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A RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO ESTADO
POR OMISSÃO
Augusto Vinícius Fonseca e Silva
RESUMO
Trata da responsabilidade civil do Estado por seus atos omissos com base na Constituição Federal de 1988, art. 37, § 6º, e no Código Civil de 2002,
art. 43.
Analisa a controvérsia sobre a natureza da responsabilidade estatal, se objetiva ou subjetiva, bem como expõe as divergências na doutrina e na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Propõe a interpretação sistemática das normas que regem o instituto, por propiciar sejam elas tomadas em seu conjunto e em harmonia com todo o
ordenamento jurídico, presidido pela Constituição.
Defende a responsabilidade objetiva do Estado, portanto sem a exigência da caracterização da culpa do agente para o reconhecimento do dever de
indenizar, conclusão a que chega após examinar a necessidade de interpretar o aludido artigo do novo Código Civil à luz da Constituição de 1988, cujos
princípios passaram a permear o Direito Civil.
PALAVRAS-CHAVE
Estado; Responsabilidade – civil, objetiva; omissão; Constituição Federal; Direito Civil; Supremo Tribunal Federal; Superior Tribunal de Justiça;
Código de Defesa do Consumidor.
D
doutrina de José dos Santos Carva- tência de causa excludente desse
esde a Constituição Federal de lho Filho: Se comparado esse texto nexo, isto é, fato da vítima ou de ter-
1946, o ordenamento jurídico com o do art. 15 do Código Civil, não ceiro, caso fortuito ou força maior6. Ao
brasileiro optou pela respon- será difícil observar que foram retira- contrário, a teoria do risco integral
sabilização extracontratual do Esta- dos da norma os pressupostos da inadmite que se oponham as exclu-
do pela via objetiva. conduta contrária ao direito e da dentes. E fez bem o legislador cons-
Não chegamos a cogitar da inobservância de dever legal, exata- tituinte brasileiro, senão haveria risco
irresponsabilidade de seus atos, pois, mente aqueles que denunciavam a de todos os danos serem atribuídos
como nos informa Sérgio Cavalieri Fi- adoção da responsabilidade subjeti- ao Estado. E tal não pode ser admiti-
lho, mesmo à falta de disposição le- va, ou com culpa. Resulta da altera- do, sob pena de promovê-lo a segu-
gal específica, a tese de responsabi- ção da norma que o direito pátrio, atra- rador universal. Consoante lições do
lidade do Poder Público sempre foi vés da regra constitucional, passou Ministro Gilmar Ferreira Mendes, o
aceita como princípio geral e funda- a consagrar a teoria da responsabili- Direito brasileiro, como é sabido por
mental de Direito1. dade objetiva do Estado, na qual não todos nós, aceita a teoria da respon-
Mesmo antes desse marco era exigida a perquirição do fator cul- sabilidade objetiva do Estado. Mas,
constitucional, as constituições bra- pa. Interpretação comparativa leva a será que isso quer dizer a responsa-
sileiras jamais se desprenderam da concluir-se que o art. 15 do Código bilidade do Poder Público por qual-
responsabilidade do Estado. Prescre- Civil sofreu derrogação pelo advento quer fato ou ato, comissivo ou
viam as constituições anteriores uma do art. 194 da Constituição de 1946 3 . omissivo no qual esteja envolvido,
espécie de solidariedade estatal em Daí em diante, não mais se re- direta ou indiretamente? Qualquer
relação aos atos de seus agentes. tirou do sistema jurídico brasileiro a acadêmico de Direito que tenha uma
Cuidava-se, até então, de res- responsabilidade civil do Estado. mínima noção dos requisitos para a
ponsabilidade fundada em culpa ci- Como disserta, pontualmente, o cita- configuração dessa responsabilidade
vil (imprudência, imperícia ou negli- do Sérgio Cavalieiri Filho, a partir da sabe que não 7 .
