Professional Documents
Culture Documents
*
Helena Beatriz Moreno Velazquez, professora de filosofia da EMF SÃO PEDRO,
Pós-Graduada em Filosofia E Seu Ensino pela Universidade do Rio dos Sinos –
Unisinos, acadêmica de filosofia da PUCRS- CAMPUS VIAMÃO. Telefone: 51
33191857, endereço: Estr. João De Oliveira Remião, 748.
um caminho para o encontro com a felicidade? Da maneira como nossos
amigos acima nos apresentam, a filosofia é um eterno peregrinar,
acompanhada de uma busca constante entre o conhecer a si mesmo e o
conhecer o mundo, com vistas de encontrar a felicidade, permeada pela
amizade, enquanto virtude. Dentro deste pensamento, por que não
apresentar a filosofia nas escolas como uma amiga para um pensar
melhor, um sentir melhor, um viver melhor? Na escola, podemos
desenvolver o diálogo, conduzido pela amizade como um caminho de
reflexão filosófica, tendo em vista a filia como virtude condutora do pensar
ético e da prática da liberdade. Este peregrinar filosófico pautado pela
amizade que nos leva a beber na fonte do saber e refletir o mundo, que
nos faz sentir parte dele e responsáveis pela sua melhoria e pela busca da
nossa felicidade, é o papel da filosofia enquanto amizade pelo saber
enquanto transformadora da nossa existência.
O que dizer da filosofia enquanto amizade pelo saber? A amizade é uma
espécie de amor (filia), “com efeito, uma das coisas mais belas é a
sabedoria, e o Amor pelo belo, de modo que é forçoso o Amor ser filósofo
e, sendo filósofo, estar entre o sábio e o ignorante” (PLATÃO, 1972, 42).
Estando entre o sábio e o ignorante implica que quem filosofa não é sábio,
mas aquele que aspira por aprender. Sendo conduzido pelo amor, não
qualquer amor, mas aquele amor que torna os homens bons, através da
busca do que é bom, para o corpo e para o espírito, estará no caminho
certo para aprender.
Em O Banquete, nas conversações de Sócrates com seus amigos, este
relata o diálogo com Diotima. Esta esclarece que o Amor (Eros) é filho de
Poros, o Esperto, (filho de Métis, a Prudência) e Penia, a Pobreza, sendo
assim se dirige ao que é belo e à filosofia, por influência do pai, mas
segue também a natureza da mãe: vive nas ruas, sem conforto; oscila
entre a riqueza e a miséria, entre a sabedoria e a tolice. O Amor, este
mensageiro entre os deuses e os homens, já que não é um deus, seria o
encarregado de levar aos homens o conhecimento da virtude (o belo, o
bom), e o encontraríamos costumeiramente nas ruas, sem conforto, entre
a miséria, para mostrar àqueles desafortunados qual o caminho da
virtude, qual o caminho da felicidade. A filosofia conduzida por Eros
andaria por todos os caminhos, entre o belo e entre o sábio, mas como
também é de sua natureza entre a miséria e a tolice, levando a beleza e a
sabedoria, buscando conquistar a quantos puder, para transformá-los
através da virtude.
Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo
quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem
demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a
hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que
ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz. (EPICURO, p. 21)
Que idade seria a mais adequada para o filosofar? Em que momento da
vida deveríamos empreender essa caminhada? Em Epicuro encontramos
os apontamentos necessários para respondermos aos questionamentos
acima, basta estarmos dispostos a filosofar, desejarmos a felicidade,
praticarmos a transformação de nossa existência, não renunciar a vida,
mas vivê-la, em toda a sua plenitude, em qualquer idade, a qualquer
momento, renunciar o que é contrário ao bem, para a minha vida, para
um viver melhor, mais sabiamente. O convívio com a filosofia desde a
tenra idade é uma prática necessária ao pensamento, um desafio que
pode iniciar desde cedo. O admirar-se e a pronunciação da pergunta
devem ser acompanhados do raciocínio, do diálogo, da elaboração de
hipóteses, que nos auxilia na construção de significados, na prática da
liberdade, na compreensão do mundo. Através do diálogo com a filosofia
aprendemos a nos situar como humanos, enquanto humanos, capaz de
nos expressar e de aproximarmos-nos através da linguagem. O diálogo
entre amigos é mais prazeroso, é aberto, transparente. Reconhecendo-me
no amigo sinto-me à vontade para a pergunta espontânea, abro meu
pensamento e posso desnudar-me sem medo de estar sendo
inconveniente ou de demonstrar que ignoro, já que todos desejamos
aprender e estamos em busca da verdade de um encaminhamento para o
nosso pensamento a partir da filosofia enquanto amor pelo saber. O
filosofar entre amigos. Estando entre amigos não só os colegas de classe,
mas tendo o professor como um amigo o aluno sentir-se-á a vontade para
o filosofar.
