derradeiras – os novíssimos - referem-se
ao antes da morte. Constituem-se na fundação da experiência psicanalítica
(psicanálise pessoal) e na refundação dessa experiência psicanalítica (prática da
escuta psicanalítica, estudos e pesquisas pessoais durante e pós-psicanálise
pessoal).
A escuta psicanalítica recebeu um aprofundamento e uma alargamento
notáveis na última metade do século XX. Isso se deve às pesquisas clínicas,
metodológicas e teóricas de Jacques Lacan. Lacan contextualizou a psicanálise de
Freud no campo das práticas e das ciências mais respeitáveis da atualidade.
As leituras sistemáticas e os estudos aprofundados dos escritos de Freud e
dos seminários e escritos de Lacan pretendem responder a um desafio memorável
proferido por Lacan, 13 de janeiro de 1954. (Cf., S01, Lição de 13jan1954, §05.)
Lacan esperava, então, que todos pusessem em causa as próprias atividades
presentes e futuras, isto é, “o sentido de tudo o que fazemos e teremos de fazer na
continuação de nossa existência” (le sens de tout ce que nous faisons et aurons à
faire dans la suíte de notre existence).
No caso de o psicanalista ser luso-brasileiro, essas leituras sistemáticas e
esses estudos aprofundados do pensamento de Freud e de Lacan, devem ser
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complementados com leituras sistemáticas e estudos aprofundados, por um lado,
da origem, da história e do gênio da língua luso-brasileira, e, por outro, do que
significaram e ainda significam os fundadores de nossa língua materna, os
fundadores de nosso vernáculo luso-brasileiro. Entre eles, excele, sem dúvida,
Joaquim José Machado de Assis.
Outrossim, a proposta de Lacan de transformar a lógica aristotélica em lógica
psicanalítica, convoca a que se leia sistematicamente e se realizem, para começar e
para continuar o que já foi começado, leituras sistemáticas e estudos aprofundados
das obras de Aristóteles, especialmente, daquilo que se entende por “os quatro
discursos de Aristóteles”: o discurso poético; o discurso retórico; o discurso
dialético; o discurso analítico. Esses quatro discursos ficam mais bem postos e
propostos se um quinto discurso, o discurso psicanalítico do analisante,
linguageria, for também considerado objeto de escuta psicanalítica, na situação
psicanalítica de pesquisa e de aprendizagem, como ele é cotidianamente objeto de
escuta na situação psicanalítica de tratamento e de supervisão. Mais complementos
a esse parágrafo, o leitor encontrará no meu texto: ###
Abertura e largada
A psicoterapia na forma como é feita hoje por psicólogos clínicos e
psiquiatras, sendo ou não sendo psicanalistas, não é o tratamento inventado por
Freud. Os estudos sobre a origem, a história e a atualidade da psicoterapia
permitem ver que, com a psicoterapia, os psicólogos clínicos e os psiquiatras
conduzem tratamentos individuais ou de duplas e tratamentos matrimoniais,
familiares ou grupais.
Freud inventou o tratamento psicanalítico e organizou os princípios da sua
prática. Esses princípios supõem teoria e técnica, ou resumindo numa palavra,
supõem uma ética. Não é essa a ética acolhida pelas psicoterapias. Os
psicoterapeutas, psicólogos e psiquiatras, não acolhem cabalmente a ética
psicanalítica, mesmo quando essas psicoterapias se apresentam com o nome de
“psicoterapias de orientação psicanalítica”. A ética dos psicoterapeutas é uma
extensão da ética dos pactos dos sócios, das relações humanas que não inclui as
formações do inconsciente e a responsabilidade do sujeito perante elas.
