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COMUNICAÇÃO VISUAL/DESIGN
SONHO:
UM PROJETO DE COMUNICAÇÃO VISUAL
EM VIDEO-INSTALAÇÃO
RIO DE JANEIRO
DEZEMBRO DE 2010
LIANA VENTURA COUTINHO AMARAL
SONHO:
UM PROJETO DE COMUNICAÇÃO VISUAL EM VIDEO-INSTALAÇÃO
Rio de Janeiro
Dezembro de 2010
LIANA VENTURA COUTINHO AMARAL
SONHO:
UM PROJETO DE COMUNICAÇÃO VISUAL EM VIDEO-INSTALAÇÃO
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________
Rio de Janeiro
Dezembro de 2010
DEDICATÓRIA
Carl Jung
RESUMO
ABSTRACT
The project is an immersive video installation inspired on the movie “Dreams” by Akira
Kurosawa. Using an appropriate ambience and multiple sensory stimuli such as touch, sight
and hearing, the installation aims to propose to the user a deep immersion in that dream-
space, so that the physical stimuli alter not only the mood of the visitor, but the state of
consciousness, leading him to experience a kind of lucid dream full of feelings, memories,
emotion and imagery reverie.
INTRODUÇÃO
1 – AKIRA KUROSAWA E OS SONHOS
1.1 – Sobre os Sonhos de Kurosawa 12
1.2 – Sonhos (Yume) 13
2 – SOBRE OS SONHOS
2.1 – Contexto geral 21
2.2 – A fisiologia dos Sonhos 22
2.3 – Os sonhos e a psicologia 24
3 – AS CORES, A SEMIÓTICA E A SUA RELAÇÃO COM ‘SONHOS’
3.1 – As cores nos Sonhos de Kurosawa 27
3.2 – Teoria das cores 28
3.3 – Estudo dos efeitos das cores 30
3.4 – A cor como informação 32
3.5 – Efeitos físicos e psicológicos das cores do espectro solar 36
4 – INSTALAÇÕES MULTIMÍDIA
4.1 – O que, como e para que são feitas 41
4.2 – Referências relevantes para o projeto 43
4.2.1 – Referências cinematográficas 43
4.2.2 – Referências plásticas e de instalações 44
4.3 – Instalações e o mercado 49
5 – PROJETO DE VÍDEO-INSTALAÇÃO INSPIRADO
EM ‘SONHOS DE KUROSAWA
5.1 – Conceito e metodologia 52
5.2 – Arquitetura, estrutura, materiais e aspectos visuais 53
5.3 – Vídeo e sonoplastia 61
5.4 – Localização e público alvo 62
5.5 – Resultados esperados 63
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
9
Introdução
Existem inúmeros textos e pesquisas acerca dos sonhos. Estudos de interpretação, de seus
efeitos, que freqüentam tanto o espaço incerto do misticismo quanto ao do pragmatismo
científico. Se tratando ou não de uma realidade paralela, é indiscutível que todos os serem
humanos sonham. E uma vez inseridos nessa atmosfera, as sensações e as experiências são tão
vivas que nos é difícil distinguir se o que vemos, ouvimos ou tocamos é real ou não. Durante
o sonho, vivenciamos experiências sensoriais tão realistas quanto a que vivenciamos nesse
plano. Do mesmo modo que aqui, sentimos dor e prazer, medo e tranqüilidade, euforia e
excitação e sensação de relaxamento, calor e frio, enfim, tudo que experienciamos em estado
de vigília é vivenciado com a mesma realidade e intensidade no mundo dos sonhos. Do lado
de lá (do sonho), para além da veracidade na qual se colocam os acontecimentos, ainda soma-
se o fato de que nesse lugar tudo é possível. Voar, tornar-se outra pessoa, estar em mais de um
lugar ao mesmo tempo, enfim, todo tipo de experiência que deste lado (acordado) certamente
questionaríamos se seria possível ou não, durante o sonho tudo nos parece tão natural e real
que na maioria das vezes só percebemos que o que vivemos era um sonho e irreal quando
acordamos. Sobram, então, apenas fragmentos de uma história muitas vezes fantástica e
surreal que rapidamente se desfazem na memória.
Para diversas culturas, principalmente as mais antigas, o sonho tem o mesmo valor de um
guru ou oráculo. Para outras, o sonho revela o futuro. Existem aqueles que acreditam que
podem, mesmo dormindo, não se desligar da consciência para assim poder transitar nesse
ambiente onírico de forma a fazer as próprias escolhas e não depender da arbitrariedade do
subconsciente. O chamado “sonho lúcido”. Para outros os sonho não passa de uma história
fantástica que vivenciamos durante o estado de dormência. Para a psicologia o sonho pode
dizer muito sobre quem é, o que deseja e o que despreza, seus medos e traumas, seus valores
e suas vontades. Segundo Jung, através da interpretação dos símbolos o sonho carrega sua
própria linguagem (C. G. Jung, 2008). É onde o subconsciente pode trazer a tona e comunicar
com o seu “eu” mais verdadeiro e profundo.
Para os orientais de modo geral o sonho não se trata apenas de um produto da imaginação ou
de um processamento aleatório de imagens feito pelo cérebro. O sonho é verdadeiramente
uma realidade tão física e verídica quanto na qual estamos inseridos em estado de vigília.
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Uma vez, eu, Tchuang-Tseu, sonhei que era uma borboleta, e estava feliz
como borboleta. Estava perfeitamente consciente de que estava satisfeito
comigo mesmo, mas não sabia que era Tchuang. Não sei se era Tchuang
a sonhar que era uma borboleta, ou se era uma borboleta a sonhar que era
Tchuang.
(Tchuang-Tseu, século III ou II a.C., filósofo taoista chinês, Book of
Tchuang-Tseu)
Há, inclusive, autores que questionam se aqui é na verdade o sonho que estamos tendo
enquanto dormimos “lá”. Para Kurosawa, não existe ficção. O sonho é a própria realidade.
E é por isso que a primeira cena que abre o filme “Sonhos” começa com a frase “Eu vi
um sonho”. Para ele, o sonho é uma outra realidade que ele vivenciou e viu. Ao acordar, a
lembrança do sonho passa como um filme na mente. A própria lembrança de uma experiência
carrega, também, a realidade das sensações (Spinoza, 2004, p. 87).
Atualmente poucas pessoas têm o costume de se prepararem para um sono tranqüilo e para
essa passagem para o mundo do subconsciente. Muitas alegam que sequer sonham. Outras
se queixam de terem noites inteiras de sonhos e, portanto, acordam cansadas de serem tão
bombardeadas de imagens e experiências, muitas vezes, sem nexo. Demais ou de menos, a
realidade é que a relação entre o homem e o sonho se torna cada vez mais tênue. Não paramos
para tentar compreendê-lo ou simplesmente vivenciá-lo. Seja pela falta de tempo ou pela
ignorância, banalizamos a sua existência. Não nos damos o tempo para revê-lo e revisitá-lo
nem mesmo pelo simples valor de sua fantasia. O sonho perdeu até mesmo o valor de filme
passado na mente.
Ainda sobre o território tão incerto dos sonhos, a instalação propõe estímulos sensoriais que
incidem sobre o espectador de modo a criar, dentro dele, suas próprias relações oníricas. Uma
membrana em que o indivíduo mergulha em imagens que não se terminam em si, mas se
constroem através do espaço interior e da própria presença do espectador. Nesse campo, entra
também a questão das cores e luz interferindo no modo como ele recebe os estímulos. Através
do som, das imagens, dos reflexos e das cores o indivíduo vivencia um sonho lúcido através
de um espaço-tempo próprio e particular.
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Akira Kurosawa (1910-1998) nasceu em Tóquio e iniciou sua carreira como cineasta aos 26. Em
1943 estreou no cinema como diretor (Sugata Sanshiro) e desde então assinou a direção de trinta
filmes, dentre eles, filmes famosos como Os Sete Samurais (1954), Dodeskaden – O caminho da
vida (1970), Dersu Uzala (1975), Ran – Os senhores da guerra (1985), Yume – Sonhos (1990),
Hachi-gatsu no kyôshikyoku – Rapsódia em Agosto (1991), Madadayo (1993) e Ame Agaru
– Depois da chuva (1999) finalizando sua carreira e tendo sido terminado por seu discípulo
Takashi Koizume. Por conta de sua facilidade em casar temáticas orientais com um olhar
voltado um pouco mais para o ocidente, Kurosawa conquistou um vasto mundo de admiradores,
tornando-se uma dos cineastas mais importantes e influentes da história do cinema.
Após filmar Ran, outros cinco anos foram gastos na busca por captação para a realização de
um novo projeto. Por conta de sua influência como cineasta, Kurosawa conquistou importantes
amigos nessa área também, com George Lucas, Francis Ford Coppola e Steven Spilberg. Foram
graças a essas amizades que Kurosawa conseguiu dar vida a um de seus últimos trabalhos,
Sonhos (1990), objeto que serviu de salto para minha pesquisa e inspiração para a instalação da
qual falarei posteriormente. Sonhos foi produzido, então, pela Warner Bros.
O novo projeto de Kurosawa não se tratava propriamente de uma nova idéia. Kurosawa escreveria
e dirigiria roteiro consistindo em nada além de sonhos que ele teve ao longo de sua vida. E como
característica do modo como trabalha, Kurosawa mergulhou nesse projeto com afinco. Haveria
dez episódios no total, e a firma Light and Magic de Lucas, ficaria responsável pelos muitos efeitos
visuais. Sonhos foi o primeiro filme que Kurosawa escreveu totalmente sozinho.
De modo geral ficar sentado ouvindo por duas horas os sonhos de uma pessoa não é uma
tarefa tão agradável. O sonho de alguém interessa, principalmente, a própria pessoa que o
sonha. Por conta disso, eles teriam que ser contados de uma maneira muito mais interessante
e cativante de modo que interessasse também ao espectador da mesma forma como interessou
ao próprio Kurosawa. O resultado disso foram oito episódios que ilustram os sonhos do
cineasta, passando por temas desde sua infância até a idade sua velhice. Questões como a
vida e morte, amor, natureza, entendimento entre as pessoas, riscos de guerra nuclear e lições
de vida são abordados de uma forma poética e onírica, e ao mesmo tempo, com bastante
simplicidade. O resultado geral do projeto é um filme que fala do ciclo da vida, fazendo
referência inclusive o símbolo do infinito (8) através do numero emblemático de sonhos.
Para Kurosawa os “sonhos são a expressão de desejos ardentes que o homem procura
dissimular dentro de si mesmo enquanto desperto, mas que se liberam enquanto ele dorme, se
materializam sob a forma de acontecimentos reais” (discurso feito ao apresentar seu filme no
festival de Cannes em maio de 1990).
Os sonhos se iniciam na infância de Kurosawa, com uma abordagem mais leve e pueril.
