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A Vila 1

Trabalho sobre o filme “A Vila”


Elaborado por: Alan Ignácio Nogueira
Professor: Gustavo S. Cunha

Vila

“Cultura: Sistema de idéias,


conhecimentos, técnicas e artefatos, de
padrões de comportamento e atitudes
que caracteriza uma sociedade”
(Dicionário de Sociologia Globo -
1981)

Introdução:

Em 1897 uma vila parece ser o local ideal para se viver: tranqüila, isolada e com
os moradores vivendo em harmonia. Porém este local perfeito passa por mudanças
quando os habitantes descobrem que o bosque que os cerca esconde uma raça de
misteriosas e perigosas criaturas, por eles chamados de "Aqueles de Quem Não
Falamos". O medo de ser a próxima vítima destas criaturas faz com que nenhum
habitante da vila se arrisque a entrar no bosque.

Apesar dos constantes avisos do líder local, e de sua mãe, o jovem Lucius Hunt tem
um grande desejo de ultrapassar os limites da vida rumo ao desconhecido. Lucius é
apaixonado por Ivy Walker, uma jovem cega que também atrai a atenção do
desequilibrado Noah Percy. O amor de Noah termina por colocar a vida de Ivy em
perigo, fazendo com que verdades sejam reveladas.

Construção social de uma realidade

Toda uma série de mentiras é criada para preservar a “sociedade” idealizada por
um grupo de pessoas. Essas pessoas tiveram algum ente querido assassinado de
forma brutal pela violência da cidade e decidiram refugiar-se em um pequeno vale,
cercado por uma floresta, na qual, segundo os livros de história, vivem criaturas
míticas assombrosas. Eles formam uma comunidade utópica de pessoas
trabalhadoras e tementes a Deus que vivem longe das “cidades”, termo que usam
para referir-se ao resto do mundo.

Segundo os anciões, que são as pessoas que formaram a “comunidade”, ninguém


deve entrar na floresta, pois ela é habitada por seres perigosos que os moradores
da vila devem manter à distância com a ajuda de um código de cores que
exclui o vermelho e identifica a segurança no amarelo. Tochas iluminam o
perímetro da vila à noite, e um guarda noturno faz a vigília na torre. Quando o
guarda vê alguma criatura invadindo os limites da vila, ele toca um sino e toda a
comunidade se esconde nos porões, para se proteger, até que as criaturas deixem a
vila.
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Mas todo esse clima de medo e segredos fora criada pelos anciões para manter ali
as suas famílias, protegendo-as assim, do resto do mundo.

Segundo o texto de Reinaldo Dias: “é a cultura que estabelece os limites no qual


se desenvolve toda a ação social” e o mesmo texto ainda diz que: “A cultura é
construída e compartilhada pelos membros de uma determinada coletividade.
Um grupo social compartilha entre seus membros os mesmos hábitos, costumes,
atitudes, etc.” Sendo assim, eles construíram uma realidade ali, partilhada apenas
por eles mesmos, para manter suas famílias a salvo da violência do mundo.

Resistência e interação com outros grupos sociais

Segundo Reinaldo Dias: “As pessoas adquirem cultura ao longo do tempo e


por meio de sua participação em um ou vários grupos num processo conhecido
como ‘socialização’. Ela é sempre compartilhada: quem possui uma determinada
cultura a transmite aos outros membros do grupo. O indivíduo adquire cultura
por meio da interação com outras pessoas, e a consolida exercitando-a com os
outros.” É isso o que acontece no filme, essa cultura “idealizada” por eles, é
transmitida aos outros membros da comunidade para que ela possa manter-se
viva. Por isso eles preservam tanto
Lucius e Ivy, porque eles são líderes natos e somente os dois poderiam perpetuar
essa
“sociedade” idealizada pelos anciões. Não existe interação com outros grupos sociais,
pelo contrário, o que eles desejam é que esse contato não exista jamais, para que
o objetivo deles seja mantido.

A Vila é uma tentativa de fuga do mundo. Lá o tempo parou. As pessoas se vestem


como se vivessem no século XIX; não há luz elétrica, dinheiro, carros, ricos ou
pobres. Lá tudo que é produzido é consumido entre eles. O que as crianças
aprendem é apenas o necessário para manter a vila. As refeições são comunitárias.
Todo o objetivo da Vila é manter as crianças inocentes, torná-las adultos bons, sem
vícios, egoísmo, distanciados do mal. O Sr. Walker define a Vila como um lugar de
esperança, onde se pode proteger a inocência.

O preço

Mas a que custo? Na vila as pessoas morrem de doenças que, com devido
tratamento médico, poderiam ser curadas. Porém, as vidas são sacrificadas em nome
do compromisso de manter a Vila incontaminada do mundo externo. O lugar de
esperança é também o lugar da morte, do sacrifício tolo. A vida não estava acima da
Vila.

Com isso percebemos que todo o atalho que tomamos para fugir dos males da
vida são fundamentados em mentiras, e com o tempo, pela manutenção da mentira,
sacrificamos a vida. Assim, caí-se em um terrível paradoxo: fugimos do mundo para
mantermo-nos vivos, e para continuarmos puros até mesmo matamos em nome da
mentira.