Lacan encaminha o problema da direção dos tratamentos psicanalíticos a partir
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da ética do ato psicanalítico, especificamente, no Seminário XV: O ato psicanalítico
(1967-1968). Todavia, no Seminário I: Os escritos técnicos de Freud (1953-1954),
Lacan discorre e faz os participantes discorrerem, na maior parte das sessões, sobre
um grupo de textos técnicos de Freud. E há escritos específicos de Lacan que podem
ser classificados na categoria de “escritos técnicos lacanianos”. Incluo nessa
categoria:
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artigos reunidos por Strachey na secção “Artigos sobre técnica” são:
Strachey ainda apresenta uma longa lista de textos de Freud em que a técnica
psicanalítica é direta ou indiretamente objeto de estudo. Trata-se de
Entretanto, não é a essas duas listas de artigos técnicos que Lacan se refere em
seu Seminário I: Os escritos técnicos de Freud. Ele refere-se a doze textos que
apareceram em francês: La technique psychanalaytique. PARIS: PUF, 1953,
justamente no ano em que ele inicia publicamente seu Seminário.
Por sua vez, a edição Studienausgabe alemã apresenta também uma lista de
textos freudianos sobre técnica psicanalítica. Trata-se de vinte textos reunidos no
volume Ergänzungsband: Schriften zur Behandlungstechnik.
Desde 1994, dirijo leituras sistemáticas e estudos aprofundados de textos de
método e de técnica psicanalítica a um grupo profissionais. Uns trabalham com
escuta psicanalítica em situação psicanalítica de pesquisa ou de aprendizagem;
outros, em situação psicanalítica de tratamento ou de supervisão. Assim como eu
trabalho no seio dessas quatro situações, configurando um serviço psicanalítico de
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assistência mais abrangente, aprofundado e sistemático, assim também cada
participante que segue minha direção é convocado a colocar-se e a especializar-se
em cada uma dessas quatro situações. É assim que, a meu ver, o psicanalista,
enquanto cidadão singular e profissional liberal, pode constituir seu Serviço de
Assistência Psicanalítica (SAP).
Para a atividade de transmissão de teorias e de práticas psicanalíticas, sirvo-me
de quatro listas de textos técnicos freudianos, lato sensu, e uma quinta lista, em
construção, que retoma os textos técnicos freudianos e os textos técnicos relevantes
de psicanalistas, especialmente os de Lacan e dos lacanianos.
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fundamental - a experiência de ter passado por uma análise pessoal - se servem
dessa experiência, ordenados por uma linguagem comum, isto é, a linguagem
psicanalítica, para, subordinados a essa linguagem, compartir profissional e
eticamente:
.01 o exercício da direção de tratamentos psicanalíticos e o exercício do
controle (supervisão) da direção de tratamentos psicanalíticos;
.02 o exercício da direção da pesquisa psicanalítica, tanto in intensione como
in extensione;
.03 o exercício de leituras sistemáticas e de estudos aprofundados dos textos
de metapsicopatologia psicanalítica, teóricos ou técnicos;
.04 o exercício original da escrita de textos, in statu nascendi, acompanhada
até a publicação (Öffentlichkeit) pelos participantes do Laboratório Psicanalítico
de Legibilidade de Textos ou pelos participantes do Laboratorio Psicanalítico de
Legibilidade de Textos;
.05 o o compromisso de abraçar ininterruptamente a formação psicanalítica.
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constituem literatura que, uma vez lida sistematicamente e uma vez estudada
aprofundadamente, também convoca a ser revisitada e retomada. A
repetição, nessa perspectiva, não é a repetição do mesmo, mas a repetição
necessária para a aprendizagem e a construção de um saber.
Cabe lembrar, neste aspecto, a sabedoria dos latinos que recomendam
a consideração de certos aforismas, como: Gutta cavat lapidem, non vi, sed
saepe cadendo. Sic addiscit homo, non vi sed saepe legendo! (“A gota
cava a pedra, não pela força, mas caindo insistentemente”. É assim que o
homem aprende, não pela força, mas pela aprendizagem freqüente e
retomada.)
Nessa mesma perspectiva, situa-se a recomendação de Boileau: "Vingt
fois sur le métier remettez votre ouvrage. Polissez-le sans cesse, et le
repolissez. Ajoutez quelques fois, et souvent effacez. Soyez plutôt maçon si
c'est votre talent." (Boileau). (Vinte vezes submetei, ao ofício, vossa obra.