As cores predominam a cena, trazendo uma atmosfera mais fantástica e onírica. Durante o
desenrolar do filme, essa atmosfera vai se tornando mais densa na medida em que a temática
torna-se também mais crítica, como a questão da preocupação com o meio ambiente que
ele coloca. Do mesmo modo, a coloração e a trilha dos episódios tornam-se mais frios. Nos
sonhos seguintes resgatam a leveza dos episódios iniciais, mas dessa vez com uma pureza
mais estável, como a sabedoria de um ancião. Novamente aqui as cores voltam a se manifestar
e a trilha torna-se mais quente, fechando o ciclo análogo ao ciclo da vida.
Kurosawa, antes de se tornar cineasta, teve experiência nas artes plásticas. Por conta disso ele
demonstra forte preocupação a todos os detalhes das cenas. Cada objeto colocado em cena
tem seu papel fundamental, assim como a questão das cores, trilhas e sonoplastia. Kurosawa
dá especial atenção às referencias que utiliza em seus sonhos, como figurino de época
extremamente bem trabalhado como pode ser verificado no segundo episódio de Sonhos.
A seguir, será dada uma breve análise sobre os episódios que compõem do filme.
Nesse primeiro episódio, Kurosawa aparece sob a figura de um pequeno garoto, que se coloca
na porta da frente de casa enquanto assiste a chuva cair. Ao mesmo que chove existem alguns
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raios de sol que atravessam a chuva. Nesse momento uma mulher, que possivelmente seria
sua mãe, adverte o menino a não sair para a floresta porque em dias como esse (chuva e sol)
a raposas costumam celebrar suas cerimônias de casamento secretas, e que por isso ninguém
estaria autorizado a assisti-las.
O segundo episódio encontra Kurosawa um pouco mais velho, durante o festival Hina
Matsuri1( ou Festival de Bonecas geralmente associado ao desabrochar das flores de cerejeira,
apesar de aqui se tratarem de pessegueiros). Ele vê uma pequena e estranha garota em seu
jardim. Verifica-se que ela é na verdade o espírito do último pessegueiro no pomar, uma vez
que todos os outros foram cortados por alguma razão. O menino a segue até jardim, sendo
levado aos outros espíritos das árvores perdidas, senhores e senhoras, dançarinas e músicos,
todos belamente vestidos com luxuosas roupas da corte do período Heian2. No primeiro
momento o menino é acusado por ter cortado os pessegueiros do jardim, mas ao assistir o
sofrimento do menino pela perda do jardim, os espíritos percebem que não foi culpa dele, e
que ele na verdade um bom garoto, e assim, oferecem ao menino uma última dança.
Durante a bela seqüência a câmera afasta-se lentamente para mostrar todos os cinqüenta
atores, divididos em quatro níveis de pomar, preenchendo o frame com um belo movimento.
Os níveis no pomar representam a hierarquia e a dança representa o florescimento das árvores.
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O terceiro sonho é sobre uma figura conhecido do folclore japonês, a yuki-onna ou mulher das
neves, famosa por aparições nos contos de Lafcadio Hearn3 e na Kobayashi’s Kaidan4.
1
O Festival de Bonecas ou “Dia das Meninas” é uma festa típica japonesa, que ocorre no dia 3 de março - terceiro dia
do terceiro mês. Plataformas com panos vermelhos em degraus são dispostas para expor as bonecas ,que representam o
Imperador, a Imperatriz, serviçais, músicos com as vestimentas tradicionais do período Heian.
2
O período Heian é a última divisão da história clássica do Japão, situando-se entre os anos 794 e 1185. Foi o período da
história japonesa em que o confucionismo e outras influências da cultura chinesa estavam em sua plenitude. O período Heian
é considerado o auge da corte imperial japonesa, e foi um período voltado para o desenvolvimento das artes, especialmente
poesia e literatura. O período Heian teve início em 794, após a mudança da capital do Japão para Heian kyō (atualmente
Kyoto), pelo quinquagésimo imperador japonês, Kammu. O período é notório pela ascensão da classe samurai e pelo
desenvolvimento de uma cultura muito admirada nos períodos seguintes.
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Ela ameaça o jovem Kurosawa, perdido numa expedição de escalada, e depois, desaparece.
Esse episódio é notavelmente feito em estúdio, e fica aparente que uma das maiores
preocupações da imagem é a verossimilhança da trilha sonora. Antes da primeira linha de
diálogo há cinco minutos de efeito sonoro artificial: gelo rachando, equipamento batendo, os
grunhidos e suspiros dos escaladores.
A partir do quarto episódio fica evidente que recontar sonhos de maneira interessante é apenas
uma das preocupações do filme. Críticas também são feitas. Aqui elas tomam a forma uma
anedota anti-guerra.
3
Patrick Lafcádio Hearn (27 de junho de 1850 - 26 de setembro de 1904), também conhecido como Koizumi Yakumo, nome
que adotou após adquirir cidadania japonesa, foi um jornalista e escritor conhecido por seus livros a respeito do Japão. Ele é
especialmente conhecido pelos japoneses devido às suas coleções de contos de fadas, um dos quais foi transformado em filme por
Masaki Kobayashi (Kwaidan (1965)). Viveu muito tempo no Japão e conquistou, com sua obra, grande renome internacional.
4
Kaidan é um substantivo japonês formado por dois kanji: em japonês: kai estranho, misterioso, raro ou aparição
fantasmagórica e dan “conversa” ou “narrativa oral”). Em sentido amplo, kaidan refere-se a qualquer história de terror ou de
fantasma, mas possui uma halo de obsolescência, que carrega a conotação de contos populares do período Edo.
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oficial prossegue através do túnel e sai do outro lado, mas então testemunha algo terrível -
o yurei (fantasma japonês) de um dos soldados que ele tinha comandado na guerra vem para
fora do túnel atrás dele, tendo o rosto, as mãos e as partes visíveis do corpo de cor azulada
pela morte. O soldado parece não acreditar que ele está morto, mas o oficial o convence a
voltar para a escuridão do túnel. Em seguida, o terceiro pelotão que esteve sob seu comando
surge de dentro do tunel. Ele tenta contar-lhes que estão mortos, e expressa seu profundo
sentimento de culpa por deixá-los morrer na guerra. Assim os soldados seguem de volta para
dentro do túnel, mesmo se sentindo um tanto desacreditados. No final o cachorro faz uma
segunda aparição, ameaçando o comandante mais uma vez, mas ele continua seu caminho
para casa. Novamente, a trilha sonora foi produzida com bastante cuidado, como os passos de
marcha que ecoam do túnel do qual os soldados surgem.
Por que não está pintando? Para mim esta cena é incrível. Uma cena que
parece pintura não se torna pintura. Se olhar com atenção você verá que
toda natureza tem sua beleza. Quando encontro essa beleza natural eu
simplesmente me perco nela. Então, como num sonho, a cena se pinta
sozinha. Eu consumo esta cena natural, eu a devoro completamente. Quando
termino, a imagem aparece completa diante de mim, mas é difícil segurá-la
aqui dentro.
Após Dodeskaden, Kurosawa expressou uma vontade de fazer um filme sobre a poluição
nuclear e que tivessem mais um caráter de consciência ambiental. ‘Sonhos’, de certa forma,
aborda esse tema, como pode ser verificado nesse episódio o nos subseqüentes.
O sétimo episódio, e último pesadelo apresentado, mostra o jovem Kurosawa vagueando por
uma paisagem bastante hostil, cheia de ruínas e névoa. Nesse ambiente sombrio ele ouve
passos e se dá conta que está sendo perseguido por um ser que mais tarde se apresenta como
sendo um demônio faminto. Durante uma conversa ele descobre que o demônio havia sido
um humano anteriormente, mas o desastre nuclear (visto no sexto episodio) gerou mutações
monstruosas como dentes-de-leão gigantes e outros demônios como ele mesmo. Ele mostra ao
jovem Kurosawa os outros demônios em seu sofrimento e depois, alegando que está faminto
ameaça a comê-lo, fazendo com que Kurosawa corra para longe do demônio.
O oitavo e último episódio originalmente chama-se “A vila dos moinhos d’água. Em episódios
anteriores foi mostrada toda a fraqueza do mundo, seus erros e a mesquinharia do homem. Por
outro lado, nesse episódio, o mundo é mostrado como ele deveria ser. Trata-se de um cenário
de uma planície cheia de água e um solo fértil, um lugar onde os moinhos de água rangem e
pode-se ouvir o barulho da água passar por eles. Nesse “mundo” as crianças são educadas, e
os adultos civilizados.
Um deles (um senhor de 104 anos) explica toda a filosofia ao passageiro, Kurosawa. O
ancião afirma que homem está destruindo a natureza para tornar as coisas mais convenientes,
mas que ela não é boa. Nessa vila, entretanto, as pessoas vivem naturalmente, em harmonia
com a natureza. Ele, então, dá uma série de exemplos. O ancião falante para de falar em
determinado momento e então – magicamente – a atmosfera retorna ao ambiente onírico
do começo. Uma procissão festiva de um funeral está descendo pela estrada. Ela é cheia de
música e movimento e inocência – defendendo o contentamento da morte, pois celebra-se que
a falecida teve uma vida plena e feliz.
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Em ‘Sonhos’ existe muito pouca preocupação com o estilo realista, uma predileção pelo
estúdio, uma tendência a contar mais do que mostrar, e uma inclinação a moralização. Um
ponto forte no filme, além da preocupação com a plasticidade do filme nos mínimos detalhes,
é a escolha das trilhas sonoras e sonoplastia. Aqui, as profundezas de suas emoções e a
superficialidade de seus conhecimentos de musica ficam aparentes.
Segundo Donald Richie, amante e estudioso de filmes orientais, “Sonhos se encontra atrás de
resíduos de beleza. Há beleza apesar do filme, porque a beleza está na atitude do diretor. Está
indicado não apenas no caráter didático, mas no tempo demorado de tudo, na quantidade de
respeito intencionada, e na grande sinceridade do trabalho.”
2 – Sobre os sonhos
O universo dos sonhos desperta e intriga, há alguns séculos, o interesse sobre o homem em
praticamente todas as áreas do conhecimento, desde a ciência até o misticismo. Relatos de
todos os tipos datam experiências e relações do homem com os sonhos. Eles estão presentes
em muitas culturas e religiões, e em muitas delas, em épocas diferentes, desempenharam um
papel social bastante forte.
Isso mostra que o sonho, desempenha formalmente, em muitas culturas e épocas diferentes, uma
função social e política bastante significativa. Nessas sociedades, o líder recebe diretamente
do céu, através de seus sonhos, os pensamentos e escolhas que deve fazer para guiar seu povo,
uma vez que nessas sociedades, como na idade moderna, por exemplo, o líder exerce um direito
divido de liderar, sendo o canal direto com o céu para seu povo (C. G. Jung, 1928).
