You are on page 1of 13

FILOSOFIA NA ESCOLA

Um diálogo conduzido pela amizade


Helena Moreno*
luzfelicidade@yahoo.com.br

Um amigo é uma única alma habitando dois corpos. (Aristóteles)

Como viver sem amigos? Esta é uma questão que acompanha a


humanidade há séculos. Sócrates granjeava amigos, Aristóteles em Ética
a Nicômaco faz reflexões sobre ela: “visto que ela é uma virtude ou
implica virtude, sendo, além disso, sumamente necessária à vida”
(ARISTÓTELES, 1978, p. 179), Cícero em Lélio, ou a Amizade é chamado
a escrever sobre esta que é uma espécie de amor (filia), Epicuro faz de
sua vida uma verdadeira ode à amizade através de seu Jardim de Atenas,
no qual recebe e trata a todos como amigos, “em lugar de reunir os seus
auditores numa sala num ginásio ou num pórtico, dava-lhes lições ao ar
livre; falando familiarmente com uns e com outros, de modo que se não
via nele um mestre rodeado de discípulos, mas um grupo de amigos que
filosofavam juntos”. (Epicuro, 1973 p.12). A palavra amigo, quando
pronunciada, produz tal encantamento que somos possuídos por uma
energia que nos envolve e que nos faz sentir próximos aos nossos amigos,
como se estivessem conosco, nos sentimos envolvidos pelo carinho e pelo
calor do abraço do amigo. É uma situação mágica que dispensa
explicações para aqueles que compartilham da grandiosidade de ter um
amigo.
Sócrates, até seus últimos momentos, compartilhou com seus amigos
instantes de júbilo, pois dividiam o mesmo amor entre si e entre o objeto
de seu amor, a filosofia. Se a vida compartilhada com um amigo é mais
saborosa e prazerosa, por que não envolvê-la com a filosofia, enquanto