Lustrai-a ininterruptamente e tornai a lustrá-la. Ajuntai-lhe, às vezes,
alguma coisa mais. Sede, antes um construtor, se para tanto tiverdes
talento!”)
Nas línguas modernas, encontram-se frases semelhantes: “A goccia a
goccia s’’incava la pietra”, ou “Goccia a goccia si scava anche la roccia”;
“Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”; La piedra es dura y la
gota menuda, mas cayendo de continuo hace cavadura”.
Um dos objetivos do Serviço de Assistência Psicanalítico é a direção dos
processos implicados na aprendizagem da escuta psicanalítica junto a psicanalistas
(diretores de tratamentos) e junto a didatas (diretores de aprendizagens e de
pesquisas), já iniciados ou em início na direção psicanalítica de tratamentos, de
aprendizagens ou de pesquisas.
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respectivamente, como psicanalisantes, como aprendentes ou como pesquisadores.
Quanto à escuta psicanalítica de psicanalisantes, conto que o leitor esteja de
acordo com a afirmação de que as escutas psicanalíticas iniciais ao tratamento
(tratamento de ensaio ou entrevistas preliminares) e as escutas propriamente ditas
psicanalíticas durante os tratamentos são todas escutas psicanalíticas. Muitos
profissionais ainda chamam, inapropriadamente a meu ver, de “tratamento de
ensaio” e de “entrevistas iniciais ou preliminares” às escutas psicanalíticas iniciais.
Ora, todos sabemos que nessas sessões, o que predomina não é a “entrevista que nos
é dada pelo solicitante ou demandante”, mas, predomina de verdade a “escuta
psicanalítica” prestada pelo psicanalista. Portanto, só como “modus exponendi”
pode-se chamar a essas primeiras seções de “tratamento de ensaio” ou “entrevistas
preliminares”, pois que o psicanalista escuta psicanaliticamente desde a primeira
palavra do demandante.
Quanto à escuta psicanalítica de aprendentes e de pesquisadores, conto que o
leitor esteja de acordo com a afirmação de que as escutas psicanalíticas do saber
prévio dos aprendentes não é apenas uma questão platoniana, aristotélica ou
psicológica. É fundamentalmente um respeito às formações do inconsciente no
aprendente, sem as quais as transformações do pré-consciente/consciente do
aprendente ou do pesquisador ficariam inibidas e entravadas, isto é, infecundas.
Nas escutas psicanalíticas em esfera privada e mais ainda nas em esfera
pública, os acompanhantes adultos, geralmente os pais de pacientes infantis ou
adolescentes, e os acompanhantes de pacientes física ou mentalmente deficientes
recebem também escuta psicanalítica. Entretanto, esses acompanhantes, são apenas
acolhidos, mas não incluídos na situação psicanalítica de direção de tratamentos. Por
isso, não são considerados nem como pacientes identificados nem como
psicanalisantes. A situação em que se encontram esses acompanhantes vem sendo
cada vez mais identificada com o nome de “situação de acolhimento inicial” e de
“situação de acolhimento continuado” aos acompanhantes de psicanalisantes
infantis, adolescentes ou deficientes.
Todas e quaisquer falas ou linguagerias são objeto de escuta psicanalítica,
tanto em situação psicanalítica de tratamento, quanto em situação psicanalítica de
acolhimento inicial ou continuado. Elas podem tornar-se, por sua vez, falas ou
relatos de psicanalista aprendentes ou pesquisadores que, em situação psicanalítica
de controle ou de supervisão, passam a ser ouvidos por outro psicanalista. Esse outro
psicanalista é aquele que dirige a sessão da situação psicanalítica de controles ou de
supervisões de tratamentos já realizados em situação psicanalítica de direção de
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tratamentos. Nessa situação psicanalítica de supervisões ou de controles, um
psicanalista pode ser recebido ou somente pelo psicanalista supervisor que dirige e
oferece escuta em situação psicanalítica de controle ou supervisão, ou também pode
ser recebido por esse mesmo psicanalista e outros psicanalistas convidados pelo
psicanalista supervisionando.
