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“PODE A COR NA MULTIMÍDIA AUXILIAR A EDUCAÇÃO PARA A

CIDADANIA?“.

ANTONIO TAKAO KANAMARU (EACH/USP).

Resumo
Trata–se de reflexão teórico–metodológica sobre a cor na multimídia e a
possibilidade de seu uso para uma educação cidadã. O Esclarecimento pretendido
pelo Iluminismo no século XVIII por meio das letras e da Razão, difundido por meio
da Enciclopédia, foi pautado pela objetividade, inteligibilidade e legibilidade da
linguagem verbal. E como recurso complementar à racionalidade dessa linguagem,
a imagem e, por conseguinte, a cor como importante componente dessa
linguagem, tornou–se gradativamente presente. Mas na Arte, especialmente a
pictórica, a ordem é inversa. A linguagem não–verbal serve ao propósito direto da
comunicação, principalmente para expressar o indizível, o sublime ou mesmo a
rebelião, mesmo em situações historicamente antagônicas. No presente século XXI,
as fontes de informação em redes e mídias fundadas naquela mesma linguagem
verbal multiplicam–se principalmente por meios eletrônicos, que ao mesmo tempo
proporcionaram a multiplicação infinita do mundo das cores. Mas quando a
abundância de informação verbal, objetiva, compreensível, desses mesmos meios
conduz paradoxalmente à não–informação ou à interatividade vazia de sentido,
poderia a linguagem não–verbal da cor servir ao propósito de recuperar o sentido
da comunicação e servir aos propósitos mais caros da Razão pela educação, para a
emancipação e cidadania? Pode a cor – elemento visualmente perceptível e de
difícil nomeação, evidenciando sua relação complexa com a linguagem verbal – se
constituir em uma linguagem autônoma como propôs a arte moderna e
proporcionar a revelação de sentimentos, sentidos, percepções, entre outras
dimensões recônditas ou reprimidas da vida humana e social? E, em caso da
viabilidade teórico–metodológica dessa abordagem, poderia a cor na multimídia
auxiliar em patamar superior a educação para a cidadania? Eis o que a presente
reflexão pretende pôr em relevo.

Palavras-chave:
cor, multimídia, educação.

Introdução

O ato de ler se caracteriza como uma atividade dinâmica de interação do leitor


consigo mesmo, com o outro e com a realidade por meio dos signos. Em seu
processo de desenvolvimento são articuladas diferentes leituras internas e externas
ao mundo do leitor (Martins: 1994:10). Por esse motivo o ato de ler não se
restringe à mera decodificação e compreensão de signos verbais da língua escrita
(Manguel, 1997: 17). Para Paulo Freire (1997:76) o sentido da aprendizagem
corresponde a uma "apreensão da realidade".

Pensar o ato da leitura supõe também refletir sobre os seus suportes, entre os
quais a tradicional página impressa do livro, cujo sistema de tipos móveis de
impressão de Gutemberg permitiu a sua reprodução e a difusão de informações em
grande escala.

E pensar os suportes para a leitura na era da informação supõe, forçosamente,


refletir sobre os atuais recursos de multimídia, caracterizados pela integração
digital de recursos de texto, imagens e sons, num mesmo sistema. Dessa forma o
leitor é submetido a um ambiente com maior amplitude de estímulos, sem com isso
implicar necessariamente interação efetiva e maior profundidade de informação.

Esse problema no contexto da educação numa abordagem pedagógica


recupera o debate teórico-metodológico do processo de ensino-aprendizagem
moderno, cujos fundamentos e métodos tornaram obsoleto o processo
quantitativista de mera transmissão e acúmulo de informações, processo este
localizado historicamente na concepção educacional enciclopédica, na clássica
definição "concepção bancária do saber" (Freire, 2005: 65).

Pensar criticamente a Enciclopédia, o grande suporte do movimento


iluminista, não é tarefa simples em função de sua contribuição histórica
revolucionária para a educação, a ciência, a técnica, a cultura, a sociedade, sob o
fundamento da Razão moderna, no século XVIII. Mas é necessário ao considerar a
hipótese da predominância de seu modelo de informação e Esclarecimento nos dias
atuais, na estruturação da linguagem geral em multimídia.