*
Helena Beatriz Moreno Velazquez, professora de filosofia da EMF SÃO PEDRO,
Pós-Graduada em Filosofia E Seu Ensino pela Universidade do Rio dos Sinos –
Unisinos, acadêmica de filosofia da PUCRS- CAMPUS VIAMÃO. Telefone: 51
33191857, endereço: Estr. João De Oliveira Remião, 748.
um caminho para o encontro com a felicidade? Da maneira como nossos
amigos acima nos apresentam, a filosofia é um eterno peregrinar,
acompanhada de uma busca constante entre o conhecer a si mesmo e o
conhecer o mundo, com vistas de encontrar a felicidade, permeada pela
amizade, enquanto virtude. Dentro deste pensamento, por que não
apresentar a filosofia nas escolas como uma amiga para um pensar
melhor, um sentir melhor, um viver melhor? Na escola, podemos
desenvolver o diálogo, conduzido pela amizade como um caminho de
reflexão filosófica, tendo em vista a filia como virtude condutora do pensar
ético e da prática da liberdade. Este peregrinar filosófico pautado pela
amizade que nos leva a beber na fonte do saber e refletir o mundo, que
nos faz sentir parte dele e responsáveis pela sua melhoria e pela busca da
nossa felicidade, é o papel da filosofia enquanto amizade pelo saber
enquanto transformadora da nossa existência.
O que dizer da filosofia enquanto amizade pelo saber? A amizade é uma
espécie de amor (filia), “com efeito, uma das coisas mais belas é a
sabedoria, e o Amor pelo belo, de modo que é forçoso o Amor ser filósofo
e, sendo filósofo, estar entre o sábio e o ignorante” (PLATÃO, 1972, 42).
Estando entre o sábio e o ignorante implica que quem filosofa não é sábio,
mas aquele que aspira por aprender. Sendo conduzido pelo amor, não
qualquer amor, mas aquele amor que torna os homens bons, através da
busca do que é bom, para o corpo e para o espírito, estará no caminho
certo para aprender.
Em O Banquete, nas conversações de Sócrates com seus amigos, este
relata o diálogo com Diotima. Esta esclarece que o Amor (Eros) é filho de
Poros, o Esperto, (filho de Métis, a Prudência) e Penia, a Pobreza, sendo
assim se dirige ao que é belo e à filosofia, por influência do pai, mas
segue também a natureza da mãe: vive nas ruas, sem conforto; oscila
entre a riqueza e a miséria, entre a sabedoria e a tolice. O Amor, este
mensageiro entre os deuses e os homens, já que não é um deus, seria o
encarregado de levar aos homens o conhecimento da virtude (o belo, o
bom), e o encontraríamos costumeiramente nas ruas, sem conforto, entre
a miséria, para mostrar àqueles desafortunados qual o caminho da
virtude, qual o caminho da felicidade. A filosofia conduzida por Eros
andaria por todos os caminhos, entre o belo e entre o sábio, mas como
também é de sua natureza entre a miséria e a tolice, levando a beleza e a
sabedoria, buscando conquistar a quantos puder, para transformá-los
através da virtude.
Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo
quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem
demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a
hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que
ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz. (EPICURO, p. 21)
Que idade seria a mais adequada para o filosofar? Em que momento da
vida deveríamos empreender essa caminhada? Em Epicuro encontramos
os apontamentos necessários para respondermos aos questionamentos
acima, basta estarmos dispostos a filosofar, desejarmos a felicidade,
praticarmos a transformação de nossa existência, não renunciar a vida,
mas vivê-la, em toda a sua plenitude, em qualquer idade, a qualquer
momento, renunciar o que é contrário ao bem, para a minha vida, para
um viver melhor, mais sabiamente. O convívio com a filosofia desde a
tenra idade é uma prática necessária ao pensamento, um desafio que
pode iniciar desde cedo. O admirar-se e a pronunciação da pergunta
devem ser acompanhados do raciocínio, do diálogo, da elaboração de
hipóteses, que nos auxilia na construção de significados, na prática da
liberdade, na compreensão do mundo. Através do diálogo com a filosofia
aprendemos a nos situar como humanos, enquanto humanos, capaz de
nos expressar e de aproximarmos-nos através da linguagem. O diálogo
entre amigos é mais prazeroso, é aberto, transparente. Reconhecendo-me
no amigo sinto-me à vontade para a pergunta espontânea, abro meu
pensamento e posso desnudar-me sem medo de estar sendo
inconveniente ou de demonstrar que ignoro, já que todos desejamos
aprender e estamos em busca da verdade de um encaminhamento para o
nosso pensamento a partir da filosofia enquanto amor pelo saber. O
filosofar entre amigos. Estando entre amigos não só os colegas de classe,
mas tendo o professor como um amigo o aluno sentir-se-á a vontade para
o filosofar.
A partir do diálogo, das diversas tentativas da pergunta e da resposta da
busca pelo conhecimento, da solução dos problemas que se apresentam,
num primeiro momento como o despejar do que o atormenta, num
segundo momento, já esgotado o que tinha para dizer, o aluno reflete,