Um dos anciões afirma no filme que a tristeza fareja o homem onde ele estiver,
por mais que ele fuja dela, ela sempre o encontra. A dor e o sofrimento não estão
confinados um determinado lugar ou tempo, mas são condições da vida humana das
quais não há como fugir. Não há fuga para morte; a violência encontrou espaço até
mesmo dentro da Vila. Sentimentos ruins como ciúme e adultério também existiram
dentro desse pseudo-paraíso. O que torna a Vila algo pior que o mundo é justamente
o auto-engano quanto à própria condição humana.

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Cosmovisão

Para os que fazem da sua vida uma Vila, todo o resto é ruim, e somente os seus
são bons. A forma generalizada com a qual os habitantes da vila chamam os
monstros da floresta revela a sua incapacidade de discernimento. Quanto mais
isolados, mais incapazes ficamos. Todos acabam se tornando aos nossos
olhos “Aqueles de quem não mencionamos", os monstros que precisamos para
justificar nossa Vila. Quem não faz parte da nossa Vila não é digno de ser
mencionado, não possui nome, identidade ou mesmo individuação.

Infelizmente, tal tratamento apenas reflete o que nos tornamos. Na verdade eram
os habitantes da Vila que haviam perdido suas identidades, suas características, seus
sentimentos e opiniões. Eram tão iguais que ficava difícil distinguir quem era quem.
Uma única lei uniformizava a todos de tal forma que a neurose por perfeição gerava
jovens que, dentre outras coisas, tinham medo de amassar a camisa com um abraço
ou um toque. Do isolamento seguia-se para uniformidade, que resultava assim na
infantilidade.

Os que vivem como se fossem uma Vila geralmente são infantilizados, imaturos
quanto aos seus sentimentos, desejos e aspirações. São sempre dependentes de
uma casta de “anciões” que ditam o que eles devem fazer; pensar e gostar. No
mundo da Vila, infantilidade é confundida com inocência, porém, no mundo da
criança podem habitar sentimentos tão ruins quanto aqueles que existem fora das
nossas vilas, mesmo que seja por motivações diferentes. A floresta que rodeava a
vila era seca, sem vida, sem beleza, numa representação autentica da condição
interior do habitantes desse vilarejo.

Seqüelas

Nesse caso, o Noah é o ponto principal das terríveis conseqüências da Vila sobre
seus habitantes. Até que ponto os problemas mentais dele não se agravaram pela
infantilidade perpetuada no vilarejo? Noah é um homem com uma mentalidade de
uma criança de 5 anos. Não distingue certo e errado, não aceita regras e é
extremamente desobediente, pois com freqüência ele adentrava a floresta sem
medo das criaturas.

Simultaneamente, Noah era o produto e o ponto de desequilíbrio da Vila, ele é


nossa pior ameaça e ao mesmo tempo o fruto de nossas Vilas interiores. Precisamos
matar os “Noahs” que habitam em nós para que nossa farsa e fuga continuem de pé.
Ao morrer, ele dá a desculpa necessária para que os “anciões” mantenham a
mentira sobre os monstros. Porém, com o Noah tambem morre aquilo que nos faz
mais humanos e todas as lembranças de que nossa Vila não é tão perfeita assim.
A Vila e “Aqueles de quem não mencionamos” são resultados dos traumas e do
terrível engano da fuga como única forma de perpetuar a esperança e a vontade de
viver. Como vencer os momentos ruins, de total falta de fé e desengano, sem com
isso construirmos uma Vila e demonizarmos todos os que estão ao nosso redor?
A resposta quem nos ensina é o casal Lucius e Ivy. Certo momento ela pergunta por
que Lucius é tão corajoso a ponto de querer enfrentar a floresta. Ele então responde:

“Não me preocupo com o que vai acontecer; só com o que tem que ser feito!"

Ele a ama de tal forma que seu único medo é perdê-la, e para evitar isso, ele
deseja que na Vila haja remédios o bastante para que sua vida seja preservada. O
amor lança fora todo o medo de Lucius, assim como também o medo de Ivy, pois
apesar de seu pai tê-la revelado que os monstros eram uma farsa, ela ainda assim
continua acreditando na existência deles, e o ataque de Noah disfarçado de monstro
somente reforça a mentira que tornou-se verdade no coração e mente de Ivy.

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O mais importante não é revelar a farsa dos monstros e dos traumas que nos
limitam, mas sim vencê-los, assim como Ivy que, ao falar com o guarda da floresta,
disse:

“Sinto bondade em sua voz, não esperava por isso!”

Reflexão

Quantos não vivem em o isolamento de uma Vila criado por pastores ou ministérios,
e todos que estão atemorizados pelos ensinamentos de que fora da Vila todos irão
morrer, não percebendo que estão se auto destruindo; sendo consumidos pelos seu
medos. As figuras do filme nos mostram uma realidade que nos rodeia.

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