gência), sendo necessária, dessa for- Constituição de 1946, a responsabili- A Carta de 1988 pontificou no
ma, a demonstração da culpa do fun- dade civil do Estado brasileiro pas- art. 37, § 6º: as pessoas jurídicas de
cionário público para tentar obter a sou a ser objetiva, com base na teo- Direito Público e as de Direito Priva-
indenização. ria do risco administrativo, onde não do prestadoras de serviços públicos
O Código Civil de 1916, envol- se cogita de culpa, mas, tão-somen- responderão pelos danos que seus
vido nessa atmosfera subjetiva, tra- te, da relação de causalidade. Prova- agentes, nessa qualidade, causarem
zia em seu art. 15: As pessoas jurídi- do que o dano sofrido pelo particular a terceiros, assegurado o direito de
cas de Direito Público são civilmente é conseqüência da atividade adminis- regresso contra o responsável nos
responsáveis por atos de seus repre- trativa, desnecessário será perquirir casos de dolo ou culpa. Daí se pode
sentantes que nessa qualidade cau- a ocorrência de culpa do funcionário notar, com Hely Lopes Meirelles, que
sem danos a terceiros, procedendo ou, mesmo, de falta anônima do ser- a Constituição seguiu a linha traçada
de modo contrário ao Direito ou fal- viço. O dever de indenizar da Admi- nas constituições anteriores, e, aban-
tando a dever prescrito por lei, salvo nistração opor-se-á por força do dis- donando a privatística teoria subjeti-
o direito regressivo contra os causa- positivo constitucional que consagrou va da culpa, orientou-se pela doutri-
dores do dano. o princípio da igualdade dos indiví- na do Direito Público e manteve a res-
Note-se, pois, que as expres- duos diante dos encargos público 4. ponsabilidade objetiva da Adminis-
sões acima destacadas denotam, às Substanciando a consagrada tração, sob a modalidade do risco
claras, a responsabilidade estatal responsabilidade estatal objetiva, administrativo. Não chegou, porém,
baseada na culpa. veio a teoria do risco administrativo. aos extremos do risco integral 8 .
Mas, na maioria das vezes, Como toda atividade estatal é exer-
nesses casos, como nos informa o cida, direta ou indiretamente, em be- 1.2 O ESTADO COMO PRESTADOR
Prof. Caio Mário da Silva Pereira2, tor- nefício de todos, prega essa teoria DE SERVIÇOS E OS USUÁRIOS –
nava-se difícil – quando não impossí- que, também no caso de dano, o Es- RELAÇÃO JURÍDICA DE NATUREZA
vel – à vítima a demonstração da cul- tado, que representa todos, deve su- CONSUMERISTA
pa do agente público, por se encon- portar o ônus de sua atividade sem
trar em posição de inferioridade dian- que se cogite da culpa de seus agen- No rastro da proteção da parte
te do ente estatal, e, por isso, rara- tes. Donde se pode concluir, junta- mais fraca numa relação jurídica, em
mente atingia tal desiderato e, mente com Carlos Roberto Gonçalves 1990 vem a lume a Lei n. 8.078/90,
comumente, ficava sem ver repara- que, para o dever estatal de indeni- consagrada como Código brasileiro
dos os danos. zar, não se exige, pois, comportamen- de Defesa do Consumidor.
Sensível a tal situação de de- to culposo do funcionário. Basta que Num primeiro instante, define
sigualdade, o constituinte de 1946 haja o dano, causado por agente pú- consumidor como toda pessoa física
resolveu dar acolhida à responsabili- blico agindo nessa qualidade, para ou jurídica que adquire ou utiliza pro-
dade civil estatal sem perquirição que decorra o dever do Estado de duto ou serviço como destinatário fi-
acerca do elemento culpa. Prescre- indenizar 5 . nal (art. 2º, caput).
veu no art. 194: as pessoas jurídicas Risco administrativo não é si- Fornecedor, por sua vez, é
de Direito Público interno são civilmen- nônimo de risco integral. A teoria do toda pessoa física ou jurídica, públi-
te responsáveis pelos danos que os risco administrativo vincula-se à res- ca ou privada, nacional ou estrangei-
ABSTRACT