retorna ao início e inaugura o seu pensar, ainda repleto do pensar
construído a partir do mundo que o cerca, mas com outro sentido,
buscando um significado pertinente ao seu pensar. Neste momento em
que se inaugura ao inaugurar o seu pensar se sente livre para expressar
seu pensamento, liberta a si mesmo das amarras da opressão, percebe
que pode colocar-se diante do outro sem medo de ser ridicularizado, desta
maneira está sendo ouvido e exercendo sua liberdade. Este sentido de
liberdade não é o mesmo de estar vivo, tem um sentido maior, mais
amplo, se estende ao fato de que o aluno está inaugurando a si mesmo
enquanto sujeito autônomo, não é o outro que o induz ao que dizer, não
segue quaisquer sinais que apontem respostas, mas é ele mesmo que se
revela. Esta caminhada acompanhada pela amizade (filia), esta espécie de
amor, faz com que o aluno se sinta abraçado, acolhido, respeitado. Ao
olhar para os colegas, ao ser olhado pelo professor encontrará amigos de
uma mesma caminhada empreendida em busca do saber.
“Deves servir à filosofia para que possas alcançar a verdadeira liberdade.
(EPICURO, 1973, p. 21) No dizer do filósofo na filosofia estaria contida a
verdadeira liberdade sendo esta e apenas esta a que deve ser alcançada.
O diálogo como prática filosófica também se apresenta como prática da
liberdade, não como uma liberdade comum, a de simplesmente existir,
mas como nos aponta Epicuro a verdadeira liberdade. O querer aprender
enquanto pensamento original, possibilita que o aluno apresente suas
idéias e aguarde a apresentação das idéias do outro. Ouvindo o outro,
permite a ele expressar o seu pensar, compartilha com ele a liberdade de
apresentar nossos pensamentos, não tão preocupado em expressar uma
opinião e que ela seja aceita, mas agora praticando a liberdade do pensar,
enquanto pensar. Esta prática do filosofar, enquanto diálogo entre amigos
o faz sentir um ser no mundo, um ser do mundo, isso permite a
compreensão de si mesmo, não só como um ser único, particular, mas
enquanto humanidade, ele busca então a compreensão deste mundo,
enquanto ambiente que o envolve e desenvolve. Ouvir o outro, ouvir a si
mesmo, é uma atitude ética que se encontra na amizade (filia), este
aproximar-se de si mesmo e do outro, o faz perceber a liberdade do
expressar o seu pensar e o pensar do outro, o respeito de si e do outro,
como um bem de cada um, e como um bem a ser compartilhado
reciprocamente, bem como a ser estendido a todos. Ninguém é dono da
verdade, mas cada um necessita ter uma verdade a qual buscar,
questionar, e que este buscar deve ser conduzido por valores, por uma
ética do bem comum: eu me importo comigo e com o outro, eu me
importo com os outros. O que vale é dizer da sua maneira, pensar do seu
modo, buscar uma existência autônoma.
Este diálogo que permite a liberdade do meu dizer, a liberdade do dizer do
outro, só pode acontecer transpassado pela ética, uma atitude em vista do
bem, não apenas o meu bem, mas o bem em si. “A virtude é, pois, [...]
isto é a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio
racional próprio do homem [...]”. (ARISTÓTELES, 1979, p. 73) o filósofo
nos chama a atenção para a relação que a virtude ética tem com a razão,
ela seria aquela que nos auxiliaria na mediania de nossos sentimentos,
ações ou atitudes através do autocontrole, através do diálogo, um
exercício conduzido pela amizade, procurando agir segundo a virtude com
temperança usando o autodomínio, nos encaminhando para o esforço de
superar a nós mesmos, resistindo a certos desejos e prazeres, buscando
uma vida de moderação, buscando o bem, fazendo o bem.
Esta atitude dialógica perpassada pela ética encaminha o aluno para um
conhecimento mais aprofundado de si mesmo e uma avaliação de seus
pensamentos, sentimentos e ações que o constituem como um “eu”.
Desta maneira procura agir segundo a virtude (filia), buscando no
autocontrole a forma de um agir melhor, em relação a si e em relação ao
outro. Este exercício dialógico necessita ser praticado constantemente
tornando-se um hábito. A virtude (filia) é, portanto uma busca filosófica
daqueles que filosofam juntos, daqueles que se exercitam juntos, através
do diálogo, através da liberdade advinda deste diálogo, da ética praticada
pelos homens bons, que são bons entre si e em vista do bem e em vista
da felicidade, como o bem mais caro a se buscar.
[...] Não considero interessante apenas que a filosofia ocupe
espaços. Dentro e fora das escolas, importa,
fundamentalmente, compreender o que ela faz nesses
espaços, o tipo de filosofia que se pratica (e ensina), sua
relação com outras áreas do saber, com a instituição escolar
e as outras instituições da vida econômica, social e política
do país. Convém, especialmente, considerar a relação que
professores e alunos envolvidos com a filosofia estabelecem
entre si e com ela. Importa, antes de mais nada o tipo de
pensamento que se afirma e se promove sob o nome de
filosofia.(Walter Omar Kohan, 2002, p.22)