Esse tipo de relação mais íntima e confiante com os sonhos é mais freqüentemente encontrado
em sociedades e culturas antigas, muito em função da influência da espiritualidade e religião na
política e na sociedade. O misticismo estava presente em todo momento, inserido na vida cotidiana
das pessoas. O caráter premonitório e oracular dos sonhos pode ser encontrado inclusive no Bíblia
(quando José é avisado em sonho pelo anjo Gabriel de que sua esposa está grávida).
Consequentemente, uma vez que os laços com a espiritualidade rompem-se a partir da sociedade
moderna, cada vez mais se abre espaço para o racionalismo científico. Graças a isso, atualmente
vivemos numa sociedade onde o empirismo é desprezado, valorizando-se apenas o método
científico para apresentação de idéias e conceitos. Abre-se mão da intuição e da pessoalidade em
detrimento de um sistema que possa provar para a uma sociedade acadêmica e científica o valor
real de alguma teoria. Do mesmo modo, os sonhos caíram nessa espécie de limbo. O valor de
oráculo não pode ser levado a sério, uma vez que não pode ser provado.
A partir do século passado, novas correntes científicas surgiram, e com elas novas abordagens
sobre temas antes taxados apenas como místicos ou holísticos. No entanto, novas descobertas
têm sido feitas em cima de objetos como os sonhos, provando muitas vezes que não se
tratam apenas de estudos superficiais ou sem fundamento. Atualmente, os sonhos têm sido
levados mais a serio pela comunidade cientifica, como neurologistas, psicanalistas e biólogos.
A biologia aborda o objeto de estudo sob o interesse de desvendar as estruturas cerebrais
envolvidas no processo do sonho, e como eles funcionam. Já a psicologia busca entender
o conteúdo que há por trás da aparência deles. Dá junção desses dois segmentos de estudo
nasceu a neuropsicanálise como forma de entender os aspectos físicos e psíquicos dos sonhos
de forma mais unificada.
Segundo a especialista e PhD Silvia Helena Cardoso os sonhos são atividades mentais que
acontecem algumas vezes durante o período de sono, principalmente no estagio conhecido
como REM (Rapid Eye Movements), um período que ocupa de 20% a 25% de tempo total de
sono de um indivíduo e que se caracteriza pelo movimento das pálpebras como resultado do
rápido movimento dos olhos.
Os estágios do período REM são definidos pela atividade elétrica dos neurônios representada
por ondas num eletro encefalograma (EEG). Esse registro é feito através de eletrodos ligados
à superfície do crânio. Os estágios no sono são seqüenciais. O sono REM se inicia cerca de
90 minutos após adormecermos. Entre um sonho e outro retornamos a um estado de repouso.
Estes ciclos repetem-se durante o sono com períodos de sono REM cada vez mais longos.
Normalmente, uma pessoa tem entre 4 ou 5 períodos REM durante uma noite, tendo duração
entre 5 a 45 minutos cada um. Existem, contudo, algumas evidencias de que o sono REM
surgiu antes do sonho e que os dois são independentes.
O estado REM é um estado neurologica e fisiologicamente ativo. Quando uma pessoa está
num sono profundo não há sonho e as ondas (chamadas ondas delta) ocorrem 3 vezes por
segundo. No sono REM, as ondas ocorrem cerca de 60 a 70 vezes por segundo e o cérebro
gera cerca de cinco vezes mais eletricidade do que no estado acordado. A pressão arterial, as
batidas do coração e a respiração podem mudar sensivelmente durante o sono REM.
Para alguns parapsicólogos o estado de sonho é uma passagem para o outro mundo, uma
espécide de universo paralelo. Alegam que a prova cientifica para isso são as distintas ondas
23
cerebrais dos diferentes estádios do sono. Parecem pensar que as ondas cerebrais representam
diferentes estados de consciência e que o sono é um estado alterado de consciência. No entanto,
sabe-se que o sono não é um estado de consciência, mas de inconsciência. Além disso, as ondas
cerebrais não representam estados de consciência, mas atividade elétrica no cérebro.
Talvez o aspecto mais curioso do sonho seja que a maioria de nós não tem consciência de que
sonhamos enquanto estamos a sonhar. PET scans, ou tomografias, feitos durante o período
de sonho mostram reduzida atividade do córtex pré-frontal durante o sono REM e isto pode
explicar diversas características desse estágio.
Alguns pesquisadores alegam que a falta de atividade pré-frontal é sinal de que a função
do sono é reparadora. O sono permite o repouso dos lóbulos frontais, a parte mais ativa
dele quando estamos acordados. A explicação para os sonhos lúcidos – ter consciência
que sonhamos enquanto sonhamos – é que certas pessoas não tem seus lóbulos frontais
“desligados” por completo enquanto sonham.
Existem algumas hipóteses sobre o porquê sonhamos. Uma delas seria que os sonhos são
um modo do cérebro não desligar o córtex de sinais sensoriais. Quando dormimos, os
neurônios do tálamo impedem a penetração de informação sensória para o córtex. Isto dá
ao cérebro a possibilidade de repousar. Outra hipótese é que o sonho desempenha um papel
no processamento das memórias, especialmente as emocionais. Durante o sono REM, as
amígdalas, que têm um papel na formação e consolidação das memórias das experiências
emocionais, estão bastante ativas. Os sonhos são mecanismos que informam e guiam as
nossas sensações e emoções. Em resumo, esta teoria defende que os sonhos são um modo
de exprimir os nossos desejos e medos. Os sonhos são algo muito pessoal e falam à vida
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emocional específica do sonhador. Esta teoria se baseia no fato de que a maioria dos sonhos
está diretamente relacionada com os acontecimentos do dia-a-dia, e refletem a vida e
preocupações atuais daquele que sonha, incluindo sentimentos não resolvidos. Esta teoria
também implica que a interpretação dos sonhos pode desempenhar um papel significativo
na auto-descoberta. Podemos ter ansiedades ou desejos que só os sonhos podem revelar. (R.
Baker, 1996)
Ainda, um outra teoria aponta o sonho como um subproduto do sono, ou seja, uma forma
que o cérebro desenvolveu para jogar fora memórias “inúteis” coletadas durante o dia (teoria
desenvolvida pelo cientistas britânicos Francis Crick e Graeme Mitchison em 1983). No
entanto essa teoria vai contra os estudos feitos por Freud em suas análises de sonhos no livro
“A Interpretação dos Sonhos” (S. Freud, 1999). A publicação de Francis e Graeme descarta
completamente a simbologia dos sonhos como forma de interpretação de desejos e medos. Sem
mencionar, claro, que também vão contra toda qualquer teoria mística sobre os sonhos.
Resumidamente, podemos dizer que existem três frentes ocidentais sobre a explicação acerca
dos sonhos: a freudiana; a de que sonhos servem para consolidar memórias e aprendizado; e a
crença de que suas imagens são totalmente aleatórias.
Segundo Freud (S. Freud, 1899) os sonhos são manifestações e realizações dos desejos
reprimidos através do inconsciente. O enredo onírico divide-se em dois sentidos, a “fachada”
que é o aspecto mais superficial do sonho, e o sentido latente, que seria o significado por
trás das imagens e sensações que os sonhos promovem. A fachada serviria para “despistar”
o superego (sensor da psique que escolhe aquilo que se tornará consciente ou não dentro do
campo do inconsciente). Já o sentido latente busca revelar, através das interpretações dos
símbolos contidos nos sonhos, os desejos e medos do indivíduo que sonha, por trás de uma
aparente narrativa absurda.
Do lado oriental pode-se encontrar diversas filosofias acerca dos sonhos. Uma delas é a
budista tibetana. De acordo com essa linha do budismo, o homem está sujeito às leis do
karma, e por isso deve seguir um treinamento espiritual para diminuir seu karma nessa vida
e buscar a evolução espiritual para a seguinte a esta. Um dos principais treinamentos para
atingir a iluminação (nirvana) é a pratica do desapego. Muito dessa prática concerne em
desapegar-se das coisas matérias numa preparação diária para a morte. No entanto, aqui
a morte não carrega o peso que o cristianismo ocidental prega. A morte deveria ser um
processo de libertação da alma em busca de iluminação. A limpeza de karma é justamente
um treinamento para diminuirmos as passagens encarnados, até um dia em que isso não mais
será necessário. Mas para a conquista dessa “liberdade” através da morte é preciso práticas de
treinamento espiritual diário e constante.
Para os monges tibetanos, da escola Mahayana, existe o que eles chamam de bardo, ou os
seis ‘estados de experiência intermediários’, que são as experiências de treinamento para
a elevação espiritual e desapego que ocorrem durante o estado de existência intermediária
entre a morte e o renascimento. Os bardos são divididos em ‘bardo do local de nascimento’,
‘bardo do momento da morte’, ‘bardo da verdadeira natureza dos fenômenos’ e ‘bardo
do renascimento ou do vir a ser’. O bardo do local de nascimento subdivide-se ainda em
‘bardo do estado de meditação’ e ‘bardo dos sonhos’. Três desses bardos acontecem em vida
propriamente dita, enquanto os outros três são os bardos que acontecem durante o processo
de morte, desde seu início (como a consciência de uma doença que levará à morte), morte
propriamente dita, e a experiência de pós-morte.
É durante os três primeiros bardos (bardo desta vida ou do local de nascimento) que podemos
nos preparar para experienciar os últimos bardos, e para a morte de forma correta, de acordo
com a filosofia oriental. Com o fim de não ser dominado pelo medo e sofrimento na hora da
morte o homem deve preparar-se. O bardo da meditação, ou samten bardo estende-se desde
o início até o fim da meditação, durante o qual deve-se desenvolver a prática necessária para
ajudar a lidar com as dificuldades da vida, bem como a experiência da morte e do pós-morte.
O bardo do sonho ou milam bardo ocorre desde a hora que nos preparamos para dormir até
a hora que acordamos. Ao invés de desperdiçarmos oito horas em média dormindo, deve-se
aproveitar esse tempo para se praticar a yoga dos sonhos.
26
Olhando para, vemos que todas as experiências de nossa vida, que umas
vezes parecem tão substanciais e verdadeiras, agora são apenas memórias,
nada mais. Reconhecemos que se somos louvados ou culpados, se estamos
felizes ou tristes, todas as condições são como um sonho. Então nossa
meditação dará frutos à noite e reconheceremos que estamos sonhando.
Quanto mais realizarmos a natureza de nossas vidas – semelhante a um
sonho – menos apego e sofrimento experienciaremos na morte e mais
seremos capazes de aplicar os métodos meditativos na hora da morte.