Há também a modalidade de intercontroles em que psicanalistas, associados
segundo o modo psicanalítico tipo cartel lacaniano, escutam as falas de um colega
que lhes relata a direção de tratamentos psicanalíticos praticadas por ele. Deve-se
recordar que uma associação psicanalítica de psicanalistas em intercontrole funda-se
também na participação de mais um participante, conhecido entre os lacanianos por
mais-um. A supervisão ou controle ou intercontrole é fundamentalmente sessão de
aprendizagem didática da escuta psicanalítica e, como tal, pode ser individual ou
compartida com outros psicanalistas, principalmente quando esses são iniciantes.
A minha atividade de direção de leituras sistemáticas e de estudos
aprofundados de textos sobre técnica psicanalítica trata da escuta psicanalítica
propriamente dita, (tout court). Uma noção de escuta psicanalítica, pura e
simplesmente, pode ser “visualizada” a partir desse pequeno conto que escrevi,
para fazer sentir o que vem a ser a escuta psicanalítica do significante como é
concebido por Lacan.
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minha voz. Só podia ser, pois, esse garção não sabe japonês.
Noutro momento, vi esse garção olhar deliciadamente para o
rosto deliciado do japonês. Terminada a leitura, o japonês cego
levantou-se, inclinou-se suavemente e, sorrindo, estendeu a
mão pedindo a folha e, acompanhado pelo garção, saiu do bar.
No que o garção voltou, eu quis clarear o enigma.
Perguntei-lhe:
- Como sabias que ele queria que alguém lhe lesse o
poema?
- Ele tem um guia que ficou lá fora. O guia é um garotinho
de seis anos que fala português e japonês. Enxerga, mas é ainda
analfabeto. Não quis entrar.
- Por você não leu para o japonês?
- Eu não conseguiria ler um texto escrito numa língua que
não compreendo.
- Que é que você achou da minha leitura do poema?.
- Eu achei muito bonito.
Preciso falar com você sobre isso. Quero saber que tipo de
escuta me deram o japonês cego e o garção calado. Por enquanto
acho que escuta é aquilo que o japonês cego me deu. O garção
calado não me deu escuta, ele me deu apenas “ouvição”.
Depois que li a carta de Lou, fiquei surpreendido e ainda estou surpreso,
pois estou, em parte, ouvindo e, em parte, enxergando duas palavras que se
diferenciam, uma por ter um “Ç” e a outra por ter um “S”: ouviÇão e ouviSão.
Penso que "ouviÇão", só poderia ser o substantivo vernáculo derivado do verbo
português "ouvir", assim como "audição" é o substantivo erudito derivado do verbo latino
"audire". Por sua vez, "ouvISÃO" seria uma palavra-valise ou telescopagem de “OUVição” e
de “vISÃO" em que a primeira fornece a parte “OUV-” e a segunda dá a parte “-ISÃO”?
De alguma forma, o garção viu a expressão do som feito palavras em língua japonesa no
silêncio deliciado e estampado no rosto do japonês cego. Eram os efeitos das imagens acústicas
registradas na psique do japonês cego. De outra forma, o garção ouviu o som, sem ser
palavras, da boca de Lou. Sem registro em sua própria psique de imagens acústicas de língua
japonesa, o garção apenas ouvia sons.
O garçao, feito quiasma vivo, dirigia o olhar pela escuta e dirigia a escuta pelo olhar? sto
é, o garção via o que era escutado pelo japonês cego e ouvia o que era somente
sonorizado por Lou.
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Lou, que viu e leu o texto, não sabe de que ele trata. O japonês cego, que ouviu a voz de
Lou, sabe de que trata o texto, mas não viu nem leu o texto. O garção que viu o texto, ouviu
Lou, leu o rosto do japonês cego enquanto ouvia a voz de Lou também nada entendeu. E como
Lou, entendeu que nada compreendeu. Então, como quem o analista escuta, quando escuta
psicanaliticamente? Como quem entende que nada compreende?
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Não é demais recordar que os dizeres edificantes, chistosos e fundantes, aqui,
são considerados formações do inconsciente e transformações do pré-
consciente/consciente, isto é, aprendizagens.