Esta questão apresentada pelo professor Kohan é da maior importância


para o ensino como um todo. Precisamos ao invés de formar alunos para
uma sociedade falida, encará-lo como um ser humano capaz de pensar
por si próprio, pensar sua realidade, pensar seus problemas, não apenas
isoladamente, mas em conjunto, em irmandade, objetivando a
transformação interior de cada um e a construção de uma sociedade
melhor, voltada para o sujeito e para a pessoa deste sujeito. O aluno não
é um ser isolado, não deve aceitar tudo o que ouve ou lê como verdades
já prontas, precisa discutí-las, repensá-las, colocar-se como um ser do
mundo, um ser no mundo, voltar-se para a prática de ações efetivas
buscando a melhoria do ambiente em que vive. É no despertar do
pensamento autônomo que o aluno vai sentir-se responsável, vai se
importar com o ambiente a sua volta e vai buscar um agir ético, segundo
as virtudes. Este é o papel da filosofia na escola, este é o papel do
professor de filosofia, olhar seu aluno como um sujeito capaz, e procurar
despertá-lo do casulo em que se oculta, não por sua culpa, não por sua
vontade, mas por causa da opressão que sofre nos diversos ambientes em
que convive. Na prática de sala de aula o conhecer o aluno é o primeiro
passo. Não só sua bagagem cognitiva, mas quem ele é como são suas
relações consigo mesmo e com a turma, com a família, com a
comunidade.
A prática do diálogo na sala de aula é o caminho para um hábito de
relações permeadas pela filia, esta espécie de amor que nos encaminharia
para um viver melhor também em sociedade já que a força da amizade é
tamanha que resiste a toda a prova, até a distância, seu poder é tamanho
que nos impulsiona a estender a virtude aos outros, ela nos faz amar por
amor, sermos honestos, justos, abrir nosso coração aos outros. A filosofia
enquanto amizade pelo saber constituída pela filia é a busca constante do
amor como afirmação da existência em busca da sabedoria. Esta seria o
papel da filosofia, auxiliar o aluno a empreender a busca de um viver
melhor, conduzido pela sabedoria.
A sabedoria não é utopia. Nenhuma utopia é sabia. O mundo
não é para ser sonhado, mas transformado. A sabedoria? É
antes de mais nada certa relação com a verdade e com a
ação, uma lucidez tônica, um conhecimento em ato, e ativo.
(ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, 2002, p.140-141)