(Chagdud Tulku Rinpoche, 1994)
Assim, a prática da yoga dos sonhos consiste em buscar a lucidez durante o sonho, ou seja,
a consciencia de que o sonho é apenas um sonho. Nesse estado, assim como num estado
de meditação profunda, os níveis de nossas ondas cerebrais encontram-se em um nível
muito mais baixo, o que nos permite o isolamento do mundo externo, bem como de nossas
sensações corporais. Isso possibilita um maior contato com as raízes inconscientes de nossas
estruturas mentais. Nesse sentido, a yoga dos sonhos, assim como a prática da meditação,
é uma técnica de autoconhecimento, controle, purificação e desenvolvimento mental. A
capacidade meditativa que desenvolvemos durante os três bardos da vida pode nos capacitar a
usar os três bardos da morte e do processo pós-morte como portas para a iluminação.
27
O perfeccionismo de Kurosawa é fortemente aparente nos filmes que dirigiu não apenas do
ponto de vista do conteúdo, mas do estético. Inclusive uma das características mais marcantes
e admiradas em seu trabalho é seu olhar atencioso aos mínimos detalhes. Durante a produção
de um filme, é sabido que o diretor esperava, às vezes horas para conseguir a luz perfeita e
filmar determinada cena. Sua paixão pelo perfeccionismo estético é provavelmente original de
seus estudos em pintura e desenho quando mais novo. Um de seus maiores ídolos era o pintor
Van Gogh, com quem teve um sonho, e Cezanne. Essa paixão pelas artes plásticas e pelas
cores foi levada com seriedade para toda sua obra como cineasta.
No primeiro episódio (Um raio de sol através da chuva) existe a clara presença da referência
do teatro Nô e do Kabuki, durante a procissão de casamento das raposas, bem como a trilha
sonora especialmente escolhida. Nesse sonho, existe uma atmosfera de mistério e beleza,
produzido através da névoa presente na floresta, e das cores, principalmente o verde, que
trazem consigo a fantasia presente no imaginário infantil.
No terceiro episódio (A Nevasca) percebe-se que a atmosfera torna-se mais densa. Existe
uma forte predominância do branco e do prata, mas no entanto, existe uma tendência à falta
de visibilidade como que para colocar o espectador na realidade da situação e sentir o que os
alpinistas estão sentindo.
O quarto sonho (O túnel) é um dos três pesadelos retratados no filme. A paisagem é toda fria,
prevalecendo os tons metálicos e cinza escuro que conotam o caráter negativo e de ameaça
presente na guerra, além do azul representativo da morte dos soldados.
O quinto sonho (Corvos) talvez esse seja o episódio em que se tem as maiores preocupações
plásticas. Aqui a paleta de cores é extremamente vibrante e colorida, tendendo às cores
quentes, como o amarelo e o vermelho, mas também passando por matizes azuis e verdes, na
medida que se passeia por algumas das obras mais famosas de Van Gogh (aqui interpretado
28
pelo diretor e amigo de Kurosawa, Martin Scorsese). Toda essa atmosfera contribui para um
clima mais leve e descompromissado com a verossimilhança.
No sexto episódio (Monte Fuji em chamas) apesar de existirem algumas cores, provenientes
das vestimentas dos figurantes, o filme é predominantemente avermelhado, por conta das
explosões que ocorrem. Esse vermelho não é um vermelho que carrega uma conotação
positiva, mas ao contrário, pesada e densa, como o próprio pesadelo. A fumaça contribui para
a atmosfera ameaçadora do perigo nuclear.
Mais uma vez se apresenta um clima de pesadelo no sétimo episódio (O demônio chorão),
com aspectos plásticos bastante sombrios. As cores predominantes são o cinza frio, tornando o
sonho quase uma película monocromática.
Após a série de pesadelos, que abordam principalmente críticas ao homem e seu modo
de viver (guerras, explosões nucleares, tristeza e medo), no último sonho (O vilarejo dos
moinhos) o ambiente torna a apresentar alegria e leveza. Em termos plásticos, as cores
tornam-se vivas e vibrantes novamente, fechando o ciclo que iniciou os sonhos. Da infância
à velhice, passando pela idade adulta, da vida à morte, retornando à vida novamente. Assim,
as cores e a plasticidade do filme acompanham os temas, hora apresentando-se de maneira
mais leve e bela, como num sonho prazeroso, e hora mais cinza e frio, espelhando o caráter
dramático e ameaçador característico de pesadelos. O oitavo sonho retoma a mesma inocência
e leveza apresentada no primeiro episódio.
Sabe-se que as cores exercem sensível influência sobre nós. Assim como os sonhos, o estudo
das cores também é motivo de extensas pesquisas que datam desde Idade Antiga, com
filósofos como Platão (Platão, 1993) e Aristóteles (Aristóteles, 1952). Alguns artista também
se arriscaram em teorias sobre as cores como Leon Battista Alberti (Alberti, 1992) e Leonardo
Da Vinci (Da Vinci, 1982). Anos mais tarde, no século XX, artistas e pesquisadores como
Wassaly Kandinslky (W. kandinsky, 1991), George Seurat (Homer, 1964) e muitos outros
desenvolveram suas próprias teorias em cima do que já havia sido descoberto em termos de
ciência, psicologia e neuropsicologia, somado às suas técnicas de pintura, tornando-se um dos
grandes alicerces da escola que inaugurou o design moderno, a Bauhaus (R. Wick, 1989). No
entanto, as descobertas e pesquisas que mais se destacaram e que até hoje servem como base
para muitas outras pesquisas foram desenvolvidas a partir do século XVII. Uma delas diz
respeito ao cientista Isaac Newton em sua Teoria das Cores (I. Newton, 1979).
naturais”. Utilizando um prisma com anteparo para um feixe de luz solar, Newton percebeu
que esse mesmo feixe se decompôs em cores do espectro. A separação espacial das cores
simples pela decomposição da luz branca é obtida graças aos diferentes graus de refração de
cada cor, que é revelada ao atravessar os corpos transparentes. Isso significa que cada espectro
decomposto dessa luz branca possui um índice de refração. Outra propriedade dos raios
luminosos, que ele chamou de raios simples, é o seu comprimento de onda. Isso faz com que
o nome da cor perca importância para os físicos, dado que um nome é apenas uma atribuição
empírica. Daí, os diferentes matizes são calculados de acordo com seu comprimento de onda
determinados por milimícrons (mµ), fugindo das imprecisões vocabulares.
Desse modo, Newton decompôs a luz branca, ou solar em sete diferentes matizes ou
espectros, compondo as cores do espectro solar. Determinado pela Comissão Internacional
de Iluminação (CIE) as cores são especificadas de acordo com seu comprimento de onda,
conforme abaixo:
Outro importante teórico acerca do tema da cor foi o filósofo Goethe. No entando, ele
diverge de Newton em vários aspectos sobre sua teoria das cores em função de sua base
epistemológica. Um de seus argumentos se trata da questão da cor não ser uma propriedade
dos objetos, mas da percepção visual. O que vemos são, desse modo, sensações coloridas.
Para Goethe, os diferentes raios luminosos não são cores, propriamente ditas. A sensação
colorida que é produzida pelos diferentes matizes só é percebida em condições onda haja
contraste de luminosidade, ou seja, ação oposta entre luz e obscuridade. Segundo Goethe
“toda cor tem por origem uma luz e uma não-luz” (J. Goethe, 1968).
É claro que não se pode negar a enorme contribuição de Newton para a física ótica, no
entanto, Goethe se aproxima mais das questões que abordam a percepção visual e a
construção das imagens e cores pelo nosso cérebro, como é visto em estudo de semiótica,
dentro da pesquisa feita.
Goethe também dá início às questões que envolvem os efeitos das cores sobre o observador.
De acordo com Israel Pedrosa (I. Pedrosa, 2009) os códigos visuais, gestuais, sonoros ou
verbais são conseqüências dos valores representativos que atribuímos a eles. No que toca
a simbologia das cores e seus significados, as relações entre as cores e seus símbolos são
construídas através do processo de analogia, ou seja, relacionamos as cores com o que existe
na natureza. Por exemplo, associamos a cor azul ao céu, uma vez que o céu também é azul
31
(no que se refere à percepção que temos quando olhamos para ele), e posteriormente à paz por
conta da idéia “celeste” que a imagem do céu carrega. O céu é onde vivem os deuses. Para os
povos primitivos a simbologia das cores nasceu através dessas “analogias representativas”.
A partir delas, através de desdobramentos comparativos as simbologias atingem um nível de
relativa independência, chegando aos estágios mais elevados da subjetividade. Dessa forma,
o vermelho lembra, por analogia representativa, o fogo e o sangue. Mas pode também, num
nível mais subjetivo de entendimento, representar a força que o faz jorrar, o terror, ou a morte
e, por sua reminiscência, o luto.
Em seu livro Psicologia Del Color (E. Heller, 2005), Eva Heller defende que as cores e os
sentimentos não se combinam de maneira acidental. Essas associações, longe de serem feitas
meramente por simples questão de gosto, são feitas de experiências universais profundamente
enraizadas desde a infância em nossa linguagem e pensamento. Sendo assim, uma mesma cor
pode produzir diferentes efeitos, e até mesmo efeitos contraditórios. Mas assim como Pedrosa,
Heller também defende a idéia de que as associações das cores são feitas através das analogias
representativas, como ela mesma diz, através das experiências elementares (vermelho-fogo,
azul-céu, amarelo-sol, etc.) e partir daí desdobram-se as relações mais subjetivas.
Sergei Eisenstein no capítulo Cor e Significado do livro O sentido do filme (S. Eisenstein,
1990) também considera as relações entre cor e significado, mas mais especificamente no
campo do cinema. Para ele, o significado da cor está ligado a todos os elementos que fazem
parte da imagem. Dessa forma, a relação cor/significado depende do contexto no qual esta
inserida. Outro fator determinante nessa relação é o contexto histórico e cultural. Se no
ocidente o luto de morte é representado pela cor preta, no oriente os rituais fúnebres são
representados pela cor branca. Desse modo, assim como Heller, Eisenstein defende a idéia
de que uma mesma cor pode apresentar duas significações opostas. As associações feitas
entre cores e elementos denotam que as cores também se associam a outros elementos que
possuem a mesma cor. Os significados, então, são divididos de acordo com suas associações.
Mesmo que em algumas culturas e momentos históricos essas associações coincidam, seria
um erro determinar correlações absolutas, uma vez que assim como a linguagem, os conceitos
estão em constante mutação. No entanto Eisenstein assegura que existem relações puramente
físicas entre o som e a vibração da cor. O próprio Newton, em seus estudos acerca das cores
determinou relação das sete cores do espectro solar com as sete notas musicais. Mas para ele
não se tratam de questões puramente físicas. Uma das inseguranças no fato de se determinar
uma associação absoluta entre a cor e um objeto reside no fato da percepção ser individual e
singular para cada observador. Ele acredita também haver uma correlação entre o significado
e a imagem de experiências pessoais da justaposição de representações de cor, denunciando a
subjetividade da percepção da cor estar ligada a um elemento.