Refletir a leitura da informação digital na forma multimídia, sob a hipótese


da vigência contemporânea do modelo de informação e Esclarecimento
enciclopédico, significa analisar teórica e metodologicamente a racionalidade de sua
forma de comunicação, baseada na racionalidade de sua linguagem e ilustração
descritiva, como normas influentes e vigentes. A ausência da cor na ilustração
enciclopédica, por razões técnicas e econômicas de gravação e reprodução do livro,
revelaria também a possibilidade de sua rejeição devido à sua natureza abstrata e
polissêmica, atributos fundamentais para a imaginação - área do saber reconhecida
na Enciclopédia, mas reduzida hierarquicamente em seu lugar valorativo na
classificação do conhecimento, com ressalvas explícitas (Enciclopédia, 1989:19).

Crítico ao caráter autoritário do modelo de Razão no próprio interior do Iluminismo,


Rousseau postulou o primado do sentimento em relação à Razão e a consideração
da inutilidade da linguagem quando não há liberdade de expressão (Rousseau,
1997:331).

Compreender a natureza e a função da cor na linguagem e leitura na multimídia,


justifica-se nessa perspectiva histórica da importância da imaginação e emoção,
relegadas a lugar menor ou exclusão na linguagem e pensamento enciclopédico,
que enquanto norma permanece como norma dominante.

Para a viabilidade teórico-metodológica de investigação e análise foram


abordadas a formação da racionalidade da linguagem presente na Enciclopédia e o
seu reflexo histórico particularmente em termos de sua contestação.

Em paralelo foram analisados os fundamentos da natureza abstrata e polissêmica


da própria cor, entendida como fugidia à racionalidade e objetividade da norma
enciclopédica, e que justifica o estudo da cor na multimídia e a sua importância
para o Esclarecimento crítico por meio da aprendizagem da leitura no contexto da
educação para a cidadania.

Organização do texto e ilustração na Enciclopédia como norma

O Esclarecimento pela Razão por meio das letras pretendido pelo


Iluminismo na França do século XVIII teve como suporte fundamental a
Enciclopédia ou Dicionário raciocinado das ciências, artes e ofícios em 1745,
coordenada por D'Alembert e Diderot. Enciclopédia provém do grego enkyklopaidea
ou "círculo da educação" (Enciclopédia, 1989: 19) e teve como funções política e
pedagógica de difusão a novos conhecimentos baseados na Razão produzidos por
cerca de 150 colaboradores, 4 mil subscritores e mil operários (Larousse, 1995:
2091) ao longo de suas tiragens, crescentes ao longo de sua permanência.

Mais do que a mera leitura da informação contida no documento, seu projeto visava
à formação do novo homem para uma nova cultura (Boto, 1996: 32) assim
compreendida como civilização. Para tanto a forma de comunicação nela contida
também necessitou ser adequada à racionalidade do pensamento baseada na
objetividade dos fatos, na inteligibilidade, na classificação do saber e na legibilidade
da linguagem.

A Enciclopédia desse modo tornou-se influente enquanto modelo


dominante de organização do conhecimento por meio de um sistema de verbetes
em sequência e em ordem alfabética, para uma leitura já programada, e de
separação e classificação de três áreas do saber, em oposição à escolástica
medieval. Essa forma geral de exposição do conhecimento teve como base a
informação predominantemente verbal embora dotada de imagens, caracterizadas,
no entanto, como ilustração complementar a essa mesma linguagem, na forma de
impressões e pranchas (Enciclopédia, 1989: 15). Nesse sentido o planejamento das
imagens foi construído coerentemente à hierarquia do lugar da imaginação, em
terceiro plano e com ressalvas.

A imagem como ilustração na linguagem enciclopédica torna-se instrumento


complementar e decisivo nesse planejamento gráfico. A técnica da gravura revela-
se com perfeição ao propósito ilustrativo, dada a natureza gráfica do desenho
linear, figurativo, de modo a proporcionar o maior esquematismo didático, baseado
na tradição da representação figurativa do renascentismo.

