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Operações de Salvamento

Voos Noturnos em Operações de Segurança Pública


INTRODUÇÃO

As operações com uso de aeronaves levadas a efeito pelos órgãos de segurança


pública em geral, abrangem voos em condições diferentes daquelas que
acontecem com as aeronaves privadas, de taxi aéreo e de serviços
remunerados em geral.

Diferentemente do setor privado, as pressões e o estresse aos quais estão


sujeitas as tripulações envolvidas nas missões de segurança pública, servem
como catalisadores que potencializam um risco por si só elevado. Voar para
resgatar vítimas de acidentes diversos para as quais pode não haver outra
alternativa e a aeronave pode fazer a diferença entre a vida e a morte, ou ainda
voar para coibir ações criminosas que não raro resultam em disparos de arma
de fogo contra a aeronave são, sem sombra de dúvida, fatores que estão nas
mentes de pilotos e tripulantes operacionais, também chamados de operadores
de equipamentos especiais ou fiéis, desde antes da partida dos motores.

1. FATORES DE RISCO

Um fator de risco adicional surge quando tais voos ocorrem entre o por e o
nascer do sol. A baixa luminosidade ou a sua ausência, não só dificultam a
visualização de obstáculos, como também representam possibilidade de
desorientação espacial, dentre outros problemas. Não por acaso a o legislador
ao exigir experiência mínima noturna para manter a permissão de voo em
comando à noite para os pilotos, o faz requerendo que a condução da aeronave
se dê em período compreendido entre uma hora após o por do sol e uma hora
antes do nascer do sol, de acordo com o parágrafo 61.23(b)(2) do RBHA 61.

A elevação dos riscos, associada a outras questões como relevo acidentado e


voo sobre maiores extensões de água (mar ou rios) acaba por restringir os voos,
em alguns estados, somente ao período diurno. Desta forma, os gestores de
Organizações de Segurança Pública afetas à aviação devem analisar diversos
quesitos visando subsidiar a decisão dos comandantes de aeronave que operam
na linha de frente e ainda, se for o caso, limitar suas ações visando reduzir
riscos.

1.1. Fatores Orgânicos

É sabido que as reações e o comportamento do organismo diferem no período


noturno e no diurno fazendo com que as respostas aos estímulos também
ocorram de forma diferente, em função do ritmo circadiano. Todo homem está
sujeito a variações contínuas no corpo, as quais ocorrem em função da
exposição do organismo à luz. Paradoxalmente o maior risco de acidentes nem
sempre coincide com o horário de maior trafego aéreo, e sim com aquele em
que o ser humano tem um declínio da curva de temperatura corporal central
que, via de regra, ocorre entre 12h30 e 14h00 e após as 22h00 até as 06h00,
sendo que o período compreendido entre as 03h30 e as 05h30 da manhã é
momento críticos para a indução da sonolência em decorrência da fadiga [1].
Assim, o voo noturno por si só, principalmente considerando acionamentos que

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interrompam o sono do aeronavegante, pode representar elevação do fator de
risco.

1.2. Black hole illusion

Outros fatores de risco associados ao voo sem luminosidade externa são ilusões
às quais estão sujeitos os pilotos. Confusão entre céu e terra, Black hole
illusion, autocinese, necessidade de fixação excêntrica, são ilusões ou
dificuldades associadas ao voo noturno. Tais riscos contribuem sobremaneira
com acidentes, podendo levar inclusive a acidentes por CFIT, sigla em inglês
para Voo Controlado em Direção ao Solo.

1.3. Condições Meteorológicas Adversas

É importante ainda considerar o risco associado ao mau tempo. Baixa


luminosidade, ausência ou poucas referências iluminadas existentes no terreno,
associadas a condições meteorológicas adversas representam elevado grau de
dificuldade no voo, principalmente se a tripulação não for habilitada e
recentemente treinada em voo por instrumentos. Portanto, torna-
se imperativo que no voo noturno os cuidados relativos a preparação antes da
decolagem incluam a checagem das condições meteorológicas, o que pode ser
feito de diversas maneiras. Consulta ao sítio da rede meteorológica da
aeronáutica (www.redemet.aer.mil.br), onde informações de TAF, METAR, SPECI,
animação de imagens de satélite, imagens de radares meteorológicos podem
ser facilmente consultadas antes da decolagem, bem como um simples contato
telefônico com o meteorologista do Centro Nacional de Meteorologia da
Aeronáutica em plantão no aeroporto mais próximo pode ser realizado com o
intuito de dirimir quaisquer dúvidas e/ou solicitar assessoramento em relação às
condições meteorológicas do setor a ser sobrevoado.