Ainda, outra abordagem sobre os efeitos das cores se dá no plano da semiótica e da física
ótica. Como já mencionado anteriormente, as cores são determinadas pelo comprimento de
sua onda medido em milimícrons (mµ). Já vimos, então, que cada cor possui determinado
comprimento de onda, que é a distancia entre duas cristas numa onda senoidal, representado
pela letra grega λ (lambda). De acordo com a física ótica esse valor é medido pela razão entre
a velocidade de propagação da luz (v) e a freqüência de vibração do raio luminoso (Equação
32
No caso de uma análise sobre a questão da cor na cultura brasileira, Pedrosa coloca que seria
muito difícil estabelecer qualquer tipo de relação ou diagnóstico mais concreto, levando em
consideração a complexa origem de nossa preferência por determinada cor. Segundo o autor,
“o gosto pelo vermelho”, por exemplo, “pode estar ligado tanto à paixão clubística, como à
preferência política, à devoção a Exu, ou à reminiscência de um rito tribal, e não precisamente
por uma tendência a extroversão”.
Segundo a autora Narcí Castro de Souza (N. C. Souza, 2003), num olhar mais holístico,
as cores atuam sobre as pessoas, seus comportamentos e podem funcionar como terapia
(cromoterapia), dividindo-se conforme seus efeitos, em cores estimulantes (vermelho,
laranja e amarelo), calmantes (índigo, azul e violeta) e equilibrantes (verde). Levando-se em
consideração as características físicas da luz, como seu comprimento de onda e freqüência,
sabe-se que esses dois fatores são inversamente proporcionais, e, além disso, quanto maior
a frequência de uma faixa do espectro solar, mais curta é a onda, e por isso, maior alcance
ela tem. De acordo com Narcí, as cores nos afetam tanto em nível consciente quanto em
inconsciente. Em seus estudos ela explica que o córtex registra as cores e agrupa-as segundo
harmonia e preferência, no caso, pessoal. Do núcleo da retina nos olhos, parte uma rede
de fibras nervosas que segue direto ao mesencéfalo e à hipófise. É no mesencéfalo onde se
encontra a sede dos reflexos instintivos. Os hormônios que partem da hipófise são lançados
diretamente na corrente sanguínea, controlando o funcionamento de todas as glândulas do
corpo. Desse modo, a visão cromática afeta não somente a função hormonal e o sistema
nervoso central, mas o sistema nervoso autônomo, o simpático e o parassimpático. Além
disso, não somos afetados pelas cores somente através da visão. Uma vez que as cores são
ondas de energia, elas penetram pela pele, provocando reações físicas, emocionais e mentais.
Um notável trabalho sobre as cores é o estudo realizado por Luciano Guimarães (L.
Guimarães, 2004). Sua pesquisa sustenta-se na teoria de que o sistema simbólico das cores
que fazem parte do repertório de códigos do homem depende de um modelo da ontogenia das
cores, ou seja, como uma cor nasce como cor-informação carregada de significados, cresce, se
desenvolve e, ou se estabelece como um signo forte ou morre dentro desse sistema simbólico.
ser apenas cor para se tornar uma cor-informação, ou seja, ela se torna a informação em si,
carregada de símbolo e significado. No entanto, assim como a natureza do tempo histórico e da
cultura, o amplo repertório simbólico das cores é dinâmico e volátil. Os símbolos relacionados
às cores podem mudar o tempo todo, e variam de cultura para cultura de modo que podem se
tornar tão fortes e presentes que alteram o repertório simbólico do próprio receptor.
Segundo o autor esse repertório simbólico é formado, como já mencionado, num processo
que ele denomina como “ontogenia das cores”, ou seja, um processo que demonstra como
a cor-informação nasce, cresce, se desenvolve e, ou torna-se perene ou morre dentro do
sistema simbólico cultural, perdendo seu significado como cor-informação dentro de um
determinado contexto.
Guimarães coloca uma preocupação bastante pertinente no processo de ontogenia das cores
que é a questão da banalização e “petrificação” dos símbolos relacionados às cores devido
à intensa quantidade de informações e uso exagerado das cores pelas diversas mídias. Esse
exagero contribui não apenas para o empobrecimento da simbologia das cores, como também
para o evidente reducionismo da relação cor-informação, indo contra a sua natureza dinâmica.
Um exemplo mais claro é o reducionismo da cor vermelha relacionada à mulher e ao amor, e
do azul ao homem e à paz. A relação cor-informação, torna-se, desse modo, paradoxal, uma
vez que coexistem o excesso e o reducionismo junto ao dinamismo.
O excesso do uso das cores na mídia força a estagnação do repertório dos seus símbolos,
além de conduzir e alienar o repertório do receptor. É inegável a potência que as cores
tem na comunicação. Elas são capazes de estabelecer fortes relações semânticas, como
ambientar, simbolizar, conotar e/ou denotar, bem como relações taxionômicas responsáveis
pela hierarquização, destaque, e direcionamento da percepção das informações. No entanto,
essa potência das cores como informação na maioria das vezes não são exploradas pela mídia
jornalística, principalmente, de forma ética, pois a atribuição de valor à cor está diretamente
ligada à intenção de quem emite a informação. A conseqüência disso é uma simbologia
não transparente para o receptor, que não consegue distinguir o “símbolo do simbolizado”,
tornando a mídia jornalística um veículo altamente nocivo e manipulador.
II. Como o uso cotidiano da cor pode pautar a mídia, no uso da cor-informação;
III. Como o repertório é alimentado e alterado pela história e por sua natureza dinâmica;
Para o autor, e de modo geral, para os estudos da semiótica das cores, as cores não têm
autonomia simbólica, ou seja, sua existência como cor-informação só é possível quando
contextualizadas cultural e historicamente. A relação entre cor e símbolo é feito através de
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referências, mesmo que sejam de ordem natural, por exemplo, a relação entre o azul, o céu e
a paz. Sem a referência, ou outros elementos de informação e contexto, a simbologia da cor
não pode ser realizada. Mas uma vez contextualizadas, a cor agrega valor e símbolo e por isso
passam a ter papel determinante na informação visual.
Até sua construção como cor-informação, a cor passa por uma série de adequações de códigos
e sistemas simbólicos que formam as camadas de significação. Essas camadas se sobrepõem
funcionando com filtros na construção do repertório simbólico da cor. A partir dessa
colocação, Guimarães propõe um “modelo ontogênico das cores” em que é possível delimitar
cada uma dessas camadas, bem como o processo que se dá a criação da cor como informação.
Ele divide os sistemas semânticos em subsistemas que compõem o repertorio das cores da
seguinte forma resumida por nós:
Mundo Natural: cores obtidas da natureza, como animais, plantas, solos, lugares, estações
do ano, manifestações biofísicas. Esse sistema é dito por Bystrina (I. Bystrina, 1995) como
a primeira realidade. Quanto mais próximo da primeira realidade mais proximidade haverá
entre a cor-informação e os dados de uma determinada notícia. Para ele, o jornalismo se
insere nessa camada uma vez que ele parte do pressuposto de retrato da realidade.
Produção: Esse filtro se sobrepõe ao subsistema Homem, obtido pelos campos semânticos
diretamente relacionados à cultura e ao modo de produção como, artesanato, indústria, jogos,
folclore, moda e mídia. Nesse caso a cor como informações pode ser assimilada de forma
arbitrária, determinados, na maior parte dos casos, pela tradição e/ou moda.
Desse modo, a ontogenia das cores pode ser descrita pela inter-relação destes subsistemas,
que funcionam como filtros para a definição da simbologia da cor-informação.
Além dos subsistemas acima apresentados, a escolha de um sistema de cores para determinada
informação na mídia passa por dois filtros: o da Linha Editorial, no caso da mídia de
informação, que irá direcionar a informação de acordo com sua intenção, e o das Limitações
Técnicas de reprodução de cores.
A participação de cada subsistema do Modelo Ontogênico das Cores pode definir o sistema
simbólico de cores utilizados para uma mensagem, determinando:
Figura 12. Modelo ontogênico das cores desenvolvido por Luciano Guimarães, 2004. .
Segundo Guimarães, valor das mensagens que absorvemos é a soma das nossas experiências
primárias com os textos culturais vindos da camada do discurso, por exemplo, a associação
entre claro-escuro e luz e trevas. As cores estão no campo da primeira percepção, ou seja, o
valor simbólico da cor-informação se antecipa ao conteúdo narrativo ou discursivo.
De uma forma ou de outra, uma cor-informação, pode migrar para o centro do sistema
simbólico e permanecer como um símbolo perene, ou pode migrar para a periferia, se
tornando dependente de outros elementos para poder acessá-la, ou até mesmo desaparecer
dele e da memória coletiva, deixando de ser uma cor-informação para ser apenas um dado
cromático. Desse modo fica evidente a natureza dinâmica da simbologia das cores, uma vez
que ela é alimentada e alterada pelo contexto no qual está inserido.
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Por fim, Guimarães afirma que todo o sistema simbólico está intrinsecamente ligado à
natureza cultural na qual a informação é gerada e veiculada. Trazendo para a nossa cultura,
sabe-se que esta, diferentemente de muitos países, principalmente do continente europeu, é
resultado de forte miscigenação e pluralidade cultural de três origens principais: a indígena,
a portuguesa e a africana. Essas três origens formam não só o tripé cultural no qual estamos
sustentados, como também dá origem ao nosso comportamento cromático. O simbolismo
cromático brasileiro, bem como cultural, é caracterizado por ser amplamente complexo. Além
disso, nossa cultura tem forte capacidade de absorção de novas influencias. Por um lado a
característica esponjosa de nossa cultura contribui para a diluição de uma identidade cultural
única e forte. Por outro, é essa mesma variedade que enriquece o nosso repertório de códigos.
A partir disso, farei uma breve análise acerca das principais cores presentes em nosso
cotidiano, dentro do espectro solar, bem como uma abordagem do ponto de vista de seus
efeitos físicos e alguns de seus significados e símbolos do ponto de vista da herança cultural
tomando por base os estudos realizados por Israel Pedrosa (I. Pedrosa, 2009), Luciano
Guimarães (L. Guimarães), Gregory (Gregory, 1979), Eva Heller (Heller, 2005) e Narci de
Castro (Souza, 2003).
Vermelho
É uma das sete cores do espectro solar, sendo uma cor primária, tanto em cor-luz como em
cor-pigmento. Possui elevado grau de cromaticidade e é a mais saturada das cores, o que
explica sua mais visibilidade e presença. Apresenta 700 mµ de comprimento de onda no seu
ponto mais característico dentro do espectro solar. O vermelho foi a primeira das cores que o
homem pôs um nome, sendo a denominação cromática mais antiga do mundo. Provavelmente
é uma das primeiras cores que o recém nascido pode distinguir.