Essa racionalidade da linguagem direta e de evidente esforço esquemático de


representação da realidade e da técnica torna-se forma dominante de discurso. A
absoluta impessoalidade no texto tende a anular a origem e o lugar de seus
emissores, o que confere ao documento a impressão de realidade e, portanto,
verdade. O movimento iluminista também procurou unificar a língua para a unidade
nacional e facilitar a difusão da Razão por meio da Enciclopédia como modelo.

Em sentido alegórico, o enciclopedismo teve como pretensão expor tudo à luz da


Razão. Nessa perspectiva coibiu-se qualquer manifestação das formas de expressão
e o desenvolvimento de seu conteúdo, como dimensões subjetivas, a saber,
imaginação, sentimentos, valores pessoais, preferências, costumes, tradições.

Em contraposição a esse caráter político-ideológico geral e programático da Razão


Iluminista por meio da Enciclopédia, Rousseau (1997:331), no interior do próprio
movimento, disside em relação aos seus autores de modo a postular o primado do
sentimento como formador da Razão moderna. A linguagem, em seu entendimento,
não possui outro objetivo senão oferecer ao indivíduo o direito de "ser ouvido"
(Ibid., 331), coerente à raiz oral da linguagem, à noção de assembleia e
democracia.

No volume inicial da Enciclopédia as imagens são minuciosamente


legendadas (Enciclopédia, 1989: 15) e se adequam à racionalidade da linguagem
verbal como instrumento complementar. A cor não se verifica como elemento
primário em sua estrutura formal, certamente por razões econômicas e técnicas,
embora iluminuras medievais já fossem elaboradas com esmerada fatura.

A cor é um elemento de difícil denominação, o que se evidencia nas associações


aleatórias às coisas e aos elementos da natureza e na dificuldade de sua
reprodução, indica seu caráter ambíguo como natureza própria desse fenômeno.
Desse modo, o rigor da norma e convenção da representação visual realista da
Enciclopédia não podia entender a cor como instrumento de seu discurso não
somente nos aspectos técnicos de impressão e reprodução técnica. Tal precisão
realista somente seria superada pela consolidação da fotografia um século depois. A
organização racional da exposição dos verbetes e documentos, aliada às ilustrações
descritivas foram desenvolvidas constituindo-se em norma historicamente
influente.

As rebeliões à norma

O pensador iluminista Rousseau e sua dissidência interna ao


Enciclopedismo sobre a centralidade da Razão em lugar das emoções, apreciou os
"signos mudos mas eloquentes" para a expressão da simplicidade humana. William
Blake, 1757-1857, como escritor, poeta, impressor, gravador e artista plástico, fora
defensor da imaginação contra a Razão despótica na linguagem, pois "se as portas
da percepção se purificassem, cada coisa apareceria ao homem tal como ele é:
infinito" (Id., 2007: 77). Utilizou a cor em ilustrações de suas obras de modo a
diferenciar propositalmente as edições (Ibid: 10).

Em pouco mais de um século, o movimento impressionista - marco da


rebelião das vanguardas artísticas -, baseado na cor e luz, surge como esforço de
busca da essência da linguagem pictórica devido à consolidação da câmera
fotográfica e da linguagem do retrato realista. Nadar, fotógrafo-retratista e
paradoxalmente organizador da primeira exposição impressionista em 1874 (Argan,
1992: 75), trabalha experimentalmente a câmera, por natureza realista, sob os
conceitos de arte para a superação do retrato meramente descritivo.

Críticas explícitas quanto à racionalidade da linguagem diretamente no


campo das letras podem ser verificadas no manifesto cubofuturista, em seu item 2:
"odiar sem remissão a língua que existiu antes de nós" (Literatura; s/d: 55).
Surrealistas procuraram tornar explícita a subjetividade por meio da aproximação
aleatória de fragmentos, sejam de imagens da realidade ou oníricos ou
inconscientes, para o estranhamento extremo e desestabilização do ponto de vista
do leitor e do espectador. Para Benjamin, constituiu-se a contra-linguagem
potencialmente revolucionária, por acusar o caráter ilusório da noção dominante da
realidade.