Outrossim, o exemplo, a ilustração, a figura, enquanto representações da Coisa
ou representações de coisas (Dingvorstellung, Sachvorstellungen) mostram-se de
forma muito mais aberta do que as representações de palavra (Wortvorstellungen). A
representação de palavra, expulsando a coisa, realizando uma transposição de um
sistema de encenarização para um sistema de discurso, representa a Coisa (agora
ausente) de forma fechada e quase definitiva. Assim, sendo, é próprio aos dizeres
dos textos escritos serem acompanhados de exemplos, figurações e discursividade
plástica, como que suprindo a ausência da Coisa que retorna na presentificação
imaginarizada.
Há, igualmente, a produção e a escuta do texto escrito. Para tanto, tomam-se
em consideração, os ensaios metapsicológicos de técnica psicanalítica. Eles mesmos
são fragmentos de escritos de técnica psicanalítica.
Há, também, as sinopses ou coleções de escritos metapsicológicos de técnica
psicanalítica. Para essa atividade, recomendo a leitura do meu texto “Psicanálise
<> Mestapsicologia, publicado no livro História, clínica e perspectiva nos cem
anos de psicanálise, (POA: Artes Médicas, 1996). Nesse trabalho, estabelece-se, de
forma aprofundada, a determinação por oposição, da escuta (de uma fala ou
linguageria) dirigida pelo olhar, e da leitura (de uma escrita) dirigida pela escuta.
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perspectiva na qual ele se situa é psicanalítica e metapsicológica.
Por ser psicanalítica, a perspectiva lacaniana endossa aquilo que se entende por
refundação da experiência psicanalítica. E por ser metapsicológica, essa
perspectiva, ao mesmo tempo que é psicanalítica e refundadora da experiência
psicanalítica, é também aquilo que se entende por discurso psicanalítico, sob a
forma de gênero literário de ensaios científicos. Esse gênero é a escritura da
pesquisa psicanalítica, tratando dos confins (fins últimos) constitutivos do sujeito e
da sujeitidade desejantes.
O pesquisador psicanalítico não conta com outra linguagem senão a linguagem
psicanalítica comum (koiné) para comunicar-se com os outros pesquisadores
psicanalíticos e os pesquisadores da comunidade científica. Assim, esse discurso está
submetido às regras de comunicação do logos compartido, o maior senão o único
princípio provedor de audibilidade e de legibilidade do texto metapsicológico em
alteridade.
Quem adentra pela perspectiva de Lacan, precisa logo manter a atenção
ordenada a partir de suas orientações. No Seminário I, no fim da Sessão I,
"Introdução aos comentários sobre os escritos técnicos de Freud", do dia 13 de
janeiro de 1953, p. 28, ele, dirigindo-se a Mannoni e a Anzieu, refere-se aos
"escritos e Freud que estão ao seu alcance, com o título de Da técnica psicanalítica.
Trata-se da obra: Freud. S, La technique psychanalytique. Paris: PUF, 1953.
Tradução do alemão para o francês por Anne Berman. Em 1992, essa obra estava na
décima edição.
Entretanto, no início de 1954, o livrinho indicado por Lacan mal acabara de ser
publicado. Nela aparecem listados doze textos técnicos de Freud. São os seguintes,
esses doze textos técnicos de Freud, a que Lacan se refere, citados em francês:
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.09 Freud, 1913 c: “Le début du traitement”.
.10 Freud, 1914 g: “Remémoration, répétition et perlaboration”.
.11 Freud, 1915 a: “Observations sur l'amour de transfert”.
.12 Freud, 1919 a: “Les voies nouvelles de la thérapeutique psychanalytique”.
Como se pode ver,é uma lista que se atém a textos fundamentais. Entretanto,
textos muito importantes não comparecem nessa lista a que Lacan se refere. E como
se pode ver no Seminário I, alguns desses doze textos não foram abordados e outros
que não estão nessa lista foram abordados e bem extensiva e profundamente, por
exemplo, Freud, 1914 c: Zur Einführung des Narzissmus.