Cor do fogo e do sangue, o vermelho se tornou uma das cores mais importantes para muitos
povos e culturas, devido a sua íntima co-relação com o princípio da vida e com a questão
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existencial. Em muitas tribos indígenas do Brasil, a pintura do corpo com o urucum (tintura
vermelha feita a partir de sementes do urucuzeiro) desempenha papel de profilaxia e proteção
contra os espíritos do mau.
O simbolismo dessa cor se estende por muitos campos. Para muitas culturas é a cor da força,
da atividade e da agressividade. Também considerada uma cor masculina. Por ser uma cor
quente, o vermelho se tornou a cor representativa do amor e das paixões. No entanto, também
pode representar o ódio. No ocidente, pode representar a felicidade e a chegada do novo.
Na China, as mães vestem seus filhos de vermelho para expressar a alegria de tê-los trazido
ao mundo. E assim como as mulheres hindus, as chinesas também se casam de vermelho.
Representa o luxo e a nobreza em muitas culturas. Em outras, é a cor dos guerreiros,
do proletário, e de partidos políticos de esquerda. Na publicidade é uma das cores mais
utilizadas, dominando a maior parte das grandes marcas mundiais.
Laranja
Como cor-pigmento é uma cor secundária, mas quando produzida por luzes coloridas é
terciária. Seu comprimento de onda varia de 580 à 620 mµ. Resultado da mistura do vermelho
e do amarelo, proporciona equilíbrio ótico, apresentando também grande poder de dispersão.
A cor laranja tem papel secundário em nosso pensamento e em simbolismo. Uma vez que
pensamos antes no vermelho ou no amarelo, existem poucos conceitos onde o laranja é
lembrado. Seu nome procede de um fruto que em outros tempos era proveniente da Índia e,
por isso, considerada como um produto exótico. Desse modo, seu caráter exótico se estendeu
para sua cor. É uma cor bastante encontrada e apreciada no continente asiático. Na China, por
ser uma cor intermediária ente o amarelo (cor que simboliza a perfeição) e o vermelho (cor da
felicidade e poder), o laranja é considerado com a cor da transformação. No budismo tibetano,
é a cor da iluminação, representando do grau supremo da perfeição.
Na cromoterapia, é considerada como uma cor revigorante, e também atua no sistema nervoso
autônomo simpático, mas o estimula um pouco menos que o vermelho. Também atua na
estimulação das glândulas do sistema reprodutor e das supra-renais.
Amarelo
Como cor pigmento é primária e como cor luz é secundária, apresentando comprimento de
onda que varia entre 570 e 580 mµ. É a mais clara das cores e a que mais se aproxima do
branco em escala de tons.
Na antiguidade essa cor era exclusiva das mulheres em oposição ao vermelho, que era
masculino. É uma cor que está ligada ao disco solar e à imagem de Osíris, no Egito Antigo.
À cor amarela é atribuída uma infinidade de significados ao longo dos períodos históricos.
No entanto, o que se evidencia em todos os tempos é sua íntima ligação com o Sol, o ouro e
38
o fruto maduro. Por isso, em muitos períodos históricos, era a cor dos imperadores, que assim
como o Sol, estariam no centro do Universo.
O amarelo é uma cor ampla e ofuscante. Algo que se pinte de amarela parece sempre maior do
que realmente é, devido sua característica expansiva. No entanto é uma cor pouco apreciada
uma vez que é tão instável. Outra característica dessa cor refere-se às suas atribuições de
significados tão contraditórios entre si. De um lado temos o otimismo, a iluminação e o
entendimento. De outro a ofensa, mentira, inveja desapreciáveis e traidores. Além disso, é a
cor mais chamativa, e por seu efeito ótico é facilmente visto à distância, e irritante visto de
perto, sendo adotado mundialmente como cor dos sinais de advertência.
Segundo a cromoterapia é uma cor mais sugestiva do que estimulante. Atua nos sistema
nervoso central e autônomo simpático, vitaliza os neurônios, favorecendo o raciocínio e a
memória. Outra propriedade do tratamento com a cor amarela é favorecimento do combate
a preguiça funcional dos órgãos internos. Também vitaliza o coração e todo o sistema
circulatório. Essa cor atua na glândula timo, favorecendo a formação de glóbulos brancos em
defesa imunológica do organismo. Por fim, estimula o fígado e os movimentos peristálticos do
intestino através do sistema nervoso autônomo parassimpático.
Verde
Como cor luz é uma das três cores primárias e apresenta comprimento de onde de
aproximadamente 560 mµ. Como cor pigmento é cor secundária, ou binária. É o ponto
ideal de equilíbrio da mistura entre o amarelo e o azul, apresentando as potencialidades
diametralmente opostas de cada uma dessas cores – claridade e obscuridade, calor e frio,
aproximação e afastamento, movimento excêntrico e movimento concêntrico – que se
anulam fazendo surgir uma espécie de repouso feito de tensões. Depois do azul, é a cor mais
encontrada na natureza, e portanto representa a água e a mata (plantas, árvores, florestas, etc.).
A relação que vem logo após essas referências é a cor da esperança, da força, da longevidade.
O verde mais claro é amplamente utilizado em interiores de consultórios e farmácias devido a
sua característica calmante. No entanto, por ser uma cor que apresenta forte característica de
neutralidade, seus efeitos se dão principalmente quando acompanhada de outra cor. Devido
a sua freqüência e comprimento de onda, o verde é uma cor que alegra e vivifica sem causar
irritação à vista. Para alguns povos, principalmente no Oriente Médio, o verde simboliza a
sabedoria e do paraíso. Na idade moderna, os mecenas eram retratados em fundo verde, que
por sua vez identificava a cor do burguês.
Azul ou Ciano
É a mais escura das três cores primárias tanto em cor-luz quanto em cor-pigmento e por
isso tem características semelhantes ao preto, dependendo do seu matiz. Seu comprimento
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O azul, dentro da cromoterapia, é uma cor suavizante, que traz calma e serenidade e, por isso,
atua no sistema nervoso central. Essa cor é utilizada para vitalizar as glândulas da tireóide e
paratireóide, além da garganta e de órgãos do sistema respiratório.
Anil ou Índigo
Violeta
Por muito tempo foi considerada a cor da alquimia devido a seus traços misteriosos e
mágicos. Quando em tons mais escuros, apresenta mais traços do azul e do preto, dando a
idéia de angústia, melancolia e depressão. Em tons mais claros, portanto com mais traços
do vermelho, torna-se mais quente e, portanto, mais alegre. Na antiguidade era a cor dos
imperadores, a cor para honrar a Deus e a cor dos soberanos. Também é referenciada como
a cor da teologia, sendo utilizada nas túnicas dos bispos na Igreja Católica. Por outro lado,
é considerada uma cor extravagante e muito admirada. É símbolo de elegância, sofisticação,
originalidade e da vaidade. Também apresenta fortes relações com o misticismo e a magia.
Magenta ou rosa
O magenta não é uma cor pigmento primária, e como cor luz é secundária resultado da
passagem da luz do azul para o vermelho. Ao contrário das demais cores, esta cor não está
em uma única faixa de ondas no espectro; a luz magenta tem ondas tanto de vermelho quanto
de azul na mesma quantidade. Segundo a CIE (Comitê Internacional de Iluminação) o que
nós percebemos não são cores, mas estímulos de comprimentos de ondas e resultado de
como elas atingem nossa retina. As fotocélulas captam esses comprimentos de onda e nosso
cérebro interpreta como cor. O magenta não pode ser visto do espectro visível de cores. Ele
é, portanto, o resultado da interpolação de vários comprimentos de onda que atingem nossa
retina, sendo interpretados por nosso cérebro como uma cor. O magenta, comumente chamado
de rosa, é uma cor diretamente relacionada à mulher, portanto, uma cor altamente feminina.
Por isso, carrega a conotação de ser uma cor que representa a cortesia, amabilidade e a
sensibilidade. Em tons mais claros sugere suavidade, amor idealizado, delicadeza e inocência.
Em tons mais escuros representa o erotismo, a paixão e a imoralidade. Também é uma cor que
está relacionada à fantasia e tudo aquilo que não é realista.
4 – Instalações multimídias
Segundo a professora e pesquisadora Yara Rondon (Y. Rodon, 2005) ambientes imersivos e
participativos são espaços que promovem uma ilusão perceptiva e que estimulam os sentidos do
visitante através de aparatos multimidiáticos. Nesse caso, a atmosfera e o espaço são elementos
chave e indispensáveis para que a obra se realize e promova a imersão desejada no espectador.
As instalações, de modo geral, são obras cíclicas em termos temporais. Elas não se baseiam
em uma narrativa linear provida de começo e fim. O que é importante é o meio e o “entre”.
O espaço, a ambientação e os aparatos, tecnológicos ou não, interativos ou não, somam-se
para propor um universo particular ao espectador que desemboca em alterações de estados
de consciência e experiências diferenciadas causados pela vivência, percepção e impressões
captadas desse ambiente imersivo.
A instalação imersiva pode ser considerada um dos melhores exemplos artísticos no qual a
obra não acaba em si. Não existe tempo cronológico, apesar de acontecer de forma cíclica.
A obra tem seu fim no interior do próprio espectador, sem que, no entanto, ela acabe.
A experiência atinge, permanece e amadurece dentro dele. Desse modo, o espectador
é o elemento principal da obra, sem o qual não aconteceria de forma plena, apesar de
individualizada. Ele percebe a obra através de seus sentidos, tato, visão, audição e emoção
principalmente. Os elementos sensíveis fazem com que o espectador construa um conceito a
partir de suas experiências individuais e do fator emocional.
Com a tecnologia aplicada à arte, descobrem-se novos meios de criar experiências e emoções
ao espectador. Existem diferentes tecnologias de imersão que alteram a mente para causar
a ilusão. Essas tecnologias podem ser categorizadas entre as que induzem a imersão como
experiência interiorizada e as que o fazem como experiência exteriorizada. As drogas
químicas e os rituais religiosos são exemplos de experiências interiorizadas, enquanto a
televisão, o cinema, os jogos virtuais e os sistemas computacionais que criam cenários
midiáticos, como ambientes imersivos, são exemplos de experiências exteriorizadas. Nesta
categoria também se enquadram as instalações ou espaços midiáticos imersivos que podem
ser vivenciadas individual ou coletivamente. Através de aparatos tecnológicos promovem
um estado de ilusão perceptiva que podem ou não, dependendo da interatividade da obra,
convidar o visitante à participação. Em seu artigo Rondon afirma que
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Atualmente não é mais exigido que os aparatos tecnológicos que promovem a imersão
numa instalação sejam invisíveis. A experiência dentro desse ambiente pode ser considerada
autêntica mesmo que o aparato tecnológico esteja aparente, uma vez que vivemos num mundo
inundado por tecnologia por todos os lados.
No entanto, é necessário que essa tecnologia que promove a imersão esteja de acordo com a
psicologia da percepção, “que trata dos modelos mais convincentes da representação visual;
dos estudos sobre como o cérebro é persuadido; dos aparelhos de visualização que processam
as representações da realidade e as disponibilizam o mais natural possível; e ainda das
interfaces dos sistemas computacionais que estabelecem o diálogo entre os sinais de entrada
(input) e de saída (output).” (Rondon, 2005).