A partir do diálogo, das diversas tentativas da pergunta e da resposta da
busca pelo conhecimento, da solução dos problemas que se apresentam,
num primeiro momento como o despejar do que o atormenta, num
segundo momento, já esgotado o que tinha para dizer, o aluno reflete,
retorna ao início e inaugura o seu pensar, ainda repleto do pensar
construído a partir do mundo que o cerca, mas com outro sentido,
buscando um significado pertinente ao seu pensar. Neste momento em
que se inaugura ao inaugurar o seu pensar se sente livre para expressar
seu pensamento, liberta a si mesmo das amarras da opressão, percebe
que pode colocar-se diante do outro sem medo de ser ridicularizado, desta
maneira está sendo ouvido e exercendo sua liberdade. Este sentido de
liberdade não é o mesmo de estar vivo, tem um sentido maior, mais
amplo, se estende ao fato de que o aluno está inaugurando a si mesmo
enquanto sujeito autônomo, não é o outro que o induz ao que dizer, não
segue quaisquer sinais que apontem respostas, mas é ele mesmo que se
revela. Esta caminhada acompanhada pela amizade (filia), esta espécie de
amor, faz com que o aluno se sinta abraçado, acolhido, respeitado. Ao
olhar para os colegas, ao ser olhado pelo professor encontrará amigos de
uma mesma caminhada empreendida em busca do saber.
“Deves servir à filosofia para que possas alcançar a verdadeira liberdade.
(EPICURO, 1973, p. 21) No dizer do filósofo na filosofia estaria contida a
verdadeira liberdade sendo esta e apenas esta a que deve ser alcançada.
O diálogo como prática filosófica também se apresenta como prática da
liberdade, não como uma liberdade comum, a de simplesmente existir,
mas como nos aponta Epicuro a verdadeira liberdade. O querer aprender
enquanto pensamento original, possibilita que o aluno apresente suas
idéias e aguarde a apresentação das idéias do outro. Ouvindo o outro,
permite a ele expressar o seu pensar, compartilha com ele a liberdade de
apresentar nossos pensamentos, não tão preocupado em expressar uma
opinião e que ela seja aceita, mas agora praticando a liberdade do pensar,
enquanto pensar. Esta prática do filosofar, enquanto diálogo entre amigos
o faz sentir um ser no mundo, um ser do mundo, isso permite a
compreensão de si mesmo, não só como um ser único, particular, mas
enquanto humanidade, ele busca então a compreensão deste mundo,
enquanto ambiente que o envolve e desenvolve. Ouvir o outro, ouvir a si
mesmo, é uma atitude ética que se encontra na amizade (filia), este
aproximar-se de si mesmo e do outro, o faz perceber a liberdade do
expressar o seu pensar e o pensar do outro, o respeito de si e do outro,
como um bem de cada um, e como um bem a ser compartilhado
reciprocamente, bem como a ser estendido a todos. Ninguém é dono da
verdade, mas cada um necessita ter uma verdade a qual buscar,
questionar, e que este buscar deve ser conduzido por valores, por uma
ética do bem comum: eu me importo comigo e com o outro, eu me
importo com os outros. O que vale é dizer da sua maneira, pensar do seu
modo, buscar uma existência autônoma.
Este diálogo que permite a liberdade do meu dizer, a liberdade do dizer do
outro, só pode acontecer transpassado pela ética, uma atitude em vista do
bem, não apenas o meu bem, mas o bem em si. “A virtude é, pois, [...]
isto é a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio
racional próprio do homem [...]”. (ARISTÓTELES, 1979, p. 73) o filósofo
nos chama a atenção para a relação que a virtude ética tem com a razão,
ela seria aquela que nos auxiliaria na mediania de nossos sentimentos,
ações ou atitudes através do autocontrole, através do diálogo, um
exercício conduzido pela amizade, procurando agir segundo a virtude com
temperança usando o autodomínio, nos encaminhando para o esforço de
superar a nós mesmos, resistindo a certos desejos e prazeres, buscando
uma vida de moderação, buscando o bem, fazendo o bem.
Esta atitude dialógica perpassada pela ética encaminha o aluno para um
conhecimento mais aprofundado de si mesmo e uma avaliação de seus
pensamentos, sentimentos e ações que o constituem como um “eu”.
Desta maneira procura agir segundo a virtude (filia), buscando no
autocontrole a forma de um agir melhor, em relação a si e em relação ao
outro. Este exercício dialógico necessita ser praticado constantemente
tornando-se um hábito. A virtude (filia) é, portanto uma busca filosófica
daqueles que filosofam juntos, daqueles que se exercitam juntos, através
do diálogo, através da liberdade advinda deste diálogo, da ética praticada
pelos homens bons, que são bons entre si e em vista do bem e em vista
da felicidade, como o bem mais caro a se buscar.
[...] Não considero interessante apenas que a filosofia ocupe
espaços. Dentro e fora das escolas, importa,
fundamentalmente, compreender o que ela faz nesses
espaços, o tipo de filosofia que se pratica (e ensina), sua
relação com outras áreas do saber, com a instituição escolar
e as outras instituições da vida econômica, social e política
do país. Convém, especialmente, considerar a relação que
professores e alunos envolvidos com a filosofia estabelecem
entre si e com ela. Importa, antes de mais nada o tipo de
pensamento que se afirma e se promove sob o nome de
filosofia.(Walter Omar Kohan, 2002, p.22)