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* Extraído da dissertação “O Centro de Atenção Psicossocial e a inserção da família”, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006. 1 Enfermeira. Mestre
em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pelotas, RS, Brasil. guisela@pop.com.br 2 Professora Adjunta da Escola de
Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil.
agnes@enf.ufrgs.br
Recebido:
O 24/10/2006
centro de Atenção Psicossocial e Rev Esc Enferm USP
Aprovado:
as estratégias13/04/2007
para inserção da família
Schrank G, Olschowsky A
2008; 42(1):127-34.
www.ee.usp.br/reeusp/ 127
INTRODUÇÃO da internação de longos períodos, por um tratamento que
não isola os pacientes de suas famílias e da comunidade,
O primeiro contato que temos com o mundo é através mas que envolve os familiares no atendimento com a de-
dos nossos pais, pois é na família onde recebemos os vida atenção necessária, ajudando na recuperação e na re-
primeiros valores, estabelecemos as primeiras relações integração social do indivíduo com sofrimento psíquico.
afetivas, encontramos as respostas para as questões do Nossa vivência no CAPS nos motivou a estudar a famí-
dia-a-dia e compartilhamos nossas dúvidas, angústias lia e seu doente, pois suas relações apontavam para o
e temores. A família tem fundamental importância para preconceito e desconhecimento dos familiares em rela-
a formação do indivíduo, porque constitui a base, o ali- ção à doença mental, fazendo-nos pensar: Será que a fa-
cerce principal para o desenvolvimento humano. Embora mília dispõe de um preparo emocional e assistencial para
essa seja quase sempre representada por um conjunto acolher e cuidar de seu familiar adoecido? Como a famí-
de pessoas, ela também se constitui de relações afetivas lia tem participado no resgate da cidadania do doente
estabelecidas entre os membros sanguíneos ou não(1). mental? A família tem recebido orientações suficientes
Refletindo sobre nossa experiência em saúde mental, para colaborar no cuidado de seu familiar?
percebemos que quando um familiar adoece, ocorre uma Frente essa temática, pensamos ser necessário conhe-
mudança na convivência diária da família, causando an- cer práticas assistenciais que envolvam tanto os usuários
siedade e preocupação, pois, na maioria das vezes, acre- quanto os familiares para, desse modo, buscar a partici-
ditamos que estamos imunes à doença. O adoecimento é pação de ambos nas atividades do serviço desempenha-
um evento imprevisto que desorganiza o modo de funcio- das por uma equipe multiprofissional comprometida em
namento de uma família. ajudar, dividindo com as famílias o tempo e a
A situação amplia-se na vivência da doen- responsabilidade de cuidar, de apoiar nas
O CAPS é um serviço dificuldades e de oferecer suporte e atenção.
ça mental, pois junto com a patologia psiqui-
átrica vem associados o estigma, o precon- substitutivo de atenção Uma das mudanças proporcionadas
ceito e a exclusão do indivíduo com sofri- em saúde mental que com a reestruturação da assistência psiquiá
men-to psíquico. Sentimentos como revolta, tem demonstrado trica foi a de possibilitar que o doente men-
medo, vergonha, entre outros, fazem a com- efetividade na tal permaneça com sua família, mas para
plexidade desse fenômeno, pois o doente e a substituição da que este convívio seja saudável e positivo, é
família, além do tratamento, devem apreen- internação de longos preciso que o serviço esteja inserido numa
der a lidar com o imaginário da incapacida-
períodos, por um rede articulada de apoio e de organizações
de e periculosidade do louco, evitando os
próprios preconceitos e os da sociedade(2). tratamento que não que se proponham a oferecer um continuum
de cuidados(2).
isola os pacientes
Assim, consideramos um desafio para os de suas famílias e O comprometimento da família no cui-
familiares cuidarem uma pessoa com doen-
ça mental, o que em parte justifica este estu-
da comunidade. dado do doente exige uma nova organiza-
ção familiar e aquisição de habilidades que
do, pois requer enfrentamento de valores e podem, num primeiro momento,desestru-
sentimentos estigmatizados dos indivíduos e da socieda- turar as atividades diárias dos familiares. Porém, essa
de os quais exigem, para este processo, uma mudança no responsabilidade do familiar com seu adoecido também
olhar essa pessoa, passando a enxergá-la com capacida- é positiva, pois além de intensificar suas relações, o fa-
des e potencialidades, possibilitando a convivência com miliar torna-se um parceiro da equipe de saúde para cui-
a diversidade. dar do usuário, sendo facilitador nas ações de promoção
Por muitos anos, a pessoa com diagnóstico de doença da saúde mental e de inserção do indivíduo em seu meio.