É importante ressaltar que para que um ambiente seja imersivo, os aparatos utilizados para
tal não são necessariamente tecnológicos. Os recursos imersivos que alteram a mente a fim
de provocar a ilusão perceptiva podem ser de natureza química, como as drogas que atuam
na neurotransmissão, religiosa através da persuasão, e multimidiáticas que estimulam e
impressionam a percepção sensorial.
As instalações imersivas, têm como objetivo, em sua maioria, a ênfase na apropriação lúdica
do conhecimento e no entretenimento. A tecnologia não é o fim, mas o meio pelo qual se
busca atingir os processos cognitivos abstratos. Elas são espaços físicos que podem ser
visitados e explorados fisicamente e até apresentar mobilidade espacial. A estrutura física da
instalação deve ser considerada como parte essencial à experiência, uma vez que ela muitas
vezes antecede a experiência da atração virtual, fazendo parte do aparato ilusionístico.
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Para o projeto de instalação foram tomados como referência trabalhos de diferentes artistas
que de alguma forma tangenciam e abordam a temática proposta. São artistas-plásticos, vídeo-
makers, cineastas e artistas multimída que não permanecem apenas em sua própria esfera de
trabalho. Circulam livremente pelos universos artísticos, trazendo para seu próprio trabalho as
mais variadas referências.
Inicialmente, como já mencionado, o tema que move o projeto é o sonho, mais precisamente,
o filme “Sonhos” de Kurosawa, de 1990. No entanto, todas as outras referências utilizadas
não são menos importantes e interferem diretamente no modo como o projeto foi pensado,
produzindo a idéia da vídeoinstalação imersiva. Entretanto, “Sonhos” de Kurosawa é apenas
um dos inúmeros filmes que abordam esse território onírico. Outros filmes fizeram parte dessa
construção, seja em termos conceituais ou em aspectos plásticos.
Os filmes que fizeram parte da criação da idéia do projeto foram Inception (A Origem -
2010) de Christopher Nolan, Mulholland Drive (Cidade dos Sonhos - 2001) e Inland Empire
(Império dos Sonhos - 2006) ambos de David Lynch, Zerkalo (O espelho - 1974), Stalker
(Stalker - 1979) e Nostalghia (Nostalgia - 1983) de Andrei Tarkovsky, La Science dês
Rêves (A ciência dos sonhos - 2006) de Michel Gondry, The Imaginarium of Dr. Parnasus
(O Imaginário do Dr. Parnasus - 2009) de Terry Gilliam, Where the Wild Things Are (Onde
vivem os monstros - 2009) de Spike Jonze, Sen to Chihiro no kamikakushi (A viagem de
Chihiro – 2001) de Hayao Miyazaki e Paprika (Paprika - 2006) de Satoshi Kon. Cada um
desses filmes tem sua particularidade na abordagem do tema do sonho, ora mais conceitual,
ora menos. No entanto, de forma geral todos falam da estranheza causada pelos sonhos, que
fica mais latente através da preocupação plástica presente nos filmes. As paisagens surreais, as
situações paradoxais, a mistura da realidade e do imaginário, o anacronismo e assincronismo
também fazem parte da narrativa dos filmes acima apontados. Nos filmes de Lynch e de Nolan
o tempo da narrativa é mais dinâmico, com a presença de muitas imagens e informação. Por
outro lado, os outros filmes transitam pelo aspecto mais lúdico e fantasioso dos sonhos, sem
deixarem de carregar sua carga conceitual. O tempo nos filmes de Tarkovsky, por exemplo,
são extremamente lentos fazendo com que o espectador perca a noção exata de quanto tempo
está assistindo a mesma cena. O diretor faz questão de explorar a seqüência nos mínimos
detalhes. O tempo de sua narrativa se assemelha muito à dos filmes orientais de forma
geral. De um modo ou de outro, todos os filmes proporcionam o espectador uma vivência e
revisitação ao mundo dos sonhos num aspecto quase que imersivo.
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Como referência de artes-plásticas, foram buscadas aquelas que trabalham diretamente com
a vídeo-instalação e que de alguma forma transitam pela temática da instalação proposta.
Pipilotti Rist (1962 -) é uma artista visual suíça que explora a fundo os aspectos fantásticos e
imersivos em suas instalações. Ela possui uma extensa lista de exposições e vídeos realizadas
inclusive no MoMA de Nova York, recebendo muitos prêmios por seus trabalhos. Suas
instalações costumam ser um convite ao visitante para se sentar ou até deitar e entrarem
nesse mundo visual e sensorial extremamente rico que ela proporciona através de amplos e
belos espaços, vídeos e trilhas bem produzidos. Tudo na instalação contribui para a imersão
total do espectador, que é envolvido por um mundo de cores, textura, sons e imagens que
remetem muito ao universo onírico e até surrealista. Em entrevista a Folha de S. Paulo
(Ezabella, 2009), Rist diz que “a imagem eletrônica é tão onipresente em nossa vida e sempre
a deixamos numa única direção, olhamos sempre para dentro de uma caixa. Nós devíamos
libertar esses fantasmas, misturá-los mais com o nosso cotidiano.” E é isso que ela propõe em
seus trabalhos. Assim como Kurosawa, e muitos outros artistas, Pipilotti Rist busca inspiração
para suas fantasias e instalações em seus sonhos, que ela anota e desenha. “Minha profissão”,
diz ela, “é manter os olhos fechados e levar essas imagens a sério. Materializá-las num filme”.
Figura 13. Vídeo-instalação de Pipilotti Rist. ‘Partit amistós – sentiments electrònics’, Barcelona, 2010.
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Figura 15. Vídeo-instalação de Pipilotti Rist. ‘Partit amistós – sentiments electrònics’, Barcelona, 2010.
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Outra artista referência é a carioca Ana Miguel, nascida em 1962, formada em Antropologia
e Filosofia Contemporânea. Em sua obra LIVRO=SONHO (2006), realizada na Galeria Anna
Maria Niemeyer, no Rio de Janeiro, Ana Miguel propõe uma instalação em que o visitante é
convidado a vivenciar a obra de maneira imersiva. Sua instalação tem como foco despertar
a memória esquecida. A partir das impressões causadas por restos, fragmentos de contos,
frases, objetos em miniatura, a artista tece fios de relações com o humor, o amor, a solidão, e
a relação com o outro de maneira lúdica e fantasiosa, inventando um mundo teatralizado, um
espaço cheio de lembranças que desperta os sentidos dos imaginários adormecidos.
Figuras 16 e 17. Instalação de Ana Miguel. ‘Livro = Sonho’, Rio de Janeiro, 2006.
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Ainda sobre instalações imersivas, Cildo Meireles, em sua obra “Desvio para o Vermelho”
além de colocar em questão o espaço tridimensional monocromático, a partir da super
saturação no uso da cor vermelha, o artista propõe um espaço que envolve o visitante numa
cor altamente excitante, não apenas em termos visuais, mas também em termos sensorais. O
conjunto de objetos que forma a instalação lembra o ambiente de uma casa, com a diferença
que num único ambiente coexistem cama, geladeira, mesa, laptop, cadeiras, enfim, todos os
tipos móveis que compõem uma casa, todos invariavelmente na cor vermelha. O ambiente
causa, ao mesmo tempo, conforto e estranheza por sua indefinição e saturação no uso da cor.
A obra também remonta a questão da lembrança, espelhada numa casa toda vermelha, como
uma crítica à repressão da década de 70, época em que o vermelho significava libertação, a
fúria e a renovação. Para Cildo, a escolha da cor está diretamente ligada à sua ambigüidade e
simbolismo. As obras do artista, de modo geral, buscam promover uma experiência sensorial
completa, convidando o visitante ao questionamento artístico.
Figuras 18 e 19. Instalação de Cildo Meireles. ‘Desvio para o Vermelho’, São Paulo, 1967.
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Dentro do campo específico do vídeo-arte, temos Bill Viola como referência fazendo uso
bastante próprio do sonho e da fantasia. Seus trabalhos focam a questão das experiências
humanas fundamentais, tais como o nascimento, a morte, o tempo, amor, ódio, e aspectos
da consciência e até a espiritualidade. Com uma estética bastante particular, Bill tem como
inspiração e referências o misticismo e o espiritualismo, principalmente do Zen Budismo,
Cristianismo e do Sufismo Islâmico. Bill acredita que uma das formas para se entender o que
está sendo visto é através do seu oposto, e, por isso, encontramos muito dualismo em seu
trabalho, como claro-escuro, calmo-agitado, silêncio-barulho. O artista procura agregar não
apenas o fator estético e videográfico à obra, mas a questão conceitual. Uma característica
bastante recorrente em suas obras é o vídeo em slow-motion onde o autor busca capturar a
essência da emoção, fazendo com que o espectador mergulhe na imagem.
Figura 21. Vídeo-instalação de Bill Viola. ‘The fall into paradise’, Sydney, 2005.
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Até então estamos falando sobre a questão da vídeoinstalação como produto da arte,
originária e ao mesmo tempo voltada para ela. O papel do designer, nesse contexto, está
na visualização do questionamento, seja ele político, social, espiritual ou emocional. O
designer como artista busca através da arte e de suas próprias ferramentas para dar vida
à seus sonhos, externalizando suas crenças de forma poética e lúdica. No entanto, não é
apenas no campo artístico que o designer que trabalha com instalações e vídeo-arte pode
exercer esse papel. Exemplo disso é um mercado que cresce cada vez mais com produções e
instalações multimídias e interativas em eventos de pequenos a grande porte. Nesse contexto
encontramos o designer inserido nessa realidade, trabalhando conjuntamente com arquitetos,
programadores, artistas, cineastas, enfim, um amplo leque de profissionais cujo escopo
consiste em agregar experiências e vivencias visuais e sensoriais cada vez mais inventivas
e imersivas, que buscam inserir o expectador numa espécie nova de “obra de arte total”.
Trabalhos com esse tipo de enfoque podem ser encontrados no escritório SuperUber, criado
pela arquiteta e designer Liana Brazil, pelo engenheiro eletrônico Russ Rive e pelo arquiteto
e cenógrafo Marcelo Pontes. Segundo os criadores desse “laboratório criativo”, a SuperUber
busca trabalhar com a “convergência entre arte, tecnologia e design, para criar projetos
cenográficos e multimídias de áreas de cultura, educação, entretenimento e propaganda”.
Figura 22. Projeto multimídia criado pela Super uber. ‘Teto Claro Cine’, Rio de Janeiro, 2008.