Nesta afirmação vemos a “relação da verdade com a ação” como


afirmação da existência. Para sentir-nos vivos precisamos agir,
movimentar-nos, mobilizar-nos, mobiliar ações, individuais e coletivas. A
filosofia, portanto afirmaria a existência, afirmando esta relação da
verdade com a ação. Dentro da escola a filosofia proporcionaria um
diálogo aberto com os diversos saberes, populares e científicos,
redimensionaria o saber numa relação aberta de discussão, em que o
objeto do saber não seria o conteúdo, mas o saber enquanto saber
(sofia), resignificando este saber, transformando a escola num lugar de
investigação enquanto busca pelo saber.Temos uma responsabilidade
social que necessita ser resgatada: a de praticar ações embasadas pelo
saber científico e pela ética, saberes estes que devem ser ensinados nas
escolas, com vistas à melhoria do bem estar de todos, ensinando o
conviver através da filosofia numa atitude ética, praticando as virtudes
éticas, aquelas conduzidas pela filia que nos auxiliariam na transformação
interior de cada um.
Retornaremos à proposição do professor Kohan em relação a sua
preocupação com o ensino da filosofia nas escolas. Qual filosofia? Qual
pensamento? Penso que a reflexão filosófica através do diálogo, voltada
para a prática da ética e da liberdade, do perguntar, do ser ouvido, do
ouvir, do expressar-se através da linguagem, falada, escrita, enfim, o
pensamento, a meu ver é este o caminho para a prática da filosofia nas
escolas, o caminho para a transformação. O diálogo espontâneo seria a
tradução do filosofar, não através de um questionamento vago, de um
perguntar induzido, conduzido pelo professor, mas o perguntar do aluno,
o dialogar entre os alunos, com a mediania do professor, um amigo entre
amigos. Da mesma forma que as virtudes se formam no hábito, sou justo
ao praticar atos justos, sou corajoso ao praticar atos de coragem, através
da prática do diálogo, cultivo este hábito, enquanto inauguro o meu
pensar, reflito sobre o meu pensar, me constituo e me significo ao
dialogar com os colegas (amigos). Tendo a verdade como caminho, as
discussões sobre os temas escolhidos se encaminharão não para o
esgotamento, mas para a formulação de perguntas, não como mero
duvidar, mas como a busca da compreensão do mundo, a compreensão
dos problemas do mundo, dos meus problemas, de mim enquanto ser no
mundo, ser do mundo. Esta compreensão do mundo não basta, ela pode
justificar uma atitude de indiferença, “eu compreendo, mas nada posso
fazer”, o isentar-se das responsabilidades, o saber e nada fazer, é uma
atitude e uma prática que necessita ser banida das escolas, e creio que a
filosofia tem muito a contribuir para isso. O pensar a escola, o pensar o
aprender, o pensar a minha prática enquanto professor é o caminho para
a transformação. O professor de filosofia tem uma importante tarefa pela
frente, a de lutar nos espaços possíveis da escola por uma mudança de
ótica e de caminhos, ou seja, o olhar sobre o aluno, o olhar sobre o papel
do professor, o olhar sobre a comunidade e trabalhar por mudanças
possíveis em prol de um viver melhor.
Importa também levar a filosofia para fora dos muros da escola. Que
muros seriam estes? Os muros que separam a escola da rua? Da
comunidade? Do que se passa na sociedade? Podemos pensar em outros
“muros” que dependendo de quem os ergue e de que são feitos podem
ser intransponíveis. Poderíamos citar como exemplo, a autoridade do
professor enquanto autoritarismo como um muro que afasta o aluno do
aprender. O professor colocando-se como o único que detém o saber
numa atitude arrogante impossibilitaria esta busca pela sabedoria, e a
autonomia do aluno, já que este não é visto como capaz de formular suas
próprias questões, de pensar por conta própria, de achar a solução dos
problemas de resignificar o saber. Este tipo de “muro” necessita ser
derrubado urgentemente para que haja uma transformação efetiva,
mudando uma perspectiva vertical para uma perspectiva horizontal,
alunos e professores lado a lado como amigos que filosofam juntos. O
papel do professor, portanto é o papel do sábio, que sabe que “nada sabe”
no sentido de não saber tudo, de não ser dono da verdade, mas de ter a
verdade como caminho, de sempre ignorar algo, de sempre estar
iniciando o caminho em busca de um saber, a caminhada empreendida em
busca da sabedoria.
O saber além dos muros também nos aproximaria da comunidade,
precisamos conhecer o entorno, as pessoas que lá residem, suas
necessidades, seus sonhos, seus desejos, suas aspirações, é o conviver
que deve ser buscado, valorizado numa atitude ética, praticando as
virtudes éticas, numa experiência humana, do convívio conduzido pela
amizade. Que responsabilidade ética queremos ensinar senão
acompanhada de ações práticas em favor do ambiente ao qual
pertencemos? De que nos adianta conhecermos teoricamente os espaços,
a história construída nestes espaços, os cálculos que nos trarão o domínio
dos mesmos, o entender, o interpretar a linguagem, o pensamento, os
seres vivos e sua interação como o meio, etc. senão para que possamos
nos descobrir, nos promover, nos encontrar, nos alegrar, praticar o
conviver e sermos felizes? No convívio da escola, devemos voltar-nos
para a disseminação desta prática, começando por nós mesmos,
percebendo nossos colegas como amigos, companheiros de jornada,
desejando o bem, praticando atos bons com vistas do bem estar de todos.
A amizade (filia) seria a condutora das relações dentro da escola, tendo
como objetivo comum o ensinar-aprender praticado nos diversos espaços
de discussões na sala de aula e nas demais relações humanas.
Como professor ao olharmos para nosso aluno o nosso olhar deve ser de
acolhimento, pois o aluno é alguém que tem algo a transmitir, um algo
que faz diferença, que faz toda a diferença, pois nele está contido um
saber e este deve ser valorizado como ponto de partida para o diálogo na
sala de aula, pois somos pensamento, linguagem, expressão, criação,
somos muito mais do que acreditamos ser, e devemos ir à busca deste
algo mais como promoção da vida em busca da transformação do homem
com vistas à felicidade. Devemos como professores de filosofia, portanto,
ter as virtudes como princípio, a verdade como caminho, a ética como
meio, a fim de buscar a transformação de nossos alunos, a transformação
de nós mesmos enquanto experiência filosófica. A atitude ética nos coloca
não acima, mas ao lado daqueles a quem pretendemos ensinar, não
apenas como mestres, mas também como aprendentes, tendo em vista a
educação para o bem comum, se ocupando com ações nobres, as quais
beneficiariam a todos, praticando atos bons, enquanto homens bons.
Ensinar é uma aventura, aprender é uma aventura, viver é uma aventura,
no sentido do aventurar-se, do desvendar, do ir à busca de, no sentido de
uma peregrinação objetiva, do trilhar um caminho, de fazer este caminho
ao caminhar, de superar os limites. No momento histórico em que nos
encontramos, da globalização da violência, da prepotência com nome de
democracia, do avanço tecnológico que ao invés de promover o bem
estar, isola o homem do próprio homem, coloca o valor no ter, no possuir,
afastando-o da alegria de sentir-se, perceber-se enquanto alguém a se
buscar, a se construir, numa atitude autônoma, é urgente a mudança de
paradigma. Valorizar não só o corpo, numa visão de finitude, de desprezo
à continuidade da vida, seja ela em relação à continuidade da espécie, a
perpetuação da cultura, do saber, do homem, para a valorização do
espírito, como portador da racionalidade e da sensibilidade: “eu penso
enquanto sinto”, sou pensamento, sou linguagem. “[...] o bem do homem
nos aparece como uma atividade da alma em consonância com a virtude,
e, se há mais de uma virtude, com a melhor e mais completa.”
(ARISTÓTELES, 1979 p. 56) como nos diz o Estagirita para que uma vida
seja realizada é preciso o exercício da virtude, não só buscando, mas
atuando a virtude. Esta atividade da alma, o agir segundo a virtude,
consiste também na busca da felicidade.
Buscando a valorização da amizade (filia), esta espécie de amor, tendo-a
como condutora das relações dentro da escola em vistas de um viver
melhor, estaremos realizando o exercício da virtude ética, da prática da
liberdade. Buscando a prática da filosofia na comunidade numa atitude
ética do “eu me importo” procurando conhecer suas necessidades e
aspirações em forma de ações de melhoria do ambiente em que convivo
estaremos estreitando relações e promovendo a transformação da
sociedade.