Assim, epígonos de vanguardas artísticas revolucionárias do início do século XX,


conscientes da lógica condicionadora da linguagem e da cultura em diversos
contextos históricos, provocaram rupturas formais de modo a recuperar a liberdade
de expressão e o sentido perdido na racionalidade dominante da linguagem. Nessas
correntes foi experimentado o uso radical da cor enquanto linguagem autônoma
para a expressão do indizível, de conteúdos recônditos e reprimidos.

No contexto brasileiro, representantes da Semana de 22 estabeleceram um


manifesto e rebelaram-se contra o conservadorismo da linguagem. Oswald de
Andrade sugere antropofagia. Mário de Andrade, o resgate de suas raízes em
consonância com Rousseau.

Com o retorno ao conservadorismo da linguagem, o movimento concretista,


influenciado pelas vanguardas históricas dos fins do século XIX e XX, procurou
retomar a rebelião de 22. Assim, Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos
(anos 50 e 60) destacam o componente gráfico-visual do texto como um dos
elementos evidenciadores do fato poético. Desconstruíram a linguagem verbal
objetiva e reconstruíram-na ou a traduziram experimentalmente em uma nova
estrutura poética significante. A experiência radical, investida direta à estrutura da
forma, protagonizou o surgimento do design - do lat. designare, "indicar por sinais"
ou projeto. (Schulmann, 1994: 10)

Nesse aspecto visual, Waldemar Cordeiro, sob o conceito de arteônica ou arte


computadorizada, e Julio Plaza desenvolveram pesquisas experimentais sobre a luz
e computadores, precursores do experimentalismo multimídia, com o objetivo de
romper com os cânones da linguagem verbal dominante e recuperar o sentido do
poético na comunicação.

Mas no interior do movimento concretista, dissidência baseada na discordância do


grau de racionalidade em sua teoria, gerou-se a oposição do neoconcretismo,
voltada à emoção e às percepções sensoriais, contrária ao intelectualismo
paradoxalmente presente no concretismo.

A leitura do fenômeno da cor: natureza incompatível à norma

A abordagem à imagem na compreensão sartreana é ato e consciência, e não coisa


em si. Sua existência é percebida a posteriori (Sartre, 2008: 137). Nesse
pressuposto a leitura do fenômeno da cor, seja a partir de seu aspecto físico, seja
como ente imaginado, deve considerar o seu fenômeno de maneira integral para a
sua efetiva compreensão. Exige-se a consideração, segundo estudos especializados,
de três elementos básicos para o seu entendimento, entre eles a energia luminosa,
a fisiologia da visão e a superfície material do objeto.

A cor enquanto fenômeno relacionado à energia luminosa teve a sua compreensão


definitiva a partir da experiência de Descartes, baseada na decomposição da luz
branca solar através de um prisma de cristal, em diversos feixes luminosos
constituídos de comprimentos de onda, que originam as cores visíveis. Ao mesmo
tempo, a consciência física da relação de absorção e reflexão de comprimentos de
onda em superfícies materiais (Fraser & Banks, 2007:36) proporcionou o
conhecimento sobre como as cores dominantes dos objetos se tornam aparentes e
percebidos pela visão do observador.

Novos conhecimentos gerados pela fisiologia moderna da visão permitiram revelar


a estrutura e o funcionamento da percepção visual da cor baseada em células
fotorreceptoras denominadas cones, responsáveis pela síntese e percepção das
cores na retina, e em células bastonetes, destinadas à percepção dos cinzas,
noções espaciais e visão noturna (Long & Luke, 2001: 30). Nesse processo obteve-
se a consciência da existência de indivíduos que apresentam uma percepção
distorcida em função de anomalias nessa estrutura e no funcionamento do olho e
da visão, como o daltonismo e outros problemas visuais. Embora relacionada a um
problema oftalmológico, essa informação propocionou refletir sobre as diferenças
individuais na população.