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Seus trabalhos circulam pelos campos desde a curadoria de arte, passando pela criação
de design interativo, vídeo e animação, cenografia, direção de arte, até a tecnologia para
instalações, festivais e exposições. O foco de seus projetos está em fazer uso criativo da
tecnologia como uma nova e eficiente forma de comunicar, agregando valor às idéias, e junto
à elas, trazendo para o mercado a arte e a imaginação.
Figura 23. Projeto multimídia criado pela Super uber. ‘Areia Musical’, São Paulo, 2009.
Figura 24. Projeto multimídia criado pela Super uber. ‘Fest Rio+15’, Rio de Janeiro, 2007.
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Este é um exemplo real de como as instalações e a arte podem ser inseridas no mercado da
comunicação visual, promovendo não apenas o aspecto lúdico dos projetos, mas levando ao
espectador a possibilidade de apreensão de uma nova forma de comunicação e envolvimento
com a mensagem. Desse modo, percebe-se que a interação criativa entre arte, tecnologia,
design e comunicação visual é não apenas possível, mas enriquecedora.
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A partir do estudo fisiológico e da natureza dos sonhos buscou-se traçar a relação dos seus
efeitos na mente humana, bem como os efeitos físicos gerados no corpo. As sensações que se
manifestam durante os sonhos são de natureza irreal, no entanto se fazem presente em nossa
mente de modo que elas e os acontecimentos dentro do sonho assemelhem-se às experiências
vividas em estado de vigília, portanto, parecendo reais. Os sonhos nos possibilitam viver
experiências muitas vezes improváveis, ou até mesmo impossíveis quando acordados. Eles
nos transportam para esse mundo ilusionístico onde o criador somos nós, mesmo que na maior
parte das vezes não tenhamos controle consciente disso.
Junto ao tema do sonho e das sensações que eles promovem, resgata-se no filme de Kurosawa
a questão das cores. Seja nos filmes ou nos sonhos, as cores contribuem de maneira decisiva
para a temática, denotando o clima do ambiente. Dependendo da paleta de cores presentes
no ambiente ela pode atribuir um clima mais pesado ou mais leve ao ambiente e à narrativa,
assim como a iluminação de uma peça pode dirigir o entendimento da uma cena. Sendo
assim, além de comporem a cena, as cores influenciam o clima da cena ou da situação, sendo
as principais responsáveis por despertar determinados sentimentos. Após o estudo das cores,
tanto a nível psicológico como fisiológico, bem como seus efeitos sobre a visão e percepção,
foi estabelecida a relação direta entre o estado onírico, as imagens dos sonhos, e as cores
que as compõem. A instalação pretende, desse modo, convidar o espectador a experienciar
um sonho em estado lúcido e desperto. Um momento em que ele se permite a revisitação de
seu interior por meio de estímulos exteriores. O abandono do tempo linear para viver uma
completa imersão assimilando imagens, sons e texturas, somando-as as suas experiências
passadas à seus próprios sonhos e imagens, criando, a partir daí, seu próprio estado onírico.
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A estrutura da instalação consiste numa membrana semi-esférica revestido por tecido opaco
conhecido como bagun e sustentada por uma malha estrutural de alumínio, formando um
hemisfério. A parte externa é completamente opaca e branca a fim de não deixa entrar
nenhuma luminosidade no interior da estrutura, de modo que a entrada é feita por apenas uma
pequena passagem. Na parte interna, compridas e largas faixas de voal, uma espécie de tecido
transparente, são distribuídas no interior do homogênea. No interiror do hemisfério os tecidos
pendurados dividem espaço com almofadas e “pufs” brancos. O amplo espaço pretende
seduzir o visitante a sentar-se ou deitar-se pelas almofadas espalhadas enquanto experiencia
a instalação multimídia com projeções por todo o ambiente. Além do vídeo projetado,
a instalação conta com a iluminação de varas de leds instalados no perímetro interno da
membrana. Os leds são programados para mudar de cor de minuto em minuto de forma lenda
e contínua, passando por todas as cores do vermelho ao violeta, e retornando ao vermelho no
final do ciclo. Essa mudança na iluminação acompanhará o vídeo que estará sendo projetado,
e que por sua vez também retornará ao início, em “loop”. Ao mesmo tempo, a instalação conta
também com trilha sonora que contribuirá para o estado imersivo do espectador.
Figura 25. Projeto vídeo instalação. ‘Sonho’. Vista aérea da área de transparência.
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Estrutura e detalhamento
Haste de alumínio
Figura 30. Detalhe dos encaixes da estrutura de alumínio da instalação.
Figura 31. Detalhe do icosaedro utilizado para a geodésica da estrutura: triângulo de três freqüências.
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Figura 32. Detalhe do icosaedro utilizado para a geodésica da estrutura: triângulo geodésico
de três freqüências.
Membrana externo
de bagum revestindo
Malha estrutura a malha estrutural
de alumínio
Planta e corte.
1) Corte AA’
Projetor 360º
Membrana usada Membrana usada
para a projeção. para revestir a
malha estrutural
2) Planta baixa
Estrutura metálica
O vídeo tem como tema o sonho, mas não pretende inundar o visitante com imagens soltas
e sem sentido. Como o objetivo da instalação é convidar o espectador a criar suas próprias
imagens a partir das experiências vividas nesse ambiente, o vídeo sugere mais do que
mostra. As imagens de água remontam a idéia de inconsciente, de fluidez dos pensamentos,
da “amorfabilidade” da imaginação, a leveza e transparência da matéria e da inconstância
do tempo. Ao mesmo tempo em que o olhar do observador perambula pelas projeções que
revestem as paredes, os tecidos, o chão e ele próprio, a iluminação modifica-se de modo que
desperte no visitante diferentes estados de espírito. Agregada à todas as formas de estímulos
presentes da membrana onírica, a trilha sonora composta por um mashup de sons e pequenos
trechos de músicas, somado à efeitos sonoros de água contribui para que espectador mergulhe
profundamente nesse ambiente, fundindo-se às imagens, deixando-as entrarem e saírem
livremente, como que entrando num estado de hipnose através do transbordamento de sua
imaginação e da alteração de suas emoções.
Figura 40. Projeto vídeo instalação. ‘Sonho’. Frames capturados do video do projeto.
62
Num extremo, uma galeria fechada, ou um centro cultural já atribuem à obra o valor de arte, e
portanto, fazem com que o espectador crie esse conceito pré-definido a partir do seu status. No
outro extremo, situado num local que não tivesse as condições necessárias para que o espectador
aceitasse o convite à obra, tão pouco ela teria o efeito desejado. Num local como a Praça XV,
por exemplo, as pessoas de modo geral estão preocupadas demais com o tempo, com suas
obrigações, e não há nenhum tipo de predisposição do ambiente para comportar a instalação
da maneira apropriada. No meio do caminho, entre o ambiente destinado à arte e outro ao
cotidiano, o Aterro do Flamengo é capaz de receber a obra e os espectadores de igual maneira.
O Aterro é um local, como outros no Rio de Janeiro, em que as pessoas vão para passear,
caminhar, apreciarem a natureza e relaxar. A instalação destina-se às pessoas que de algum
modo estão pré-dispostas a vivenciarem a experiência da instalação de maneira natural e
livre de conceitos. Além disso, todo o ambiente ao redor, repleto de beleza e tranqüilidade,
contribui para que a obra seja realizada da maneira mais plena possível, uma vez que ela
dialoga com o ambiente, sem interferir ou ser diretamente interferida por ele.
Figura 41. Projeto vídeo instalação. ‘Sonho’. Vista aérea da localização. Aterro do Flamengo.
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Durante a vivência na instalação o espectador não apenas assiste a obra, mas participa dela.
Aqui a obra não acaba nunca. Ela está em constante devir e construção. Uma vez que a
experiência é semeada no espectador-autor através da obra imersiva, ela é carregada dentro
dele transformando-se e misturando-se com a vivência do próprio ser que a carrega. Não é o
entendimento que conta aqui, mas a experiência vivida, trocada, modificada a cada minuto.
Pretende-se com essa obra oferecer ao espectador não um outro ponto de vista sobre o sonho
ou a imaginação, mas convidá-lo a mergulhar por alguns minutos num ambiente que não
necessariamente precisa fazer sentindo para existir, mas apenas deixar os sentidos fluírem
dentro do tempo de cada um. As imagens e os sons que percorrem o ambiente, despertando
o imaginário e os sentidos do espectador, e ele por sua vez transforma-as dentro de si,
permitindo-se o tempo para a revivescência de estados oníricos e fantásticos.
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Conclusão
Utilizando com inspiração poética o filme “Sonhos”de Kurosawa, foi feita uma pesquisa
em torno da questão dos sonhos em termos não apenas da fisiologia, mas dos seus efeitos
em nossa vida, bem como os estudos da psicologia e a visão do cultura oriental sobre eles.
A partir daí foi possível analisar os sonhos que compõem o filme de Kurosawa, num total
de oito episódios. Tomando o filme como ponto de partida para o tema do sonho utilizado
como objeto de pesquisa na instalação, foram traçados relações entre o roteiro do filme, a
plasticidade presente nele, a influência das cores em cada episódio e a semiótica.
Em seguida, tomando essas relações entre sonho, realidade, sensações, cores, semiótica
e imersão foi pensado e elaborado uma instalação que trouxesse ao público um ambiente
onde ele pudesse vivenciar uma espécie de sonho lúcido, uma vez que ele está acordado. No
entando, a soma da estrutura da instalação, cenografia utilizada, a sonoplastia e a projeção
podem estimular um visitante de tal forma que este tenha a sensação de que o lugar no qual
se encontra seja um lugar aquém do mundo real. Dentro da membrana da instalação o usuário
pode explorar esse estado de espírito onírico que se faz presente, combinando os estímulos
exteriores com suas próprias lembranças e imaginação. Aqui, a atmosfera e o espaço foram
elementos essenciais para que a obra promovesse a imersão desejada no espectador.
Para completar o cenário onírico afim de estimular ainda mais a imaginação do usuário
foi produzido um video que transita por esse mesmo espaço. O video trata-se de imagens
subaquáticas em slow motion sem uma narrativa linear, que combinado com a trilha sonora
convidam o usuário a vivênciar ao máximo essa imersão no subconsciente, liberando
sua própria imaginação e se deixando estimular pelas imagens e pelo som. Desse modo,
a vivência da video instalação e desse universo particular é única para cada visitante. O
objetivo é atingir o imaginário do próprio visitante causado pela alteração do seu estado de
consciencia, pelas experências diferenciadas, pela vivência, percepção e impressões captadas
desse ambiente imersivo. Seu fim, então, está no interior do próprio espectador, sem que,
no entanto, a obra acabe, uma vez que a experiência desse universo o atinge, permanece
e amadurece dentro dele. O objetivo da instalação não é fazer sentido ou promover algum
tipo de entendimento, mas apenas a experiência do sensível. O sentido da obra é a própria
experiência promovida, no caso, a essencial experiência do sonho, esquecida na falta de
tempo cotidiana.
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