mental foi tratada em instituições que tinham como prin-
Muitas vezes, o familiar responsável concentra sua
cípio terapêutico fundamental o isolamento(2).
dedicação e seu tempo no cuidado da pessoa com sofri-
Na atualidade, após os movimentos de crítica à institui- mento psíquico, o que pode levar a transformações na sua
ção psiquiátrica, os hospitais psiquiátricos são substituí- vida, como dificuldades no trabalho e diminuição do
dos por serviços de caráter extra-hospitalar como o CAPS lazer(3). Pensamos que a equipe de saúde mental deve estar
(Centro de Atenção Psicossocial), Núcleo de Atenção aten-ta e comprometida com essa problemática: a dificul-
Psicossocial (NAPS), Ambulatório de Saúde Mental, Hospi- dade/complexidade do cuidado da família e do usuário,
tal-dia, Serviços de Saúde Mental nos Hospitais Gerais, Cen- buscando construir dispositivos de apoio e mecanismos
tros de Convivência, Pensão Protegida, Lares Abrigados en- que facilitem a participação e a integração da família.
tre outros que buscam a reinserção do indivíduo com sofri-
mento mental na sociedade e o resgate da sua cidadania. Nesta multiplicidade de sujeitos envolvidos, a família
se destaca pelo seu papel de cuidadora e por ser, mui-
O CAPS é um serviço substitutivo de atenção em saúde tas vezes, o elo mais próximo que os usuários têm com o
mental que tem demonstrado efetividade na substituição mundo(4).
O CAPS tem orientado suas práticas de acordo com o Os integrantes do grupo têm a possibilidade de com-
modo psicossocial, considerando a família como a base partilhar as situações vivenciadas com o usuário, assim
fundamental no processo de reinserção da pessoa com como, os profissionais têm a oportunidade de orientar e
sofrimento psíquico na sociedade e no próprio meio fami- esclarecer o familiar quanto às situações da vida cotidi-
liar(4). Configuram-se como atividades de atenção à famí- ana, destacando o dispositivo grupal como
lia no CAPS Fragata o acolhimento, a visita domiciliar, o estratégia privilegiada por sua capacidade diferenciadora,
atendimento individual e em grupo aos familiares, bus- intercessora nos processos contemporâneos individuali-
cando assim, implementar essa parceria e a interação zados de experimentação da subjetividade(10).
entre os atores desse processo.
A vivência em grupo possibilita o senso de inclusão,
Assim, o CAPS busca o redirecionamento da assistên- valorização e identificação nas experiências coletivas dos
cia nos responsáveis do tratamento no contexto da refor- problemas de saúde. Além disso, pode favorecer a escuta
ma psiquiátrica brasileira por meio da inserção familiar, e, na medida em que se dispõe de vários olhares acerca
pois de uma mesma problemática, a capacidade resolutiva mu-
é reconhecido o valor da participação da família na assis- tuamente se reforça(11).
tência ao doente mental, para o alcance de melhor qualida-
Desse modo, o cuidado produzido no grupo é resulta-
de de vida do doente e da família(8).
do de uma força coletiva cuja responsabilidade tam-
A parceria com a família se constitui em estratégias de bém se encontra nas mãos do coordenador do grupo, o
mobilização e comprometimento para lidar com a loucu- qual deve ter um
ra no território, proporcionando a potencialidade de tro- olhar atento à singularidade dos sujeitos, o que implica
cas entre o serviço, usuário e sua rede social(3). uma atenção personalizada dirigida à construção de um
Desse modo, apresentamos uma das temáticas processo terapêutico que leve em conta as particularida-
emergidas nesta pesquisa: estratégias de inserção famili- des de cada situação(9).
ar para o cuidado da pessoa que sofre psiquicamente. Os Assim, a participação da família no grupo constitui
entrevistados trazem em suas falas as seguintes estraté- uma oportunidade de
gias que oportunizam a parceria da família no cuidado:
grupo de família, atendimento individual, busca/chama- [...] procurar trazer o problema da família para motivar os
mento, oficinas e a visita domiciliar. familiares também, porque tem muitas pessoas que se
sentem sobrecarregadas com o paciente, e o CAPS vai
Dentre estas estratégias, o grupo de família apareceu incentivar para que o familiar faça parte do processo de
como a principal atividade: tratamento (EP9).
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