Nesse aspecto reside também o embate teórico entre duas teorias explicativas,
representadas pela teoria tricromática e pela teoria de processo complementar
sobre a percepção da cor na retina. Nesta última questionou-se o problema da
desproporcionalidade numérica entre as células cones em relação ao imenso
número de cores existentes na natureza (Fraser & Banks, 2007: 24). Mas a
complexidade da estrutura e do funcionamento para a percepção cromática
permitiu legitimar ambas as teorias explicativas.

A teoria das emoções de Goethe (Ibid., 48), que se contrapõe à noção mecânica
objetiva de Descartes quanto ao papel complementar da emoção e dos sentimentos
no processo de percepção visual da cor, dá início historicamente à inclusão no
debate dos fatores subjetivos, como parte indissociável à compreensão da cor
juntamente com os fatores objetivos.

No campo experimental da cor a percepção de sua complexidade se torna ainda


mais evidente, pois requer a compreensão das sínteses ou misturas para formação
de cada uma das cores coerentes, a cada uma de suas respectivas modalidades
(aditiva e subtrativa).

Se a cor for baseada na leitura da projeção da luz, como nos monitores e projetores
por exemplo, a mistura das cores primárias RGB (sigla das iniciais de red, green e
blue), denomina-se síntese aditiva (Ibid., 26), pois com sua mistura se obtém o
branco, o qual na experiência cartesiana demonstrou embutir todas as demais
cores.

Se for baseada na leitura de superfícies pigmentadas, denomina-se síntese


subtrativa, caso da impressão em papéis, da cor de materiais plásticos, da cor de
tecidos resultantes de tingimentos à base de corantes, a partir das cores primárias
CMYK (ciano, magenta, yellow - a letra K provém da letra final do termo em inglês,
black, resultado da mistura dessas primárias). A síntese subtrativa (Ibid., 26) das
três cores primárias gera um marrom acinzentado, dito "sujo", aleatoriamente
associado ao preto.

Uma terceira operação de síntese constitui uma técnica de pintores, em um


diagrama RYB, na qual a inserção mínima de cor, como um pingo em uma
superfície com uma cor complementar (opostas no círculo cromático, como verde e
azul ou amarelo e vermelho), disposta em um plano, tende a gerar uma vibração e
a percepção de uma terceira cor ou nuance, denominado efeito de contraste.

Albers, por meio da investigação máxima dos contrastes cromáticos,


sugeriu experimentalmente a evidência da existência de infinitos efeitos de cores
(Albers, 2009: passim), bem como a obtenção de efeitos cromáticos impossíveis de
previsão de resultados.

Arnheim considerou corretamente que na experiência real percebemos a cor a


partir de todos esses processos simultaneamente como uma interação de cores
(Arnheim, 1989: 351), de forma cruzada e não isoladamente.

Diante dessa complexidade inerente ao fenômeno da cor, contemporâneo aos


impressionistas, Albert Munsell, um pintor, desenvolve sistema tridimensional para
garantir a reprodução fiel de cores e tons, baseado nas variáveis de tonalidade, de
luminosidade e de saturação cromática (Long & Luke, 2001: 2).

Munsell percebeu também a impossibilidade de depender apenas de termos verbais


para identificar e reproduzir a cor em seus atributos, devido às diversas variáveis
da cor, incluindo a individual. Sua obra fundamentou todos os sistemas posteriores,
inclusive os padrões digitais no presente. Originalmente como cientista tratou a cor
no sentido de uma métrica que possibilitasse e assegurasse da melhor maneira sua
reprodução fidedigna (Fraser & Banks, 2007: 46), porém não confundiu a técnica
com a criação em si.

A complexidade da leitura do fenômeno da cor permite compreender a sua


aparência tão abstrata e de vasto caráter polissêmico. As modalidades de sínteses
aditiva e subtrativa permitem perceber a mudança de processos da percepção da
cor, seja na projeção da cor sobre superfície pigmentada, superfície impressa (folha
de papel e outros materiais), superfície tingida (como capas de livro à base de
tecido), superfície estampada, considerando ainda possíveis anomalias visuais, bem
como a interação da cor e outros processos.