3. ESTUDO DE CASO

Um estudo específico sobre helicópteros de resgate realizado pelo NTSB [2],


órgão americano encarregado da investigação de acidentes aéreos, apontou
que naquele país 38% dos voos aeromédicos são conduzidos no período
noturno, contudo, dos acidentes investigados num período de 20 anos, 49%
ocorreram durante a noite. Ou seja, a quantidade de acidentes ocorridas no
período noturno beira 50% do total, sendo que os voos no período noturno
respondem apenas por 38% das ocorrências. O CFIT foi citado no estudo do
NTSB como ocorrência comum nos acidentes analisados. Já o CENIPA aponta
que no período de 1999 a 2008, mais de 30% dos acidentes com helicópteros
ocorreram por fatores associados ao CFIT, a exemplo de colisão em voo com
obstáculo e colisão com obstáculo no solo [3]. Em que pese não podermos
considerar todos os eventos que compõem os 30% como sendo CFIT, nota-se
que os dois tipos citados podem ser potencializados com o voo noturno, dado
que a baixa luminosidade contribui significativamente com o aumento do risco.

4. SUGESTÕES

Como sugestões de itens que podem auxiliar o gerenciamento do risco em voos


noturnos estão:

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a) o estabelecimento de corredores noturnos livres de obstáculos significativos,
a serem seguidos até um ponto limite de onde se tomaria o voo direto ao local
da ocorrência;

b) a fixação de limites geográficos por vezes ainda menores do que 27 milhas


náuticas previstas na norma, estabelecidos de acordo com a iluminação
presente no terreno;

c) o reconhecimento prévio e a definição, por parte do setor de operações, dos


locais de pouso noturno com disponibilização para o Comandante da Aeronave
de contatos telefônicos, fotos e coordenadas geográficas, quando aplicável;

d) a compulsoriedade de consulta meteorológica previamente à decolagem;

e) adoção de medidas de controle de fadiga, a exemplo de fixação de limites de


horas voadas na jornada, de missões cumpridas, descanso apropriado, incentivo
à prática de atividade física, entre outras.

CONCLUSÃO

Resta cristalino, portanto, que o voo noturno representa elevação do risco,


contudo, há medidas que podem e devem ser tomadas para redução deste risco
a níveis aceitáveis. E a quem cabe tal tarefa? Ao analisarmos os relatórios finais
de acidentes ocorridos no passado recente podemos observar em diversos
deles a presença, dentre os fatores contribuintes, da deficiente supervisão. Na
verdade, o panorama estatístico do CENIPA relativo ao período de 1999 a 2008
aponta a deficiente supervisão como contribuinte em 47,1% dos acidentes,
ficando atrás apenas do julgamento.

O gestor que permite, que não interfere ou ainda que se omite em estabelecer
limites operacionais para seus pilotos, pode ser considerado corresponsável por
um acidente ocorrido. Na medida em que não são fixadas normas internas que
objetivem padronizar procedimentos e fixar conduta mínima a ser seguida,
pode-se inferir que o Comandante da Aeronave seja o menor dos responsáveis
por um incidente ou acidente.

A decisão final é e sempre será do Comandante, mas subsidiar essa decisão e


não permitir que o caminho a seguir seja selecionado com critérios pessoais, é
obrigação dos gestores. Aí entram o Comandante, Chefe ou Diretor do órgão de
Aviação, seu Chefe de Operações, seu Oficial de Segurança de Voo, e até
mesmo o responsável pelas instruções. Eles, no cumprimento da rotina
administrativa de seus órgãos, é que devem discutir e estabelecer os limites, de
forma que possam, no futuro, intervir no exercício da função de determinado
Comandante quando este cometer uma violação, considerada como sendo o
descumprimento da norma existente, e diferente do erro, ao qual todos, como
seres humanos que somos, estamos sujeitos.

Vveja algumas fotos de operação noturna do CBM/DF

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[1] PHILLIP, P. et al. Fatigue, sleep restriction and driving performance. Accidents,
Analysis and Prevention Journal. v. 37, n. 3, p. 590, mai. 2005.
[2] Estados Unidos da América. Special Investigation Report on Emergency Medical
Services Operations. National Transportation Safety Board. Washington, DC. 2006.
[3] Brasil. Panorama Estatístico da Aviação Civil Brasileira para 1998 a 2008. Centro
Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Brasília, DF. 2009.

Autor: Flávio da Costa Portela é Oficial do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito


Federal, Pós-graduado em Administração Pública e Comandante de Aeronaves EC 135 e AS
350.

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