É interessante observar que, em 1975, a coleção Studienausgabe da S. Fischer
Verlag GmbH, Frankfurt am Main, publicou um volume complementar
(Ergänzungsband) intitulado: Schriften zur Behandlungstechnik (Escritos para a
técnica de tratamento). Nesse volume, estão listados vinte textos de Freud. São os
seguintes, citados em alemão:
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.15 Freud, 1910 b: Zur Vorgeschichte der analytischen Technik.
.16 Freud, 1923 c|: Bemerkungen zur Theorie und Praxis der Traumdeutung.
.17 Freud, 1926 e: Die Frage der Laienanalyse: Unterredungen mit einem
Unparteiischen.
.18 Freud, 1937 c: Die endliche und die unendliche Analyse.
.19 Freud, 1937 d: Konstruktionen in der Analyse.
.20 Freud, 1940 a: Der psychoanalytische Technik (aus Abriss der
Psychoanalyse, 1940 a).
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.19 Freud, 1914 g: "Recordar, repetir e reelaborar".
.20 Freud, 1915 a: "Pontuações sobre o amor de transferência".
.21 Freud, 1916-1917 a: Conferências introdutórias à psicanálise,
Conferências 27 e 28.
.22 Freud, 1919 a: "Novos caminhos da terapia psicanalítica".
.23 Freud, 1920 g: "Para além do princípio do prazer", capítulo III.
.24 Freud, 1923 c: "Observações sobre a teoria e a prática da interpretação dos
sonhos".
.25 Freud, 1926 e: “Podem os não-médicos (leigos) exercer a psicanálise?".
.26 Freud, 1933 a: Novas conferências introdutórias à psicanálise, parte final
da conferência 34.
.27 Freud, 1937 c: "Psicanálise finita e não finita".
.28 Freud, 1937 d: "Construções em psicanálise".
.29 Freud, 1940 a: "Esquema de psicanálise” capítulo IV.
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nas “reuniões semanais de leituras sistemáticas e de estudos aprofundados de
textos sobre a técnica psicanalítica”. Nas reuniões semanais, o coordenador
preferentemente deve estar presente.
As reuniões semanais podem realizar-se sob a forma de “Simpósio
Psicanalítico de Redação e Legibilidade de Textos”, como vai ser explicado adiante.
A atividade de estudos e pesquisas psicanalíticos com produção de textos
representa a principal atividade de um Laboratório Psicanalítico de Aprendizagens.
Embora não supra a prática psicanalítica como psicanalisante e como psicanalista
clínico, as atividades continuadas de aprendizagem também fazem parte da
formação psicanalítica. Para o aprendente, a apropriação de conhecimentos já
existentes (testos de escola) ou a apropriação de conhecimentos novos ainda não
existentes (textos de laboratório), são da mesma ordem. O conhecimento já existente
será apropriado pelo aprendente como se esse conhecimento fosse novo. E de fato
para o aprendente é realmente novo. É escusado dizer que a apropriação de
conhecimento novo exige escrita.
Resumindo: A apropriação psicanaliticamente didática, tanto de conhecimento
novo, quanto de conhecimento já existente como se fosse novo, exige, além de
interlocuções em cima do lance, o intercâmbio de textos. Isto é, a formação
psicanalítica continuada se faz com diálogos presenciais e em cima do lance,
ouvindo e fazendo falar, falando e se fazendo ouvir. E essa formação psicanalítica
continuada se faz também com intercâmbio de escrituras e leituras de textos
presenciais e semi-presenciais. A formação psicanalítica se dá usando a boca para
falar e os ouvidos para escutar na presença do outro; usando os olhos para ler e a
mão ou os dedos, para respectivamente, manugrafar ou datilografar na ausência do
outro.
LABORARATÓRIO E SIMPÓSIO
DE REDAÇÃO E DE LEITURA DE TEXTOS
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.02 Associação Psicanalítica ou Cartel Psicanalítio de Redação,
Legibilidade e Publicação de Textos (Apreciação da legibilidade do texto de um
participante do realizada pelos participantes desse mesmo simpósio sem a presença
de um psicanalista competente em redação de textos).
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