Essa complexidade cromática geral na multimídia se evidencia de forma


simultânea, daí a sua importância. A sua leitura permite entender o próprio
processo de leitura como um processo dinâmico, inerentemente abstrato na
aparência e polissêmico em seu significado, por isso as diferenças também de
percepção entre uma cultura e outra.

Nesse aspecto geral, o fenômeno da cor na leitura é incompatível com a


racionalidade e objetividade da norma enciclopédica e assim, a importância da
possibilidade de compreensão como signo em si desencadeador da abertura poética
e subversiva na leitura.

Evidências da norma por meio da leitura da cor em multimídia

A base informática, e por extensão da multimídia, constitui-se em uma linguagem e


um ambiente digital, conforme a noção exposta de norma influente baseada na
racionalidade e objetividade específica desde o século XVIII.

Esta influência na multimídia pode ser verificada diretamente pela racionalidade da


linguagem alfanumérica baseada analogamente em tags e ou marcadores (hyper
text mark up language), para a conversão do conteúdo. Também é o caso de
imagens e, principalmente, das cores.

Observável também a analogia da organização em sistema de verbetes que no


campo da multimídia estabelece relação com o hipertexto ou hipermídia.
Etimologicamente, o termo mídia corresponde à reconversão de media proveniente
do inglês, corruptela do latim media, plural que significa "meios" e medium, no
singular, "meio" (Silva apud Língua Portuguesa, s/d: 40). A multimídia reforça um
entendimento superlativo. A sequência de corruptelas verbais, assim, denota o
mascaramento da noção de meio. Nesse caso, a racionalidade e objetividade da
linguagem não se direcionam à necessidade de sua apropriação esclarecida, mas
sugere a relação de fetiche. No sentido ainda da racionalidade conservadora da
linguagem, a expressão comum relacionada à exclusão digital corresponde a
"analfabetismo digital".

Em termos de características do modelo de documento (templates), o branco


ilusório da folha em papel, amarelo acinzentado na Natureza, torna-se branco
absoluto em função da racionalidade asséptica dominante, por meio de químicos
pesados denominados branqueadores óticos. Quanto aos periféricos na multimídia,
essa racionalidade também adquire analogia à origem do fundo do monitor preto
em computadores (DOS), se adaptou posteriormente ao branco da folha com
branco ótico.

A leitura da cor na multimídia nesse processo racional influente tem por analogia
mitológica, permanente, o mito de Orfeu. Em sua tragédia, informado da morte de
Eurídice, desespera-se e desce ao Inferno para resgatá-la. Por compaixão,
divindades não se opuseram ao ato nobre, mas o advertiram que ao voltar à
superfície à frente de Eurídice, não deveria olhar para trás. A condição é violada por
Orfeu e seu amor (a cor, a poética) é perdido às profundeza

Considerações finais

Sobre a questão "pode a cor na multimídia auxiliar a educação na cidadania?",


sugere-se afirmativamente a sua viabilidade, devido ao seu papel conscientizador
sobre o modelo de racionalidade influente e condicionante na linguagem e na
cultura. A crítica à "concepção bancária do saber" de Paulo Freire, processo análogo
ao enciclopedismo, de mera recepção e acúmulo da informação (multimídia) pelo
leitor não constitui aprendizagem ou assimilação efetiva.

A cor na multimídia ou em outros suportes, por conta de sua própria natureza


abstrata e polissêmica, pode proporcionar a quebra da racionalidade da norma da
leitura objetiva, condicionada, para uma reflexiva e livre, para o Esclarecimento
crítico, conscientização e cidadania.

No conceito freireano pedagógico aplicado ao jargão Informático, pressupõe-se a


possibilidade de superação do uso dos novos recursos multimídia, de mero usuário
para o de desenvolvedor, dada a sua intervenção na racionalidade dominante da
linguagem na multimídia, pois de acordo com Rousseau, a linguagem não tem
outro objetivo, senão o de socializar-se.

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