[...] um colaborador da natureza humana melhor que o


Amor não se encontraria facilmente. Eis por que eu afirmo
que deve todo homem honrar o Amor, e que eu próprio
prezo o que lhe concerne e particularmente o cultivo, e aos
outros exorto, e agora e sempre elogio o poder e a virilidade
do Amor na medida em que sou capaz. (SÓCRATES, 1972,
p. 49)

A filosofia conduzida pela filia perpassada pela ética é o caminho para o


filosofar nas escolas em busca de um viver melhor.Esta caminhada
conduzida pela amizade (filia), também nos conduz para a felicidade.
Desta maneira nos damos conta de que a virtude é nossa aliada para
vencer nossos impulsos, que muitas vezes nos levam a cometer más
ações e que necessitamos de bens que nos são caros, como o
autodomínio, a autonomia, a temperança, que nos auxiliam na busca de
um viver melhor. Sozinhos não conseguimos viver, é demasiado o esforço
para não ser compartilhado com os amigos, como o exercício da virtude.
Este caminho transpassado pela ética permite a prática da liberdade
através do diálogo com o saber, um diálogo entre amigos, que possibilita
uma caminhada filosófica em busca da transformação da alma, em busca
da transformação da existência.
Uma filosofia voltada para o bem comum, em vista da transformação de
cada um e do meio ao qual pertencemos é a que deve ser ensinada-
aprendida nas escolas. Também somos fruto do meio em que vivemos e
se este meio é opressor, repressor, precisamos fazer da sala de aula um
lugar de relações permeadas por valores, o valor-virtude, buscando
colocar em prática estes valores. Esta não é uma tarefa fácil, mesmo
sendo as aulas de filosofia um espaço aberto para que o diálogo aconteça,
mesmo aí existem alguns mal entendidos, o dizer tudo o que pensa não
medir as palavras muitas vezes causa ofensas, o estabelecimento de
regras facilita, mas funciona como mais um repressor, estas devem ser
construídas com vistas ao bem comum, visando o respeito, a liberdade. O
exercício da ética através do ouvir e ser ouvido é um hábito possível,
quero ser ouvido, para isso tenho que escutar, mas esta prática para
quem não é ouvido em casa, para quem não pode expressar-se, e não
tem o hábito de pensar por si próprio torna-se difícil de ser praticada.
Este é o primeiro desafio, estar em constante atenção, vigiando para não
cometer injustiças proporcionar ao aluno o respeito de si próprio,
melhorar sua auto-estima através do olhar acolhedor, convidativo, da
palavra amiga, sem censurá-lo, mas buscando o movimento da reflexão,
do aceitar o que se pensa como um caminho que pode ser trocado por
outro mais justo, mas para isso precisamos pensar concretamente, avaliar
o todo, não discriminar.
Ter como objetivo a construção de um espaço em que o aluno se perceba
como alguém que faz diferença, na família, na escola, na comunidade, na
sociedade é o papel do professor de filosofia. É o papel da filosofia
enquanto amor pelo saber, transpassada pela ética através da amizade,
afirmando a existência, numa relação da verdade com a ação,
transformando a escola em um lugar de investigação, resignificando o
saber além dos muros numa experiência humana, promovendo o diálogo
entre os saberes científico e popular a partir do diálogo promovido em sala
de aula inaugurando um novo pensar, inaugurando um fazer novo,
inaugurando um novo mundo.

You might also like